Pe. João Batista de A. Prado Ferraz Costa
É preciso reconhecer que o espiritismo, ou a doutrina da metempsicose ou transmigração dos espíritos, conhecida vulgarmente no Brasil como kardecismo, atrai e cativa muitas pessoas boas, mas incautas, que buscam uma explicação para a breve e atribulada vida terrena do homem.
Com efeito, à primeira vista, o espiritismo, com sua doutrina de “evolução” espiritual, de
progresso moral através de sucessivas reencarnações pelas quais o homem se vai libertando de seus defeitos e purificando-se dos seus pecados até alcançar a perfeição ou a condição de espírito superior – espiritismo diz que os homens perfeitos se transformam em anjos!-, com sua doutrina que nega um juízo inapelável sobre o destino eterno do homem, o espiritismo pode seduzir aquelas pessoas que se sentem frágeis diante da enorme responsabilidade moral implicada no conceito de livre arbítrio ou se acham desconcertadas ante a desigualdade de condições entre os homens. Um Deus que não julga ninguém, que não condena ninguém mas a todos dá oportunidades sem fim de, mais cedo ou mais tarde, chegar a sua meta é um Deus que ilude o homem apegado às suas más inclinações e não lhe impõe à consciência nenhum dever moral irretorquível. Um Deus assim parece realmente facilitar as relações entre a criatura e o Criador. Acresce que o espiritismo, com sua promessa de comunicação entre os vivos e os mortos, por um lado, cativa as pessoas mais débeis na fé que não se conformam com a perda de seus entes queridos e, por outro lado, com a sua propaganda das obras de caridade (0u melhor, de filantropia), conquista aquelas pessoas generosas e abnegadas que têm compaixão pelo sofrimento dos seus semelhantes. Tudo isso, sem dúvida, gera, em nossa cultura naturalista que confia na capacidade de o homem por seus próprios esforços alcançar a sua salvação, um clima de simpatia pelo espiritismo.
Como se sabe, a doutrina da metempsicose não é uma novidade; desde a mais remota antiguidade, contou com ilustres defensores como Pitágoras e Platão, entre outros. Igualmente, entre os antigos israelitas, nos períodos de decadência e ignorância religiosa, surgia a crença na transmigração da alma. Assim, por exemplo, quando Nosso Senhor interrogou os seus discípulos dizendo: Quem dizem os homens que é o Filho do Homem? responderam-lhe que uns diziam que era João Batista, outros que era Elias e outros que era Jeremias ou algum dos profetas (Mt. XVI, 13-14). Esta resposta mostra-nos que havia entre os judeus ignorantes da sua própria religião uma crença na reencarnação sem nenhum fundamento nas Escrituras. Contudo, o espiritismo moderno, surgido na França no século XIX, não é herdeiro das antigas teorias da metempsicose. Surgiu em ambientes socialistas e revolucionários, influenciados pelo evolucionismo então em voga.
Em nossos dias, os espiritas gostam de citar aquela passagem do Evangelho segundo São Lucas que diz que o São João Batista veio com o espírito e a virtude de Elias (Lc, I, 17) como se o precursor fosse a reencarnação do grande profeta que combateu os adoradores de Baal. Ora, Santo Agostinho, em seu belíssimo livro A Trindade explica que uma coisa é o espírito que recebemos para viver (a alma ou princípio vital) outra coisa é o espírito que recebemos para ser santos, quer dizer, o Espírito Santo que nos é dado como Dom. No caso, chama-se espírito de Elias o Espírito Santo recebido por Elias (A Trindade, livro V, capítulo 14).
Entretanto, hoje é muito mais importante uma refutação filosófica (racional) do espiritismo que uma refutação teológica extraída da Sagrada Escritura, tão desprestigiada está a teologia.
Cumpre, em primeiro lugar, dizer que a metempsicose defendida por Platão e fundamentada em mitos da mais remota antiguidade deve-se ao fato de o filósofo não ter conseguido explicar bem o conhecimento humano a partir dos sentidos e, então, propor a teoria do mundo das ideias, segundo a qual o conhecimento se daria por recordação e, consequentemente, só ser possível se a alma fosse preexistente. Ademais, Platão não soube explicar bem a união entre a alma e o corpo. Para ele, no homem não há uma união substancial entre corpo e alma. Concebe o corpo como um cárcere da alma. Aliás semelhante equívoco foi defendido por Orígenes que dizia serem as almas preexistentes e, por castigo de uma culpa grave, se transformavam em demônios ou se uniam a corpos materiais.
Ao contrário, Aristóteles e Santo Tomás de Aquino explicaram o conhecimento humano com base na distinção entre conhecimento sensível e conhecimento intelectivo. No homem não há ideias inatas; a alma não é preexistente, o conhecimento não se dá por recordação nem iluminação (salvo uma revelação sobrenatural), mas a partir dos sentidos. A alma (ou princípio vital) é a forma do corpo; é ela que organiza o corpo de um ser vivo e lhe garante uma unidade em suas operações. Como forma substancial de um ser vivo, a alma não pode informar senão o corpo do qual é forma, não pode encarnar em outro corpo, porque é parte constitutiva do homem.
Como explana de modo admirável o Padre Enrico Zoffoli em sua obra Principi di Filosofia: “Toda alma difere das outras da sua espécie segundo a determinada e inconfundível porção de matéria que é destinada a informar. Trata-se de uma distinção profunda, que a caracteriza como substância absolutamente única, inédita, irrepetível. E acrescenta logo a seguir: “À luz da genética pode-se dizer que a individuação deriva de uma entre milhares de bilhões de combinações dos cromossomos maternos com os paternos que fixam o código genético da cada zigoto. Portanto, as diferenças entre as almas dependem da relação de cada uma à particular constituição do corpo ao qual Deus a destina em sintonia (misteriosa) com a causalidade desenvolvida pelos respectivos genitores. (…) Resulta que não seria humana uma alma que, por absurdo, não se relacionasse a um determinado corpo” (o. c. p. 325).
Por conseguinte, é um desarrazoado e contra os dados da ciência genética afirmar que a alma possa reencarnar em diferentes e sucessivos corpos.
O espiritismo, independentemente da boa fé das pessoas que por ignorância o abraçaram como uma filosofia de vida, é uma grave ofensa ao Deus Criador. Efetivamente, a alma humana, por ser imaterial, é incorruptível e após a morte está sob o domínio de Deus, aguardando o Juízo Final e a ressurreição da carne para voltar a unir-se ao corpo de que é a forma. É uma injuria ao Criador, é uma forma de magia diabólica pretender evocar uma alma para entrar em comunicação com os homens aqui na Terra. Nisto só pode haver charlatanismo ou ocasião para que o demônio possa enganar as pessoas que ousam desobedecer à lei de Deus que interdiz tal prática. Ademais, a crença no espiritismo e suas diversas práticas como as mesas falantes, mediunidade etc levam muitas pessoas a perder a sua própria identidade, a não saber mais quem elas são depois de terem “incorporado” tantos espíritos . É, portanto, um grande mal para o homem, também.
Nós católicos, nestes tempos de grande confusão de ideias, de ignorância religiosa, em que parece que os homens, cansados da verdade que lhes impõe graves responsabilidades diante de Deus e do próximo, correm atrás de fábulas e novidades, devemos permanecer firmes na doutrina católica tradicional, na qual não há lugar para nenhuma fantasia perturbadora da nossa mente , mas sempre plena harmonia entre a fé e a razão.
Anápolis, 17 de setembro de 2014.
Comemoração dos Estigmas de São Francisco de Assis
Gostei da ilustração que acrescentou ao artigo. Obrigado pela divulgação!.
ResponderExcluirJB