"O pecador verá e se indignará;
rangerá os dentes, e se consumirá; o desejo dos pecadores perecerá."
Peccator
videbit et irascetur, dentibus suis fremet et tabescet; desiderium peccatorum
peribit — “Vê-lo-á o pecador e se indignará; rangerá os dentes e se
consumirá; o desejo dos pecadores perecerá” (Ps. 111, 10).
Sumário. O réprobo no
inferno, vendo-se oprimido pelos seus tormentos inefáveis e desesperando de
jamais remediar os seus males, será devorado por um ódio contínuo de Deus e
amaldiçoará todos os benefícios que dele recebeu. Assim como amaldiçoa a Deus,
amaldiçoará também todos os Anjos e Santos, e especialmente à divina Mãe, cuja
intercessão não quis aproveitar. Ah, meu Jesus! Seja cortada antes a minha
língua; protesto que nunca Vos quero amaldiçoar, mas sim louvar-Vos para sempre
no paraíso.
A alma, criada para amar o seu Criador,
não pode deixar de sentir um impulso natural ao amor de seu último fim. Na vida
presente, as trevas do pecado e os afetos terrenos podem entorpecer a
inclinação da alma para se unir a Deus, e por isso não se aflige muito com a
separação. Mas, quando sai do corpo e se vê livre dos sentidos, então vê
claramente que só Deus a pode contentar. Pelo que procura ir logo unir-se a seu
supremo Bem; mas achando-se em estado de pecado, vê que é repelida por Deus,
como sua inimiga. Ainda que repelida, não deixará de se sentir sempre atraída à
união com Deus, e o seu inferno consistirá em ver que sempre é atraída para
Deus e sempre repelida por Ele.
Se a desgraçada, já que perdeu seu Deus
e não O pode contemplar, pudesse ao menos consolar-se amando-O! Mas não, pelo
abandono da graça, a sua vontade está pervertida. Por um lado, pois, ver-se-á
sempre atraída a amar seu Deus; por outro, ver-se-á obrigada a odiá-Lo.
Portanto, ao mesmo tempo que reconhece ser Deus digno de amor e louvor
infinitos, odeia-O e amaldiçoa-O. Se ainda naquela prisão de tormentos,
pudesse resignar-se à vontade de Deus e bendizer a mão que com justiça a castiga,
como fazem as almas do purgatório! Não pode, porém, resignar-se, pois que para
isto deveria ser auxiliada pela graça; mas esta (como já ficou dito)
abandonou-a; pelo que a sua vontade é inteiramente contraria à vontade divina.
Tudo isso faz com que a infeliz vire
todo o seu ódio contra si própria, e assim viverá sempre dilacerada por afetos
opostos. Quisera sempre viver para odiar a Deus, objeto de seu ódio mais
profundo, e sempre quisera morrer para não sentir a pena de O ter perdido. Vê,
porém, que não mais pode morrer, e assim viverá numa incessante agonia.
Roguemos a Deus, pelos merecimentos de Jesus Cristo, que nos livre do inferno,
particularmente deve rogar assim quem em sua vida perdeu Deus pelo pecado
mortal.
II. Contempla qual será a eterna
ocupação do réprobo no inferno. Continuamente odiará e amaldiçoará a Deus, e,
amaldiçoando a Deus, amaldiçoará também os benefícios que d’Ele recebeu: a
criação, a redenção, os sacramentos, em particular, o batismo e a penitência.
Sobretudo amaldiçoará o Santíssimo Sacramento do altar, que ele profanou tantas
vezes e recebeu talvez sacrilegamente. O desgraçado odiará todos os Anjos e
Santos, especialmente o Anjo da guarda e os seus santos Padroeiros, e mais que
todos, a divina Mãe, odiará as três Pessoas divinas e, em particular, o Filho
de Deus, morto para o salvar, amaldiçoando-Lhe as chagas, o sangue, os
sofrimentos e a morte: O pecador verá e se indignará; rangerá os
dentes, e se consumirá; o desejo dos pecadores perecerá.
Ah, meu doce Redentor Jesus! Ah, minha
amadíssima Corredentora, Maria! Se jamais meu coração se sentiu enternecido e
compungido à vista de suas culpas, eis que agora Vô-lo demonstram as lágrimas
que derramo aos vossos pés. Misericórdia! † Meu Jesus, misericórdia! Quem
me dera nunca Vos ter ofendido! No futuro, quero antes perder mil vezes a vida
do que tornar a ofender-Vos. Não é o temor do inferno que me faz falar assim,
mas o temor de ter que blasfemar contra Vós nesse abismo.
Ó Meu Deus, se por desgraça me
condenar, terei de Vos amaldiçoar eternamente? Os meus lábios que agora Vos
bendizem e exortam os outros a vosso louvor, estes lábios terão de sempre Vos
amaldiçoar? Ó Senhor, não o consintais! Antes se me seque a garganta, antes se
me corte a língua, seja eu antes reduzido a cinza pelo raio de vossa ira; mas
protesto que nunca Vos quero amaldiçoar. Desejo ao contrário, ir ao céu para
Vos louvar e bendizer, juntamente com Maria Santíssima, com os Anjos e os
Santos, por toda a eternidade. Mas deveis ajudar-me com a vossa graça. Ó meu Jesus,
fazei-o pelos merecimentos de vossa Paixão e pelas dores de vossa querida Mãe.
(*II 292.)
Meditações: Para todos os Dias e Festas
do Ano:
Tomo III – Santo Afonso
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