03/11/2015

Democracia, pena de morte e aborto

"adtendite a falsis prophetis qui veniunt ad vos in vestimentis  ovium intrinsecus autem sunt lupi rapaces a fructibus eorum cognoscetis eos numquid colligunt de spinis uvas aut de tribulis ficus sic omnis arbor bona fructus bonos facit mala autem arbor fructus malos facit" - Matt 7:15-17.



Pe. João Batista de A. Prado Ferraz Costa
Entre os católicos, e com grande repercussão na mídia, o assunto momentoso é o relatório final do Sínodo sobre a família e a anunciada reforma dos dicastérios da cúria romana encarregados da defesa dos valores da família e da vida humana.
 Observa-se que há um desejo de que a promoção dos referidos valores se dê em uma nova perspectiva. Seria relegada a segundo plano uma abordagem filosófica ou teológica dos problemas. Agora, a Igreja procuraria ver os sinais do tempo, os novos rumos trilhados pela humanidade, na tentativa de descobrir sempre os elementos positivos de todas as realidades complexas vividas pelo homem moderno, as circunstâncias, as influências, os condicionamentos etc. É mais ou menos aquilo que dizia o padre Danielou S.J. nos anos cinquenta: “A velha teologia com sua metafísica racionalística e suas categorias abstratas está fora da vida e do real. Devemos hoje renová-la, sintonizando-a com as aspirações da consciência moderna, que quer mais psicologia do que metafísica, mais história do que teorias, mais adesão à existência concreta do que abstração conceitual. ” (Apud Cerruti S.J. A caminho da verdade suprema v. II, p. 370, RJ, 1968). Vale a pena recordar, como exemplo dessa nova perspectiva, o repúdio por parte da hierarquia à atitude coerente do então arcebispo de Olinda e Recife D. José Cardoso Sobrinho quando declarou a excomunhão latae sententiae aos envolvidos no caso de aborto de uma menina violentada em sua diocese.
Ora o grande sinal dos tempos modernos, tido como altamente positivo pela igreja pós-conciliar, é o estabelecimento da democracia em todas as partes do mundo. A democracia seria a única forma de governo capaz de defender a dignidade da pessoa humana e todos os seus direitos. Acontece, porém, que a democracia, observando todas as formalidades do direito constitucional moderno, vai pouco a pouco, através de todos os estados, assegurando como direitos universais, intangíveis, o aborto, a eutanásia, o “casamento” homossexual.
De maneira que os teólogos e filósofos adeptos da nova teologia de um Danielou só podem estar admirados  pensando com os seus botões: Será que a Igreja não deve abordar de outra forma a questão da vida e da família?
Com efeito, tenho a impressão de que Francisco I está mais empenhado em combater com muito mais rigor a pena capital nos poucos países que ainda a aplicam do que em erradicar a praga do aborto, da eutanásia e do casamento homossexual. Ele chegou a declarar que a Igreja precisa refletir sobre os motivos ou razões que têm levado as democracias ocidentais a dar tutela jurídica à “família homoafetiva”. E disse que o aborto é uma questão científica e não teológica ou metafísica. Sem dúvida, parece em sintonia com o discurso moderno das feministas sobre a saúde da mulher e os direitos reprodutivos.
O papa João Paulo II em sua encíclica Evangelium vitae, de 25 de março de 1995, em que afirma a inviolabilidade de vida humana desde o primeiro instante da concepção, liga, infelizmente, o combate ao aborto à campanha abolicionista da pena capital, não elucida bem o tema da dignidade humana, bem como não desmascara a malícia da democracia moderna. Ora, a Igreja não pode condenar, sob pena de grave contradição em seu magistério, a pena de morte, sempre tida pela doutrina constante e imutável como lícita. E quanto à dignidade da pessoa humana, cumpre distinguir, como fazia Mons. Lefebvre em sua acurada crítica à Dignitatis Humanae do Vaticano II (e com base na Suma Teológica de Santo Tomás), uma dignidade radical e uma dignidade terminal. É o que, em outros termos, argumenta Santo Tomás na explicação da licitude da pena de morte: o delinquente, em certos casos, como que se despoja da sua natureza racional e se reduz a uma besta-fera. Ademais, há no documento de João Paulo II, como decorrente de uma equivocada noção da dignidade humana e da falta de noção da gratuidade do sobrenatural, uma negação implícita do limbo.
No que concerne à democracia, João Paulo II, na referida encíclica, diz que deve ser tida como um positivo sinal dos tempos, fazendo apenas uma ressalva: o valor da democracia depende dos valores que defende ou espezinha. Se for assim, os democratas favoráveis à legalização do aborto poderão dizer que têm muito em comum com os católicos seguidores dos sinais dos tempos. Estão juntos na abolição da pena de morte, estão juntos no combate à “homofobia”, estão juntos no combate à intolerância, ao integrismo e ao fundamentalismo. Portanto, a democracia que autoriza o aborto, por compaixão da pobre mulher coagida pelas circunstâncias, a tomar uma decisão tão dolorosa, não seria tão ruim. E seria preciso estudar as razões que a têm levado a legalizar o aborto.
Em conclusão destas reflexões, devo dizer que, realmente, espero que haverá (aliás, já está em curso) uma mudança de atitude da Igreja diante dos problemas referentes à defesa da família católica e da vida humana. Não haverá uma mudança substancial da doutrina, mas um discurso em novo estilo. Quer dizer, aquela visão benévola de todas as religiões como busca de Deus se estenderá agora à pastoral familiar, usando antes o remédio da compreensão e da misericórdia que a condenação dos erros. Seja-me permitido para ilustrar esta triste realidade contar o que me disse um conceituado pró-vida, que, durante muitos anos, foi responsável de Human Life International junto à Santa Sé. Referindo-se àqueles encontros “ecumênicos” promovidos por João Paulo II com diversas religiões e outras organizações anti-abortistas, disse-me: “Na verdade, a Igreja está sozinha nessa batalha. Na hora decisiva, na hora do “vamos ver”, todos os outros recuam, abrem exceções, etc.” Hoje há outra perspectiva…

Um comentário:

  1. É triste! Infelizmente, a democracia, que é uma forma de manifestação da soberania onde o povo elege um governante, tornou-se sinal de liberalismo ao extremo. Será que Dom Garcia Moreno não soube fazer democracia? O que o Papa Francisco diria?

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