11/06/2014

A Santa Túnica de Nossa Senhora em Chartres

Catedral de Nossa Senhora, Chartres, França
Uma coisa é certa: desde muito cedo Nossa Senhora foi venerada em Chartres.

“Na época carolíngia, sua catedral já devia ser o centro mais célebre de seu culto na França do Norte, pois o rei 
Carlos o Calvo, em 876, presenteou-lhe uma relíquia preciosa entre todas: a Santa Túnica da Virgem.

“A relíquia fora enviada pelo imperador de Bizâncio para Carlos Magno e enriqueceu a igreja de seu palácio em 
Aquisgrão.

“Essa túnica é a que Nossa Senhora levava no momento da Anunciação, quando concebeu o Verbo.

“A Idade Média não tinha uma relíquia mais pura nem mais poética. Desde cedo, Chartres considerou a Santa Túnica como uma garantia de defesa e um sinal de salvação.

Havia poucos anos que ela estava na catedral quando o rei viking Rollon, ainda pagão, veio sitiar a cidade em 911.
Carlos o Calvo doou a relíquia
à catedral de Chartres


“Um cronista do século XI narra que durante a batalha, o bispo de Chartres compareceu sobre os muros da cidade portando a Santa Túnica como estandarte.

“À vista dela, os normandos, tomados por um terror pânico, desfizeram as fileiras e fugiram.

“Mais tarde, Rollon ele próprio tornou-se cristão e apressou-se em fazer uma doação a Nossa Senhora de Chartres, cujo poder tinha experimentado.

“Durante muito tempo conservou-se uma pequena faca pressa por um cordão de seda ao pergaminho da doação, seguindo o simbolismo do direito bárbaro, .

“O documento possuia uma brevidade e uma grandeza épicas.
A Santa Túnica de Nossa
Senhora no seu estado atual
O doador ditou-o nos seguintes termos:

“Eu, Rollon, duque da Normandia, eu doou aos irmãos da igreja de Nossa Senhora de Chartres meu castelo em Malmaison, que eu ganhei com minha espada e que com minha espada eu defenderei. Que esta punhal sirva de prova”.

“A Santa Túnica foi a grande relíquia de Chartres. Foi sobre tudo ela que tornou célebre a catedral e atraiu os peregrinos durante os séculos”.






Reliquia exposta na
catedral de Chartres
Esta relíquia tão preciosa era guardada numa urna feita em cedro, que o ourives Teudon recobriu com placas de ouro no fim do século X.

“Todas as gerações rivalizaram para orná-la e penduravam pelos quatro lados toda espécie de maravilhas. Viam-se camafeus antigos, o mais belo dos quais fora doado pelo rei Carlos V e representava um Júpiter que acreditava-se ser São João por causa de sua águia.

“Sobre um fundo semeado de rubis, topázios e ametistas destacavam-se duas águias em ouro entalhadas outrora por Santo Elói. Uma enorme zafira era o presente do rei Roberto e um 
grifo de ouro esmaltado tinha sido trazido do Oriente no tempo das Cruzadas.
“Filipe o Belo deixou um rubi e o duque de Berry seus emblemas com suas armas.
Rosácea de vitrais na catedral
O rei Luis XI levava sempre uma pequena imagem de Nossa Senhora de Chartres no seu chapéu. Um cinto de ouro envolvendo a urna era presente de Ana de Bretanha, duquesa e rainha.
Inumeráveis rosas, coroas, flores e castelos de ouro, conjuntos de pedrarias formando o nome da Virgem, pérolas espalhadas por toda parte eram muitos outros dons e ex-votos anônimos.
Como já não havia lugar em volta da urna, foi necessário pôr a quantidade imensa de oferendas em três tesouros da catedral. Alguns dons eram magníficos, outros de uma ingenuidade comovedora: havia um cinto de porco espinho bordado com sedas e enviado pelos índios Huron da América do Norte e onze mil grãos de porcelana representando o número de habitantes Abénaquis da Nova França (índios do Canadá). As oferendas só cessaram na véspera da Revolução Francesa.
A urna de tal maneira rica e rodeada de tanta veneração, entretanto não era exposta jamais e a Santa Túnica ficou invisível durante séculos.
Como não se tinha idéia alguma de como pudesse ser a túnica de Nossa Senhora, imaginava-se ter a forma de uma camisa. Era chamada com freqüência de “a Santa Camisa”. 
Relicário onde se guarda a
relíquia quando não está exposta

No século XV, os romeiros que iam a Chartres colocavam no seu chapéu um símbolo de chumbo onde estava representada uma camisa.
Fazia-se tocar na urna minúsculas camisas de metal que os homens de guerra levavam consigo como proteção. Num duelo, o gentil-homem que tinha no peito uma “camisola” de Chartres, devia prevenir lealmente a seu adversário. 
Camisas de pano tocadas na urna ajudavam as mulheres a suportar as dores do parto e eram enviadas às rainhas da França.
Quando a Revolução Francesa violou o mistério e abriu a urna, percebeu-se que a Santa Túnica não parecia em nada com uma camisa.
Trata-se de uma dessas peças de pano que usam as mulheres do Oriente e que vinha acompanhada de um véu decorado com dois leões que se olham frente a frente.
O sábio abade Barthélemy, quando consultado, constatou que esses tecidos eram de origem síria e podiam remontar ao século I de nossa era.
Hoje só ficam alguns fragmentos da Santa Túnica e do véu salvos do Terror (ditadura sanguinária da república francesa 1792-1794) e resguardados num relicário de feitio posterior.” 


Fonte: Émile Mâle, “Notre Dame de Chartres”, Flammarion, Paris, 1994, 190 páginas, p. 17 e ss.





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