Já
pressentia, havia tempo, o perigo de o ultra pastoralismo pós-conciliar
acabar relaxando a disciplina da Igreja com a admissão dos adúlteros e suas
concubinas à recepção do sacramento da Eucaristia. Mas não esperava que a
concessão chegasse tão rápido. Fiquei surpreso.
Há várias coisas a ser ponderadas no gesto de
Francisco I. Algumas são óbvias, saltam aos olhos. Outras nem tanto. Em
primeiro lugar, cumpre dizer que a nota do porta-voz do Vaticano a respeito
comete um erro grosseiro. O telefonema de Bergoglio à fiel argentina em
resposta a uma carta que esta lhe tinha dirigido em setembro de 2013 não é um
ato restrito à vida privada do pontífice, mas sim um ato de exercício de seu
ministério, ainda que a forma seja imprópria e esdrúxula. Com efeito, todos os
fiéis têm o direito dirigir-se ao pastor supremo e receber o alimento de sua
alma, a sã doutrina. E esta relação entre os fiéis e o papa não pertence à vida
privada do papa (como seria uma conversa banal entre ele e seu barbeiro sobre o
verão escaldante de Roma), mas à vida da Igreja. Isto quanto à nota do Vaticano
que tentou explicar o fato mais que deplorável.
Em segundo lugar, quanto à orientação dada pelo bispo
de Roma à sua conterrânea que vive em adultério (agora com aprovação
pontifícia), é preciso dizer que a desorientação dada por ele àquela pobre
infeliz adúltera (que agora se sente confortada em seu estado de pecado grave)
não só contradiz a lei divina sobre a indissolubilidade do matrimônio (Nulla
tamen, neque ullam ob causam,
facultas huiusmodi cadere umquam poterit in matrimonium christianum ratum atque
consummatum. DS 3712), mas atenta contra o sacramento da penitência ao
garantir ao pecador a absolvição sem arrependimento e propósito de emenda, bem
como autoriza um sacrilégio da Eucaristia. E, sobretudo, anula
completamente a autoridade da Igreja sobre a consciência dos fiéis.
Efetivamente, só se pode compreender o gesto do bispo
de Roma como um reconhecimento (da sua parte) de uma primazia do juízo da
referida senhora sobre a legitimidade da sua união com um divorciado, com
base na convicção subjetiva dela sobre a nulidade da primeira união de
seu amásio. Na visão de Bergoglio, é suficiente este juízo amadurecido da
própria pessoa, e a Igreja deve acatá-lo. De fato, quem é a Igreja para julgar
tal matéria? Como poderá a Igreja recusar a sagrada comunhão a quem está
convencido da licitude de suas decisões? Se ele, Bergoglio, não tinha direito
de julgar os gays, quem será a Igreja para julgar os divorciados
recasados?
O gesto do bispo de Roma ora incriminado confirma suas
palavras na entrevista ao jornal La Repubblica: cada um tem sua concepção de
bem e mal e a Igreja deve apenas ajudar cada um a seguir sua própria
consciência. De modo que a Igreja, na visão de Bergoglio, já não é mãe e
mestra, mas apenas uma boa e carinhosa psicóloga ou terapeuta que tenta aliviar
os sofrimentos e neuroses do homem moderno, que já é adulto e não precisa de
uma autoridade moral para dizer-lhe como deve agir. A Igreja deixa de ser
mestra para ser apenas animadora. Quer dizer, a Igreja adota o “construtivismo”
em seu magistério moderno.
Em terceiro lugar, importa dizer que, infelizmente, a
imensa maioria dos católicos que hoje procuram as paróquias para celebração de
seus casamentos pensa como Francisco I. São raríssimos os católicos que ainda
guardam a firme convicção sobre a jurisdição da Igreja em matéria matrimonial,
como, por exemplo, o direito da Igreja de julgar a aptidão dos nubentes,
estabelecer impedimentos etc. O que a maioria pensa é que no máximo a Igreja
terá direito de cobrar uma taxa pelo uso do templo e impor normas quanto à
decoração.
Em quarto lugar, sublinhe-se que o gesto incriminado
de Bergoglio constitui uma gravíssima falta de respeito a uma pequena parcela
ainda sã de católicos que vivem o drama de um casamento fracassado mas não
convolam segundas núpcias no rito civil por acatamento à lei de Deus. Suportam
uma situação dolorosa, carregam a cruz e encontram forças recebendo dignamente
a sagrada comunhão. Sem dúvida, estas pessoas sentir-se-ão ultrajadas pelo
supremo pastor a quem agora vêem incentivando os fracos a comer e beber a
própria condenação (I Co. XI, 29).
Esta concessão de Bergoglio faz recordar a enérgica
censura do cardeal Ottaviani durante o Vaticano àqueles que queriam mudar a
doutrina católica sobre os fins do matrimônio, quando disse que seu pai era um
operário pai de doze filhos e nunca tinha pensado em evitar filhos porque
confiava na providência divina.
Em 2014, passados mais de cinquenta anos do Vaticano,
são letras mortas as disposições do Concílio de Trento (Si quis dixerit, causas
matrimoniales non spectare ad iudices ecclesiasticos: an. s. - DS
18120 ) ou ainda a proposição condenada pelo Syllabus (Ecclesia non
habet potestatem impedimenta matrimonium dirimentia inducendi, sed ea potestas
civili auctoritati competenti, a qua impedimenta exsistentia tollenda sunt. DS
2968)
Em 2014, sesquicentenário do Syllabus (derrogado
pela Gaudium
et Spes nas palavras de
Ratzinger), a imensa maioria dos católicos já se rendeu à cultura laica da
soberania do indivíduo e vê no divórcio uma das suas garantias. E a Igreja já
não brada contra a falácia do divórcio como uma das maiores desgraças que se
pode abater sobre uma civilização. A pretexto de caridade e tolerância já não
fomenta o horror a tal pecado, como antigamente quando os verdadeiros católicos
recusavam visitar ou receber em casa as concubinas e os divorciados adúlteros.
E pensar que na antiguidade Aristóteles já tinha falado contra tão deletéria
instituição!
Pelo contrário, a Igreja, desde o Vaticano II, vem
apoiando a introdução do divórcio na legislação dos diversos países da antiga
Cristandade. Aqui no Brasil a história da legalização do divórcio foi uma
traição clamorosa à Lei de Deus e à família católica, quando um arcebispo
destruiu o trabalho que tinha sido feito junto aos parlamentares por um
católico, dizendo-lhes que votassem a favor da dissolução civil do vínculo
matrimonial.
Este é um dos frutos podres daquele encontro entre a religião
do Deus que se fez homem e a religião do homem que se faz Deus a que se referiu
com empolgação Paulo VI no encerramento do Vaticano II. Paulo VI declarou que a
Igreja é serva da humanidade (Nossa Senhora, ao contrário, disse que era
a Serva do Senhor). João Paulo II disse que o caminho da Igreja é o homem.
Acrescente-se, pois, que, apesar de terem tido um
grande zelo pela família católica, João Paulo II e Bento XVI infelizmente têm
culpa por esta calamidade que ora nos assola, na medida em que tentaram uma
conciliação da Igreja com as liberdades modernas, o estado laico e outros
tantos erros condenados com veemência pelos grandes papas Gregório XVI, Pio IX
e São Pio X. Pouco valeu promover as famosas reuniões das famílias com o papa
quando ao mesmo tempo acendia uma vela para o mundo moderno, o mundo que recusa
Cristo Rei.
As consequências morais de tão desbragado
antropocentrismo não poderiam ser outras senão o fim da família (que exige
tanto sacrifício do homem) pela explosão de divórcios em toda parte, dissolução
dos costumes pela propagação de todos os vícios os mais asquerosos como a
pedofilia e tudo o mais que enoja as pessoas de bem.
Não creio que haverá uma mudança formal da doutrina da
Igreja sobre o matrimonio. Francisco I não está interessado em definições e
cânones doutrinários. Para ele, um telefonema é muito mais eficaz que um
arrazoado de direito canônico ou teologia moral. A revolução dar-se-á por meios
pastorais. Ou no máximo, para usar a expressão que lhe é cara e parece mais
sofística, pela cultura do encontro e a busca das periferias existenciais.
Certamente, a jurisprudência dos tribunais eclesiásticos em matéria de nulidade
matrimonial ficará ainda mais abrangente e liberal. E talvez, para os casos
mais complicados e de uma difícil solução judicial, haja orientação pastoral
para uma bênção, em âmbito doméstico, aos recasados.
Tudo para agradar aos homens. Ou melhor, para enganar
aos que querem ser enganados. Mas de Deus não se zomba: “Portanto,
não separe o homem o que Deus juntou” (Mc. X, 9).
Semelhante pastoral mundana atrairá a maldição de Deus
sobre as famílias debilitadas de uma sociedade apóstata que destronou Cristo
Rei para idolatrar o homem e seus falsos direitos.
Que São João Batista, meu glorioso patrono, e mártir
da santidade do matrimônio, rogue por nós.
Anápolis, 25 de abril de
2014.
São Marcos Evangelista.
Pe. João Batista de A. Prado Ferraz Costa, a sua benção!
ResponderExcluirO senhor poderia informar alguns documentos sobre a proibição ou prática dos Católicos verdadeiros em não receber casais em adultério em suas casas?
Deus lhe pague!!
Francsico