OS LIVROS DAS CARTAS DO BISPO SÃO PATRÍCIO.
PRIMEIRO LIVRO: CONFISSÃO
1) Eu, Patrício, um pecador, o mais rústico e o
menor entre todos os fiéis,
profundamente desprezível para muitos, tive por
pai o diácono Calpurnius, filho do falecido Potitus, um presbítero que foi
morador de um vilarejo chamado Bannavem Taberniae; Ele tinha uma
pequena casa de campo bem próxima, onde eu fui capturado. Naquela época eu tinha
cerca de dezesseis anos de idade. Eu ignorava o verdadeiro Deus e junto com milhares de pessoas fui
capturado e conduzido ao cativeiro na Irlanda segundo o nosso merecimento, por
afastarmos-nos bastante de Deus, não guardamos os seus preceitos, nem sermos obedientes
aos nossos sacerdotes, que nos exortavam a respeito da nossa salvação. E o
Senhor lançou sobre nós a violência de sua cólera e nos dispersou entre
vários povos até os confins da terra, onde agora na minha pequenez,
me encontro entre estrangeiros.
2) E lá o Senhor abriu o entendimento do meu
coração de incredulidade, afim de que, mesmo muito tarde, me
recordasse dos meus pecados e me convertesse de todo coração ao Senhor meu
Deus, que considerou a minha insignificância e teve misericórdia da minha
mocidade e ignorância. Ele me protegeu antes que eu o conhecesse e antes que eu soubesse
distinguir entre o bem e o mal e me fortificou e consolou como um pai faz ao
filho.
3) Por esta razão não posso me calar, nem seria
isto apropriado, diante de tantas dádivas e graças que o Senhor dignou-se
a me conceder na terra do meu cativeiro; porquanto esta é nossa
maneira de retribuir, afim de que depois da correção de Deus e de reconhecê-lo, exaltar e confessar
suas maravilhas diante de todas as nações que estão debaixo do céu.
4) Porque não há outro Deus, nunca houve antes,
nem haverá no futuro, além de Deus pai não gerado, sem princípio, do qual
procede todo o princípio, quem tudo possui, bem como tem nos sido
dito; e seu filho Jesus Cristo, que assim como o pai evidentemente sempre existiu,
antes do começo dos tempos em espírito com o pai, inefável, criado antes da
origem
do mundo, e por ele mesmo foram criadas todas as
coisas visíveis e invisíveis. Ele foi feito homem, venceu a morte e foi
recebido no céu junto do pai, e foi-lhe dado todo poder absoluto sobre
todo nome no céu, na terra e no inferno para que assim toda língua confesse que
Jesus Cristo é Senhor e Deus, em quem nós cremos e esperamos o advento de
sua iminente volta,
como juiz dos vivos e dos mortos. Este que dará
para cada um segundo os seus feitos, e derramou em nós abundantemente o
seu Espírito Santo, o dom e a garantia da imortalidade, que tornou
os crentes e obedientes em filhos de Deus e co-herdeiros de Cristo: àquele que confessamos
e adoramos, O único Deus na trindade do seu santo nome.
5) Pois ele mesmo disse por intermédio do
profeta: “Invoque-me no dia das suas tribulações e eu te libertarei e tu
me glorificarás” e novamente disse: “É honroso revelar e confessar
as obras de Deus”.
6) Apesar de imperfeito em muitas coisas, desejo
que meus irmãos e parentes conheçam a minha natureza, para que possam
perceber os desejos de minha alma.
7) Eu não ignoro o testemunho do meu Senhor, que
no Salmo diz: “Tu destróis os que proferem mentira”; e novamente disse: A
boca mentirosa traz a morte para a alma. E igualmente o Senhor
disse no evangelho: No dia do Juízo os homens prestarão contas de cada palavra
vã que disseram.
8) Deste modo é que vigorosamente devera eu
recear, com temor e tremor, a sentença daquele dia em que ninguém poderá
escapar e nem se esconder, mas todos, sem exceção alguma, prestarão
contas até dos menores pecados diante o tribunal do Senhor Cristo.
9) Por esta razão tenho pensado em escrever, mas
até agora tenho hesitado; na verdade temi me expor na língua dos homens,
porque não me instrui da mesma maneira que os outros, que têm
assimilado bem tanto a lei como as Sagradas Escrituras e nunca mudaram o idioma
desde a infância, mas ao contrário, sempre o tem aperfeiçoado. Enquanto a nossa linguagem
e idioma foram traduzidos para uma língua estrangeira, assim facilmente se pode provar
a partir de uma amostra dos meus escritos a minha qualidade em retórica, a
minha instrução e também erudição, porque, está escrito: “A sabedoria será
reconhecida pelo modo de falar, no entendimento, e no conhecimento da doutrina
da verdade”.
10) Mas porque me desculpar perto da verdade,
especialmente com presunção, de modo que somente agora me aproximando
da minha velhice posso obter o que não consegui na minha juventude? Porque
meus pecados impediram-me de confirmar o que anteriormente tinha lido
uperficialmente. Mas quem acreditará em mim ainda que repita o que disse antes? Um
jovenzinho, talvez longe disso, quase um garoto imberbe, capturado antes que soubesse
o que deveria buscar ou evitar. Então, consequentemente, hoje me envergonho e ardentemente
temo expor minha ignorância, porque eu não sou eloqüente, assim verdadeiramente,
não consigo expressar como o espírito está ávido por fazer e tanto a alma quanto
o entendimento se mostram dispostos.
11) Mas se esta graça fosse me dada como foi aos
outros, em gratidão eu
verdadeiramente não me calaria, e se por acaso
me expus aos outros e me coloquei perante eles com minha ignorância e meu
modo lento de falar, verdadeiramente está escrito: “As línguas
balbuciantes com velocidade aprendam a falar da paz”. Quanto mais devemos
atingi-lo, nós que somos como é dito: Uma carta de Cristo em saudação até os
confins da terra... [Et
si non deserta, sed † ratum et fortissimum†]...Escrito
em vossos corações não com tinta, mas com o Espírito Santo do Deus vivo. E
outra vez mais: O Espírito testifica que até mesmo a vida dos
rústicos (rusticidade) é criada pelo Altíssimo.
12) Por isso eu, o maior dos camponeses,
fugitivo, evidentemente ignorante, alguém que não é capaz de prever o
futuro, mas sabe com certeza que, em todo o caso, antes de ter sido
humilhado, eu era como uma pedra que jazia no lodo profundo. E aquele que tem todo
o poder veio a mim e em sua misericórdia me levantou bem alto, colocou-me no
topo do
muro; e de lá corajosamente devo exclamar em
gratidão ao Senhor por tantos benefícios agora e por todo o sempre,
benefícios tão grandes que a mente humana não pode estimar.
13) Dessa maneira, espantem-se grandes e
pequenos que temem a Deus e vós, senhores, oradores eloqüentes, ouvi, pois
e examinai cuidadosamente. Quem me chamou, eu, um estúpido, do meio
daqueles que são vistos como sábios e peritos na lei, poderosos na palavra
e em todas as coisas? Eu, verdadeiramente miserável neste mundo, sendo
inspirado mais que os outros- contanto que- com temor e reverência e sem
querela, fielmente pudesse me mostrar ao povo para quem o amor de Cristo
me trouxe e deu-me em minha vida, se eu fosse digno, para servi-los
verdadeiramente com humildade e sinceridade.
14) Assim, pois, na medida da minha fé na
trindade, me convém reconhecer e sem noção do perigo, proclamar o dom de
Deus e a sua consolação eterna, confiantemente e sem temor difunndir
o nome de Deus por toda parte, afim de que mesmo depois da minha morte, eu
deixe uma herança para os meus irmãos e filhos e a tantos milhares de
homens que
batizei no Senhor.
15) E eu não era digno, nem de tal natureza que
o senhor concedesse ao seu pequeno servo, após provações e tantas penas,
depois do cativeiro e após muitos anos, tantas graças me desse
naquele povo; uma coisa que no tempo da minha juventude eu jamais esperei,
nem mesmo imaginei.
16) Mas, depois que alcancei a Irlanda e que eu
passei a apascentar o rebanho cotidianamente e orava várias vezes ao dia,
mais e mais o amor de Deus e o meu temor e fé por ele cresceram e o
meu espírito tocado de tal maneira, que em dia cheguei a contar mais de cem
orações e de noite quantidade semelhante, e ainda ficava nas florestas e nas
montanhas,
acordava antes da luz do dia para orar na neve,
no gelo e na chuva, e nenhum mal eu sentia e nenhuma preguiça estava em
mim, como percebo agora, porque o espírito ardia dentro de mim.
17) E lá naturalmente uma noite no meu sono eu ouvi uma voz dizendo para mim: “Fazes
bem em jejuar, pois brevemente partirás para a tua pátria” e novamente muito
pouco tempo depois ouvi uma voz me dizendo: “Eis que teu navio está
pronto” e não era em um lugar perto não, pelo contrário, estava a duzentas
milhas de distância onde eu nunca havia
estado e não havia ninguém conhecido. Então pouco tempo depois eu me coloquei
em fuga e abandonei o homem com quem estivera seis anos e avancei na
virtude de Deus, que dirigiu meu caminho para o bem e eu nada temi até que
alcancei aquele navio.
18) E naquele mesmo dia o navio estava de partida, e eu disse que tinha
condições de navegar com eles. O capitão se desagradou e rispidamente
irado respondeu: “de modo algum tente ir conosco” tendo ouvido isto me
separei deles para uma pequena cabana onde estava ficando, e no caminho
comecei a orar e antes que terminasse a oração escutei um deles gritando
bem alto depois de mim: “venha rapidamente, porque os homens estão te chamando” e
imediatamente voltei pra junto deles, e começaram a me dizer: “venha, porque de
boa fé recebemos-te, faça conosco amizade do modo que desejar” e naquele
dia então me recusei a lhes sugar as mamas
pelo temor de Deus, mas, entretanto esperava que eles viessem a ter
fé em Jesus Cristo, porque eram gentios. Por isso continuei com eles e sem
demora nos colocamos ao mar.
19) E depois de três dias alcançamos a terra e caminhamos vinte e oito dias
através de uma região desértil até que a comida acabou e a fome nos
alcançou. Um dia o capitão começou a me dizer: “Por que acontece isso
Cristão? Tu dizes que teu Deus é grande e onipotente, porque razão você
não pode orar por nós? Pois podemos morrer de fome; é provável que jamais
vejamos outro ser humano”. Eu então lhes disse confiantemente:
convertam-se pela fé de todo o coração ao Senhor Deus meu, pois nada é
impossível para ele e hoje mesmo ele mandará alimento para vós em vosso
caminho até que se fartem, pois em toda a parte ele traz abundância. E com
a graça de Deus isto realmente aconteceu: eis que uma vara de porcos
apareceu no caminho diante dos nossos olhos, e muitos dentre os porcos foram mortos.
E neste lugar por duas noites permaneceram e fartaram-se daquelas carnes dos
porcos e foram revigorados da fome, porque muitos deles desfaleciam e de
outra forma teriam sido abandonados semimortos à beira do caminho. Depois
disto renderam extremas graças a Deus e eu fui honrado aos seus olhos, e a
partir daquele dia tiveram alimento bundantemente, descobriram mel
silvestre e ofereceram parte a mim e um deles disse: é um sacrifício; Graças a
Deus, deste nada provei.
20) Na mesma noite eu estava dormindo e Satanás violentamente tentou-me, da forma
que eu me lembrarei enquanto neste corpo estiver, ele caiu sobre mim como um enorme
rochedo e nenhum dos meus membros podia se mexer. Mas de onde me veio à idéia, ignorante
espiritual que sou, de clamar por Elias? Neste meio tempo vi no céu o sol surgindo
e durante o clamar “Elias, Elias, com toda a minha força” eis que o esplendor daquele
sol caiu sobre mim imediatamente e me sacudiu livrando-me de todo o peso, creio que
fui ajudado por Cristo, meu Senhor, e este espírito agora chamava por mim e
espero que assim seja no dia da minha aflição, como diz no evangelho: Naquele
dia, diz o Senhor, não sois vós que falais, mas o espírito de vosso pai
que fala em vós.
21) E mais uma vez, anos nais tarde fui feito cativo pela segunda vez. Na
primeira noite, eu permaneci com eles. Ouvi, então, uma voz divina me
dizendo: “você permanecerá dois meses com eles” e assim aconteceu: na
sexagésima noite o meu Senhor me libertou das mãos deles.
22) Além disso, Mesmo na viagem (Deus) nos proveu de alimento, fogo e tempo seco
todos os dias, até que no décimo dia encontramos gente. Assim como sugeri mais
acima, viajamos vinte e oito dias através de terras desabitadas e de fato
na noite que encontramos gente nada tínhamos de alimento.
23) E depois de uns poucos anos eu estava de novo na Bretanha com meus pais, que
me acolheram como um filho e rogaram-me intensamente que eu, após ter passado
por tantas tribulações que nunca partisse para longe deles; e neste lugar
naturalmente vi numa visão noturna um homem vindo como que da Irlanda,
cujo nome era Victoricus, com inumeráveis cartas, e deu para mim uma delas
e logo no princípio da carta estava escrito: “A voz dos irlandeses” e
enquanto eu recitava o princípio da carta, pareceu-me naquele momento ouvir
as vozes daqueles que estavam perto da floresta de Vocluti que fica perto do
mar ocidental, e ainda exclamavam como se fosse uma só voz: “Nós te
rogamos, santo jovem, venha e caminhe novamente entre nós” e eu estava tão
profundamente tocado no meu coração que nem pude ler mais e assim
despertei. Graças a Deus, porque depois de muitos anos, o
Senhor concedeu-lhes a sua súplica.
24) E outra noite –não sei, Deus o sabe, se dentro de mim ou próximo a mim- foram
pronunciadas algumas palavras bem próximo, eu as ouvi, mas não pude compreendê-las,
a não ser no final: “Aquele que deu a sua vida por ti, o próprio é que fala
dentro de ti.” E deste modo acordei jubiloso.
25) E uma outra vez, o vi orando em mim, era como que dentro do meu corpo e o
ouvia acima de mim, isto é, acima do homem interior, e lá orava fortemente com
gemidos, e no meio disto eu estava pasmo e admirado e pensava quem seria
esse que orava dentro de mim, mas após o final da oração foi-me revelado
que era o Espírito, e assim fui desperto e
recordei-me das palavras do apóstolo: O Espírito nos auxilia na debilidade de
nossas orações, pois não sabemos orar como convém. Mas o próprio Espírito
intercede por nós com gemidos inexprimíveis, que não podemos narrar, e
mais uma vez: O Senhor, nosso advogado intercede por nós.
26) E quando fui posto a prova por alguns dos meus senhores, que vieram até mim e
relembraram os meus pecados contra o meu árduo episcopado. Naquele dia
especialmente, fui fortemente abalado e poderia ter caído de uma vez por
todas; mas o Senhor me poupou um convertido e peregrino, pelo amor do seu
próprio nome, de forma benévola veio em minha
assistência quando estava sendo esmagado. Eu oro a Deus que não lhes será
imputado como um pecado que eu caísse em desgraça e desonra.
27) Noutra ocasião, trinta anos depois, eles trouxeram contra mim um fato que
eu tinha confessado antes de ser diácono. Por causa da ansiedade e
inquietude da minha alma, eu contei a um amicíssimo meu o que um dia na
minha meninice tinha feito, mais precisamente em um momento, porque ainda não
era resistente. Eu não sei, Deus o sabe, se eu tinha 15 anos, e não
acreditava no Deus vivo, nem nunca tinha crido desde a minha infância, mas permanecia
na morte e na incredulidade até que fui castigado e humilhado cotidianamente pela
fome e pela nudez.
28) Por outro lado, não fui para a Irlanda espontaneamente, estava a ponto de desistir,
mas isso, no entanto foi para mim um bem, pois por isso fui repreendido pelo
Senhor, e ele preparou-me para que hoje fosse o que eu ainda estava longe
de ser, a fim de que eu tivesse o cuidado ou me preocupasse pela salvação
dos outros, quando ao contrário, naquela
época não pensava em nada além de mim mesmo.
29) Então naquele dia em que fui reprovado como mencionei acima, eu tive uma visão
à noite de um texto diante de minha face sem honra, e enquanto isso, ouvi uma
voz divina dizendo para mim: com desgosto vimos a face do escolhido,
despido de seu nome, e ele não disse: você viu com desgosto, mas: nós
vimos com desgosto. Como se ele mesmo se juntasse a mim, ele então disse:
Aquele que te tocar é como se tocasse a menina dos meus
olhos.
30) Por este motivo eu dou graças a ele que em tudo me confortou, para que eu
não fosse impedido do caminho que decidi seguir e também da minha obra que
para a qual fui chamado por Cristo meu Senhor, porém a partir daí eu senti
em mim uma virtude não pouca e a minha fé foi provada na presença de Deus
e dos homens.
31) Por isso então eu digo corajosamente, que minha consciência não me reprova. Nem
agora e nem no futuro: Deus é minha testemunha que não tenho mentido nessas
palavras que eu vos tenho dito.
32) Porém eu lamento que por causa de meu amigo íntimo mereçamos ouvir tal palavra.
Aquele em que confiei à alma! E descobri por um bom número de irmãos, que diante daquela
defesa (que eu não estava presente, nem estava eu na Bretanha, nem foi eu que a provoquei)
ele em minha ausência lutou por mim, assim disse-me de sua própria boca: eis
que
tu serás elevado ao grau do episcopado, ao qual eu não era digno. [mas daí veio
ele pouco depois publicamente desonrar-me na presença de todos, bons e
maus, e porque anteriormente de forma espontânea e alegre perdoara-me, e o
Senhor, que é o maior de todos?].
33) já disse o suficiente. Mas ainda assim, não posso esconder o presente de
Deus que foi dado a nós na terra do meu cativeiro, porque eu o busquei
fortemente e lá o encontrei e ele me preservou de todas as iniquidades
(assim creio) por meio da habitação do seu espírito, que opera em mim até
os dias de hoje. Corajosamente de novo, mas Deus sabe, se isso foi
concedido a mim por homem, eu podia ter mantido silêncio pelo próprio amor de Cristo.
34) Assim eu dou incansáveis graças ao meu Deus, que me conservou fiel no dia da
minha tentação, de sorte que hoje confiantemente ofereço a ele a minha alma
como sacrifício vivo ao Cristo Senhor meu, que me protegeu de todas as
minhas angústias, por isso digo: quem sou eu, oh Senhor, qual é minha
vocação? Que a mim de uma maneira tão divina aparecestes, para que hoje
entre os gentios constantemente eu exaltasse e glorificasse teu
nome em qualquer lugar que fosse, não só na bonança, mas também na tribulação,
de modo que qualquer coisa que aconteça a mim, seja de bem seja de mal,
devo aceitar igualmente e a Deus devo sempre dar graças, que me mostrou
que devo indubitavelmente para sempre nele confiar e que me encoraja para
que, ignorante, nos últimos dias, ouse encarregar-me de uma
obra tão maravilhosa, para que eu possa imitar um daqueles que, há muito tempo,
o Senhor pré-ordenou como mensageiros do seu evangelho em testemunho a
todos os povos até o fim do mundo, assim vemos e assim está acontecendo: Eis
que nós somos testemunhas, porque o evangelho tem sido pregado até lugares
mais distantes onde não há ninguém.
35) Levaria muito tempo narrar meus labores, em detalhes, um por um. Vou dizer brevemente
como o piedoso Deus frequentemente tem me livrado da servidão, e de doze perigos
pelos quais minha alma foi ameaçada, além de muitas ciladas que não sou capaz
de descrever. Nem quero injuriar os leitores; mas tenho Deus criador, que
conhece todas as
coisas antes mesmo que elas venham a existir, como testemunha de que embora eu
fosse um pobrezinho desamparado e ignorante, todavia por meio de profecias
divinas frequentemente me aconselha.
36) De onde me veio esta sabedoria, que para mim não existia, eu que nem o número
de dias conhecia e nem a Deus conhecia? De onde me veio em seguida dom tão grande
e tão saudável de conhecer a Deus e amá-lo, mesmo tendo deixado à pátria e os
pais?
37) E muitas dádivas me foram oferecidas com choro e lágrimas e eu os ofendi, contrariamente
ao desejo de um bom número dos meus senhores; mas sendo governado por Deus,
não entrei em consenso e nem me delonguei com eles, não por minha graça, mas
Deus que venceu em mim e resistiu contra todos eles, afim de que eu viesse
aos povos da Irlanda
pregar o evangelho e suportar as injúrias dos incrédulos, para que possa se
ouvir o infortúnio das minhas peregrinações e muitas perseguições e até
prisões; de maneira que possa dar minha liberdade pelo bem de outros, e se
digno for, estou pronto para dar até mesmo minha vida sem hesitação e de
boa vontade, pelo nome do Senhor e nesse lugar escolho devotar minha vida
até a morte, se assim o Senhor me permitir.
38) Porque sou grande devedor de Deus, que tamanha graça me concedeu, que muitos
povos através de mim renasceriam em Deus, e como seria confirmado depois, os clérigos
seriam ordenados por eles em toda parte em favor das pessoas que recentemente viriam
a acreditar, esses que o Senhor atraiu dos confins da terra, assim como já foi
prometido pelos seus profetas: “para ti virão povos dos confins da terra”
e dirão: porque nossos pais nos deixaram apenas ídolos falsos e não há
mais neles proveito; e mais: ponho-te como luz para os gentios para que tu
possas levar salvação até os confins da terra.
39) Eu desejo então esperar por sua promessa, que jamais falha, assim como no evangelho
está escrito: virão do oriente e do ocidente e sentar-se-ão a mesa com Abraão,
Isac e Jacó. Assim como acreditamos que os crentes virão do mundo inteiro.
40) Por este motivo então, é necessário verdadeiramente pescar bem e
diligentemente, assim como o Senhor prediz e ensina dizendo: “Sigam-me e farei
de vós pescadores de homens”; e ainda pelos profetas: “Eis que eu envio
muitos pescadores e caçadores”, diz Deus, etc. Portanto é muito importante
lançar nossa rede, para que uma imensa multidão seja apanhada para Deus e
em toda parte haja clero para batizar e exortar o povo necessitado e ansioso.
Assim como o Senhor disse no evangelho, admoestando e instruindo: “Ide,
pois agora por todas as nações ensinando e batizando-os em nome do pai, do filho
e do Espírito Santo, ensinando-os a observar em todas as ocasiões tudo o que
vos ensinei, e eis que eu estarei convosco todos os dias até a consumação
dos séculos”; e ainda diz: “Ide por todo o mundo e pregai o evangelho a
toda criatura, quem crer e for batizado será salvo; quem não crer
verdadeiramente será condenado”. E ainda: Este evangelho do reino será pregado
por todo o mundo como testemunha para todos os povos e então virá o fim; e igualmente
o Senhor anunciou por meio do profeta: E acontecerá nos últimos dias, diz o Senhor,
que eu derramarei do meu Espírito sobre toda a carne, e os vossos filhos farão profecias
e as vossas filhas também, vossos jovens terão visões e vossos velhos sonharão sonhos
e na verdade sobre os meus servos e minhas servas derramarei do meu Espírito naqueles
dias, e eles profetizarão; como em Oséias diz: Eu chamarei aqueles que não são
meu povo de meu povo e aqueles que não alcançaram misericórdia eu os
chamarei de
misericordiosos e no lugar em que foi dito a eles, vocês não são meu povo,
serão chamados “filhos do Deus vivo”.
41) Assim, tal como acontece na Irlanda onde nunca tiveram conhecimento de Deus,
mas que até o presente momento, só conheciam ídolos e coisas impuras, como que recentemente
estão se tornando um povo do Senhor e sendo chamados de filhos de Deus, os filhos
dos Scotos e as filhas dos reis, são vistas como monjas e virgens de Cristo?
42) E ainda uma abençoada irlandesa [Scota], nobre, linda e de idade adulta,
que eu batizei; poucos dias depois veio a nós e nos informou que tinha
recebido uma profecia de um mensageiro de Deus e sido convidada a ser uma
virgem de Cristo e aproximar-se de Deus. Graças a Deus, que seis dias
depois, excelentemente e avidamente ela tomou o caminho que todas as
virgens de Deus tomam, mas não com o consentimento dos pais dela, mas
suportando perseguições e as reprovações imerecidas de seus parentes.
Apesar disso o número delas aumenta (a respeito das que são de nossa raça
nascidas lá desconhecemos o número) além das viúvas, e aquelas que
mantêm a continência. Mas entre elas as que mais trabalham são as que são
mantidas na escravidão. Além de terrores, elas suportam ameaças constantes; mas o
Senhor concede muitas graças as suas servas, pois mesmo apesar da prisão (sendo proibidas)
elas resolutamente seguem o seu exemplo.
43) Por isso, mesmo que desejasse me separar deles a fim de ir para Bretanha, e
de boa vontade estaria preparado para ir para minha pátria e meus pais, e
não somente lá, mas mesmo até a Gália para visitar meus irmãos e para
contemplar a face dos santos de meu Senhor: Deus sabe o quanto eu desejei
isso, mas atado ao Espírito que me atestou que se
fizesse isso, seria designado como culpado. E eu temo perder o trabalho que
comecei, e não eu, mas Cristo o Senhor, que me ordenou que viesse estar
com eles o resto dos meus dias, se o Senhor desejou isso e me protegeu de
todo mau caminho, não devo pecar contra ele;
44) Espero que eu faça como devo, mas não confio em mim, enquanto estiver neste corpo
mortal, porque forte é e cotidianamente esforça-se para desviar-me da fé e da verdadeira
santidade de uma religião não fingida a qual aspiro guardar até o fim da vida minha
por Cristo meu Senhor, mas a carne inimiga sempre arrasta para a morte, isto é
para suas seduções, para as coisas ilícitas. E eu sei em parte que não
levo uma vida perfeita assim
como outros crentes, mas reconheço diante do meu Senhor, e não me envergonho em
sua presença, porque não minto, desde que o vim a conhecê-lo em minha
juventude cresceu em mim o amor de Deus e o temor a ele, e até agora pela
graça de Deus, tenho mantido a fé.
45) Que ria e me insulte quem assim o desejar, eu não me calarei e nem
esconderei os sinais e maravilhas que foram mostrados a mim pelo Senhor de
muitos anos antes que acontecessem, ele que sabe todas as coisas antes
mesmo do começo dos tempos.
46) Deste modo, devo incessantemente dar graças a Deus, que frequentemente perdoou
minha insensatez e negligência, em mais de uma ocasião para não se irar violentamente
comigo, que fui colocado como ministro, e não concordei prontamente com o que
foi revelado a mim, segundo o que o Espírito me sugeria, e o Senhor
misericordioso foi
em milhares de vezes, porque viu que eu estava preparado, mas que eu não sabia
o que fazer nessas circunstâncias, só poderia fazer algo relativo ao meu
gênero de vida, porque muitos tentavam impedir a minha missão, eles
estavam falando entre si nas minhas costas dizendo: Porque razão este
homem se atira ao perigo no meio de estrangeiros que não conhecem a
Deus? Não por malícia, porque eles não sabiam isso, mas eu mesmo posso testificar
que eles perceberam a minha rusticidade, e eu não estava pronto para
reconhecer a graça que então estava em mim; agora eu sei que deveria tê-lo
feito bem antes.
47) Agora, pois tenho simplesmente colocado para meus irmãos e companheiros de serviço,
que acreditaram em mim por causa do que proferi e ainda profiro para fortificar
e reforçar vossa fé. Queira Deus que façam maiores e melhores obras! Isto
será minha glória, porque o filho sábio é a glória do pai.
48) Vós sabeis, assim como Deus, como me empenhei no meio de vós desde a minha
juventude na fé, na verdade e na sinceridade de coração. Assim para os povos
entre os quais vivo eu mostrei e ainda mostro a fé. Deus sabe que não
defraudei a nenhum deles, nem considero isso, pelo próprio Deus e sua Igreja,
para que não despertasse perseguição contra
eles e contra nós todos e para que o nome do Senhor não seja blasfemado por
minha causa. Porque está escrito: Ai do homem pelo qual o nome do Senhor
for blasfemado.
49) Pois embora eu seja ignorante em todas as coisas, ainda assim me esforcei
para guardar alguns e a mim também. Ainda também aos meus irmãos cristãos,
as virgens de Cristo e as mulheres religiosas, que para mim davam
espontaneamente alguns pequenos presentes e costumavam jogar ao altar e
seus adornos. Eu devolvia a elas e se escandalizavam comigo por causa
disso e me perguntavam por que eu agia assim; mas eu, na esperança da eternidade,
me protegi de todas as coisas, de forma que não pudessem lesar-me no meu ministério
alegando qualquer desonestidade e que nem mesmo esse mínimo detalhe desse qualquer
margem para difamação ou depreciação por parte dos incrédulos.
50) Por acaso quando batizei milhares de pessoas esperava mesmo que fosse a metade
de qualquer coisa deles? Se assim foi, digam-me e eu vos restituirei. E quando
o Senhor ordenou clérigos em todas as partes por intermédio da minha
humilde pessoa e o ministério gratuitamente eu conferi a eles, se pedi em
qualquer lugar qualquer recompensa deles, que seja o valor de um par de
sapatos, digam-me na minha frente e os restituirei.
51) Mais eu fiz todos os esforços por vós para que me recebessem e no meio de
vós em todo lugar, me empenhei pela vossa causa, em muitos perigos mesmo
nas regiões mais remotas onde não havia ninguém e ninguém havia vindo
antes para batizar, ordenar clérigos ou confirmar pessoas. Diligentemente
e com alegria, pela graça de Deus, para vossa salvação.
52) De vez em quando, dei presentes aos reis e também dei recompensas aos seus filhos
que viajavam comigo, todavia me prenderam com meus companheiros e naquele dia desejaram
com muita avidez matar-me, mas minha hora ainda não havia chegado, e tudo que puderam
encontrar conosco eles saquearam e me prenderam a ferros; e no décimo quarto
dia o
Senhor me libertou do poder deles e tudo o que era nosso nos foi devolvido por
amor a Deus e por conta dos amigos imprescindíveis que antes fizemos.
53) Vós sabeis por experiência própria o quanto eu os pagava para que aqueles
que julgavam por todas as regiões que eu frequentemente visitava. Penso
que verdadeiramente distribui a eles nada menos que o preço de quinze
homens, afim de que pudessem desfrutar da minha companhia e eu da vossa sempre,
em Deus. Não me arrependo e nem considero o bastante: ainda pago e pagarei
ainda mais; poderoso é o Senhor para conceder que logo eu possa gastar o
meu próprio ser pelas vossas almas.
54) Eis que invoco o testemunho divino sobre minha alma como prova de que não estou
mentindo: nem escreveria a vós para dar ocasião de lisonja ou avareza, nem
esperaria pela honra de qualquer de vós; suficiente na verdade é a honra
que não é vista, mas na qual o coração confia; fiel é o que promete; ele
nunca mente.
55) Mas vejo que aqui mesmo tenho sido exaltado sobremodo pelo Senhor, eu não era
digno de que ele me concedesse isso, porquanto eu sei com certeza que a pobreza
e a calamidade se adequariam melhor a mim do que a riqueza e o deleite
(mas Cristo o Senhor se fez pobre por nós) eu realmente miserável e
infeliz sou e mesmo que quisesse a riqueza não posso, nem é este meu
próprio juízo; porque cotidianamente espero ser morto, traído ou
reduzido à servidão se a ocasião surgir, mas nada temo por causa das promessas
celestiais, porque me lancei nas mãos de Deus onipotente, que reina para
todo o sempre, assim como diz o profeta: “lançai a sua carga sobre Deus e
ele vos sustentará”.
56) Eis que agora recomendo minha alma ao meu fidelíssimo Deus, por quem cumpro
a minha missão apesar da minha insignificância, mas porque ele não faz acepção
de pessoas e me escolheu para esta obra para que eu fosse um dos menores
de seus ministros.
57) Por esta razão eu devo retribuí-los por tudo que ele me tem retribuído. Mas
o que deveria dizer ou prometer ao meu Senhor, só tenho aquilo que ele
próprio me concedeu? Mas deixe que ele sonde meu coração e minhas
entranhas porque almejo muito por isso, demasiadamente até, e estou pronto
para que ele me conceda beber do seu cálice, assim como concedeu a outros
que o amaram.
58) Pela vontade do meu Deus, que eu jamais seja separado do seu povo que ele ganhou
nos lugares mais remotos da terra. Eu oro a Deus para que ele me dê
perseverança e que ele me conceda ser uma fiel testemunha por amor a ele
desde agora até o tempo da minha passagem ao meu Deus.
59) E se em qualquer momento fiz algo bom por amor ao meu Deus, a quem amo, imploro
que ele me conceda, derramar meu sangue pelo seu nome, junto com os convertidos
e cativos, seja mesmo eu insepulto ou meu cadáver miserável seja partido
membro a membro pelos cães ou pelas feras selvagens, ou ainda devorado
pelos pássaros do céu. Certamente penso que se isso ocorresse a mim, eu
ganharia como recompensa minha alma e meu corpo, porque além de qualquer
dúvida naquele dia ressuscitaremos na claridade do sol, isto é, na glória
de Cristo nosso redentor, como filhos do Deus vivo e co-herdeiros de Cristo,
destinados a ser conforme a sua imagem, porque através dele, por ele e
nele, reinaremos.
60) Pois o sol que vemos nasce todos os dias para nós sob seu comando, mas
nunca governará e nem irá durar o seu esplendor, mas antes todos os que o
adoram irão desgraçadamente a punição; mas nós que acreditamos e adoramos
o verdadeiro sol, Cristo, que nunca morrerá, nem aquele que fizer a sua
vontade, mas permanecerá para sempre exatamente como Cristo permanece para
eternamente, e que reina com Deus pai todo poderoso e com o Espírito Santo
antes do começo dos tempos e agora e para sempre. Amém.
61) Eis que reiteradamente tenho relatado as palavras da minha confissão. Eu testifico
na verdade e na exultação do meu coração perante Deus e seus santos anjos que
tive apenas um motivo, o evangelho e suas promessas, para voltar àquela
nação, da qual havia previamente escapado com dificuldade.
62) Mas eu imploro aos que crêem e temem a Deus, que se dignem a examinar, bem
como receber este texto composto pelo pecador Patrício, indouto, escrito na
Irlanda, que ninguém jamais atribua a minha ignorância, qualquer coisa
insignificante que eu possa ter exposto segundo agrado de Deus, mas aceite
e verdadeiramente acredite que isso foi um dom de Deus. Esta é a minha
confissão antes de morrer.
SEGUNDO LIVRO: CARTA AOS SOLDADOS DE COROTICUS
1. Eu Patrício, um pecador verdadeiramente ignorante, residente na Irlanda, me declaro um
bispo. Eu estou Certíssimo de que recebi de Deus isto que sou. E assim vivo
entre bárbaros, um estrangeiro e fugitivo pelo amor de Deus. Ele mesmo é
testemunha de que assim o é. Não que eu desejasse pronunciar de minha boca
palavras tão duras e tão ásperas; mas sou
constrangido pelo zelo de Deus, e sou levado a fazê-lo pela verdade em Cristo,
por causa do amor dos meus próximos e também dos meus filhos, pelos quais
abandonei minha pátria, minha família e minha própria vida até o ponto da
morte. Se sou digno, eu vivo por meu Deus, para ensinar aos gentis, ainda
que seja desprezado por alguns.
2. Com minha mão eu escrevi e também formulei estas palavras para serem dadas, transmitidas
e enviadas aos soldados de Coroticus. Eu não falo aos meus concidadãos, nem aos
cidadãos dos santos romanos, mas aos cidadãos dos demônios, por causa de suas
próprias obras más. Assim como os inimigos, eles vivem na morte,
associados aos Scotos e aos apóstatas Pictos ensangüentados com o sangue
que despojam de cristãos inocentes, aos quais em grande número gerei para
Deus e os confirmei em Cristo.
3. No dia seguinte ao que os neófitos receberam a unção em vestes brancas, – o
perfume ainda podia ser sentido em suas testas quando foram assassinados e
massacrados à espada pelas pessoas supracitadas – Eu enviei uma carta ao
santo presbítero a quem eu institui desde a infância, com clérigos,
pedindo que nos deixasse ter um pouco de suas prezas bem como
dos batizados que tinham capturado: eles apenas escarneceram deles.
4. Por este motivo, eu não sei o que lamentar mais: aqueles que foram
assassinados, os que foram capturados, ou aqueles que violentamente o
demônio enlaçou. Assim como eles, serão escravizados no inferno numa pena
eterna, porque todo aquele que comete pecado é um escravo e será chamado
filho do diabo.
5. Portanto, que todo homem temente a Deus saiba que eles são estranhos para
mim e para o Cristo meu Deus, de quem sou embaixador. Parricidas!
Fratricidas! Lobos vorazes que devoram o povo do Senhor como se fosse pão,
como é dito: os iníquos destroem a tua lei, oh Senhor, a qual nos últimos
tempos ele plantou na Irlanda bondosamente e com excelência e
que foi organizada pela graça de Deus.
6. Não sou um usurpador. Eu compartilho com aqueles que foram chamados e predestinados
para pregar o evangelho em meio a graves perseguições até os confins da terra, ainda
que o inimigo manifeste sua inveja através da tirania de Coroticus, que não
teme a Deus e nem os seus sacerdotes, aos quais ele delegou, dando-lhes o
mais alto, divino e sublime
poder, para que o que ligarem na terra seja ligado no céu.
7. Por este motivo, então, eu procuro veementemente, santos e humildes de
coração, não é lícito adular tais pessoas, nem comer, nem beber com eles,
nem receber suas esmolas até que tenham oferecido rigorosa penitência.
Derramado bastante lágrimas a Deus, colocando em liberdade os servos de
Deus e os criados batizados de Cristo, por quem ele morreu e foi crucificado.
8. O Altíssimo reprova as ofertas dos iníquos. Aquele que oferece um sacrifício
dos bens dos pobres é como aquele que imola um filho na presença de seu
pai. Está escrito: As riquezas acumuladas injustamente serão vomitadas do
seu ventre, o anjo da morte o afasta, será atormentado pela ira dos
dragões, a língua da serpente o matará, será consumido pelo fogo inextinguível.
Por este motivo : Aí daqueles que ficarem repletos de coisas que não são suas, bem
como: De que adianta ao homem ganhar o mundo todo e perder a sua alma?
9. Seria demasiado longo discutir tudo e apresentar em detalhes, recolhendo da
lei testemunha contra tal cobiça. A avareza é um pecado mortal. Não
cobices os bens do teu próximo. Não matarás. Um homicida não pode estar
com Cristo. Aquele que odeia seu irmão é taxado como homicida. Bem: aquele
que não ama seu irmão prevalece na morte. Quão
maior culpado é aquele que maculou suas mãos com o sangue dos filos de Deus, os
quais recentemente adquiriu dos confins da terra graças a exortação de
nossa pequenez?
10. Acaso eu vim para Irlanda sem Deus ou segundo a Carne? Quem me compeliu? Eu estou
ligado ao espírito para não ver nenhum dos meus parentes. Acaso procede de mim
ter misericórdia por um povo que outrora me fez cativo e me lançou fora,
junto com os servos e criador da casa de meu pai? Eu nasci livre segundo a
carne, sou nascido de pai decurião. Mas
vendi minha nobre posição - Não tenho vergonha e nem me arrependo - por causa
dos bens alheios, porque sou servo em Cristo a uma nação estrangeira, para
a glória inefável da vida eterna que está em Jesus cristo nosso Senhor.
11. E se os meus não me conhecem, um profeta não tem honra em sua pátria.
Talvez não sejamos oriundos do mesmo aprisco e nem tenhamos o mesmo Deus
como pai, assim como está escrito: quem não é por mim é contra mim, e quem
comigo não ajunta, espalha. Não convém que um edifique e o outro destrua.
Não busco meus próprios interesses, não por mim, mas por Deus que tem dado
esta tranquilidade ao meu coração, para que seja um de seus caçadores e
pescadores, os quais Deus outrora anunciou que viriam nos últimos dias.
12. Sou odiado. Que devo fazer, oh Senhor? Sou muito desprezado. Eis as suas
ovelhas ao meu redor, elas são dizimadas e afugentadas por ladrões, estes
que citei mais acima, enviados por ordem do Hostil Coroticus. Longe do
amor de Deus, ele entrega os cristãos nas mãos dos Scotos e dos Pictos.
Lobos vorazes que tem devorado o rebanho do Senhor, o qual na Irlanda
estava crescendo excelentemente com o maior cuidado; e os filhos dos Scotos e
filhas dos pequenos reis que eram monges e virgens de Cristo, que não
posso enumerar. Não se alegre, pois, com a injúria cometida aos justos;
pois até mesmo o inferno não se alegra.
13. Qual dos santos não sentiria horror em alegrar-se ou desfrutar de uma
convivência desta natureza? Eles têm enchido suas casas com os despojos de
cristãos mortos, eles vivem da rapina. Os miseráveis não sabem que o
alimento que oferecem aos amigos e filhos seus é um veneno mortal, assim
como Eva compreendeu que era morte o que ela deu ao seu marido.
Assim são todos os que fazem o mal: recebem a morte eterna como pena.
14. Este é o costume dos cristãos Galo-Romanos: Enviam homens santos e idôneos
aos Francos e outros povos com milhares de Solidus para resgatar os batizados
cativos. Você prefere matar e vendê-los a povos estrangeiros que não
conhecem a Deus. Engana os membros de Cristo como se estivessem em um
lupanar. Que esperança tens em Deus, ou quem pensa como você ou conversa
com você com palavras de bajulação? Deus julgará. Pois as escrituras
dizem: Serão condenados não somente aqueles que fazem o mal, mas também aqueles
que consentem com ele.
15. Eu não sei o que dizer e nem o que falar mais dos filhos de Deus que foram
mortos, os quais a espada tão severamente atingiu. Pois está escrito:
chorai com os que choram e ainda: se um membro sofre, que todos os membros
sofram com ele. Por isso, a Igreja chora e lamenta os seus filhos e filhas
que ainda a espada não assassinou, mas que foram removidos e
levados a terras distantes, onde o pecado abunda gravemente, manifestadamente e dascaradamente.
Lá homens inocentes são vendidos, cristãos são reduzidos à escravidão, principalmente
aos mais indignos e abomináveis: os apóstatas pictos.
16. Por isso, levanto a minha voz com tristeza e aflição: oh! Amados e belos
irmãos e filhos que em Cristo gerei, tantos que não posso enumerar, o que
posso fazer por vós? Não sou digno de obter ajuda nem de Deus e nem dos
homens. A iniquidade dos inimigos prevaleceu sobre nós. Fomos feitos como
que estrangeiros. Talvez eles não acreditem que recebemos um e o mesmo
batismo e que temos um e o mesmo pai. Para eles é indigno que
sejamos irlandeses. Assim como é dito: Não tendes vós nenhum Deus? Por que cada
um de vocês desampara seu próximo?
17. Por esta razão me aflijo por vós, eu sofro, meus amados, mas por outro
lado, lá no fundo eu me alegro: eu não trabalhei em vão e minha
peregrinação não foi inútil. E se este crime tão horrendo, indescritível,
aconteceu, graças sejam dadas a Deus, crentes batizados, pois foram
retirados do mundo para o paraíso. Vejo-vos assim: peregrinaram para onde não haverá
mais noite, nem choro e nem morte, mas se exultarão como bezerros que se
libertaram de seus entraves e esmagarão os iníquos e eles serão como
cinzas debaixo de vossos pés.
18. Vocês então reinarão junto com os apóstolos e profetas e também os
mártires. Vocês tomarão posse de um reino eterno, assim como ele mesmo
disse: virão do oriente e do ocidente e sentar-se-ão a mesa com Abraão,
Isaque e Jacó no reino dos céus. De fora ficarão os cães, os feiticeiros e
os homicidas e: Aos mentirosos e aos que dão falso testemunho estarão
reservadas suas partes no lago de fogo eterno. Não é sem razão que o apóstolo
disse: se o justo foi salvo penosamente, onde se encontrarão os pecador e
o ímpio transgressor da lei?
19. Onde então Coroticus com seus infames criminosos, rebeldes contra Cristo,
onde se verão? Aqueles que distribuíram jovens mulheres batizadas como
prêmios por um reino temporal miserável que em um momento passa? Como
nuvens e fumaça que o vento espalha, assim os pecadores fraudulentos
perecerão ante a face do Senhor; os justos, porém,
participarão de um grande banquete em grande perseverança com Cristo, eles
julgarão as nações e dominarão sobre os reis iníquos pelos séculos dos
séculos. Amém.
20. Eu testifico perante Deus e seus anjos que assim será, como ele me fez
compreender minha ignorância. Não são as minhas palavras, mas as de Deus,
dos apóstolos e a dos profetas, que nunca mentem, que eu tenho colocado em
latim. Aquele que crer será salvo, mas aquele que não crer será condenado.
Disse Deus.
21. Eu peço veementemente a qualquer um que seja um servo de Deus disposto a
ser um portador desta carta que nada dela seja suprimido ou escondido por
ninguém, mas ao contrário, seja lida na presença de todo mundo e na
presença do próprio Coroticus. Que Deus possa inspirá-los para que, em
algum momento, possam recuperar a razão perante Deus, bem como, mesmo
tarde, arrepender-se de seus ímpios atos – homicidas dos irmãos do Senhor – e liberar
as batizadas cativas que outrora foram feitas prisioneiras, para que possam
merecer viver para Deus e sejam feitos íntegros aqui e na eternidade! A
paz do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Amém.