08/07/2015

Sermão de Carlos Magno: Aix-la-Chapelle, março de 802.

“Crede numa só Igreja, ou seja, na sociedade dos bons por todo o universo; e sabei que só estes poderão ser salvos, e que só aos que perseveram até o fim na Fé, na comunhão e na caridade desta Igreja pertence o Reino de Deus". 
Sermão de Carlos Magno, pronunciado na grande assembléia de Aix-la-Chapelle, no mês de março de 802.
Sermão do Senhor Carlos, Imperador:
“Ouvi, bem amados irmãos! Fomos enviados aqui para vossa salvação, a fim de vos exortar a seguir exatamente a Lei de Deus e para vos converter na justiça e na misericórdia à obediência das leis desse mundo.

“Exorto-vos primeiramente a crer em um só Deus, Todo Poderoso, Padre, Filho e Espírito Santo; Deus único e verdadeiro, Trindade perfeita, Unidade verdadeira, Criador das coisas visíveis e invisíveis, em quem está nossa salvação, e que é o Autor de todos os bens.

“Crede no Filho de Deus feito homem para a salvação do mundo, nascido da Virgem Maria por obra do Espírito Santo. Crede que por nós sofreu a morte; que, ao terceiro dia, ressuscitou dentre os mortos; que subiu ao Céu, onde está sentado à destra de Deus.

“Crede que virá para julgar os vivos e os mortos, e que dará a cada um segundo suas obras.

“Crede numa só Igreja, ou seja, na sociedade dos bons por todo o universo; e sabei que só estes poderão ser salvos, e que só aos que perseveram até o fim na Fé, na comunhão e na caridade desta Igreja pertence o Reino de Deus. 


Os que, por causa de seus pecados, estão excluídos dessa Igreja e não retornarem a Ela pela penitencia, não podem fazer neste século nenhuma ação que seja aceita por Deus. Estais persuadidos que recebestes no batismo a absolvição de vossos pecados.

“Esperai na misericórdia de Deus, que nos perdoa os pecados, cada dia, pela confissão e pela penitência. Crede na ressurreição de todos os mortos, na vida eterna, no suplício eterno dos ímpios.


“Tal é a Fé que vos salvará se a guardardes fielmente, e se lhe acrescentares as boas obras, porque a Fé sem as obras é uma Fé morta, e as obras sem a Fé, mesmo quando são boas, não podem agradar a Deus.

“Amai, pois, antes de tudo ao Senhor Todo-Poderoso com todo vosso coração e com todas vossas forças; tudo aquilo que credes ser-Lhe grato, fazei-o sempre, segundo vosso poder, com o socorro de Sua graça, mas evitai tudo o que O desagrada; porque mente quem pretende amar a Deus e não guarda Seus Mandamentos.

“Amai vosso próximo como a vós mesmos, e dai esmola aos pobres segundo vossos recursos.

“Recebei os viajantes nas vossas casas, visitai os pobres, e sede caridosos com os prisioneiros; na medida em que possais, não façais mal a ninguém, e não pactueis com aqueles que fazem mal a outrem, pois é mau não só prejudicar o próximo, mas também entender-se com aqueles que o prejudicam.

“Perdoai mutuamente vossas ofensas se quereis que Deus vos perdoa os pecados.

“Resgatai os cativos, socorrei aqueles que são injustamente oprimidos, defendei as viúvas e os órfãos, pronunciai juízos conforme à eqüidade; não favoreçais nenhuma injustiça, não vos abandoneis a longas cóleras, evitai a embriaguez e os festins inúteis.

“Sede humildes e bons uns para os outros; sede fiéis a vossos senhores; não cometais roubos, nem perjúrios, e não tenhais nenhum entendimento com aqueles que os cometem.

“Os ódios, a inveja e a violência nos afastam do Reino de Deus. Reconciliai-vos o quanto antes uns com os outros, pois, se está na natureza do homem pecar, arrepender-se é angélico, mas perseverar no pecado é diabólico.

“Defendei a Igreja de Deus e ajudai-a, a fim de que os Padres de Deus possam rezar por vós. Lembrai-vos do que prometestes a Deus no batismo: renunciastes ao demônio e às suas obras, não retorneis em nada para ele, não retornais em nada às obras às quais renunciastes, mas permanecei na vontade de Deus como prometestes, e amai Aquele que vos criou e por quem tendes todos os bens.

“Que cada um sirva a Deus fielmente no lugar onde se encontra.

“Que as esposas sejam submissas a seus maridos; em toda bondade e pudor, guardem-se de atos desonestos; não cometam envenenamentos e não cedam em nada à cupidez, porque as que cometem esses atos estão em revolta contra Deus.

“Que elas eduquem seus filhos no temor de Deus e doem esmolas conforme suas fortunas, com coração bom e alegre. “

Que os maridos amem suas esposas e não lhes digam nenhuma palavra grosseira; dirijam seus lares com bondade e reúnam-se com mais freqüência na igreja. Que doem aos homens o que lhes devem, sem murmurar, e a Deus o que é de Deus, de boa vontade.

“Que os filhos amem os seus pais e os honrem.

Que não lhes desobedeçam em nada e guardem-se contra o roubo, o homicídio e a licenciosidade.

“Que os clérigos e os cônegos obedeçam diligentemente as ordens de seus Bispos, conservem sua residência e não andam de um lado para outro.

“Que não se imiscuam nas questões do século.

“Que conservem a castidade: a leitura das Sagradas Escrituras deve lembrá-los, freqüentemente, o serviço de Deus e da Igreja. “Que os monges sejam fiéis às promessas que fizeram a Deus; não se permitam nada contrário à vontade de seu Abade, não procurem nenhum benefício vergonhoso; saibam de cor sua regra e a sigam regularmente, lembrando-se de que para um grande número teria sito melhor não pronunciar votos do que não cumprir o voto pronunciado.

“Que os duques, os condes e os juízes sejam justos para com o povo, misericordiosos para com os pobres; que não vendam a justiça por dinheiro, e que nenhum ódio particular os faça condenar os inocentes.

Que tenham sempre no coração estas palavras do Apóstolo: ‘Teremos que comparecer, todos, perante o tribunal de Cristo, onde cada qual será julgado segundo suas obras, boas ou más'. 
O que o Senhor expressou pelas seguintes palavras: 'Assim como julgastes, assim sereis julgados', isto é, sede misericordiosos a fim de que Deus vos faça misericórdia.

“ ‘Não há nada secreto que não deva então ser conhecido, nada escondido que não deva ser descoberto. No dia do juízo daremos contas a Deus de toda palavra inútil’.

“Esforcemo-nos pois, com a ajuda de Deus, em agradá-lo em todas nossas ações, a fim de que, depois da vida presente, mereçamos nos rejubilar na eternidade com os Santos do Senhor.

“Esta vida é curta, e a hora da morte é incerta, que outra coisa temos para fazer senão mantermo-nos sempre prontos?

“Não esqueçamos como é terrível cair nas mãos de Deus. Pela confissão, penitência e esmola tornamos o Senhor misericordioso e clemente: se Ele nos vê retornar para Ele de todo o coração, terá logo piedade de nós e nos fará misericórdia.

“Senhor, concedei-nos as prosperidades desta vida, e a eternidade da vida futura com Vossos Santos. Que Deus vos guarde, irmãos bem amados!”.
(Autor : Charles de Ricault d’Héricault, « Histoire Anecdotique de la France », Bloud et Barral, Libraires -Éditeurs, Paris, T. I, pp. 301-304)
Fonte: Glória da Idade Média

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