06/09/2016

As Virtudes de Nossa Senhora: A Caridade para com Deus


Magnificat anima mea Dominum
Et exultavit spiritus meus in Deo salutari meo.


Diz S. Alberto Magno: Quanto é grande a pureza, é também grande o amor. Quanto mais um coração é puro e vazio de si mesmo, tanto mais cheio é de caridade para com Deus. Assim Maria, sendo sumamente humilde e vazia de si, foi cheia do divino amor e nesse amor excedeu a todos os anjos e homens, como disse S. Bernardino de Sena. Com razão, a chama S. Francisco de Sales Rainha do amor.

1.  Deu o Senhor aos homens o preceito: Amarás ao Senhor, teu Deus, de todo o teu coração (Mt 22,37)
Entretanto os homens, diz S. Tomás, não na terra, mas no céu, poderão cumpri-lo perfeitamente. Na opinião de S. Alberto Magno, semelhante preceito, por ninguém cumprido com perfeição, de certo modo teria sido indecoroso ao Senhor, que o decretou, se não houvesse existido sua Santa Mãe que o cumpriu perfeitamente. Tal pensamento é confirmado por Ricardo de S. Vítor: A mãe de nosso Emanuel em todo sentido praticou as virtudes com consumada perfeição. Quem como ela cumpriu o preceito de amar a Deus de todo o coração? Tão intenso era-lhe o incêndio do amor divino, que não restava lugar para a menor imperfeição. De tal modo o amor divino feriu a alma de Maria, observa S. Bernardo, que não lhe deixou parte alguma que não fosse ferida de amor. Deste modo, pois, cumpriu a Senhora perfeitamente o primeiro preceito divino. Bem podia dizer de si: O meu amado é para mim, e eu para ele (Ct 2,9). Até os serafins, exclama Ricardo, podiam descer do céu para aprender no coração de Maria a maneira de se amar a Deus.

2. Deus é o amor (1Jo 4,16) e à terra veio para atear em todos os corações a chama de seu amor.
Mas, como o de Maria, não inflamou nenhum outro. Puro completamente de afetos terrenos, estava ele preparadíssimo a arder nesse bem-aventurado fogo. Daí então as palavras do Pseudo-Jerônimo: Tanto o abrasou o amor divino, que nada de terreno lhe prendia as inclinações. Ardia, completa e totalmente, no amor divino e dele estava inebriado. Sobre esse amor lê-se nos Cânticos: Seus abrasamentos são abrasamentos de fogo, chamas do Senhor (8,6). Fogo e chamas tão somente era, pois, o coração de Maria. Fogo, porque ardia inteiramente pelo amor, como fala um texto atribuído a S. Anselmo. Chamas, porque resplandecia externamente pelo exercício das virtudes. Quando Maria, na terra, trazia o Menino Jesus ao colo, bem se podia dizer dela que era um fogo levando outro fogo. E isso em melhor sentido do que Hipócrates disse um dia de uma mulher que levava fogo na mão. De fato, explica S. Ildefonso, como o fogo encandesce o ferro, assim o Espírito Santo abrasou a Maria, a ponto de manifestar-se a chama do divino amor. S. Tomás de Vila-nova aponta como figura do coração da Virgem a sarça de Moisés, a qual ardia sem se consumir. Com razão, portanto, declara S. Bernardo: A mulher que João Evangelista (Ap 12,1) viu revestida do sol, foi Maria, que esteve tão unida a Deus pelo amor, quanto de tal união podia ser passível uma criatura.

3. Sobre isso apóia-se o pensamento de S. Bernardino de Sena, de que Maria nunca foi tentada pelo inferno
Eis as suas palavras: Assim como de um intenso fogo fogem as moscas, assim do coração de Maria, fogueira de caridade, eram expulsos os demônios, de modo que nem tentavam aproximar-se dele. Lemos o mesmo pensamento em Ricardo de S. Vitor: Os príncipes das trevas de tal maneira temiam a Virgem Santíssima, que nem ousavam chegar-se para tenta-la , porque as chamas de sua caridade os afugentavam. Maria revelou a S. Brígida que no mundo nunca teve outro pensamento, outro desejo, outra alegria, senão Deus. Sua alma bendita gozava de uma contínua contemplação, sendo sem conta os atos de amor que fazia, escreve o Padre Suárez. Mais ainda me agrada este pensamento de Bernardino de Busti: Maria não vivia repetindo atos de amor, à maneira dos santos; mas, por singular privilégio, lhe foi a vida um ato único e contínuo de amor de Deus. Qual águia real conservava os olhos fitos no sol divino, de modo que diz Nicolau, monge, nem os trabalhos cotidianos da vida lhe impediam o amor, nem o amor lhe impedia o trabalho. Essa é a razão por que S. Germano vê uma figura de Maria no altar propiciatório, onde o fogo nunca se extinguia, nem de dia nem de noite.

4. Nem mesmo o sono impedia a Mãe de Deus de amar ao seu Criador
Tal privilégio foi concedido aos nossos primeiros pais no estado de inocência, como assevera S. Agostinho. Certamente por isso não foi recusado a Maria, como pensam Suárez e Recupito, abade, com S. Bernardino e S. Ambrósio. Este último afirma: Enquanto o seu corpo repousava, vigiava sua alma. Realizou-se assim na Virgem a passagem dos Provérbios: A sua candeia não se apagará de noite (31,18). Com efeito, enquanto seu corpo bem-aventurado tomava, num ligeiro sono, o necessário repouso, sua alma elevava-se até Deus, diz S. Bernardino; e mesmo no sono praticava a contemplação em grau mais perfeito do que outros quando acordado. Podia, por conseguinte, dizer com a esposa dos Cânticos: Eu durmo, mas meu coração vigia (5,2). Tanto adormecida como acordada, era feliz a Virgem, diz-nos o Padre Suárez. Em suma, repete S. Bernardino, enquanto Maria viveu na terra, estava continuamente amando a Deus; nunca fez, senão o que conhecia ser do agrado de Deus; e amou-o tanto quanto julgou de seu dever amá-lo. Com muito acerto exprime-se por conseguinte S. Alberto Magno: Maria foi cheia de tanto amor que quase não se pode conceber maior em uma pura criatura, nesta terra. Segundo S. Tomás de Vilanova, a Virgem, com sua ardente caridade, de tal modo se tornou formosa e encantou a Deus, que ele, atraído por seu amor, desceu a seu seio, fazendo-se homem. Daí, pois, a exclamação de S. Bernardino de Sena: Eis uma Virgem, que com sua virtude, feriu e arrebatou o coração de Deus.

5. Mas já que Maria ama tanto a seu Deus, nada exige de seus servos senão que o amem, tanto quanto possível
 Disse ela uma vez à Bem-aventurada Ângela de Foligno, que havia comungado: Ângela, abençoada sejas por meu Filho, e procura amá-lo quanto puderes. Igualmente falou a S. Brígida: Filha, se queres prender-me a ti, ama a meu Fillho. –Maria não tem maior desejo, do que ver amado seu dileto Filho, que é Deus. Pergunta Novarino por que razão a Santíssima Virgem rogava aos anjos, com a esposa dos Cânticos, que sessem parte ao Senhor do grande amor que lhe consagrava? “Eu vos conjuro, filhas de Jerusalém, que, se encontrardes o meu amado, lhe façais saber que estou enferma de amor” (5,8). Por acaso não conhecia Deus o seu amor? Por que tem ela tanto empenho em mostrar-lhe a chaga que ele mesmo abriu? E Novarino responde que desse modo a Mãe de Deus queria patentear seu amor, não a Deus, mas a nós mesmos, para nos ferir com o amor divino, assim como já estava por ele ferida. Como é toda fogo para amar a Deus, a todos os que a amam e dela se aproximam inflama e torna semelhante a si mesma, observa S. Boaventura. Chama-lhe por isso S. Catarina de Sena a portadora do fogo do divino amor. Portanto, se nós também queremos arder nessa chama bem-aventurada, procuremos sempre estar junto de nossa Mãe, com as orações e os afetos.

Ó Maria, Rainha do amor, a mais amável, a mais amada e a mais amante de todas as criaturas (como vos dizia S. Francisco de Sales), ah! Minha Mãe! Vós ardestes sempre no amor de Deus, dignai-vos, pois, conceder-me ao menos uma centelha desse amor. Vós pedistes a vosso Filho por aqueles esposos, a quem faltava o vinho. E não pedireis por nós, a quem falta o amor de Deus, que somos tão obrigados a ter? Dizei a Jesus: Eles não têm amor. É só o que vos pedimos. Ó minha Mãe, pelo amor que tendes a Jesus, atendei-nos, rogai por nós. Amém.


Fonte: Glórias de Maria - Santo Afonso Maria de Ligório

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