05/09/2017

COMO TENTAR EXPLICAR A TRANSCENDÊNCIA DIVINA


"E SEJAM DESAPROVADOS COMO FEITORES DE MODERNISMO OS QUE TANTO ELEVAM A TEOLOGIA POSITIVA, PARECENDO QUASE DESPREZAR A ESCOLÁSTICA."


Alberto Carlos Rosa Ferreira das Neves Cabral
Escutemos o Papa São Pio X, num trecho do seu Motu próprio “Sacrorum Antistitum”, promulgado em 1 de Setembro de 1910:
«Antes de tudo, importa que a filosofia Escolástica, que nós ordenamos seguir, seja entendida, precìpuamente, a de Santo Tomás de Aquino; em torno da qual, tudo o que o nosso Predecessor estabeleceu, entendemos que deve permanecer em pleno vigor, e se necessário, renovamo-lo, confirmamos, e severamente ordenamos que seja observado por todos. Se nos Seminários isso foi transcurado, caberá aos Bispos insistir e exigir que no futuro se observe. O mesmo ordenamos aos superiores das Ordens Religiosas. Advertimos depois os que ensinam, para se persuadirem que distanciar-se de São Tomás de Aquino, especialmente no que se refere à Metafísica, não ocorre sem grave dano. “UM PEQUENO ERRO NO INÍCIO”, assim fala Tomás, “NO FINAL TORNA-SE GRANDE” (De Ente et Essentia, proemium).
Posto assim o fundamento da Filosofia, edifique-se com suma diligência o edifício teológico. – Veneráveis irmãos, promovei com todo o tipo de criatividade possível o estudo da Teologia, para que os clérigos, saindo dos Seminários, levem consigo alta estima e grande amor, e tenham para com ela grande afecto. “Porque na grande e multíplice abundância de disciplinas que se apresentam à mente ansiosa de Verdade, de todos é sabido, que à Sagrada Teologia pertence de modo tal o primeiro lugar, que é antigo o dito dos sábios a atribuir às outras ciências e artes a função de servi-la, prestando-lhe auxílio como servas.”(Leão XIII, ap.in magna, 10/12/1889)
Agregamos aqui os que nos parecem também dignos de louvor: Os que, salvo o respeito à Tradição, aos Padres, ao Magistério Eclesiástico, com sábio critério, e com normas católicas (aquilo que nem sempre por todos é observado), procuram ilustrar a Teologia positiva, auferindo luz da História autêntica. Certamente, à Teologia positiva deve-se agora reservar parte mais ampla do que no passado; isso sem que em nada se perca da Teologia Escolástica, E SEJAM DESAPROVADOS COMO FEITORES DE MODERNISMO OS QUE TANTO ELEVAM A TEOLOGIA POSITIVA, PARECENDO QUASE DESPREZAR A ESCOLÁSTICA. (…)
Qualquer que, de algum modo, esteja infectado de modernismo, sem descanso mantenha-se longe dos ofícios de dirigir e ensinar; se já estiver exercendo tal cargo – seja removido.
Do mesmo modo seja feito com qualquer que favorecer o modernismo, em segredo ou abertamente, seja louvando os modernistas, seja atenuando sua culpa, seja criticando a escolástica, os Padres, o Magistério Eclesiástico, seja recusando a obediência à Autoridade Eclesiástica; assim também seja feito com quem se mostra amante de novidade Histórica, Arqueológica e Bíblica; e finalmente, com os que não cuidam dos estudos sagrados, ou parece que a esses antepõem os profanos.»
Não há univocidade entre Deus e o mundo, entre Deus e as Suas criaturas; ou seja: Deus e as criaturas não podem ser compreendidos mediante um conceito comum.
Nós possuímos, por exemplo, o conceito de homem, sob o qual cabe qualquer homem, mulher ou criança, passado, presente, ou futuro, saudável ou não, virtuoso ou não. A operação abstrativante da nossa inteligência retém certas notas perfeitamente definidoras da espécie humana, não considerando outras notas não essenciais à formação desse conceito. Assinale-se que os conceitos formados pela inteligência humana POSSUEM FUNDAMENTO VERDADEIRAMENTE OBJECTIVO, NÃO CONSTITUEM FICÇÕES DA MENTE. Além dos conceitos pròpriamente universais, como o de homem, em que a extensão varia na razão inversa da compreensão, temos ainda a considerar os conceitos análogos ou colectivos, como o de civilização europeia, por exemplo, nos quais, para idêntica luz intelectual, a compreensão é directamente proporcional à extensão. O conceito de Civilização mundial é mais extenso, mas também mais rico, do que o de civilização portuguesa.
Os Anjos são criados já na posse de espécies inteligíveis, representativas do universo sensível. Em virtude do grande potencial intelectual angélico, as espécies inteligíveis análogas possuem uma grande extensão concomitante a uma grande definição do particular. E QUANTO MAIS PERFEITO É O ANJO MAIS RICAS, MAIS EXTENSAS, E MENOS NUMEROSAS, SÃO AS SUAS ESPÉCIES ANÁLOGAS. Porque nos Anjos não existe, nem pode existir, qualquer raciocínio, dedutivo ou indutivo, porque sendo puros espíritos, não necessitam de mediação discursiva, tudo neles é caracterizadamente intuitivo, incluindo a conceituação dos universais. A multiplicação de espécies inteligíveis implica sempre uma menor profundidade intelectual.
MAS NEM O ANJO, NEM O HOMEM, PODEM CONCEITUAR, ÙNIVOCAMENTE, DEUS E AS CRIATURAS. PORQUE QUER NO CONCEITO LÓGICO, QUER NA PRÓPRIA REALIDADE OBJECTIVA, NENHUMA MENTE PODE APURAR UMA ESSÊNCIA ESTRITA COMUM À INFINITA SIMPLICIDADE DE DEUS E À COMPOSIÇÃO DAS CRIATURAS, SEGUNDO UM SÓ SENTIDO. NEM MESMO NO SIMPLES CONCEITO DE SER, VISTO QUE DEUS É, NECESSÀRIAMENTE, O SEU SER (ASSEIDADE), E A CRIATURA NÃO É, NEM PODE SER, O SEU PRÓPRIO SER (ABALEIDADE). No próprio conceito lógico de Deus, mesmo como espécie Sobrenatural, ressalta necessàriamente a incomensurabilidade entre a espécie criada, em si mesma, e o seu conteúdo Incriado. Tal constitui um grande progresso na conquista da objectividade.  
Segundo os Escotistas, Deus e a criatura podem convir, negativamente, na univocidade do ser; porque para estes, a Essência Metafísica de Deus não é a Asseidade (Tese Tomista) mas sim a infinitude. Insiste-se, que as Teses Tomistas são absolutamente preferíveis.
A Transcendência de Deus só se pode definir, precisamente, pela Sua Asseidade, mediante a qual Deus É o Seu Ser.  
Mas a Infinitamente objectiva realidade de Deus NÃO É EQUÍVOCA, NEM UNÍVOCA, COM O MUNDO – É ANÁLOGA! O PRÓPRIO SER É METAFÌSICAMENTE ANÀLOGO.
A analogia é constitutiva de uma semelhança, mais ou menos próxima, mais ou menos afastada. Nada impede e tudo exige uma certa semelhança, mesmo na Ordem Natural, entre Criador e criatura espiritual. A própria Sagrada Escritura o certifica (Gn 1,27).
A acção de criar consiste em Deus manifestar fora de Si, em forma contingente, algumas das Suas Infinitas perfeições. Mas essa manifestação não é nem pode ser arbitrária, visto processar-se, hieràrquicamente, no absoluto respeito pela verdade metafísica das essências imutáveis. Tais essências não dependem de um capricho da vontade Divina, PORQUE SÃO CONSTITUTIVAS DA SUA ASSEIDADE.
No acto de criar, o Princípio Metafísico ESSE outorga a existência concreta a determinadas essências, segundo a Vontade de Deus e as disposições da Divina Providência; consequentemente, na criatura, mesmo a mais perfeita, verifica-se a composição metafísica ESSE-ESSÊNCIA. Em Deus, o Seu ESSE é a Sua Essência, e a Sua Essência é o Seu ESSE.
Neste quadro conceptual, Deus não se pode afirmar como imanente ao mundo, até porque o conhecimento que Deus possui desse mesmo mundo opera-se na Sua própria Essência, independentemente da realidade em si mesma, e tal conhecimento é metafìsicamente indissociàvel do único Acto pelo qual Deus Se conhece a Si mesmo, gerando o Seu Verbo.
A transcendência de Deus não deve ser pensada como uma incomunicabilidade metafísica com o mundo, à maneira do Acto puro de Aristóteles, ou do Uno de Plotino. É certo que a relação de Deus com o mundo é uma relação de razão, não porque o mundo não seja absolutamente real, mas porque todo o ser do mundo É VIRTUALMENTE EM DEUS. Já a relação da criatura com Deus É TRANSCENDENTAL.
Fundamentalmente, Deus comunica-Se com o mundo, precisamente, elevando-o à Ordem Sobrenatural. A capacidade da natureza criada para ser elevada à Ordem Sobrenatural denomina-se Potência Obedencial. Possui a sua mais sublime expressão na Encarnação do Verbo de Deus, em que uma Natureza Humana, como substância incompleta, no plano filosófico, é elevada, hipostàticamente, a uma existência e dignidade Divina. No Mistério da Redenção, Nosso Senhor satisfez condignamente a Deus pelos nossos pecados, merecendo-nos a Graça, pela qual participamos da Natureza Divina, da Inteligência Divina, da Santidade Divina. Consequentemente, Deus fez-Se substancialmente Homem, para que o homem, acidentalmente, fosse elevado a uma vida Divina, a uma vida Sobrenatural.
Mas também estas realidades não significam que Deus seja imanente ao mundo, porque a vida Divina, na Sua Asseidade, na Sua Eternidade, na Sua Imutabilidade, na Sua Simplicidade, encontra-se a uma distância metafìsicamente infinita da Sua criatura. Mas na Sua Infinita Bondade, a Deus não apenas aprouve fazer reflectir as Suas Divinas Perfeições na Ordem Natural criada, como ainda, maravilha das maravilhas, deu-Se a Si mesmo, acidental, mas realmente, outorgando à criatura espiritual a possibilidade de ser Eternamente admitida na intimidade familiar da Santíssima Trindade. Porque na elevação ao estado Sobrenatural a criatura espiritual é como que RECRIADA. Pois que na criação o ente finito, na sua contingência, infinitamente aquém do seu Criador, participa do ser em geral, reflecte as perfeições Divinas, mas não participa da vida de Deus. Só pela Graça Sobrenatural poderá ser beatificado com essa infinita felicidade. Deus Nosso Senhor aproxima-se ontològicamente da Sua criatura, ainda que conservando toda a infinita distância Metafísica.         
Transcendência, Analogia, Participação Sobrenatural; nestes conceitos reside a chave, não para uma plena compreensão, mas para pensarmos o Mistério de Deus o menos imperfeitamente possível.
A presença de Deus na nossa alma pela Graça, denominada inabitação do Espírito Santo, é a mais santa, a mais rica, a mais profunda, depois da Presença Real no Santíssimo Sacramento da Eucaristia, pela Qual toda a Santíssima Trindade se encontra presente POR UM TÍTULO ESPECIALÍSSIMO, QUE SUPERA INFINITAMENTE A OMNIPRESENÇA NATURAL DE DEUS, OU A PRESENÇA NA SARÇA ARDENTE, OU NA NUVEM SOBRE A ARCA DA ALIANÇA. Mas constitui uma presença ESSENCIALMENTE TRANSCENDENTE, porque Nosso Senhor não se encontra presente como os corpos naturais, circunscritos e limitados pelo espaço, mas imediatamente pela própria substância. Só o Criador e Conservador do Universo pode realizar tal presença.
A própria acção da Providência Divina É ESSENCIALMENTE TRANSCENDENTAL, Logo a começar pela Predestinação. Este conceito seria aberrante se a acção Divina NÃO FOSSE INFINITAMENTE INCOMENSURÁVEL COM OS FACTORES HUMANOS E TERRENOS. A MESMA LIBERDADE HUMANA É TRANSCENDENTALMENTE CONSTITUÍDA POR DEUS: SOMOS VERDADEIRAMENTE BONS PORQUE SOMOS PREDESTINADOS, SOMOS VERDADEIRAMENTE MAUS PORQUE NÃO FOMOS PREDESTINADOS. Uma das grandes conquistas do Tomismo radica-se neste conceito da absoluta transcendência fundamentante da Causa Primeira, Redentora e Consumadora do mundo, mas também Finalidade transcendente e Eterna da Criação.
Assim de conclui que a asserção em como Deus Nosso Senhor seria, de alguma maneira, imanente ao mundo – é inteiramente falsa. Presente no mundo, sem dúvida, como já observámos, MAS É UMA PRESENÇA POR TRANSCENDÊNCIA E NÃO POR PERTENÇA, POR COMENSURABILIDADE, POR RADICAÇÃO. É esse equilíbrio entre o ser e o conhecer, entre o Espírito Incriado e o espírito criado, entre a Criação e o seu Criador, que permite à inteligência moralmente bem formada proceder às provas filosóficas da existência de Deus, para ulteriormente melhor O conhecer e amar por via Sobrenatural. O agnosticismo só brotaria de um pensamento, equívoco, atomizado, carcomido pelo nada. Mas a analogia entre o finito e o infinito explica maravilhosamente a abençoada Presença de Deus Nosso Senhor neste paupérrimo mundo.
Aqueles que argumentavam que não valia a pena serem virtuosos porque Deus Nosso Senhor já predestinara os que se haveriam de salvar, respondia Santo Tomás de Aquino: “Ama Sobrenaturalmente a Deus sobre todas as coisas e ao próximo por amor de Deus – E SERÁS PREDESTINADO!

LOUVADO SEJA NOSSO SENHOR JESUS CRISTO
Lisboa, 20 de Agosto de 2017
Alberto Carlos Rosa Ferreira das Neves Cabral  

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