17/02/2013

São Roberto Bellarmino - Capítulo VI - As sete palavras de Cristo na Cruz – O segundo fruto que se há de colher da consideração da segunda Palavra dita por Cristo na Cruz.


Tradução: Permanência

 

O segundo fruto que se há de colher da consideração da segunda palavra é o conhecimento do poder da divina graça e da debilidade da vontade humana; tal conhecimento é o de que a melhor política consiste em depositar toda a confiança na graça de Deus, e em desconfiar inteiramente da própria força. Se algum homem quer conhecer o poder da graça de Deus, volte os olhos ao bom ladrão. Era notório
pecador, pecara durante o perverso curso de sua vida até ao momento em que fora subjugado à cruz, i. é, ao momento quase derradeiro de sua vida; nesse momento crítico, com a salvação em jogo, nada havia que pudesse aconselhá-lo ou assisti-lo. Embora estivesse bem próximo a seu Salvador, ouvia tão-somente os sumos sacerdotes e fariseus a declará-Lo sedutor e homem ambicioso que buscava alcançar poder soberano. Ouvia também seu companheiro exprimindo-se perversamente em termos similares. Não havia boa palavra em favor de Cristo, e até o Mesmo Cristo não refutava as blasfêmias e maldições. Contudo, com a assistência da graça de Deus, quando as portas do céu lhe pareciam cerradas, e os adros infernais abertos a recebê-lo, e o pecador tão afastado da vida eterna quanto possível – fora de súbito iluminado desde o alto: seus pensamentos dirigiram-se ao canal apropriado e confessou Cristo por inocente e Rei do Mundo que há de vir e, como ministro de Deus, censurou o ladrão que o acompanhava, persuadindo-o de seu arrependimento, e encomendou-se humilde e devotamente a Cristo. Em suma, foram tão perfeitas suas disposições que as dores da crucificação compensaram todo sofrimento que pudesse guardar para o purgatório, de tal modo que, tão logo morrera, ingressou no gozo do Senhor. Por tal circunstância, fica evidente que se não deve desesperar da salvação, pois o ladrão que entrou na vinha do Senhor à hora duodécima, recebeu o prêmio com os que vieram à hora primeira. Por outro lado, para nos permitir ver a magnitude da debilidade humana, o mau ladrão se não converte nem pela imensa caridade de Cristo — o Qual orou com amor profundo por Seus executores — nem pela grandeza dos próprios sofrimentos, nem pela admoestação e exemplo do companheiro, nem pela escuridão temporã, pelas rochas fendidas ou pela conduta dos que, após a morte de Cristo, retornaram à cidade golpeando o peito. Tudo isso se sucedeu depois da conversão do bom ladrão, para nos mostrar que, se por um lado, um pode se converter sem auxílios, outro, com todos os auxílios, não pôde, ou, em realidade, não quis ser convertido.
Poder-se-ia argumentar: por que Deus dera a graça da conversão a um e negou-lha a outro? Contestar-se-ia que a ambos se deram a graça suficiente para a conversão, e que se um pereceu, pereceu por culpa própria e, se o outro se converteu, foi convertido por graça de Deus, não sem a cooperação de sua própria vontade livre. Todavia, poder-se-ia perguntar: por que Deus não dera a ambos a graça eficaz, capaz de sobrepujar o mais endurecido dos corações? A razão de que assim não sucedera é um desses segredos que podemos admirar, mas não penetrar; devemos repousar no pensamento que não há injustiça em Deus, como disse o Apóstolo [Rm 9, 14], pois, como aquilo de Agostinho, os juízos de Deus podem ser secretos, mas não podem ser injustos. Aprender com esse exemplo a não adiar a conversão até à proximidade da morte, eis a lição que nos respeita de forma imediata. Ainda que um dos ladrões cooperasse com a graça de Deus no último momento, o outro a rechaçou, caindo em perdição para sempre. Quem estuda história, ou observa o que se lhe sucede ao redor, sabe que a regra é os homens terminarem uma vida perversa com uma morte miserável, de sorte que é exceção o pecador morrer feliz; por outro lado, não é comum que os que vivem bem e santamente tenham um fim triste e miserável, mas sim que muitas pessoas boas e piedosas entrem, depois da morte, na posse dos gozos eternos. As que, em assunto de tal monta como a felicidade ou tormento eternos, ousam permanecer em estado de pecado mortal, ainda que por um só dia, são por demais néscias e presunçosas, porquanto após a morte não há lugar para arrependimento e, uma vez no inferno, já não há redenção.


Capítulo 6: O segundo fruto que se há de colher da consideração da segunda Palavra dita por Cristo na Cruz.

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