Tradução: Permanência
O segundo fruto que se há de
colher da consideração da segunda palavra é o conhecimento do poder da divina
graça e da debilidade da vontade humana; tal conhecimento é o de que a melhor
política consiste em depositar toda a confiança na graça de Deus, e em desconfiar
inteiramente da própria força. Se algum homem quer conhecer o poder da graça de
Deus, volte os olhos ao bom ladrão. Era notório
pecador, pecara durante o
perverso curso de sua vida até ao momento em que fora subjugado à cruz, i. é,
ao momento quase derradeiro de sua vida; nesse momento crítico, com a salvação
em jogo, nada havia que pudesse aconselhá-lo ou assisti-lo. Embora estivesse
bem próximo a seu Salvador, ouvia tão-somente os sumos sacerdotes e fariseus a
declará-Lo sedutor e homem ambicioso que buscava alcançar poder soberano. Ouvia
também seu companheiro exprimindo-se perversamente em termos similares. Não
havia boa palavra em favor de Cristo, e até o Mesmo Cristo não refutava as
blasfêmias e maldições. Contudo, com a assistência da graça de Deus, quando as
portas do céu lhe pareciam cerradas, e os adros infernais abertos a recebê-lo,
e o pecador tão afastado da vida eterna quanto possível – fora de súbito
iluminado desde o alto: seus pensamentos dirigiram-se ao canal apropriado e
confessou Cristo por inocente e Rei do Mundo que há de vir e, como ministro de
Deus, censurou o ladrão que o acompanhava, persuadindo-o de seu arrependimento,
e encomendou-se humilde e devotamente a Cristo. Em suma, foram tão perfeitas
suas disposições que as dores da crucificação compensaram todo sofrimento que
pudesse guardar para o purgatório, de tal modo que, tão logo morrera, ingressou
no gozo do Senhor. Por tal circunstância, fica evidente que se não deve
desesperar da salvação, pois o ladrão que entrou na vinha do Senhor à hora
duodécima, recebeu o prêmio com os que vieram à hora primeira. Por outro lado,
para nos permitir ver a magnitude da debilidade humana, o mau ladrão se não
converte nem pela imensa caridade de Cristo — o Qual orou com amor profundo por
Seus executores — nem pela grandeza dos próprios sofrimentos, nem pela
admoestação e exemplo do companheiro, nem pela escuridão temporã, pelas rochas
fendidas ou pela conduta dos que, após a morte de Cristo, retornaram à cidade
golpeando o peito. Tudo isso se sucedeu depois da conversão do bom ladrão, para
nos mostrar que, se por um lado, um pode se converter sem auxílios, outro, com
todos os auxílios, não pôde, ou, em realidade, não quis ser convertido.
Poder-se-ia argumentar: por que
Deus dera a graça da conversão a um e negou-lha a outro? Contestar-se-ia que a
ambos se deram a graça suficiente para a conversão, e que se um pereceu,
pereceu por culpa própria e, se o outro se converteu, foi convertido por graça
de Deus, não sem a cooperação de sua própria vontade livre. Todavia,
poder-se-ia perguntar: por que Deus não dera a ambos a graça eficaz, capaz de
sobrepujar o mais endurecido dos corações? A razão de que assim não sucedera é
um desses segredos que podemos admirar, mas não penetrar; devemos repousar no
pensamento que não há injustiça em Deus, como disse o Apóstolo [Rm 9, 14],
pois, como aquilo de Agostinho, os juízos de Deus podem ser secretos, mas não
podem ser injustos. Aprender com esse exemplo a não adiar a conversão até à
proximidade da morte, eis a lição que nos respeita de forma imediata. Ainda que
um dos ladrões cooperasse com a graça de Deus no último momento, o outro a
rechaçou, caindo em perdição para sempre. Quem estuda história, ou observa o
que se lhe sucede ao redor, sabe que a regra é os homens terminarem uma vida
perversa com uma morte miserável, de sorte que é exceção o pecador morrer
feliz; por outro lado, não é comum que os que vivem bem e santamente tenham um
fim triste e miserável, mas sim que muitas pessoas boas e piedosas entrem, depois
da morte, na posse dos gozos eternos. As que, em assunto de tal monta como a
felicidade ou tormento eternos, ousam permanecer em estado de pecado mortal,
ainda que por um só dia, são por demais néscias e presunçosas, porquanto após a
morte não há lugar para arrependimento e, uma vez no inferno, já não há
redenção.
Capítulo4: Explicação textual da segunda palavra: “Amém, Eu te digo: Hoje estaráscomigo no paraíso.”
Capítulo
6: O segundo fruto que se há de colher da consideração da segunda Palavra dita
por Cristo na Cruz.
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