13/02/2013

São Roberto Bellarmino - Capítulo V - As sete palavras de Cristo na Cruz


O primeiro fruto que se há de colher da consideração da segunda Palavra dita por Cristo na Cruz.
Tradução: Permanência

Podemos colher alguns frutos, tirados da segunda palavra dita na Cruz. O primeiro fruto é a consideração da imensa misericórdia e liberalidade do Cristo, e de como é bom e útil servi-lo. As muitas dores que Ele, Nosso Senhor, sofria, poderiam ser alegadas como escusa para não escutar a petição do ladrão; mas, em Sua caridade divina, preferiu olvidar Suas próprias dores atrozes a não escutar a oração de um pobre pecador penitente. Esse mesmo Senhor não respondeu nada às maldições e
imprecações dos sacerdotes e soldados, mas ante o clamor de um pecador a se confessar, Sua caridade proibira-lhe permanecer em silêncio. Quando é ultrajado não abre a boca, porque é paciente; quando um pecador confessa sua culpa, fala, porque é bondoso. Que dizer, pois, de Sua liberalidade? Os que servem a um chefe temporal com freqüência obtêm uma magra recompensa por muitos labores. Entre esses não raro vemos os que terão gasto os melhores anos de sua vida ao serviço de príncipes, e se retiram em idade avançada com mirrado salário. Mas o Cristo é um Príncipe verdadeiramente liberal, um Amo verdadeiramente magnânimo. Das mãos do bom ladrão não recebe nenhum serviço, exceto algumas palavras bondosas e o desejo cordial de o assistir, e, como galardão, com que grande prêmio o retribui! Nesse mesmo dia, todos os pecados que cometera durante sua vida são perdoados; é igualado aos principais de seu povo, a saber, os patriarcas e os profetas; e, finalmente, o Cristo o eleva para partilhar de sua mesa, de sua dignidade, de sua glória e de todos os seus bens. “Hoje”, disse, “estarás comigo no Paraíso”. O que Deus diz, faz. Tampouco difere essa recompensa para algum dia longínquo, mas, àquele mesmo dia, derrama em seu seio “uma medida boa, cheia, recalcada, transbordante"1.
O ladrão não é o único que experimentara a liberalidade do Cristo. Os apóstolos, que tudo abandonaram — seja um barco, um ofício de coletor de impostos ou um lar — para servir ao Cristo, foram feitos por Ele “príncipes de toda a terra"1, submetendo-lhes demônios, serpes e toda casta de enfermidades. Se algum homem deu por esmola alimento ou vestimenta aos pobres em nome de Cristo, escutará estas palavras consoladoras no Dia do Juízo: “Tive fome, e me deste de comer... estava desnudo, e me vestiste"3, receba tua recompensa, e entra na posse do meu Reino Eterno. Enfim, para não nos demorarmos em muitas outras promessas de recompensa, poderia o homem crer na quase inacreditável liberalidade do Cristo, se não fosse o mesmo Deus quem prometesse que “todo o que deixar a casa, ou os irmãos ou irmãs, ou o pai ou a mãe, ou os filhos, ou os campos, por causa do meu nome, receberá o cêntuplo e possuirá a vida eterna"4?

São Jerônimo e os outros santos doutores interpretam o texto acima citado desta maneira: se um homem, pelo amor do Cristo, abandona tudo nesta vida presente, receberá uma dupla recompensa em adição à vida de valor incomparavelmente maior que a pequenez da que se deixara. Em primeiro lugar, receberá um gozo ou dom espiritual nessa vida, cem vezes mais precioso que o objeto temporal que pelo Cristo desprezara; um homem espiritual escolheria antes conservar esse dom à substituí-lo por cem casas ou campos, ou outras coisas semelhantes. Em segundo lugar — como se Deus Todo-poderoso considerasse tal recompensa como de pequeno ou nenhum valor — o feliz comerciante que troca bens terrenos por celestiais receberá no outro mundo a vida eterna, palavra esta que contém um oceano de todo o bem.

Essa é, pois, a maneira por que o Cristo, o grande Rei, mostra sua liberalidade aos que se entregam sem reservas aos seus serviços. Não são estultos os homens que, abandonando as bandeiras de tal monarca, desejam fazer-se escravos de Mamón, da gula, da luxúria? Mas os que ignoram aquilo que Cristo considera como verdadeira riqueza poderiam obstar que estas promessas não passam de palavras, pois muitas vezes verificamos que os amigos diletos do Senhor são pobres, esquálidos, abjetos e sofridos e, por outro lado, nunca enxergamos a tal recompensa centuplicada, que se diz tão magnífica. Assim é porque o homem carnal não pode ver o cêntuplo que Cristo prometeu, pois não tem olhos com que possa vê-los; não participará jamais desse gozo durável, que engendra uma consciência pura e um verdadeiro amor de Deus. Contudo, darei um exemplo para mostrar que até um homem carnal pode apreciar os deleites e as riquezas espirituais. Lemos, num livro de exemplos sobre os varões ilustres da ordem Cisterciense, que um certo homem, nobre e rico, chamado Arnulfo, abandonou toda sua fortuna e fez-se monge cisterciense, vivendo sob a autoridade de São Bernardo. Deus testou a virtude desse homem mediante dores amargas e muitos tipos de sofrimentos, em particular no final de sua vida; numa certa ocasião, quando sofria mais agudamente que de costume, clamou com voz forte: “Tudo o que dissestes, oh! Senhor Jesus, é verdade”. Ao perguntar-lhe, os que estavam presentes, qual a razão de sua exclamação, respondeu-lhes:

”O Senhor, em Seu Evangelho, diz que os que abandonam suas riquezas e todas as coisas por Ele receberiam o cêntuplo nesta vida e, após, a vida eterna. Compreendo largamente a força e a gravidade desta promessa, e reconheço que estou agora a receber o cêntuplo por tudo que abandonei. Em verdade, a grande amargura desta dor me é tão agradável por causa da esperança [que tenho] na Divina Misericórdia, que me estenderão os sofrimentos, dos quais não consentiria libertar-me, ainda que a cem vezes o valor da matéria mundana que abandonei. Porque, em verdade, a alegria espiritual que se concentra na esperança do que há de vir ultrapassa cem vezes toda alegria mundana, que brota do presente”.

O leitor, ao ponderar estas palavras, poderá julgar em quão grande estima se há de ter a virtude vinda do céu da esperança infalível, da felicidade eterna.

1.     Lc 6,38.
2.     Sal 45,17.
3.     Mt 25,35.36.
4.     Mt 19, 29.


Capítulo 5: O primeiro fruto que se há de colher da consideração da segunda Palavra dita por Cristo na Cruz.

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