01/02/2017

A Mensagem de Fátima e as famílias dos Pastorinhos sob o olhar de Deus


“Ao lerdes estas linhas, queridos irmãos peregrinos, talvez algum de vós se interrogue que têm elas a ver com a Mensagem de Fátima ou com o ambiente dos dois lares, que são o objeto das perguntas que me tendes feito. Pois eu digo-vos que têm e muito, porque, sendo a Mensagem, toda ela, um apelo à observância da Lei de Deus, penso que terá sido a observância destas leis divinas, não obstante as fraquezas inerentes à fragilidade humana, que atraiu sobre estas duas famílias os olhares da infinita misericórdia de Deus”

AS FAMÍLIAS DOS PASTORINHOS

Irmã Lúcia de Fátima (*): Começo por responder às perguntas que me tendes feito sobre o ambiente dos lares domésticos, onde o Senhor foi escolher as humildes crianças, para, por seu intermédio, realizar os Seus desígnios.
Eram duas famílias cristãs, ligadas entre si por laços do mais estreito parentesco. A tia Olímpia era irmã do meu pai e estivera casada em primeiras núpcias com um irmão da minha mãe, de que nasceram dois filhos: Antônio e Manuel. Falecido o marido, casou depois com o tio Marto, que também era — não sei bem em que grau primo da minha mãe. Deste segundo matrimônio, nasceram seis filhos: José, Florinda, Teresa, João, Francisco e Jacinta.
A meus pais, Antônio dos Santos e Maria Rosa, deu o Senhor sete filhos: Maria dos Anjos, Teresa de Jesus, Manuel dos Santos, Glória de Jesus, Carolina de Jesus, Maria Rosa — Deus levou-a ainda muito pequenina para o Céu e, por isso, não cheguei a conhecê-la e Lúcia de Jesus Rosa dos Santos, que é quem agora vos fala.
Estas duas famílias viviam tão unidas entre si que os filhos sentiam-se à vontade tanto na casa dos tios como na própria; e, com o mesmo gosto, comiam em ambas a merendinha acabada de sair do forno, ainda quente e tendo por recheio a sardinha fresca vinda da Nazaré, as lascas de bacalhau ou as rodelas do chouriço, tirado da reserva deixada para os gastos do ano. Outras vezes, eram as peças de caça que vinham, em certas épocas do ano, fazer a festa no ambiente familiar: os coelhos bravos caídos nos logros armados com arte, as perdizes apanhadas no feno e nos trigais, os tordos presos nos laços armados debaixo das oliveiras, carregadas de azeitona sazonada.
Mas, quase toda a aldeia vivia tão unida que parecia uma só família! Todos sabiam qual era o buraco da parede onde a dona da casa, quando se ausentava, deixava a chave da porta. A vizinha, se precisasse, sabia que podia abrir e ir buscar o que lhe fizesse falta; depois tudo era fielmente restituído. O caso mais frequente era acabar-se o pão antes do previsto, recorrendo-se então ao da vizinha; depois, quando fosse cozida a nova fornada, restituía-se a broa fresca e quentinha, acabada de sair do forno.
Este pequeno lugar de Aljustrel, então com uns trinta e três lares apenas, ficava situado na serra de Aire, na freguesia de Fátima, concelho de Vila Nova de Ourém, diocese de Leiria — então extinta e anexa ao Patriarcado de Lisboa. Não sei se lá haveria alguma pessoa, mesmo entre as de mais idade, que se recordasse de ter visto por aqueles lados as vestes encarnadas de algum Prelado, ou de ter recebido o sacramento do Crisma.
Como o resto da freguesia, as duas famílias eram cristãs, pobres e trabalhadoras; das próprias terras tiravam o preciso para o seu sustento.
Os seus lares eram abençoados pelo sacramento do Matrimônio; e a fidelidade conjugal inteiramente guardada. Recebiam todos os filhos, que o Senhor lhes quisesse conceder, não como uma carga mas como mais um dom com que Deus enriquecia as suas casas, mais uma vida a prolongar a deles pelos tempos além, mais uma flor a desabrochar no seu jardim, a perfumá-lo e a alegrá-lo com os variados aromas e tons da juventude fresca e sorridente, mais uma alma que Deus confiava a seus cuidados, para que, guiando-a pelos caminhos do Céu, ela fosse mais um membro do Corpo Místico de Cristo e mais um canto de louvor à eterna glória.
Por isso, eram cuidadosos em levá-los à pia baptismal, para apagar de suas almas a mancha do pecado original, fazê-los cristãos, filhos de Deus e herdeiros do Reino dos Céus. O batizado, que não havia de passar além dos oito dias após o nascimento, era motivo de grande festa para toda a família: todos se reuniam a felicitar os pais, que tinham sido honrados com mais um dom de Deus.
Era nos joelhos paternos e no regaço materno que os filhos aprendiam a pronunciar o Santo Nome de Deus, a levantar as mãozinhas inocentes para rezar ao Pai do Céu e a conhecer aqueloutra Mãe que, estreitando nos braços o Menino Jesus, os acolhia também a eles com o mesmo carinho, porque é igualmente sua Mãe e muito mais poderosa, santa e bela que aquela que, na terra, lhes embala o berço. Assim, nestas almas delicadas, puras e inocentes, crescia a luz da fé com tal fulgor que depois irradiava pela vida além, em todos os seus caminhos.
Os pais eram pontuais a enviar os seus pequeninos à catequese, na igreja paroquial, a fim de prepará-los o melhor possível para o grande dia da sua Primeira Comunhão. Eles mesmos se constituíam seus mestres em casa, ensinando-os nas horas da sesta e do serão à noite. Esta tarefa era desempenhada ordinariamente pelo pai, enquanto a mãe se ocupava dos trabalhos domésticos, arrumando a cozinha depois da ceia frugal. E eram felizes ao verem os seus pequeninos saltarem à volta da lareira, ouvindo as histórias que, alegre, o pai se entretinha a contar-lhes, enquanto as castanhas e as bolotas doces das azinheiras explodiam no borralho, para onde foram manhosamente deitadas por algum irmão mais velho com o fim de aumentar a festa, obrigando a fugir e acabando a rir.
Sentiam-se orgulhosos quando os seus filhos mais pequenos eram escolhidos pelo Pároco para, na catequese e na desobriga, responderem às perguntas que as pessoas maiores não sabiam ou já tinham esquecido.
O dia da Primeira Comunhão de cada um dos seus filhos era de solene e íntimo regozijo para toda a família, porque Deus visitava uma vez mais o seu lar, unindo-Se em real encontro com um dos seus membros. Era o retorno a Deus da alma inocente que lhes havia confiado e com eles cantava o hino de ação de graças:
Ó Anjos cantai comigo,Ó Anjos louvai sem fim!Dar graças eu não consigo,Ó Anjos dai-as por mim!
Nos seus lares, não havia riqueza de bens terrenos, que o mundo tanto preza; mas, com o pouco necessário para cada dia, havia paz, havia união, havia alegria e amor, fruto da mútua compreensão, do recíproco perdão e desculpa das deficiências inerentes à fraqueza humana. Assim todos eram felizes: todos se sentiam bem, porque cada um procurava servir e dar gosto a seus pais e irmãos. Assim o pouco chegava para muitos, porque posto em comum: tudo era de todos.
A propósito, permiti que vos narre um pormenor que prova a verdade do que acabo de vos dizer, e de que conservo uma grata lembrança por ter ouvido a minha mãe, comovida, repeti-lo várias vezes. Ela sabia quanto era amiga de comer fruta a sua filhinha mais pequena. Um dia observou como esta espreitava com entusiasmo o aparecimento dos primeiros figos lampos; logo que avistou um já maduro, colheu-o sorrateira e, correndo, veio a casa trazê-lo à mãe, para que fosse ela a comê-lo. Então, comovida, toma nas mãos a oferta, beija a filha e diz-lhe que o guarde para repartir à noite com o pai e os irmãos. Um figo para todos não era nada, mas o amor que acompanhou a pequena parcela que coube a cada um, do primeiro figo amadurecido nas figueiras da casa naquele ano, era muito e esse era o que a todos fazia felizes, dava alegria e satisfação.
É aqui que está o segredo da felicidade, na terra e no Céu: no Amor! Deus amou-nos e entregou-Se por nosso amor: diz o apóstolo S. Paulo. Deus ama-nos e por amor está nos nossos sacrários, esperando a nossa humilde correspondência. E Deus está em nós, pois somos templos da adorável Trindade: Não sabeis que sois templos de Deus e que o Espírito Santo habita em vós?” (1 Cor 3,16)
Com este espírito de fé, esses pais admiráveis, apesar de ignorantes das ciências da terra, eram extremamente cuidadosos na salvaguarda da inocência dos seus filhos; não viesse alguma coisa empalidecer a candura das suas almas infantis. É o que nos recomenda o Divino Mestre: “Livrai-vos de desprezar um só destes pequeninos, porque os seus Anjos, nos Céus, veem constantemente a face de Meu Pai que está nos Céus” (Mt 18,10).
Sim, queridos irmãos peregrinos, os Anjos veem constantemente no Céu a face da Luz Eterna e n’Ela — como num espelho imenso na frente do qual tudo passasse —, tudo está presente, tudo permanece como que gravado em caracteres indeléveis: o passado, o presente e o futuro. Tudo o que existe e por Deus foi criado: o Céu e o Inferno, a terra, os astros, o sol, a lua, os mundos conhecidos e os desconhecidos, todo o ser animado ou inanimado, absolutamente tudo recebe o ser e a vida do querer, do poder, da ciência e da sabedoria omnipotente dessa Luz infinita que é Deus, única fonte donde dimana toda a vida que existe e da qual toda a outra luz e vida não é mais que uma tênue participação, um pálido reflexo, um Sua centelha. Assim os Anjos no Céu, olhando para esse espelho de luz que é Deus, n’Ele tudo veem, tudo sabem, tudo conhecem, pela sua inteira união com Deus e pela participação nos Seus dons.
Perdoai-me esta digressão; deixei a pena dar ao papel o que lhe ditou o coração. Mas será para vosso bem, para firmar-vos na fé, a fim de não vos deixardes enganar pelos que negam a existência de Deus. Eles estão no erro. Não deixeis que vos iludam ou enganem, arrastando-vos por caminhos falsos, que podem conduzir-vos à eterna condenação. Mas deixo este assunto lá mais para diante, onde terei nova oportunidade de elucidar-vos neste sentido.
Vamos continuar a resposta sobre o ambiente familiar das duas famílias, de que estamos tratando.
O preceito dominical era inteiramente observado, tanto nos domingos como nos dias santos de preceito. Na parte da manhã, todos assistem à Santa Missa. A tarde é para o descanso: a mocidade reúne-se e diverte-se alegre no nosso pátio, à sombra das grandes figueiras, sob o olhar vigilante dos pais, que, em grupos aparte, conversam sobre os seus trabalhos campestres, jogam às cartas, etc.
Ao pôr-do-sol, quando os sinos da igreja tocam às Ave-Marias, todos se levantam e descobrem, segurando nas mãos o típico carapuço, rezam e despedem-se com o tradicional “adeus”. É a hora marcada para reentrarem em casa e tomarem em comum a ceia, depois de um dia feliz e bem passado, com a consciência em paz, por terem cumprido a Lei do Senhor e recuperado as forças físicas para, no dia seguinte de manhãzinha cedo, retomarem com novo ânimo as tarefas dos seus labores.
Terminada a ceia, o pai entoa a ação de graças, com uma ladainha de Pai-Nossos, Ave-Marias e Glórias, por todas as intenções que lhe ocorre pedir; a seguir, a mãe dirige a reza do Terço, ou a coroa dos sete mistérios em honra de Nossa Senhora das Dores. Seguem-se alguns momentos de conversa, combinam-se os trabalhos para o dia seguinte, e … descansar, que a noite é curta.
De madrugada cedo, a gente madura e a juventude ainda em botão levantam-se como o despontar da aurora desabrochando à luz do sol; ei-los que saem alegres, cantando ao som da harmônica, das guitarras e do pífaro, pisando a azeitona gafa, os cardos, tojos e abrolhos, para recolherem o maná da vida, como se para eles, à semelhança do que sucedera noutros tempos com os Israelitas, também chovesse do céu juntamente com o rocio das frescas manhãs.
Apenas completam sete anos, as crianças começam a tomar parte na lida da casa, sendo iniciadas na vida pastoril. Como os antigos Patriarcas e Reis, quase todas as famílias têm o seu rebanho; são ovelhas mansas, que as crianças levam a pastar nos campos verdejantes dos próprios pais. O rebanho é um auxiliar poderoso para o sustento da família: o leite e o queijo, os cordeirinhos que servem para substituir as ovelhas cansadas ou para vender, a lã que as donas de casa fiam, tingem de variadas cores e tecem; servirá para fazer as coloridas mantas de agasalho no Inverno, os tapetes dos quartos humildes, as saias rodadas de estamenha azul com grandes barras encarnadas, enfeite dos trajes domingueiros das raparigas. Completam os seus adornos as argolas de ouro que pendem até ao ombro, os cordões com as medalhas a luzir sobre o peito, o cachené caindo pelas costas e o airoso chapelinho a coroar-lhes a fronte com as contas de ouro e entrelaçando penas de variadas cores.
Quem dera que os trajes dos nossos dias tivessem sequer uma sombra da modéstia — resguardo da dignidade humana — dos das serranas de então! Será bom recordarmos aqui o que nos diz a Sagrada Escritura a este propósito: “O Senhor Deus fez a Adão e à sua mulher umas túnicas de peles e vestiu-os” (Gn 3,21). Porque é que Deus teria vestido os dois primeiros seres humanos, se antes estavam nus? A mesma Escritura nos esclarece:
“O Senhor Deus deu esta ordem ao homem: ‘Podes comer do fruto de todas as árvores do jardim; mas não comas da árvore da ciência do bem e do mal, porque no dia em que o comeres, certamente morrerás’. (…) Vendo a mulher que o fruto da árvore devia ser bom para comer, pois era de atraente aspecto (…) agarrou no fruto, comeu, deu dele a seu marido, que estava junto dela, e ele também comeu. Então abriram-se os olhos aos dois e, reconhecendo que estavam nus, prenderam folhas de figueira umas às outras e colocaram-nas como se fossem cinturões, à volta dos rins. (…) Mas o Senhor Deus chamou o homem e disse-lhe: ‘Onde estás?’ Ele respondeu: ‘Ouvi o ruído dos Teus passos no jardim, e, cheio de medo, porque estou nu, escondi-me’. O Senhor Deus perguntou: ‘Quem te disse que estás nu? Comeste, porventura, algum dos frutos da árvore da qual te proibi comer?’ O homem respondeu: ‘A mulher que trouxeste para junto de mim ofereceu-me o fruto e eu comi-o’. O Senhor Deus (…) disse ao homem: ‘Porque ouviste as palavras da tua mulher e comeste o fruto da árvore que te havia proibido (…) maldita é a terra por tua causa. (…) Produzir-te-á espinhos e abrolhos (…) Comerás o pão com o suor do teu rosto, até que voltes à terra de onde foste tirado; porque tu és pó e em pó te hás-de tornar’. (…) O Senhor Deus fez a Adão e à sua mulher umas túnicas de peles e vestiu-os”(Gn 2,16-17; 3,6-21).
Este texto sagrado mostra-nos como Deus cobriu os corpos que, pelo pecado, se despojaram a si mesmos do vestido da graça. Por isso, todos nós temos o dever de nos vestirmos com decência, modéstia e dignidade. As pessoas que se apresentam indecentemente vestidas, tornam-se um incentivo ao pecado, sendo responsáveis não só pelos pecados próprios, mas também pelos pecados que outros cometam por sua causa. Pensem que a moda, se inde­cente — e vemos que o mundo, infelizmente, segue-a como se fosse uma lei —, é um ardil diabólico, uma rede astuciosa, onde o Demônio apanha as almas, como os caçadores se apoderam da caça nos matos e nos campos.
O vestido não nos foi dado por Deus como um adorno para servir a vaidade e a leviandade humana, mas sim como defesa contra o pecado, como um sinal de penitência pelo pecado cometido e de castigo pelo mesmo, e para que nos recorde as leis de Deus que todos nós estamos obrigados a cumprir.
Vejamos, primeiramente, como ele é um sinal de castigo e de penitência pelo pecado e como é defesa contra as tentações. O texto sagrado diz-nos que, após o pecado, Adão e Eva procuraram cobrir-se com folhas de figueira; mas Deus não achou suficiente esse vestido, porque Ele “fez — diz a Escritura Sagrada — a Adão e à sua mulher umas túnicas de peles e vestiu-os” {Gn 3,21).
A seguir, aparece lá narrado o castigo e a penitência imposta pelo pecado: “O Senhor Deus expulsou-o do jardim do Éden, a fim de cultivar a terra da qual fora tirado” (Gn 3,23). E isto, “até que voltes à terra de onde foste tirado; porque tu és pó e em pó te hás-de tomar» (Gn 3,19). Portanto, depois de os ter vestido, Deus expulsa-os do jardim, não sem antes lhes ter imposto a penitência do trabalho, para que cultivem a terra, até serem reduzidos ao pó de onde foram tirados, ou seja, até morrerem.
A sentença de morte, decidiu-a o próprio homem ao pecar, desobedecendo ao mandamento de Deus, que o avisara: “Não comas o fruto da árvore da ciência do bem e do mal, porque, no dia em que o comeres, certamente morrerás” (Gn 2,16; 3,17). Morrerá, sim, o teu corpo, porque pecaste, transgredindo a Lei do teu Deus. Mas, pior ainda, perder-se-á para sempre a tua alma, se não te arrepen­deres e não fizeres penitência. Morrerás, se não mudares de vida, se não voltares à observância da Lei do teu Deus!
Notemos, porém, que Deus não nos impôs o vestido somente com estas duas finalidades — castigo e penitência pelos nossos pecados —, mas atribuiu-lhe ainda outros objetivos. Além de ser uma defesa contra o pecado, o vestido modesto com que nos devemos cobrir é como que um distintivo que nos diferencia no meio da corrente da imoralidade e pelo qual damos ao mundo um verdadeiro testemunho de Cristo.
Serve também para nos recordar as leis de Deus e a grave obrigação de as observar. Ao Seu povo, o Senhor chegara a pedir para colocar, nas suas vestes, sinais concretos que lhes lembrassem os Mandamentos sagrados: “Diz-lhes que façam para eles, durante todas as gerações, franjas nos cantos das suas vestes, ajuntando à franja de cada canto um cordão azul. Tereis assim, franjas que vos farão lembrar, quando as olhardes, todos os mandamentos do Senhor, a fim de os praticardes e não vos deixardes levar pelos apetites do vosso coração e dos vossos olhos, que vos arrastam à infidelidade” (Nm 15,38-39).
Reparemos bem naquilo que Deus nos diz aqui: As franjas dos vossos vestidos são para vos recordar os mandamentos do Senhor, a fim de os praticardes a não vos deixardes levar pelos apetites do vosso coração a dos vossos olhos, que vos arrastam à infidelidade.Os nossos vestidos devem, pois, ser um resguardo dos olhos e do coração, para não nos deixarmos arrastar pelas tentações da carne, do Demônio e do mundo. As franjas, de que se fala no texto, supõem por certo adornos nos nossos vestidos; mas é preciso que eles estejam de acordo com a modéstia, com a dignidade da pessoa humana, com o pudor, em resumo, com a moralidade, de modo a servir-nos de estímulo para a observância dos mandamentos da Lei de Deus.
Consideremos, por fim, a expressão que Deus emprega: “durante todas as gerações”. Isto faz-nos pensar que não foi só para os Israelitas de então que o Senhor falou; o que Ele mandou diz respeito também a nós, hoje, tal como valerá ainda para os vindouros: não na forma externa do sinal escolhido, que naturalmente muda, mas no significado e objetivo próprio, que não podemos perder de vista, para respeitarmos a ordem das coisas como Deus as criou. Porque a Lei é de Deus, e não muda: permanece imutável como Ele. É o Senhor mesmo quem no-lo diz, no Evangelho: “Não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas: não vim revogá-la, mas completá-la. Porque, em verdade, vos digo: Até que passem o Céu e a Terra não passará um só jota ou um ápice da Lei, sem que tudo se cumpra” (Mt 5,17-18). Quem a observa, salvar-se-á; quem não a observa, será condenado!
Voltando à passagem do livro do Gênesis do castigo pelo pecado dos nossos primeiros pais, não passemos adiante sem nos determos uns momentos a refletir sobre a outra penitência, que Deus nos impôs como pena pelo pecado: “Comerás o pão com o suor do teu rosto, até que voltes à terra de onde foste tirado; porque tu és pó e em pó te hás-de tornar” e “O Senhor Deus expulsou-o do jardim do Éden, a fim de cultivar a terra da qual fora tirado” (Gn 3,19.23). É a penitência do trabalho. Todos temos de trabalhar, de comer pão amassado com o suor do nosso rosto. É um dever ao qual ninguém pode subtrair-se; a lei do trabalho obriga a todos: ricos e pobres, sábios e ignorantes, superiores e súbditos.
Mas, realizamos nós o nosso trabalho com este espírito de penitência? Ou seja: em reparação dos nossos pecados? Em espírito de reparação e de caridade para a salvação do nosso próximo? Dando assim pleno cumprimento ao primeiro e maior de todos os preceitos: Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos (Mt 22,37-40)? A Tobite, disse o Anjo Rafael: Enquanto tu oravas, enterravas os mortos e repartias os teus bens pelos pobres, eu oferecia as tuas orações ao Senhor (Tb 12,8-15). Serão também os nossos trabalhos revestidos assim da caridade, de modo a tornarem-se dignos de ser apresentados ao Senhor como uma oração?
Queridos peregrinos, se podemos, com os nossos trabalhos e a vida que levamos, oferecer a Deus uma penitência salutar, se por esse meio podemos merecer o Céu e salvar-nos, porque é que havemos de perder-nos?
Mas, voltemos ao ambiente familiar de que vos falava… As crianças, iniciadas assim em tão tenra idade na vida pastoril, cresciam e desenvolviam-se respirando o ar puro dos campos, o aroma das singelas florinhas da serra, da urze, do rosmaninho e do tojo que brota nos matagais, do alecrim e dos pinheiros, dos eucaliptos que coroam os montes, das azinheiras, carvalhos e oliveiras que se estendem pelas encostas, dos castanheiros enormes e das árvores de fruta que aparecem nas campinas e enfeitam os quintais.
Nesse oásis, o silêncio só é quebrado pelo alegre chilrear dos passarinhos, que esvoaçam saltitando sobre as copas do arvoredo; é a voz mansa da rola e da poupa que guardam os seus ninhos, o gorjeio das perdizes a espreitar das rochas no meio dos trigais, a ronda das andorinhas e dos cucos que emigram para veranear; são as corridas vertiginosas das raposas e das lebres, quando alguém sacode os matos, e os coelhos bravos agachados no feno.
Tocadas pela brisa das frescas madrugadas, as crianças convivem alegremente com a chiada dos carros pesados, que carregam as colheitas para as moradias, com as músicas das harmônicas, realejos e guitarras dos campesinos, com as canções dos rapazes e das raparigas, que aos ranchos regressam da apanha da azeitona ou das vindimas, com o canto dos galos nas capoeiras das aldeias vizinhas e com o toque dos sinos da igreja às Ave-Marias.
Envolvidas pelos encantos da natureza, as suas almas inocentes vivem a nostalgia do sobrenatural, que a graça lhes faz adivinhar como sendo de uma riqueza encantadora muito maior. E, quando o sol declina por detrás dos pinheirais, ao som dos guizos dos seus rebanhos trazem-nos de volta aos currais, aproveitando depois para saltar e brincar à volta dos pais, que, para matar saudades, os beijos nunca são demais. É assim que as suas almas puras brilham como a luz do sol, e o sorriso dos seus olhos é límpido como as águas cristalinas das fontes. Só o Céu lhes reserva uma esperança mais elevada: é a fé que lhes inspira um olhar para mais alto, um sorriso mais verdadeiro e um tesouro de mais elevado preço. As suas almas rezam; nos braços paternos descansam as noites serenas, o sono tranquilo do abandono despreocupado.
Creio, queridos peregrinos, ter satisfeito às vossas perguntas sobre o ambiente familiar, onde Deus foi buscar os três humildes pastorinhos de Fátima, para vos transmitir por seu intermédio a sua Mensagem. Pelo que aqui vos deixo dito, não penseis que, nesses Iares, não existiam as deficiências próprias da fraqueza humana; havia-as sim, mas havia também compreensão, perdão, paz e amor.
Agora, em troca das minhas respostas, permiti que vos faça também algumas perguntas: Os vossos lares, se é que não são melhores, são sequer como os destas duas famílias? O vosso lar está abençoado e constituído sobre o sacramento do Matrimônio?
Tendes aceitado e continuais dispostos a aceitar todas as vidas que o Senhor vos quiser confiar? Olhai que o desfazer-se delas vai contra a Lei de Deus, que assim ordena no quinto mandamento: “Não matarás; aquele que matar está sujeito a ser condenado” (Mt2, 21).
Guardais a fidelidade conjugal, como mutuamente vos comprometestes entre vós e com Deus? A isso vos obriga também a Lei de Deus, quando prescreve: “Guardar castidade”.Trata-se dos mandamentos sexto e nono, que Jesus assim explicou: “Não cometerás adultério. (…) Todo aquele que olhar para uma mulher, desejando-a, já cometeu adultério no seu coração” (Mt 5,27-28). E Deus diz tam­bém: “Não perjurarás, mas cumprirás os teus juramentos ao Senhor” {Mt 5,33).
Sois solícitos em levar à pia batismal os vossos filhos, para os fazer cristãos, apagar a mancha do pecado original nas suas almas e torná-los herdeiros do Reino dos Céus? Também isto vos está ordenado por Deus: “Ide pelo mundo inteiro — disse Jesus aos Seus Apóstolos — e anunciai a Boa nova a toda a criatura. Quem acreditar e for batizado será salvo, mas quem não acreditar será condenado” (Mc 16,15-16). Na verdade, esta ordem do Senhor encerra uma grande responsabilidade para os pais. Os que retardam o Batismo de seus filhos expõem-nos ao risco de verem vedado o seu acesso à felicidade do Céu, sendo este dano incomparavelmente maior do que perderem o domínio do universo inteiro. Assim é, porque nada há que se possa comparar ao bem supremo do Eterno. E quem vos assegura a vida dos vossos filhos, enquanto adiais assunto de tanta monta?
Quem acreditar e for batizado será salvo. Por certo que a criança recém-nascida ainda não é capaz, por si mesma, de praticar atos de fé, mas a virtude ou dom da fé é-lhe infundida na alma como um dos frutos do sacramento do Batismo, que a purifica e isenta da mancha do pecado original, tornando-a digna da felicidade eterna. Rogo-vos ardentemente que não queirais tornar-vos responsáveis, por negligência ou incredulidade, de os vossos filhos virem a ser privados da imensa ventura do Céu. É que, se tendes a infelicidade de os perder (o que desejo ardentemente e peço a Deus que não aconteça), isso seria para vós mais um eterno suplício.
Mudando de assunto … Cumpris vós o terceiro mandamento da Lei de Deus, que nos manda guardar os domingos e dias santos de preceito? Fazei-lo, abstendo-vos de trabalhos servis e assistindo à Santa Missa? Recordai o que Deus diz na Sagrada Escritura: “Tra balhar-se-á durante seis dias, mas no sétimo dia haverá descanso total consagrado ao Senhor” (Ex 31,15). Reparai nesta expressão que Deus emprega aqui: um dia “consagrado ao Senhor”. Assim o dia do Senhor não é para ser passado na ociosidade, e menos ainda em prazeres ilícitos, nos vícios, ou em qualquer gênero de pecado. Mas há-de servir para nos aproximarmos de Deus, tomando parte na Liturgia Eucarística e outras devoções, valendo-nos de boas leituras que nos forneçam um conhecimento mais perfeito de Deus e das Suas leis para melhor as cumprirmos, e praticando divertimentos honestos que nos sirvam para recuperar as forças físicas e mo­rais. Só assim podemos ter a consciência tranquila e certa de cumprir a Lei do Senhor.
Sois solícitos em educar os vossos filhos no conhecimento de Deus e das Suas leis? Tende presente que também isto é um dever sagrado, que pertence à missão confiada por Deus aos pais, como no-lo diz a Sagrada Escritura: “Quando um dia o teu filho te pergun­tar: ‘Que querem dizer estes preceitos, estas leis e estes regulamentos que o Senhor nosso Deus nos impôs?’ Responderás então a teu filho: ‘(…) O Senhor ordenou-nos que puséssemos em prática todas estas leis, que reverenciássemos o Senhor nosso Deus, para que fôssemos felizes eternamente, para que Ele conservasse a nossa vida, como o fez até hoje’” (Dt 6, 20.24).
Jesus, o divino Mestre, não se furtava mais a dar resposta às perguntas que Lhe eram feitas sobre a Lei de Deus, mesmo que fossem “para o embaraçar: ‘Mestre, qual é o maior mandamento da Lei?’ Jesus disse-lhes: ‘Amarás ao Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças. Este é maior e o primeiro mandamento. O segundo é-lhe semelhante: Amarás ao teu próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos dependem toda a Lei e os Profetas’” (Mt 22,35-40).
E o livro do Deuteronômio não deixa dúvidas: “Estes mandamentos que hoje te imponho serão gravados no teu coração. Ensiná-los-ás aos teus filhos e meditá-los-ás, quer em tua casa, quer em viagem, quer ao deitar-te ou ao levantar-te. Atá-los-ás, como
símbolo no teu braço e usá-los-ás como um frontal entre os teus olhos Escrevê-los-ás sobre os pilares da tua casa e sobre as tuas portas” (Dt 6,6-9). Neles, pais e filhos encontrarão a felicidade eterna. Ah! Se pudessem manter através do tempo esta disposição de temor para comigo e cumprir todos os Meus mandamentos! Então
seriam eternamente felizes, eles e os seus filhos” (Dt 5,26).
Aqui está bem explícita a missão que Deus destinou aos pais na educação dos filhos. Eles são os seus primeiros mestres; é nos braços paternos e no regaço materno que os filhos, ainda inocentes, devem aprender a pronunciar o Santo Nome de Deus, a levantar ao Céu as suas mãozinhas puras para orar, a sorrir com a sua candura infantil para as imagens do Pai e da Mãe do Céu. É aos pais que compete guiar os passos de seus filhos pelos caminhos retos da Lei de Deus e confiá-los, segundo as suas posses e a própria condição, a mestres competentes que os não desviem do caminho iniciado. Na verdade, de que lhes servirá adquirir grandes conhecimentos, se vierem a perder as suas almas? Perdida esta, tudo perderão, porque a vida terrena passa rápida e veloz como o tempo, enquanto a eternidade permanece irremediável para sempre!
Por certo que a ciência humana, com os seus muitos conhecimentos, é boa, sobretudo quando o sábio, através dela, consegue descobrir a imensidade do poder, da sabedoria e da bondade de Deus, que, por amor e para bem nosso, criou tantas maravilhas. Este conhecimento levar-nos-á a uma profunda humildade, ao vermos que, depois de tantos esforços e estudos, os maiores sábios não chegaram ainda a compreender plenamente uma só das inúmeras maravilhas que saíram das mãos criadoras e omnipotentes de Deus.
Assim, todos os lares devem ser a primeira escola para os filhos, onde eles aprendem a conhecer a Deus e a aproximar-se d’Ele pelos sacramentos e pela oração; onde eles aprendem a preparar-se para a sua Primeira Comunhão, não só ensinando-lhes aquela doutrina onde está compendiada a Lei de Deus, mas também inspirando-lhes aquela fé viva, confiança firme e amor ardente, que, gravando-se nas almas em tenra idade, permanece depois como luz que guia os seus passos pela vida fora. Desta forma, os vossos filhos serão felizes, e o Pão dos Anjos será o alimento que os conforta: “Este é o pão que desceu do Céu; (…) o que come deste pão viverá eternamente” (Jo 6,58).
Ao lerdes estas linhas, queridos irmãos peregrinos, talvez algum de vós se interrogue que têm elas a ver com a Mensagem de Fátima ou com o ambiente dos dois lares, que são o objeto das perguntas que me tendes feito. Pois eu digo-vos que têm e muito, porque, sendo a Mensagem, toda ela, um apelo à observância da Lei de Deus, penso que terá sido a observância destas leis divinas, não obstante as fraquezas inerentes à fragilidade humana, que atraiu sobre estas duas famílias os olhares da infinita misericórdia de Deus
Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!
Ave-Maria!
(*) Do livro: Apelos Da Mensagem De Fátima (Livro Da Irmá Lúcia De Fatima) (con Duplo DVD “O Apelo de Fátima” PORT Paperback – 2007


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