"Mas havia desde o início uma segunda posição dentro do chamado progressismo, a qual não se satisfazia com a mera adaptação cultural da Igreja".
Mathias von
Gersdorff
Tradução do
original alemão por Renato Murta de Vasconcelos
Frankfurt — Em entrevista ao “Frankfurter Rundschau”,
diário alemão de orientação esquerdista, o Cardeal Karl Lehmann [foto abaixo]
constata decepcionado que o documento Amoris laetitia alcançou repercussão
bastante moderada na Alemanha:
Karl Lehmann
“Se atento para o eco público da carta papal ‘Amoris laetitia’, constato um
rápido desinflar do interesse. Na verdade, hoje em dia as ondas de interesse
suscitadas pela mídia vêm e voltam no total, numa sequência cada vez mais
curta. Razão a mais para que os teólogos nas universidades e as publicações
especializadas se ocupem do texto. Do contrário não passará de um golpe
desferido na água. Até agora o distanciamento dos teólogos tem-me decepcionado
e preocupado. O fato de o próprio Papa afirmar que lhe importa mais a pastoral
do que a dogmática, isso não dispensa a teologia de continuar a pensar.”
A reação na Alemanha descrita pelo Cardeal Lehmann é
consequência de diferentes expectativas e perspectivas existentes no chamado
progressismo católico desde o seu início.
O que une todos os católicos de esquerda é o desejo de
que a Igreja Católica se adapte ao mundo ou, pelo menos, que dele se aproxime
fortemente. Essa aproximação, entretanto, não deve ser uma qualquer. Não,
segundo católicos esquerdistas, a Igreja deveria adaptar-se às correntes
ideológicas igualitárias, transformar-se de acordo com o pensamento igualitário
reinante.
A fim de conseguir adaptar-se ao mundo, a Igreja
deveria se despojar de tudo o que contraria o pensamento igualitário, ou seja,
das seguintes diferenças: entre o laicato e o clero; dentro da Hierarquia
eclesiástica; entre a ordem natural e a sobrenatural (banalização da liturgia,
extinção da piedade popular e dos objetos de devoção como o Rosário;
dessacralização da arquitetura e da arte religiosa etc.). A Igreja deveria
ainda recusar uma linguagem autoritária e uma forma destemida de agir e de se
apresentar (verbete “pompa barroca”) etc.
É desnecessário dizer que neste campo há diferentes
graus de intensidade. Nem todos querem ir tão longe quanto Hans Küng ou Eugen
Drewermann.
Apesar dessa unidade dos progressistas quanto à meta,
existe entre eles uma diferença importante e fundamental.
Para uma parte deles, trata-se antes de tudo de a
Igreja se modificar culturalmente para poder estar à altura de entrar em
contato com o “mundo de hoje”. Os defensores dessa ideia julgam que a Igreja
deveria se apresentar e comunicar-se de outro modo, para poder ser entendida
pelos homens modernos. Para tal, ela deveria dedicar-se menos às questões
doutrinárias do que às dificuldades pastorais do mundo real. Pela mesma razão,
a Igreja deveria cuidar dos desafios do mundo de hoje: problemas sociais, fome,
destruição ecológica etc. De tudo aquilo que no momento seja, segundo a mídia,
atual.
Essa concepção
conduziu no passado a opiniões consideradas hoje como praticamente
insustentáveis. Assim, havia sacerdotes que simpatizavam abertamente com ideias
socialistas e até comunistas (sem aprovar necessariamente as ideologias).
Achavam que o socialismo ou até mesmo o comunismo estavam em condições de
ajudar os pobres. Porém, alguns desses padres defendiam simultaneamente a moral
católica sobre a sexualidade.
Mas havia desde o início uma segunda posição dentro do
chamado progressismo, a qual não se satisfazia com a mera adaptação cultural da
Igreja.
2. Essa segunda corrente era da opinião de que a
doutrina da Igreja deveria modificar-se para dar lugar a uma nova pseudo-doutrina
que correspondesse às máximas revolucionárias do mundo moderno igualitário. Um
subproduto de tal “reforma” seria a Igreja deixar de ser a Guardiã da verdade.
Pois, para essa corrente, a verdade surge de um contínuo diálogo teológico.
Amoris LaetitiaPara ficar no exemplo do comunismo, a
“Teologia da Libertação”, que visa uma simbiose entre a doutrina da luta de
classes e o cristianismo, era um desses “projetos” teológicos.
No tocante à Alemanha, está largamente difundida desde
muito tempo a crítica ao ensinamento moral fundamentado no Direito natural. Já
nos anos 50 (para não retroceder mais longe, até a época da heresia modernista
condenada por São Pio X), a ética de situação — segundo a qual as questões
morais deveriam ser julgadas de acordo com as circunstâncias individuais, e não
segundo normais universais — era popular entre os teólogos modernos, sendo o
mais importante deles o redentorista Bernhard Häring CSsR.
Essa corrente dentro do progressismo católico alemão
foi se tornando cada vez mais forte com o passar dos anos, aparecendo na
ribalta por ocasião dos dois últimos Sínodos. Tal corrente esperava abertamente
que o Sínodo Ordinário da Família realizado no outono de 2015 não apenas
aprovasse a comunhão para os divorciados recasados, mas também abençoasse os
anticoncepcionais e todas as formas possíveis de parcerias, inclusive as
homossexuais.
A Exortação pós-sinodal Amoris Laetitia trata na
verdade desses temas, mas na melhor das hipóteses não é clara em relação às
mudanças da doutrina. A opinião reinante entre os teólogos é de que a doutrina
não foi modificada, apesar de muitas passagens do documento indicarem o
contrário. No que diz respeito ao Magistério, tudo permanece, portanto, como
dantes.
A decepção daí decorrente explicaria provavelmente por
que na Alemanha a repercussão entre os teólogos progressistas foi tão fraca,
como afirma o Cardeal Lehmann.
* *
*
Muito diferente foi a recepção da Amoris Laetitia nos
países onde os progressistas — que não propugnam uma nova doutrina, mas tão-só
uma adaptação da Igreja ao mundo moderno — constituem maioria.
Esta corrente é particularmente forte na Itália.
Muitos teólogos italianos não desejam um Magistério claro, satisfazendo-se com
afirmações imprecisas e até mesmo contraditórias, na esperança de que a
realidade — ou seja, a Igreja tal como ela existe realmente — se modifique, sem
entrar em disputas teológicas enfadonhas e cansativas. O caos na Igreja seria
para essa corrente uma situação para a qual se deveria tender. Segundo as
lucubrações desses progressistas, “os fiéis começariam a viver numa ‘situação
de caos’ considerada correta por eles. O Magistério não desempenharia quase
nenhum papel na vida cotidiana, e isso seria bom”.
No fundo, as correntes acima descritas podem ser
compreendidas como duas estratégias diversas convergindo para o mesmo objetivo,
ou seja, a destruição da Igreja Católica. Uma Igreja que não mais existe
primordialmente para anunciar a verdade não seria a verdadeira Igreja.
Importa aos fiéis ter ambas as estratégias em vista.
Esses dois modos de agir exigem contra-estratégias diversas. Em todo caso,
quando se trata de defender a Fé, uma discussão meramente teológica com os
erros dos progressistas católica não é suficiente. Uma reação cultural é no
mínimo igualmente importante.
Essa "Igreja" que não está ao serviço da Verdade e do Bem, já existe desde o Concílio, e mais precisamente, desde o novo "Ordo" que substituiu o Santo Sacrifício da Missa pelo culto de satanás, em 1969. Consequentemente, não concordo com o conteúdo deste artigo, a menos que tivesse sido escrito por volta de 1960. Assim não vamos lá. Até porque uma Igreja que se adaptou ao mundo já inverteu a sua Doutrina. Pois que entre o mundo e a Santa Madre Igreja deve existir absoluta oposição.
ResponderExcluirAlberto Carlos Rosa Ferreira das Neves CABRAL - Lisboa