"A igreja matriz irradiava a imagem de uma verdadeira família paroquial, um centro de onde emanava o bem, o fervor, a ortodoxia, a pureza de costumes; era o ponto monárquico de tudo." |
Pe. David Francisquini (*)
Ao analisar o cenário interno e externo da Santa Igreja Católica, Apostólica, Romana a partir de meados do século passado, um observador verificará que muita coisa mudou.
Foram introduzidas reformas profundas na liturgia, na disciplina, no comportamento social através do ecumenismo, na teologia, na moral individual e familiar, na protelação da administração dos sacramentos do batismo, da crisma, da confissão e da comunhão.
Não vou me ocupar das particularidades dessas transformações, mas apenas apontar as manobras sutis e cavilosas propostas por tantos agentes que operaram no silêncio e na noite, como salteadores e ladrões que se apoderam dos bens alheios. Houve, igualmente, silêncios enigmáticos, conscientes e premeditados, visando introduzir nos meios católicos ideias já condenadas por São Pio X em sua Encíclica Pascendi, no início do século XX.
Como uma engrenagem bem azeitada, tais mudanças obedeceram a um processo desde a morte de São Pio X (1914). Os meios católicos foram sendo modificados paulatinamente, os expoentes contrários ao modernismo condenado por aquele Papa, foram afastados de seus cargos e substituídos por outros menos rigorosos e até defensores de doutrinas heterodoxas. O rigor doutrinário baixou até às capilaridades, pois mesmo os candidatos ao sacerdócio já se apresentavam aos seminários contagiados por ideias avessas à sã doutrina.
O campo se encontrava descuidado e, portanto, apto para que nele grassassem as ervas daninhas como o joio e a cizânia. Em meados do século passado, os seminaristas que mais tarde tornar-se-iam párocos e bispos já se encontravam eivados dos princípios e das doutrinas da filosofia e da sociologia modernas, conduzindo-os consciente ou inconscientemente ao marxismo-leninismo então em voga. Cunharam até uma nova teologia para servir de caudal aos inovadores, chamada Teologia da Libertação.
Pregadores começaram a silenciar verdades fundamentais sobre a salvação eterna, a negligenciar o ensino dos Mandamentos da Lei de Deus, as devoções populares como a recitação do terço, as coroações a Nossa Senhora, as procissões, para se ocuparem de temas temporais como o bem-estar das pessoas neste mundo, impregnando-as de ideias socialistas e até mesmo comunistas ao abordarem temas como fome, pobreza, minorias, marginalizados. O reino de Deus deveria realizar-se aqui na Terra e agora.
Como ocorreu esse minucioso e profundo trabalho revolucionário nas fileiras católicas e em todos os campos da cultura, da arte, da liturgia, dos costumes, nas maneiras de ser, no interior das famílias, no trato social, na economia, na política? No campo das ideias, houve a rejeição da filosofia aristotélico-tomista, cujo valor e grandeza haviam sido ressaltados por Leão XIII em razão de sua elevação e sublimidade, pois nem a fé podia esperar que a razão lhe conferisse mais argumentos.
Concomitante a isso não se ouvia mais a voz dos sinos, que deixaram de soar, de emitir os seus apelos, pois as sentinelas da casa do Senhor deixaram de vigiar e defender as ovelhas. Minguaram as missões, que pregavam as verdades eternas e sempre convidavam os fiéis à frequência dos sacramentos, ao afervoramento religioso e ao combate aos erros e aos vícios, além de proibir os católicos de procurar qualquer composição com seitas protestantes.
Pouco a pouco, foram sendo introduzidos nos salões paroquiais divertimentos profanos como bailes e danças, com a finalidade de adquirir fundos para obras de assistência social. As músicas religiosas populares foram substituídas por outras de sabor protestante e mundano. Erodidos os bons costumes, a mentalidade e a espiritualidade de outrora se extinguiram. Verificou-se um abandono de todo o passado glorioso da Santa Igreja que remontava a Constantino e ao Concílio de Trento.
O progresso dessa implacável revolução só foi possível devido às ideias luteranas que foram sendo introduzidas nos meios católicos, sempre apresentadas como perspectivas de modernizar a Igreja, de torná-la mais aberta, mais democrática e compreensiva em relação àqueles que recusavam — rejeitarão sempre, apesar de todas as concessões — os princípios emanados do supremo Magistério e a vida da Igreja verdadeira como um todo.
Uma análise retrospectiva do desastre decorrente das medidas contemporizadoras da Hierarquia católica leva a concluir que os fiéis teriam reagido energicamente se desde o princípio tivessem compreendido para onde a Barca de Pedro estava sendo conduzida. Se, por exemplo, soubessem que a mentalidade herética de um Pelágio ou de um Jansênio voltaria a ter cidadania dentro da Igreja, não se confiando mais na graça, nos meios sobrenaturais e divinos, para se acreditar apenas nos próprios esforços.
Fatos como o silêncio, a ausência de sacerdotes nas paróquias, leigos cada vez mais à frente das mesmas e dirigindo a comunidade religiosa, tendem a acentuar a ideia de que a presença do padre não é necessária, podendo ele aparecer apenas em certas ocasiões, pois o resto o leigo realiza. E, diante de tudo isso, conclui-se o quanto a Igreja se distanciou de seu passado santo e glorioso, quando o essencial se passava em torno do altar, na celebração da Missa, nas bênçãos do Santíssimo, nas festas do padroeiro…
A igreja matriz irradiava a imagem de uma verdadeira família paroquial, um centro de onde emanava o bem, o fervor, a ortodoxia, a pureza de costumes; era o ponto monárquico de tudo. Por isso se chamava matriz, porque mãe de várias capelas que leigos bem formados não deixavam de frequentar a fim rezar e estudar a doutrina cristã. Outros eram os tempos, outros os ventos, outros os rumos: a glória de Deus e a salvação das almas.
O sacerdote estava compenetrado de seu dever sagrado como ministro do Altíssimo, de seu poder incomparável, por ter sido ordenado sacerdote segundo a ordem de Melquisedec. E sentindo-se capaz de combater o mal e seus agentes, de abrir as portas do Reino do Céu. É difícil aquilatar o poder que exerce neste mundo um padre inteiramente fiel à sua missão, pois ele se torna o sal que salga e a luz que ilumina.
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