30/05/2013

Santa Joana d'Arc, rogai por nós!


Na manhã de 30 de maio, quarta-feira após a festa da Santíssima Trindade, por volta das sete horas da manhã, os dois dominicanos, Martin Ladvenu e Jean Toutmouillé, vieram à prisão; eles tinham sido encarregados, enquanto filhos da Inquisição, de informar à Joana o horrível suplício ao qual ela deveria se preparar imediatamente. Estes dois religiosos eram muito jovens; talvez, apesar de seu bem querer, eles não tinham toda a experiência necessária para cumprir uma tarefa tão delicada e tão pesada. Tomando conhecimento de uma só vez de que ela deveria morrer na mesma manhã entre as chamas, Joana teve uma crise de verdadeira aflição. Ela soluçava dolorosamente e agarrava seus cabelos em gestos convulsivos, os arrancando.
Quando ela se recuperou um pouco, ela exclamou: "Infelizmente! tratam-me tão horrivelmente que meu corpo límpido, por completo, que nunca foi corrompido, hoje será consumido e reduzido em cinzas! Ah! ah! preferiria ser decapitada sete vezes do que ser queimada... Invoco diante de Deus, o grande juiz, estes grandes erros e injustiças que me fazem". Como Pierre Cauchon entrava, ela lhe diz: "Bispo, morro por vós". Mas como pouco importava a Pierre Cauchon a morte de uma pobre moça, ele lhe respondeu com indiferença: "Ah! Joana, tenha paciência, você morre porque você não manteve o que tinha prometido...". - "Se o senhor tivesse me colocado na prisão da Igreja, replicou Joana, isso não teria acontecido, eis porque eu o cito diante de Deus"...

O apelo reiterado de Joana à justiça divina nos indica por demais que sua angústia, por mais profunda que fosse, não era de alguma forma de desesperança. Mas na agonia que ela atravessava, a santa deu provas mais formais de esperança. Assim que o doutor Pierre Maurice, que tinha por várias vezes a aconselhado e confessado, se aproximou, ela lhe perguntou: "Mestre Pierre, onde estarei hoje, nesta mesma noite?"  - "Você não tem esperança no Senhor?" - "Sim, respondeu ela, e com a graça de Deus, eu estarei no Paraíso".

Quando todos se retiraram, o dominicano Martin Ladvenu permaneceu junto dela; ela se confessou longamente e minuciosamente, repassando por duas vezes toda a sequência de suas menores faltas; depois do que, ela pediu para receber a santa Comunhão. O irmão Martin estava completamente disposto a lha administrar, mas ele não ousava a isso sem o consentimento do bispo de Beauvais. O oficial Massieu, que, apesar de algumas fraquezas, sempre tivera certo interesse pela Donzela, teve a coragem de se dirigir ao bispo. Ele obteve além do esperado. Pierre Cauchon tinha alcançado seus fins políticos ao conseguir condenar a Donzela; que lhe importava que ela recebesse ou não os Sacramentos. Após ter deliberado por um instante com seus amigos, ele respondeu: "Vá dizer ao irmão Martin para lhe dar o sacramento da Eucaristia e tudo o que ela desejar". Mas se Joana fosse herética, relapsa e obstinada em seus erros diabólicos, como se poderia admiti-la à Comunhão?

Contudo, fizeram isso com todas as honras devidas ao Santo Sacramento. Com efeito, como um padre carregava a hóstia de uma maneira clandestina, sobre a pátena, coberta somente com um véu, sem chamas e sem séquito, sem sobrepeliz e sem estola, o irmão Martin Ladvenu, que a confissão e os sentimentos da santa tinham por demais edificado, se indignou com esta falta e requisitou que o pároco vizinho trouxesse o corpo de Cristo com solenidade. Logo o clero da paróquia chegou em procissão, a cruz à frente; o oficiante, revestido com os ornamentos sacerdotais, carregava o Santo Sacramento, um coroinha agitava o sinete e uma multidão de fiéis seguiam munidos de tochas; um clérigo cantava no tom monótono do dia ferial as litanias dos santos, e, em cada invocação, a multidão respondia: "Rogai por ela. Rogai por ela". Quando o Santíssimo Sacramento entrou na prisão, Joana caiu de joelhos; ela recebeu o corpo de seu Senhor com lágrimas de amor e de consolação. Respeitaram por algum tempo o fervor de sua ação de graças, depois lhe anunciaram que tinha chegado a hora de ir ao martírio. 

Até então, ao que tudo indica, Joana continuara a usar o hábito de homem que ela tinha recuperado, o que prova que os próprios padres não acreditavam que este fosse um crime tão grande, um sacrilégio. Antes de deixar a prisão, vestiram-na com uma longa túnica preta de penitência, com um capuchinho ou boné na cabeça. Um carro pesado e grosseiro espera a algum tempo no pátio do castelo, era a charrete do carrasco. Fizeram ela subir. O padre Jean Massieu, de batina preta, e o dominicano Martin Ladvenu, com túnica branca, entraram no carro; o carrasco, sentado, pôs os cavalos em marcha. O governo inglês, por uma demonstração militar completamente excepcional, assinalou a importância política desta execução.

Mais de setecentos soldados armados com lanças e espadas escoltaram Joana d'Arc; parecia que era a própria França que conduziam ao suplício. A multidão, avisada de véspera da hora da execução, estava em massa nas ruas, ao longo dos muros, nos cruzamentos, nas portas, nas janelas das casas. Do entorno da cidade, os próprios camponeses tinham vindo para assistir ao espetáculo. O carro, através de todo esse mundo e apesar dos esforços, dos gritos, dos golpes dados pelos soldados contra a população, só avançava com muito esforço. Joana, com as mãos juntas, rezava com tantas lágrimas e fervor, que os espectadores dela estavam profundamente comovidos. Mesmo aqueles que tinham lhe sido  mais hostis, assim que a viram, foram ganhados pela emoção contagiosa e ficaram em silêncio. Nicolas Loyseleur, o traidor, o Judas, que tinha tão odiosamente abusado da confiança da jovem e de sua autoridade de confessor, não pôde suportar por muito tempo este espetáculo. Coberto por remorsos, uma verdadeira crise de desesperança o tomou. Foi como um acesso de terror e de loucura. Viram-no, fora de si, com gestos estranhos e gritos frenéticos, dividir a multidão, atravessar o cinturão dos soldados, chegar até a carroça, que ele tentou escalar, e gritar por perdão. Os soldados, entendendo o que ele queria, caíram sobre ele e o encheram de socos; ele iria ser morto, quando Warwick chegou, o protegeu e lhe aconselhou para deixar Rouen o mais rápido, se ele desejasse viver.

Contudo, a pesada charrete chegou diante da praça do Velho Mercado. Joana perguntou: "É aqui que eu devo morrer?" Os padres que a acompanhavam não tiveram coragem de lhe responder; as disposições tomadas para o suplício eram muito mais significativas do que as palavras. Na praça, três estrados tinham sido levantados: um, grande e suntuosamente adornado, para o cardeal de Winchester, o bispo de Beauvais e todos os prelados e assessores; outro, ainda considerável, para o intendente de Rouen, seu tenente, seus oficiais e todo o poder secular; um terceiro, mais elevado, mas menor, formava um tipo de cátedra onde deveriam se colocar o pregador e a condenada. Diante, se elevava a fogueira, que tinham tido o cuidado de construir mais larga e mais elevada do que de costume, a fim de permitir que todos constatassem a realidade do suplício e da morte da Donzela. Sobre este cadafalso de gesso tinham pregado este epíteto em letras maiúsculas:
"Joana, que se fez nomear a Donzela, mentirosa, perniciosa, abusadora do povo, advinha, supersticiosa, blasfemadora de Deus, presunçosa, que não professa a fé de Jesus Cristo, vingadora, idólatra, cruel, dissoluta, invocadora de demônios, apóstata, cismática e herética".
O cardeal de Winchester, o bispo de Beauvais, o Inquisidor e todo o clero, o governador Warwick com os senhores ingleses, o intendente com os vereadores, tinham ocupado seus assentos sobre seus respectivos estrados. Mil soldados ingleses cercavam os três "andaimes". Uma multidão de mais de dez mil pessoas se espremia na praça, nas fachadas das casas, e até nas saídas das ruas vizinhas. Joana apareceu no topo do ambão. Ao seu lado, o pregador tomou seu lugar e se colocou a falar. Era Nicolas Midi, da Universidade de Paris. Ele escolheu como texto de seu discurso o versículo da primeira epístola aos Coríntios, capítulo XII. "Sid quid patitur unum mem brum compatiuntur alia membra. O que sofre um membro, todos os outros o sofrerão". E ele se colocou a desenvolver este tema, se esforçando para demonstrar como a Donzela era um membro pútrido e como ela deveria ser arrancada da Igreja e da humanidade. Ele falou durante um longo tempo com uma extrema veemência e terminou por estas palavras de uma caridade fingida: "Joana, vá em paz, a Igreja não pode mais te defender e te remete às mãos do poder secular" [...]

[...] Enfim os carrascos, armados com tochas em chamas, se aproximam da fogueira. Joana suplica para que o irmão Martin Ladvenu permaneça junto dela; ele faz isso, mas agarrando a grande cruz, ele a mantém "elevada, reta, diante dos olhos de Joana, até o passo da morte". A fogueira, sendo feita, em parte, por feixes muito cecos, o fogo aceso nos quatro cantos se colocou a crepitar e a se elevar rapidamente. Ouviram Joana professar Deus, seus santos, o nome de Jesus, e protestar que suas vozes não a tinham enganado. A chama invadiu rapidamente toda a fogueira, subiu com uma única labareda até o céu, iluminando os rostos dos carrascos e dos soldados; no meio de um silêncio absoluto, ouviram Joana gritar profundamente: "Jesus, Jesus, Jesus..."

Père L. H. Petitot, O.P.. Sainte Jeanne d'Arc. Gabriel Beauchesne, Paris, 1921.

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