03/02/2014

Dom Marcel Lefebvre - Declaração sobre a Missa nova e o Papa

No transcurso destes dez anos tive a ocasião de responder muitas vezes a perguntas que são muito graves. Sempre me esforcei por permanecer dentro do espírito da Igreja, conforme aos seus princípios teológicos que expressam a sua fé e a sua prudência pastoral, manifestados dentro da teologia e através da experiência da sua história.

Creio poder dizer que não mudei de opinião sobre estes temas e que felizmente este pensamento é o da grande maioria dos padres e fiéis aderidos à Tradição infalível da Igreja. Certamente estas linhas são insuficientes para fazer um estudo exaustivo desses problemas. Mas antes de tudo trata-se de expor claramente algumas conclusões para não se equivocar sobre as orientações e pensamentos da Fraternidade Sacerdotal São Pio X.


Sobre a Missa nova
A respeito da Missa nova, desfaçamos imediatamente esta ideia absurda: Se a Missa nova é válida, então se pode participar dela. A Igreja sempre proibiu os fiéis de assistir às Missas dos cismáticos e dos hereges, ainda que fossem válidas. É evidente que não se pode participar de Missas sacrílegas, nem em Missas que colocam a nossa fé em perigo.
Além disso, é fácil demonstrar que a Missa nova, tal como foi formulada pela Comissão de Liturgia, com todas as autorizações dadas pelo Concílio de uma maneira oficial, e com todas as explicações dadas por Monsenhor Bugnini, apresenta uma aproximação inexplicável à teologia e ao culto dos protestantes.
Assim, por exemplo, não aparecem muito claramente, e até se contradizem, os dogmas fundamentais da Santa Missa, que são os seguintes: – só o Sacerdote é o único ministro; – há um verdadeiro sacrifício, uma ação sacrifical; – a Vitima é Nosso Senhor Jesus Cisto, presente na Hóstia sob as espécies de pão e de vinho com o seu corpo, sangue, alma e divindade; – é um sacrifício propiciatório; – o Sacrifício e o Sacramento se realizam com as palavras da Consagração e não com as palavras que a precedem ou seguem.
Basta enumerar algumas das novidades para demonstrar a aproximação com os protestantes: – o altar transformado em mesa, sem a ara; – a Missa de frente ao povo, em língua vernácula, em voz alta; – a Missa tem duas partes: a Liturgia da Palavra e a da Eucaristia; – os vasos sagrados vulgares, o pão fermentado, a distribuição da Eucaristia por leigos, na mão; – o Sacrário escondido; – as leituras feitas por mulheres; – a Comunhão dada por leigos.
Todas estas novidades estão autorizadas.
Pode-se dizer, então, sem nenhum exagero que a maioria dessas Missas é sacrílega e que diminuem a fé, pervertendo-a. A dessacralização é tal que a Missa se expõe a perder o seu caráter sobrenatural, o seu “mistério de fé”, para se converter em nada mais do que um ato de religião natural.
Essas Missas novas não só não podem ser motivo de uma obrigação para o preceito dominical, senão que, com relação a elas, é preciso seguir as regras da Teologia moral e do direito canônico, que são as da prudência sobrenatural com relação à participação ou à assistência a uma ação perigosa para a nossa fé ou eventualmente sacrílega.
Deve-se dizer, então, que todas essas Missas são inválidas? Desde que existam as condições essenciais para a validez, quer dizer, a matéria, a forma, a intenção e o sacerdote validamente ordenado, não se pode afirmar que sejam inválidas. As orações do Ofertório, do Cânon e da Comunhão do Sacerdote que estão ao redor da Consagração são necessárias para a integridade do Sacrifício e do Sacramento, mas não para a sua validez. O Cardeal Mindszenty na prisão, que escondido dos seus guardas pronunciava as palavras a Consagração sobre um pouco de pão e de vinho para se alimentar do Corpo e do Sangue de Nosso Senhor, certamente realizou o Sacrifício e o Sacramento.
Mas à medida que a fé dos sacerdotes se corrompe e deixam de ter a intenção que a Igreja põe (porque a Igreja não pode mudar de intenção), haverá menos Missas válidas. A formação atual não prepara os seminaristas para assegurar a validez das Missas. O Sacrifício propiciatório da Missa não é mais o fim essencial do Sacerdote. Nada mais decepcionante e triste do que ouvir os sermões ou comunicados dos Bispos sobre a vocação, por ocasião de uma ordenação sacerdotal. Não sabem mais o que é um Sacerdote.
Para julgar da falta subjetiva daqueles que celebram a Missa nova e dos que assistem a ela, devemos aplicar a regra de discernimento de espíritos segundo as diretivas da Teologia moral e pastoral. Devemos agir sempre como médicos de almas e não como juízes e carrascos, como estão tentados a fazer aqueles que estão animados por zelo amargo e não pelo verdadeiro zelo. Os jovens padres devem se inspirar nas palavras de São Pio X na sua primeira encíclica e nos numerosos textos de autores espirituais como os de Dom Chautard, “A alma de todo apostolado”, Garrigou-Lagrande no volume II de “Perfeição cristã e contemplação”, e Dom Marmion em “Cristo, ideal do Monge”.


Sobre o Papa
Passemos à segunda pergunta, que não é menos importante: Temos realmente um Papa ou um intruso na Sé de Pedro? Felizes os que viveram e morreram antes de se fazer essa pergunta! É preciso reconhecer que o Papa Paulo VI causou um sério problema à consciência dos católicos. Sem indagar nem conhecer a sua culpabilidade na terrível demolição da Igreja durante o seu Pontificado, não se pode deixar de reconhecer que ele acelerou suas causas em todas as ordens. Perguntamo-nos: como um sucessor de Pedro pôde em tão pouco tempo causar mais males à Igreja do que a revolução de 1789?
Fatos precisos como as assinaturas colocadas no artigo VII da Instrução concernente ao Novus Ordo Missae, como também no documento da “Liberdade Religiosa”, são escandalosas e dão margem a que alguns afirmem que esse Papa era herege e que por sua heresia deixou de ser Papa.
A consequência deste fato seria que a maioria dos cardeais atuais não teriam sido nomeados validamente e, além disso, seriam ineptos para a eleição de outro Papa. Os Papas João Paulo I e João Paulo II não teriam sido, então, eleitos legitimamente. Nesse caso seria inadmissível rezar por um Papa que não o é de fato e conversar com aquele que não tem nenhum título para se sentar na Sé de Pedro. Tal como diante do problema da invalidez da Missa nova, aqueles que afirmam que não há Papa simplificam demasiado os problemas. A realidade é mais complexa.
Quando se pergunta se um Papa pode ser herege, descobre-se que o problema não é tão simples como se crê. Sobre este tema, o estudo muito objetivo feito por Xavier da Silveira mostra que um bom número de teólogos pensa que o Papa pode ser herege como doutor privado, mas não como doutor da Igreja universal. É necessário, então, examinar em que medida o Papa Paulo VI quis empenhar a sua infalibilidade nesses diversos casos onde ele assinou textos que, se não são heréticos, são pelo menos próximos à heresia.
Pois bem, pudemos observar nesses dois casos, como em muitos outros, que o Papa Paulo VI agiu muito mais como liberal do que se aderindo à heresia, já que, quando se indicava o perigo que corria, ele entregava um texto contraditório, acrescentando uma fórmula contrária ao que ele afirmava na anterior, ou redigindo uma fórmula equívoca, o que é próprio do liberal, que é incoerente por natureza.
O liberalismo de Paulo VI, reconhecido por seu amigo, o cardeal Daniélou, é suficiente para explicar os desastres do seu Pontificado. O Papa Pio IX particularmente falou muito sobre o católico liberal,que ele considerava como destruidor da Igreja. O católico liberal é uma pessoa de duas caras, em contínua contradição. Quer se manter católico e, ao mesmo tempo, tem o desejo de agradar o mundo. Afirma a sua fé com medo de parecer dogmático demais e age na prática como os inimigos da fé católica.
Um Papa pode ser liberal e continuar sendo Papa? A Igreja sempre admoestou severamente os católicos liberais. Mas não excomungou a todos. Também aqui devemos permanecer dentro do espírito da Igreja. Devemos rejeitar o liberalismo, venha de onde vier, porque a Igreja sempre o condenou com severidade por ser contrário ao Reinado de Nosso Senhor, e em particular ao Reinado Social.
O afastamento dos cardeais de mais de 80 anos e os conventículos que prepararam os dois últimos Conclaves não tornam inválida a eleição desses Papas. Inválida, seria afirmar demais. Poderiam, sim, fazê-la eventualmente duvidosa. Mas a aceitação unânime dos cardeais e do clero romano, posterior à eleição, é suficiente para convalidar a eleição. Esta é a opinião dos teólogos.
A questão da visibilidade da Igreja é demasiado necessária à sua existência para que Deus possa omiti-la por décadas.
O argumento dos que afirmam a inexistência do Papa põe a Igreja em uma situação confusa. Que nos dirá onde está o futuro Papa? Como poderia ser designado um Papa onde não existem mais cardeais? Este espírito é um espírito cismático, pelo menos para a maioria dos fiéis que se filiarão a seitas verdadeiramente cismáticas, como a de Palmar de Tróia ou a da Igreja Latina de Toulouse.
A nossa Fraternidade rejeita absolutamente seguir estes pensamentos. Queremos permanecer unidos a Roma, ao sucessor de Pedro, mas rejeitamos o seu liberalismo por fidelidade aos seus predecessores. Não temos medo de dizê-lo respeitosamente mas firmemente, como São Paulo diante de São Pedro. Por isso, longe de abandonar as orações pelo Papa, aumentamos as nossas orações e suplicamos para que o Espírito Santo o ilumine e fortaleça no sustento e na defesa da fé.Por isso jamais me neguei a ir a Roma quando me chamou, ele ou seus representantes. A Verdade deve ser afirmada em Roma mais do que em qualquer outro lugar. Pertence a Deus, que a fará triunfar. Por conseguinte, não se pode tolerar que os membros, sacerdotes, irmãos, irmãs, oblatas da Fraternidade Sacerdotal São Pio X, se neguem a rezar pelo Papa e afirmem que todas as Missas do Novus Ordo Missae são inválidas.
É certo que sofremos diante dessa incoerência contínua, que consiste em elogiar as orientações liberais do Vaticano II e ao mesmo tempo tratar de atenuar os seus efeitos. Mas isto nos deve encorajar a rogar e a manter firmemente a Tradição, mas não por isso afirmar que o Papa não é Papa.
Para terminar, devemos ter o espírito missionário, que é o verdadeiro espírito da Igreja, fazer tudo pelo Reinado de Nosso Senhor Jesus Cristo, segundo o lema do nosso Santo Patrono São Pio X,“Instaurare omnia in Christo”, restaurar tudo em Cristo, e sofrer como Nosso Senhor na sua Paixão pela salvação das almas, pelo triunfo da Verdade.
“In hoc natus sum”, disse Nosso Senhor a Pilatos, “ut testimonium perhibeam veritati” (“Eu nasci para dar testemunho da Verdade”).

† Marcel Lefebvre, Arcebispo, 8 de novembro de 1979.

FONTE: FRATERNIDADE SACERDOTAL SÃO PIO X (Declaração sobre a Missa nova e o Papa)



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