Virum iniustum mala capient in interitu – “Do varão
injusto se apoderarão os males na morte” (Ps. 139, 12).
Sumário. Desgraçado do pecador que deixa passar o tempo das misericórdias
divinas e adia a conversão até à hora da morte! Então o desgraçado se verá
cercado de demônios, atormentado pelos remorsos da consciência, com o espírito
escurecido e o coração endurecido. Numa palavra, visto que até então ele amou,
juntamente e com o pecado, o perigo da condenação, é com justiça que o Senhor
permitirá que ele pereça neste perigo, pelo peso da própria malícia. Ah, meu
Jesus! Pelo amor de Maria Santíssima livrai-me de tão grande desgraça; quero a
todo o custo emendar-me antes que a morte venha.
I. Não só uma, mas muitas e muitas serão as angústias do infeliz pecador
moribundo. De uma parte atormenta-lo-ão os demônios. Na morte, estes terríveis
inimigos empregam todos os esforços para perder a alma que vai sair deste
mundo, sabendo que só pouco tempo lhes resta para se apoderarem dela, e que,
escapando-se-lhes então, se lhes escapará para todo o sempre (1). E, como diz
Isaías, não somente um, mas inumeráveis espíritos infernais girarão ao redor do
moribundo para o perderem: Replebuntur domus eorum draconibus (2)
– “As suas casas serão cheias de dragões”.
Um demônio lhe dirá: Nada receies; sararás. Dir-lhe-á outro: Pois que!
Tu foste surdo à voz de Deus durante tantos anos e Ele agora há de usar de
misericórdia para contigo? Mais outro dirá: Como poderás nesta hora reparar os
danos que causaste e as reputações que tiraste? Outro ainda: Não vês que todas
as tuas confissões foram nulas, porque feitas sem verdadeira dor, sem propósito?
Como poderás remediá-las?
Por outro lado, o moribundo se verá cercado dos seus pecados: Os
males cairão sobre o homem injusto no dia da sua morte. “Os pecados”, diz
São Bernardo, “como outros tantos satélites, acercar-se-ão dele e lhe dirão: Opera
tua sumus, non te deseremus – Somos as tuas obras, não te queremos
deixar, acompanhar-te-emos à outra vida e contigo nos apresentaremos ao eterno
Juiz.”
Quisera então o moribundo desembaraçar-se de tais inimigos; mas, para se
livrar deles, seria preciso odiá-los, converter-se de coração a Deus, e o
espírito está envolto em trevas e o coração endurecido: Cor durum
habebit male in novíssimo (3) – “O coração duro será oprimido de
males no fim da vida”. – Numa palavra, tendo o pecador até então amado o
pecado, amou ao mesmo tempo o perigo da sua condenação. É por isso e com
justiça, que o Senhor permite que ele pereça no perigo, no qual quis viver até
à morte: Que amat periculum, in illo peribit (4) – “Quem
ama o perigo, nele perecerá”.
II. Desgraçado do pecador que resiste aos divinos convites! O ingrato,
em vez de se enternecer e de se render à voz de Deus, fica mais endurecido,
assim como a bigorna enrijece mais com o bater do martelo. Para seu castigo,
achar-se-á em tal estado na hora da morte, ainda no momento de passar à
eternidade, e assim terminará a vida opresso pela sua malícia. – Não creias,
meu irmão, que são poucos esses a quem cabe tal sorte, porquanto São Jerônimo
tem para si como certo, pois pela experiência o aprendeu, que nunca terá boa
morte o que até ao fim levou má vida.
Meu amado Salvador, ajudai-me e não me abandoneis. Vejo a minha alma
toda chagada pelos pecados; as paixões fazem-me violência; oprimem-me os maus
hábitos. Lanço-me a vossos pés; tende piedade de mim e livrai-me de tantos males.
Não permitais que se perca uma alma que confia em Vós: Ne tradas
bestiis animas confitentes tibi (5) – “Não entregues às feras as
almas que te louvam”. Arrependo-me de Vos haver ofendido, ó bondade
infinita. Fiz mal, confesso-o; quero a todo o preço emendar-me. Mas se não me
socorrerdes com a vossa graça, estarei perdido.
Recebei, ó meu Jesus, este rebelde que tanto Vos ultrajou. Lembrai-Vos
de que Vos custou o sangue e a vida. Pelos merecimentos da vossa paixão e
morte, recebei-me em vossos braços e dai-me a santa perseverança. Já estava
perdido, mas Vós me chamastes; já não quero mais resistir e consagro-me todo a
Vós. Prendei-me ao vosso amor e não permitais que ainda me perca, perdendo de
novo a vossa graça. Meu Jesus, não o permitais. – Maria, minha Rainha, não o
permitais; fazei que eu morra antes que perca de novo a graça do vosso divino
Filho. (II 28.)
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1. Apoc. 12, 12.
2. Is. 13, 21.
3. Ecclus. 3, 27.
4. Ecclus. 3, 27.
5. Ps. 73, 19.
(LIGÓRIO, Afonso Maria de. Meditações: Para todos
os Dias e Festas do Ano: Tomo Segundo: Desde o Domingo da Páscoa até a Undécima
Semana depois de Pentecostes inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p.
257-260.)
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