“Os animais que foram criados para a terra,
contentam-se com o terrestre; mas o homem que foi criado para Deus, só em Deus
pode achar sua satisfação”.
Santo Afonso Maria de Ligório
Que é propriamente este mundo? Um campo cheio de
espinhos, lágrimas e dores. O mundo promete grandes recompensas a seus
sequazes: divertimentos, alegrias e paz; tudo, porém, se reduz a ilusão,
amargura e vaidade. As riquezas honras e prazeres mundanos transformam-se
finalmente em tormentos e aflições. E queira Deus não se eternize para muitos
amigos do mundo essa aflição, pois são inúmeros, grandes e inevitáveis os
perigos de perder a Deus, a alma e o céu no meio do mundo.
Os bens deste mundo não podem saciar o nosso
coração. Os animais que foram criados para a terra, contentam-se com o
terrestre; mas o homem que foi criado para Deus, só em Deus pode achar sua
satisfação. É o que nos ensina a experiência, pois se os bens terrenos
tornassem felizes os homens, seriam certamente felizes os príncipes deste
mundo, que possuem em abundância dinheiro, honras e alegrias. E o que vemos?
Eles vivem mais descontentes e incomodados que os outros homens, pois onde há
maior riqueza e dignidade, reina também maior temor, amargura e inquietação.
Entrou uma vez o imperador Teodósio na cela de um
eremita; depois de curta conversação, disse-lhe o imperador: Sabes, meu padre,
quem sou eu? Eu sou o Imperador Teodósio. Feliz de ti que aqui vives longe das
penas do mundo. Sou um grande senhor da terra, sou imperador; contudo, meu pai,
não tenho um dia em que possa comer sossegado.
Como poderia, realmente o mundo dar a paz, sendo um
lugar de ilusão, cheio de invejas, temor e inquietação? É verdade que ele
oferece algumas miseráveis alegrias, as quais, contudo, mais afligem a alma que
a saciam, satisfazendo por alguns instantes os sentidos, mas cravando no
coração mil espinhos de amargura. Daqui provém que os grandes sábios do mundo
tanto têm de sofrer, visto que, quanto maior for sua grandeza, tanto mais tédio
e temor sentirão.
O mundo, pois, não é um lugar de alegrias, antes de
inquietações e tormentos, já que nele reinam as paixões da ambição, da avareza,
da sensualidade e não se pode gozar de seus bens à medida e na forma que se
deseja, não contentando também o nosso coração, antes o amargurando imensamente
a posso de seus bens.
Por meio de tais considerações S. Inácio conseguiu
ganhar muitas almas para Deus, especialmente a bela alma de S. Francisco
Xavier, que se ocupava então em Paris com projetos de todo mundanos. Francisco
disse-lhe uma vez o santo, pondera que o mundo é um traidor que muito promete e
nada cumpre. E mesmo que te desse o que saciasse, por quanto tempo gozarás
disso? talvez além da tua vida? e que levarás contigo para a eternidade ? já
levou talvez um rico uma única moeda ou criado para sua comodidade? que rei
levou consigo um único fio de púrpura? - Essas palavras causaram tal impressão
em Francisco que, abandonando o mundo, seguiu a Santo Inácio e se fez santo.
Uma felicidade inteiramente isenta de cuidados não
pode existir aqui na terra e só a encontraremos na vida futura. Neste mundo que
é o lugar de merecer e, por conseguinte, do padecimento, só viverá contente o
que suportar tudo com paciência. Assim vivem os santos que gozam de tanto maior
paz e tranquilidade, quanto menos bens terrestres possuem e maior paciência
demonstram nas tribulações da vida presente.
Mas para que o homem possa ser feliz nesta vida
deve também saber em que consiste a felicidade. Está fora de dúvida que mesmo a
nossa felicidade natural não consiste em prazeres corporais, mas na paz da
alma: esta só se alcança quando o coração se desprende dos vícios e afetos
desordenados. Uma tal tranquilidade d´alma é o fruto da conformidade com nossos
desejos com as nossas boas ações. Se os humores de nosso corpo estão
convenientemente disseminados, acha-se ele são e forte; faltando-lhe isso, está
doente e fraco. O mesmo dá-se com nossa alma: deixando-se dominar por um vício
ou paixão e assim decompor-se, nem terá nem poderá encontrar verdadeira paz.
Para se gozar dessa verdadeira paz devemos
conservar, pelo exercício das virtudes cristãs, nossa alma em conformidade com
Deus, com o próximo e conosco mesmos; com Deus pela caridade e obediência a
seus preceitos, com o próximo pela caridade fraterna e mansidão, conosco mesmos
pela mortificação de nossas paixões e abnegação do amor próprio. Portanto
devemos nos desligar das máximas do mundo que corrompem o espírito e a vontade,
e nos imbuir de princípios santos que nos conduzam diretamente a Deus. Assim na
medida que praticarmos estas virtudes seremos mais ou então menos felizes aqui
na terra.
Estejamos convencidos que sem a virtude não pode
haver nem há mesmo verdadeira paz. Muito mais feliz é um pobre virtuoso que tantos
ricos e grandes da terra que, no meio de sua grandeza, são continuamente
atormentados por inúmeros e irrealizáveis desejos e inevitáveis contrariedades.
A experiência o prova que há evidência que todo aquele que vive santamente em
qualquer estado de vida é feliz, ao passo que quem leva a vida ociosa não acha
felicidade nem nas riquezas, nem nas honras terrenas.
Todos os que vivem na desgraça de Deus, já na terra
tem de sofrer o inferno, pois o prazer do pecado é um prazer envenenado, que
deixa sempre um sabor amargo; além disso, duram só alguns momentos, ao passo
que os tormentos e remorsos não cessam mais. É engano querer achar a felicidade
na satisfação das paixões: quanto mais procuramos satisfazê-las tanto maiores
se tornam nossos tormentos. Que tormentos não sente um ambicioso não podendo
alcançar as honras, os cargos e dignidade a que aspira. E mesmo que os alcance
desejará subir mais alto, e não o conseguindo fica inconsolável. Que tormento
não experimenta ao ver que algum outro, que a seus olhos lhe é inferior, lhe é
preferido.
O nosso natural orgulho leva-nos a crer que somos
superiores aos outros. Um bom cristão, pelo contrário, não se inquieta vendo-se
posposto aos outros, ainda que esteja certo que isso é injusto, consolando-se
com o pensamento em Deus.
Que martírio não suporta um avarento no meio de
suas riquezas, já pelo temor de as perder, já pela perda mesma; ora porque o
lucro é menor que o esperado, ora porque não pode receber o que empresta. O
homem probo, porém contenta-se com o pouco que tem e vive satisfeito.
Que horrores não sofre um vingador, desejando
vingar-se e não o podendo. E se, para sua maior infelicidade, consegue o seu
intento, essa inquietação aumenta em vez de terminar: o temor da justiça
humana, a perseguição dos parentes da vítima, as dificuldades da fuga não lhe
deixam um momento de sossego.
Que tormentos não tem de sofrer um libertino em
consequência de seus amores criminosos. Que suspeitas, que ciúmes, que
amarguras, se não é correspondido, ou se não há possibilidade de realizar seus
intentos. E mesmo que o caminho esteja livre, como poderá impedir que os
remorsos e o temor da vingança divina lhe dilacerem o coração?
Todos os bens e alegrias do mundo, portanto, não
podem tornar feliz o coração do homem. Quem, pois o poderá contentar? Deus!
"Regozija-se no Senhor, e ele te dará o que pede teu coração" (Sl
36,4). O coração do homem suspira continuamente por um bem que o satisfaça;
ainda que nade em riquezas, honras e prazeres, não encontrará nestes bens
finitos seu contentamento, já que foi criado para um bem infinito. Encontrando
Deus e unindo-se a Ele, sentir-se-á então plenamente feliz e não desejará mais
nada. "Coloca no Senhor teu prazer e ele te dará o que deseja teu
coração."
Enquanto S. Agostinho corria atrás dos prazeres dos
sentidos, não achou a paz: tendo-se dado, porém, a Deus, encontrou o que
procurava. "Inquieto, Senhor, está o nosso coração até que descanse em
vós". "Ó meu Deus, agora reconheço que tudo é vaidade e aflição de
espírito e que só vós sois a verdadeira paz da alma; tudo acarreta tribulação,
só vós trazeis a paz" (Conf., 1.6, c.16). Ensinado pela própria
experiência escreve: "Que procuras, ó homem, prendendo-te a tantos bens?
Procura o único bem que em si encerra todos os outros bens." (Man. c. 35).
Achando-se o rei David em pecado, não deixava de ir
a caça, de banquetear-se e tomar parte em todos os divertimentos; mas os
banquetes, os bosques, e as criaturas todas, em que buscava seu prazer, lhe
perguntavam: David, queres tornar-te feliz por meio de nós? não, nao estamos em
estado de te contentar. Onde está teu Deus? Procura teu Deus, só Ele poderá
contentar-te. Por isso, no meio de suas alegrias, não fazia outra coisa que
chorar. "Minhas lágrimas foram minha comida dia e noite, enquanto se me
dizia continuamente: onde está teu Deus?" (Sl 41, 4).
Santo Afonso Maria de Ligório - Escola de Perfeição
Cristã. Odouard Saint-Omer.
Fonte: http://floresdamodestia.blogspot.com.br/2018/01/o-amor-do-mundo-torna-os-homens.html
Com certeza.
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