10/09/2017

A IGREJA CONCILIAR, O MUNDO E A TRANSCENDÊNCIA

É a perpétua esperança de um mundo melhor; o que atesta que o mundo presente não é satisfatório, não é o que se desejava que ele fosse.”

A IGREJA CONCILIAR, O MUNDO E A TRANSCENDÊNCIA
J. B. Pacheco Salles
Dialogo com o Mundo: eis a máxima de nossos dias, a grande preocupação, a última descoberta para os difíceis caminhos do Espírito. E tendo partido das alturas de onde veio, deve ser recebida como um sinal dos tempos, pois é possível que logo já não haja mais tempo, e tudo tenha de ser finalmente resolvido diretamente em face da Eternidade e da Transcendência, afastadas as sombras, as figuras, os enigmas e as astúcias.
Por isso cumpre, e é urgente, estudar para esclarecer os termos postos em presença: Dialogo – Mundo. O primeiro se apresenta hoje pejado de conteúdo emocional; é uma palavra mágica, com muito maior encantamento do que significado. O segundo, desde os tempos dos pré-socráticos é um mistério para o homem, com sua conotação ambígua e denotação cambiante e sibilina. Que é Mundo? Que não é Mundo?
E agora surge uma primeira dificuldade. Diálogo supõe, imediatamente, uma pluralidade de sujeitos dialogantes; com um só sujeito, com efeito, não se poderá obter mais do que um monólogo. Alem do mais, os sujeitos realmente distintos devem apresentar uma certa diversidade de opiniões, ou, pelo menos, de informação. Do contrário, teríamos apenas um monólogo ampliado, em que uns se limitariam a fazer eco aos outros e reciprocamente. Portanto, para dialogar com o Mundo é preciso não ser Mundo, ou ser coisa diferente do Mundo.
Mas ai surge a questão: é que o dialogo, alem de supor a pluralidade de sujeitos, supõe também um terreno comum entre eles que torne possível uma linguagem igual e perfeitamente acessível a todos. Ora, qual o terreno comum entre o Mundo e o que não é Mundo? Mesmo porque um dos sentidos legítimos da palavra “mundo” é o de ser precisamente o terreno comum daquelas pessoas que podem entre si dialogar, e na medida em que o podem.
Num certo sentido até, e numa alta generalização, pode-se conceber como sendo Mundo tudo aquilo que pode ser articulado de modo coerente e sistemático, numa linguagem comum, empregada por algum grupo social. Conforme parece evidente, não existe mundo de um só (a não ser patologicamente, como na esquizofrenia, onde a mente se precipita no caos). E ainda naqueles casos em que alguém possa estar em completo isolamento, o seu sentimento do mundo continua a ser o da cultura a que pertence.
Mundo é pois algo de essencialmente compartilhável entre muitos: dai a sua necessária correlação com a cultura e a linguagem. Por outro lado, entende-se por “mundo” um sistema ordenado e estável de referências, a criar uma perspetiva geral e uniforme, onde se pode inserir a atividade humana. É assim, por exemplo, que se pode falar no Mundo da Física, no Mundo da Matemática, no Mundo da Historia, no Mundo da Arte, no Mundo da Religião, no Mundo da vida quotidiana e até no Mundo dos mundanos, sem contar vários outros aqui não enumerados.
Haverá entre estes vários Mundos uma tal solidariedade que os torne simples manifestações de um só e mesmo Mundo básico e total? Descobrir a chave do Mundo Total tem sido a constante ambição do raciocínio científico, e, muito especialmente, a meta de todos os racionalismos. Que os vários Mundos acima enumerados não são compartimentos estanques, mas admitem múltiplas comunicações e influências, e o que parece óbvio. Mais ainda, não se pode negar a existência, até certo ponto, de uma efetiva gradação hierárquica entre eles…
A esta altura poderia alguém sugerir que o Mundo básico, do qual todos os outros seriam meras traduções, e ao qual todos deveriam ser reduzidos em última instância, seria o Mundo da Filosofia, posto que a Filosofia se aplica ao estudo dos princípios fundamentais de todo o conhecimento. Contudo, se há uma coisa que jamais os filósofos conseguiram estabelecer foi um mundo próprio.
A República de Platão, governada pelos filósofos, parece relegada definitivamente ao museu das utopias. O que, no decurso da história, os filósofos têm feito, foi, sucessivamente, colocar como sistema universal de coordenadas os princípios da Física, da Matemática, da Lógica, da História, da Biologia, da Economia, da Estética, da Tecnologia, quando não alguns princípios de nítida inspiração religiosa. (alias não seria difícil descobrir uma teologia larvada em todo sistema filosófico). E por fim veio o Existencialismo abalar a própria noção de mundo como algo coerente e sistemático, transformando-o em simples correlatum de uma consciência apavorada ou amalucada; ou ainda num enigma para ser decifrado; exatamente para ser transcendido.
Estaria, por acaso, na Religião a chave do problema, como pareceria decorrer das precedentes considerações? Mas a Religião  é caracterizada precisamente por ser extra-mundana: ela vem de fora do mundo e aponta, e é um caminho para fora do mundo. É este o traço essencial de uma reli­gião autentica (pois existem as inautênticas, como se verá). O Outro-mundo é um mundo inteiramente outro, de tal forma outro, que só por uma analogia muito distendida, senão por mero espirito de simetria, pode ser chamado “mundo”.
Em consequência, o dialogo de uma autentica: religião com o Mundo acaba tendo o aspeto de uma altercação ou de um testemunho contra esse mesmo Mundo, como é aliás fartamente documentado pela Históoria. E o Mundo de uma religião autentica tem sempre o ar mortificado de uma totalidade voluntariamente frustrada, de algo defetivo e incompleto enquanto mundo, precisamente por e para estar aberto e voltado para a Transcendência, para aquilo que não é Mundo, pois o Mundo da Religião autêntica, em lugar de um centro absoluto de coordenadas referenciais, possui um núcleo orgânico de Signos e Símbolos, de uma utilidade prática imediata assaz reduzida e de uma eficácia bastante limitada para as tarefas especificamente mundanas, mas cuja finalidade própria é projetar o homem, a sociedade, a cultura, no espaço sideral da Transcendência, lembrando-lhe a todo momento de que a sua habitação neste inundo é precária, transitória e dececionante.
O Mundo da Religião autêntica é assim apenas um pedestal sobre que se levanta majestosamente aquele núcleo de Signos e Símbolos, dando-lhe consistência; e, tal como foi dito acerca do Outro-mundo, do qual pretende ser um reflexo terreno, só por uma extremada analogia pode chamar-se “mundo”.  Assim era, por exemplo, o Mundo Gótico. Por conseguinte, o verdadeiro diálogo da Religião com o Mundo consiste em convence-lo a deixar de ser Mundo: “Não rogo pelo mundo, sinão  por aqueles que me destes, porque são vossos” (Jo 17,9); ao que Bossuet acrescentou: “O mundo, ouve esta palavra que te condena. Deixa de ser o que és para que Jesus ore por ti.”
O Mundo da religião inautêntica
Este é verdadeiramente um Mundo, com a estrutura interna que lhe é própria, tendo ainda para mais consolida-lo a aprovação de uma (qualquer) religião reconhecida, o que tranquiliza a consciência dos homens. Ficam assim autorizados a fruir amplamente de todos os bens do Mundo, e são mesmo impelidos a isso, desde que respeitados certos limites morais. além disso, são até assegurados de um lugar pelo menos confortável  no Outro-mundo. Entretanto, mesmo quando tais religiões admitem uma vida de alem-tumulo, contudo fica perdido o sentido da Transcendência, pois o fulcro dos valores é posto neste Mundo, e o Outro- mundo é concebido ao modo de um Mundo, ou de um sub-mundo, ou de apêndice deste Mundo, ou até de um pis alter, como se vê tao claramente na religião dos gregos da época clássica. (ou do prêmio em forma de sexo na fé islâmica).
As religiões inautênticas da imanência tendem para o eudemonismo e para o humanitarismo, em que acabam dissolvendo-se, restando ao final do processo, já uma vaga animação espiritual, já um resíduo declaradamente mágico ou chamanista, pelo qual os adeptos procuram obter vantagens puramente terrenas, nada porém que de longe se assemelhe a um acesso a Transcendência. Deve-se observar aqui que as religiões podem ser autênticas ou inautênticas de fato ou de direito, conforme o sejam pelo seu próprio sentido espiritual intrínseco ou pelo eventual estado de espírito dominante em seus adeptos numa determinada época.
É assim que vemos surgir gradualmente um anseio de transcendência entre os gregos, no culto dos mistérios. Seja como for, autêntica ou inautêntica, essa religião se revela, tanto quanto a Filosofia, incapaz de resolver o problema. O Mundo continua sem a sua chave de cúpula; em lugar dela, aparece uma incômoda multiplicidade de tentativas de cúpulas particulares, que, embora até certo ponto se escorem e mesmo se articulem, não entram no mesmo projeto e por isso não chegam a fundir-se numa só cúpula global, que dê ampla e adequada proteção ao homem.
E a situação é de fato paradoxal, pois, como vimos, a ideia de Mundo implica uma Totalidade final; mas com meros totais parciais de quantidades alíquotas, uma vez que de estruturas diferentes, totais estes que tendem a estender-se ilimitadamente e não a integrar-se num total final, o Mundo será sempre uma tentativa inacabada ou um wishful thinking, nunca uma realidade plena e atual. Será sempre algo dependurado num futuro mais ou menos próximo ou remoto. É a perpétua esperança de um mundo melhor; o que atesta que o mundo presente não é satisfatório, não é o que se desejava que ele fosse. E, quando por qualquer motivo não há mais futuro, também não há mais esse Mundo.
Parece até que sem alguma dose de sonho não há mundo possível. Talvez isto explique a voga do uso de estupefacientes, da Science-Fiction, a revivescência dos cultos mágicos e esotéricos, e a moda do marxismo. Será que a chave será encontrada, por ventura, no Mundo da vida quotidiana ou quiçá mesmo no da vida mundana? Na falta de melhor, convêm  não desprezar nenhuma hipótese! Ora, para o Mundo da vida quotidiana vivemos todos solidamente assentados sobre a Terra, a qual por sua vez se acha solidamente encastoada no Sistema Solar, sob a proteção reconfortante de Leis e Princípios de uma inabalável validade, ainda que extremamente complexos e de árdua compreensão, se é que não de todo herméticos.
Igualmente na Terra tudo esta minuciosamente regido por outras Leis e Princípios que se revestem da mesma seriedade dos primeiros. E isto tudo é universalmente verdadeiro para todos os lugares e todos os tempos. Em consequência, o Sol nascerá sempre na hora prevista e seus eclipses serao cronometricamente exatos; as estações se sucederão na ordem e na época assinaladas; o pão será entregue todas as manhãs e com igual regularidade serão pagos os ordenados e os rendimentos dos capitais e dos bens; o Progresso continuara garantindo um sempre maior bem estar, graças às descobertas milagrosas da Ciência, possibilitadas pelo aparecimento constante de Gênios em todos os seus ramos; a inteligência e habilidade dos economistas evitará o surto de novas crises; a ONU conjurará o perigo de uma nova guerra mundial; nenhuma bomba nuclear será deflagrada; e, num plano mais doméstico, a Polícia garantirá com eficiência os direitos dos cidadãos, que se verão também ao abrigo das perseguições dos potentes, e nem correrão o risco de serem esmagados por alguma engrenagem desregulada da Administração Pública; a Justiça Social triunfará sempre mais completamente, cada vez mais eliminando e por toda a parte as desigualdades, de maneira que em breve todos poderão possuir as mesmas geladeiras elétricas, os mesmos rádios, televisores, automóveis, verdadeiros portentos mecânicos, aptos a tornar felizes os homens.
A Medicina marcará triunfos espetaculares, conseguindo vencer males até agora incuráveis como o cancer; e, enquanto isso não acontece, sempre se alimenta a esperança, fundada numa crença secreta, de que, até lá, não se será atingido, bem como de que não haverá terremotos, maremotos e demais cataclismas, sendo que a própria morte aparece como algo recuado e confuso, possibilidade quase improvável para os cautelosos. Para roborar essa crença, que consolida e da o toque final ao Mundo da vida quotidiana, é de muito recurso a religião, isto é, a inautêntica.
E assim parece termos conseguido por fim uma imagem global do Mundo, que articula num só sistema coerente de referências a realidade natural juntamente com as atividades humanas. Contudo, é de todo em todo patente a precariedade de suas suposições, a partir dos postulados fisico-matemáticos até a crença totalmente irracional numa “boa sorte”, que é o seu coroamento. Pode ser considerado um exemplo tipico de wishful thinking, ingenuamente centrado num futuro para fugir ao presente, em que (tal sorte e harmonia) é dolorosamente desmentido a cada momento.
Conclusão preliminar do Autor (por AD)
O capítulo seguinte, – A Transcendência, incia: «Poderia parecer, a vista das análises precedentes, ser impossível escapar, quer ao perspectivismo, quer ao ceticismo; mas não é verdade. Semelhante conclusão só seria procedente no caso de se identificar Mundo com Realidade. Acontece, porém, que “Mundo” é o termo justamente menos satisfatório de tomar consciência da realidade, como aliás, a esta altura, já se podia prever. Evidentemente, não é aqui o lugar para se fazer um levantamento completo dos vários modos e níveis da consciência. Para o fim que nos interessa, ou seja, a caracterização do que seja – “Mundo”, basta lembrar alguns princípios fundamentais. Antes de mais nada, deve-se ter em vista a sábia advertência de Sto.Tomas de Aquino: “Quia vero rerum essentiae sunt nobis ignotae, – virtutes autem earum innotescunt nobis per actus, utimur frequenter nominibus virtutum vel potentiarum ad essentias significandas” (De Veritate, Q. 1, a. 1 c). (Dado que a essência das coisas não nos é conhecida, nem os seus poderes são revelados pelos seus atos, frequentemente limitamo-nos ao uso de nomes para dar significado a sua essência e potências, nomeando Realidade =Mundo).
Ora, o «Mundo» desconhecendo a essência do homem, desconhece o ator central na realidade deste mundo, pode conhecer suas ações, que são efeitos, mas não a sua causa que está “na essência da alma, isto é, no que é mais intimo ao homem e onde mais, por conseguinte, se pode esperar a possibilidade de uma visualização fenomenológica. Dado pois que, se pela Religião revelada podemos conhecer o que Deus nos revela de Sua, de nossa, e da essência do mesmo mundo, é através de Sua Transcendência e não da imanente visão do mundo que podemos conhecer as realidades desta vida neste mundo. A perda ou renúncia da noção de Transcendência e de absoluto pela entidade conciliar, priva esta da capacidade de ensinar decentemente, como deveria, a Realidade do mundo que se espelha na Palavra divina. Por isto tremem diante até a verdade contida na Mensagem profética de Fátima.

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