"Sem o heroísmo do soldado, a sociedade dos homens não terá recursos para discernir praticamente, concretamente que sua instituição visa mais alto do que à produção e ao consumo"...
Nós sabemos bem distinguir, e não confundimos de modo algum, o heroísmo dos santos e o do soldado. (...) Sim, nós distinguimos sem dificuldade os dois heroísmos e jamais identificamos o grito do herói tombado por uma “pátria carnal” com o cântico do santo que expira consumido pela caridade divina. Sabemos perfeitamente que as últimas palavras de Joana, agonizante, exprimem, acima de tudo, o heroísmo da santidade, e suas palavras só puderam ser aquelas porque, na sua alma, o heroísmo do chefe guerreiro estava iluminado, transformado pelo heroísmo da “Pucelle”, “filha de Deus”.
Sempre ensinamos as distinções irredutíveis entre a natureza e a graça, mas não seremos nós que as transformaremos em oposições; e, por isso, depois de termos discorrido brevemente sobre o heroísmo dos santos, queremos agora exaltar o heroísmo do soldado.
Pertencem a duas ordens distintas, é certo, mas uma ordem pode penetrar a outra, resplandecer através da outra, como a chama ardente através de um cristal. Fazemos questão, uma vez que falamos do heroísmo dos santos, lembrar o heroísmo guerreiro que só parecerá desprezível aos corações covardes, ou aos intelectuais cerebrinos, tornados abomináveis em suas cogitações egoísticas e vazias. Sem o heroísmo do soldado, a sociedade dos homens não terá recursos para discernir praticamente, concretamente que sua instituição visa mais alto do que à produção e ao consumo... Sem o heroísmo do soldado a sociedade entra em putrefação, e dentro dela as almas vivas estão a cada momento ameaçadas de asfixia. Sem o heroísmo do soldado, a sociedade, fechada sobre si mesma, torna-se semelhante, ora a uma usina colossal de portas aferrolhadas, ora a um circo gigantesco, ameaçado de desmoronar-se entre as chamas de um incêndio implacável.
Não considero aqui as possibilidades e as vias pelas quais o soldado se degrada em mercenário [ou em puro técnico, com diria Bernanos]. Bem sabemos que essa degradação é possível. Também não me preocupa aqui a distinção entre o heroísmo da “guerra sem ódios” e o fanatismo demoníaco de um militarismo imperialista. A distinção se impõe. Mas o que quero assinalar, o que desejo indicar é que uma Cidade que despreza o soldado perde o senso de honra, torna-se indigna do homem, e não sabe mais, na prática, que o estabelecimento na terra não é o seu bem supremo. Pelo fato de estar a vida do soldado ligada de perto à vida da alma, e à vida sobrenatural, compreende-se que a sociedade moderna, infestada de materialismo, tenha pelo soldado uma sólida aversão. Ouçamos o que diz Bernanos: “O Estado Moderno, simples agente de transmissão entre a finança e a indústria, tem razão de farejar no exército uma outra Igreja, quase tão perigosa e quase tão incompreensível. Não detêm ambas, embora desigualmente, o segredo de formar os homens, sim, de formar os homens que um dia farão tudo dobrar-se diante deles pela única força do espírito, já que o herói não cede o passo senão diante do santo? Por isso, o Estado que prudentemente classifica o santo entre os alienados, obrigado a servir-se do herói em tempos de guerra, trata de só utilizar-se dele com medida, e com o mínimo de risco. A sociedade moderna sabe muito bem que a simples idéia de sacrifício, introduzida sem retoques em laboriosa moral de solidariedade, estouraria como uma bomba” — Bernanos “La Grande Peur des Bien-Pensants”.
Tradução de parte do artigo publicado em “Itinéraires”, janeiro de 1969.
Permanência n°7, Ano II, Abril de 1969.
Fonte: Permanência Internet - http://permanencia.org.br/drupal/node/712
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Antes de postar seu comentário sobre a postagem leia: Todo comentário é moderado e deverá ter o nome do comentador. Caso não tenha a identificação do autor (anônimo) ou sua origem via link não seja identificada e mesmo que não tenha o nome do emitente no corpo do texto, bem como qualquer tipo de identificação, poderá ser publicado se julgarmos pertinente ou interessante ao assunto, como também poderá não ser publicado, mesmo com as devidas identificações do autor se julgarmos o assunto impertinente ou irrelevante. Todo e qualquer comentário só será publicado se não ferir nenhuma das diretrizes do blog, o qual reservamos o direito de publicar ou não, bem como de excluí-los futuramente. Comentários ofensivos contra a Santa Madre Igreja não serão aceitos; de hereges, de pessoas que se dizem ateus, infiéis, de comunistas só serão aceitos se estiverem buscando a conversão e a fuga do erro. De indivíduos que defendem doutrinas contra a Verdade revelada, contra a moral católica, de apoio a grupos ou ideias que, contrários aos ensinamentos da Igreja, ao catecismo do Concílio de Trento, ferem, denigrem, agridem, cometem sacrilégios a Deus Pai, Deus Filho, Deus Espírito Santo, a Mãe de Deus, seus Anjos, Santos, ao Papa, ao clero, as instituições católicas, a Tradição da Igreja, também não serão aceitos. Apoio a indivíduos contrários a tudo isso, incluindo ao clero modernista, só será publicado se tiver uma coerência e não for qualificado como ofensivo, propagador do modernismo, do sedevacantismo, do protestantismo, das ideologias socialistas, comunistas e modernistas, da maçonaria e do maçonismo, bem como qualquer outro tópico julgado impróprio, inoportuno, imoral, etc. Alguns comentários podem ser respondidos via e-mail, postagem de resposta no blog, resposta no próprio comentário ou simplesmente não respondido. Reservo o direito de publicar, não publicar e excluir os comentários que julgar pertinente. Para mensagens particulares, dúvidas, sugestões, inclusive de publicações, elogios e reclamações, pode ser usado o quadro CONTATO no corpo superior do blog versão web. Obrigado! Adm do blog.