Lucetta Scaraffia. Professora de História Contemporânea da Universidade de Roma la Sapienza
|
UTOPIA EQUIVOCADA
Lucetta Scaraffia
"O Estado de S. Paulo", domingo, 8 de março de 2015
A legalização do aborto é considerada, infelizmente, uma das leis que indicam a modernidade de um país: de fato, a possibilidade de abortar assinala — na opinião de muitos — uma meta indiscutível no processo de libertação da mulher, a ponto de se entender o aborto como um “direito da mulher” que deve ser defendido a todo custo. É terrível pensar que a liberdade das mulheres deva ser medida em relação à morte de outro ser humano, o qual, além de tudo, é o mais fraco dos seres, um filho que depende da mãe para vir ao mundo.É um terrível equívoco acreditar que a emancipação das mulheres possa fundamentar-se sobre essa legalização, inclusive porque, para a mulher, o aborto é sempre um momento de dor, dor física e psíquica, de autodestruição e não apenas de destruição.
Ônus? Para se igualar aos homens, elas não precisam se libertar da maternidade. Esse erro nasce de um conceito equivocado de emancipação, da ideia de que, para se igualarem aos homens, as mulheres devam tornar-se como eles, ou seja, libertar-se da maternidade, aliviar-se de um ônus que é também um mistério maravilhoso, graças ao qual elas se tornam criadoras de uma maneira inigualável, que as faz protagonistas de uma relação extremamente intensa e especial com outros seres humanos, únicas, diferentes. É uma ideologia perigosa, uma das várias utopias equivocadas da modernidade que quer garantir a igualdade das mulheres apagando toda diferença, e particularmente a diferença que constitui sua especificidade: a maternidade.
Nos países em que o aborto foi legalizado há dezenas de anos, e é realizado em entidades públicas, já se começa a falar do desconforto que essa intervenção provoca em todos os que nela atuam: médicos e enfermeiros — embora favoráveis à liberdade de abortar — pedem para trabalhar em turnos breves por se sentirem deprimidos e desmotivados quando destinados por longas horas a esse tipo de ocupação.
Sem falar nas mulheres que o sofrem, embora por sua livre escolha e vivendo num contexto cultural que não as julga de maneira negativa, mas, ao contrário, considera o aborto um direito como outro qualquer. Hoje, depois de muitas intervenções, médicos e psicólogos sabem que são extremamente frequentes as depressões pós-aborto,cuja manifestação pode ocorrer anos depois do episódio médico, aparentemente esquecido. Aliás, o próprio fato de vivenciá-lo com leviandade, de enfrentá-lo como uma intervenção qualquer, torna mais difícil a aceitação do pesar e, portanto, as mulheres têm dificuldade em reconhecer e encarar a dor que ele acarreta. É como se se submetessem a uma tortura e depois fossem informadas de que esse é um direito que deve ser defendido.
Uma tortura que não envolve apenas a mãe. As descobertas mais recentes sobre a constituição biológica do feto revelam que algumas terminações nervosas já estão formadas 40 dias depois da concepção; portanto, a ideia de que os fetos não sofram no aborto não passa de uma mentira piedosa. Tanto é verdade que já se aventou a possibilidade de submeter o feto destinado ao aborto a uma anestesia...
São reconhecimentos dramáticos, que se contrapõem à leviandade ideológica com que a intervenção é considerada e defendida nas batalhas pró-aborto, enganando mais uma vez as mulheres, induzindo-as a um conformismo “politicamente correto” que prejudica somente elas.
A legalização do aborto possibilita — e em geral realiza imediatamente — a seleção eugenética dos nascituros: os exames pré-natais distinguem nitidamente entre crianças saudáveis e crianças doentes, e as mães são aconselhadas pelos médicos a eliminar o feto doente “pelo seu próprio bem”.
Inútil dizer que as associações de portadores de deficiências não se cansam de declarar que eles estão felizes por ter nascido: a mentira continua prosperando. E se depois se constata que a medicina não é uma ciência exata, e uma criança sadia foi eliminada, paciência! É curioso notar que nesses casos ninguém processa o médico — mas se o médico errou prometendo um filho saudável, e este nasce “imperfeito”, imediatamente se desencadeiam batalhas legais. A legalização do aborto induz inclusive alguns casais a pedirem indenizações por um filho imperfeito, indiferentes ao fato de que ele está ali, diante deles, assistindo a uma ação legal que revela que os pais acham que teria sido melhor que ele não tivesse nascido.
O aborto, e a possibilidade legal de retirar um embrião ou um feto do único lugar em que ele está protegido, o útero materno, favoreceram o surgimento das novidades biotecnológicas que hoje permitem “fazer” filhos de “proveta” em balcão de laboratório,escolher os embriões melhores, modificá-los, inserir no processo de concepção óvulos ou embriões diferentes dos solicitados pelos pais, como um produto, um artefato. E, portanto, todos os graves problemas de bioética decorrentes do processo.
Além disso, a legalização do aborto introduz em nossas democracias uma forte contradição, que enfraquece o próprio conceito de igualdade de todos os seres humanos; de fato, ela implica existirem seres indignos de nascer, que não são iguais aos outros.
Fonte: Blog da Família - http://blogdafamiliacatolica.blogspot.com.br/2015/03/lucetta-scaraffia.html - Publicado em 13/03/2015
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Antes de postar seu comentário sobre a postagem, leia: Todo comentário é moderado e deverá ter o nome do comentador. Comentário que não tenha a identificação do autor (anônimo), ou sua origem via link e ainda que não tenha o nome do emitente no corpo do texto, bem como qualquer tipo de identificação, poderá ser publicado se julgar pertinente o assunto. Como também poderá não ser publicado, mesmo com as identificações acima tratadas, caso o assunto for julga impertinente ou irrelevante ao assunto. Todo e qualquer comentário só será publicado se não ferir nenhuma das diretrizes do blog, o qual reserva o direito de publicar ou não qualquer comentário, bem como de excluí-los futuramente. Comentários ofensivos contra a Santa Madre Igreja não serão aceitos. Comentários de hereges, de pessoas que se dizem ateus, infiéis, de comunistas só serão aceitos se estiverem buscando a conversão e a fuga do erro. De indivíduos que defendem doutrinas contra a Verdade revelada, contra a moral católica, de apoio a grupos ou ideias que contrários aos ensinamentos da Igreja, ao catecismo do Concílio de Trento, ferem, denigrem, agridem, cometem sacrilégios a Deus Pai, Deus Filho, Deus Espírito Santo, a Mãe de Deus, seus Anjos, Santos, ao Papa, ao clero, as instituições católicas, a Tradição da Igreja, também não serão aceitos. Apoio a indivíduos contrários a tudo isso, incluindo ao clero modernista, só será publicado se tiver uma coerência e não for qualificado como ofensivo, propagador do modernismo, do sedevacantismo, do protestantismo, das ideologias socialistas, comunistas e modernistas, da maçonaria e do maçonismo, bem como qualquer outro tópico julgado impróprio, inoportuno, imoral, etc. Alguns comentários podem ser respondidos via e-mail, postagem de resposta no blog, resposta do próprio comentário ou simplesmente não respondido. Reservo o direito de publicar, não publicar e excluir os comentários que julgar pertinente. Para mensagens particulares, dúvidas, sugestões, inclusive de publicações, elogios e reclamações, pode ser usado o quadro CONTATO no corpo superior do blog versão web. Obrigado! Adm do blog.