21/05/2016

O progressismo diante de um dilema após a publicação da Exortação “Amoris laetitia”



"Mas havia desde o início uma segunda posição dentro do chamado progressismo, a qual não se satisfazia com a mera adaptação cultural da Igreja".

Mathias von Gersdorff
Tradução do original alemão por Renato Murta de Vasconcelos

Frankfurt — Em entrevista ao “Frankfurter Rundschau”, diário alemão de orientação esquerdista, o Cardeal Karl Lehmann [foto abaixo] constata decepcionado que o documento Amoris laetitia alcançou repercussão bastante moderada na Alemanha:
 Karl Lehmann “Se atento para o eco público da carta papal ‘Amoris laetitia’, constato um rápido desinflar do interesse. Na verdade, hoje em dia as ondas de interesse suscitadas pela mídia vêm e voltam no total, numa sequência cada vez mais curta. Razão a mais para que os teólogos nas universidades e as publicações especializadas se ocupem do texto. Do contrário não passará de um golpe desferido na água. Até agora o distanciamento dos teólogos tem-me decepcionado e preocupado. O fato de o próprio Papa afirmar que lhe importa mais a pastoral do que a dogmática, isso não dispensa a teologia de continuar a pensar.”
A reação na Alemanha descrita pelo Cardeal Lehmann é consequência de diferentes expectativas e perspectivas existentes no chamado progressismo católico desde o seu início.
O que une todos os católicos de esquerda é o desejo de que a Igreja Católica se adapte ao mundo ou, pelo menos, que dele se aproxime fortemente. Essa aproximação, entretanto, não deve ser uma qualquer. Não, segundo católicos esquerdistas, a Igreja deveria adaptar-se às correntes ideológicas igualitárias, transformar-se de acordo com o pensamento igualitário reinante.
A fim de conseguir adaptar-se ao mundo, a Igreja deveria se despojar de tudo o que contraria o pensamento igualitário, ou seja, das seguintes diferenças: entre o laicato e o clero; dentro da Hierarquia eclesiástica; entre a ordem natural e a sobrenatural (banalização da liturgia, extinção da piedade popular e dos objetos de devoção como o Rosário; dessacralização da arquitetura e da arte religiosa etc.). A Igreja deveria ainda recusar uma linguagem autoritária e uma forma destemida de agir e de se apresentar (verbete “pompa barroca”) etc.
É desnecessário dizer que neste campo há diferentes graus de intensidade. Nem todos querem ir tão longe quanto Hans Küng ou Eugen Drewermann.
Apesar dessa unidade dos progressistas quanto à meta, existe entre eles uma diferença importante e fundamental.
Para uma parte deles, trata-se antes de tudo de a Igreja se modificar culturalmente para poder estar à altura de entrar em contato com o “mundo de hoje”. Os defensores dessa ideia julgam que a Igreja deveria se apresentar e comunicar-se de outro modo, para poder ser entendida pelos homens modernos. Para tal, ela deveria dedicar-se menos às questões doutrinárias do que às dificuldades pastorais do mundo real. Pela mesma razão, a Igreja deveria cuidar dos desafios do mundo de hoje: problemas sociais, fome, destruição ecológica etc. De tudo aquilo que no momento seja, segundo a mídia, atual.
 Essa concepção conduziu no passado a opiniões consideradas hoje como praticamente insustentáveis. Assim, havia sacerdotes que simpatizavam abertamente com ideias socialistas e até comunistas (sem aprovar necessariamente as ideologias). Achavam que o socialismo ou até mesmo o comunismo estavam em condições de ajudar os pobres. Porém, alguns desses padres defendiam simultaneamente a moral católica sobre a sexualidade.
Mas havia desde o início uma segunda posição dentro do chamado progressismo, a qual não se satisfazia com a mera adaptação cultural da Igreja.
2. Essa segunda corrente era da opinião de que a doutrina da Igreja deveria modificar-se para dar lugar a uma nova pseudo-doutrina que correspondesse às máximas revolucionárias do mundo moderno igualitário. Um subproduto de tal “reforma” seria a Igreja deixar de ser a Guardiã da verdade. Pois, para essa corrente, a verdade surge de um contínuo diálogo teológico.
Amoris LaetitiaPara ficar no exemplo do comunismo, a “Teologia da Libertação”, que visa uma simbiose entre a doutrina da luta de classes e o cristianismo, era um desses “projetos” teológicos.
No tocante à Alemanha, está largamente difundida desde muito tempo a crítica ao ensinamento moral fundamentado no Direito natural. Já nos anos 50 (para não retroceder mais longe, até a época da heresia modernista condenada por São Pio X), a ética de situação — segundo a qual as questões morais deveriam ser julgadas de acordo com as circunstâncias individuais, e não segundo normais universais — era popular entre os teólogos modernos, sendo o mais importante deles o redentorista Bernhard Häring CSsR.
Essa corrente dentro do progressismo católico alemão foi se tornando cada vez mais forte com o passar dos anos, aparecendo na ribalta por ocasião dos dois últimos Sínodos. Tal corrente esperava abertamente que o Sínodo Ordinário da Família realizado no outono de 2015 não apenas aprovasse a comunhão para os divorciados recasados, mas também abençoasse os anticoncepcionais e todas as formas possíveis de parcerias, inclusive as homossexuais.
A Exortação pós-sinodal Amoris Laetitia trata na verdade desses temas, mas na melhor das hipóteses não é clara em relação às mudanças da doutrina. A opinião reinante entre os teólogos é de que a doutrina não foi modificada, apesar de muitas passagens do documento indicarem o contrário. No que diz respeito ao Magistério, tudo permanece, portanto, como dantes.
A decepção daí decorrente explicaria provavelmente por que na Alemanha a repercussão entre os teólogos progressistas foi tão fraca, como afirma o Cardeal Lehmann.

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Muito diferente foi a recepção da Amoris Laetitia nos países onde os progressistas — que não propugnam uma nova doutrina, mas tão-só uma adaptação da Igreja ao mundo moderno — constituem maioria.
Esta corrente é particularmente forte na Itália. Muitos teólogos italianos não desejam um Magistério claro, satisfazendo-se com afirmações imprecisas e até mesmo contraditórias, na esperança de que a realidade — ou seja, a Igreja tal como ela existe realmente — se modifique, sem entrar em disputas teológicas enfadonhas e cansativas. O caos na Igreja seria para essa corrente uma situação para a qual se deveria tender. Segundo as lucubrações desses progressistas, “os fiéis começariam a viver numa ‘situação de caos’ considerada correta por eles. O Magistério não desempenharia quase nenhum papel na vida cotidiana, e isso seria bom”.
No fundo, as correntes acima descritas podem ser compreendidas como duas estratégias diversas convergindo para o mesmo objetivo, ou seja, a destruição da Igreja Católica. Uma Igreja que não mais existe primordialmente para anunciar a verdade não seria a verdadeira Igreja.
Importa aos fiéis ter ambas as estratégias em vista. Esses dois modos de agir exigem contra-estratégias diversas. Em todo caso, quando se trata de defender a Fé, uma discussão meramente teológica com os erros dos progressistas católica não é suficiente. Uma reação cultural é no mínimo igualmente importante.


Um comentário:

  1. Essa "Igreja" que não está ao serviço da Verdade e do Bem, já existe desde o Concílio, e mais precisamente, desde o novo "Ordo" que substituiu o Santo Sacrifício da Missa pelo culto de satanás, em 1969. Consequentemente, não concordo com o conteúdo deste artigo, a menos que tivesse sido escrito por volta de 1960. Assim não vamos lá. Até porque uma Igreja que se adaptou ao mundo já inverteu a sua Doutrina. Pois que entre o mundo e a Santa Madre Igreja deve existir absoluta oposição.
    Alberto Carlos Rosa Ferreira das Neves CABRAL - Lisboa

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