(Revista
Catolicismo - Novembro
de 2006
)
Os
500 anos da Guarda
Suíça Pontifícia atestam
sua inquebrantável fidelidade à Igreja; sua dedicação levada ao
heroísmo; sua disposição de derramar o sangue, quando necessário,
em defesa do Soberano Pontífice.
Paulo
Roberto Campos
Coragem
e Fidelidade (Acriter
et Fideliter) é o lema da Guarda
Suíça Pontifícia.
Neste ano ela completou seus 5 séculos de fidelidade à Santa Sé,
corajosamente servindo como o braço armado e guarda de honra dos
sucessores de São Pedro.
Essa
multissecular corporação militar foi criada em Roma pelo Papa Júlio
II (1503–1513), em 22 de janeiro de 1506. Ocasião em que, depois
de longas negociações, o primeiro destacamento de jovens suíços —
constituído de 150 valorosos guerreiros considerados os melhores da
época — entrava na Cidade Eterna, a fim de formar a guarnição
papal, sob o comando de Kaspar von Silenen.
Respondendo
a uma eventual objeção
Inicialmente,
poder-se-ia perguntar: que necessidade teria a Santa Sé de
preocupar-se com questões temporais e de defesa militar?
Em
todos os tempos, o vagalhão do ódio anticatólico investiu contra a
Igreja, tentando destruir essa instituição divina. Em particular
contra o sucessor de Pedro, o Papa. Nada mais normal, portanto, do
que terem os Papas à sua disposição meios eficazes de defesa
contra tal vagalhão, seguindo o conselho de Nosso Senhor: “Eis
que eu vos envio como ovelhas no meio de lobos. Por isso, sêde
prudentes como as serpentes, e simples como as pombas” (Mt
10, 16).
Esses
meios de defesa tornaram-se ainda mais necessários a partir do
surgimento do fenômeno revolucionário, que já ia avançado no
século XVI, época em que foi criada a Guarda
Suíça Pontifícia.
Alguns fatos históricos, adiante mencionados, comprovam como os
inimigos da Santa Igreja investiram contra Ela, invadiram e se
apossaram de seus territórios e puseram em risco a vida do Papa.
Ademais,
como qualquer chefe de Estado soberano, o Papa tinha o direito e o
dever de constituir, dentro dos Estados
Pontifícios, seus
próprios destacamentos regulares. Compreende-se por Estados
Pontifícios ou Estados
da Igreja o
conglomerado de territórios — basicamente situados no centro da
Península Itálica — cuja capital foi Roma. Tal conglomerado
manteve-se entre os anos 750 e 1870 como Estado independente,
diretamente subordinado à autoridade temporal dos Papas, chefes
supremos da Igreja.
Assim
sendo, para auxiliar também a manutenção do poder temporal da
Igreja, foram instituídos, além da Guarda
Suíça Pontifícia,
outros três corpos militares a serviço da Santa Sé: a Guarda
Nobre,
a Gendarmeria
Pontifícia e
a Guarda
Palatina de Honra. Essas
três corporações pontifícias foram abolidas (Vide quadro abaixo).
Os
três Corpos Militares Pontifícios que foram abolidos
Guarda
Nobre Pontifícia
Gendarmeria
Pontifícia
Guarda
Palatina de Honra
Das
Guardas Pontifícias, a única ainda hoje existente é a Guarda
Suíça.
Mas a Santa Sé chegou a ter à sua disposição três outras
guardas, que a ela e à pessoa do Papa prestaram grandes serviços:
a Guarda
Nobre Pontifícia, a Gendarmeria
Pontifícia e
a Guarda
Palatina de Honra. Infelizmente
tais corporações militares foram extintas.
Guarda
Nobre Pontifícia
Guarda Nobre |
Criada
em 1801 pelo Papa Pio VII, era composta de jovens das primeiras
famílias de Roma. Teve sua origem nos antigos cavallegeri e
nos lancie
spezzate (fiéis
cavaleiros que gratuitamente, desde o século XVI, já prestavam
serviços à Santa Sé). Foi desfeita por ocasião da prisão de Pio
VII pelas tropas napoleônicas, e reconstituída com o retorno a Roma
daquele Pontífice.
Juntamente
com os guardas-suíços, os cavaleiros da Guarda
Nobre atuaram
brilhantemente na defesa dos sucessores de São Pedro, sobretudo nas
épocas das várias invasões aos Territórios Pontifícios. Esse
Corpo Militar de fidalgos italianos deu inúmeras provas de valor e
adesão à Sé Apostólica.
Gendarmeria
Pontifícia
Gendameria Pontifícia |
Sua
existência remonta a 1816, com o nome de Carabinieri
Pontifici, mas
sua fundação ocorreu oficialmente em 1849 — após a retirada de
Roma das tropas republicanas —, no reinado do Bem-aventurado Pio
IX. A Gendarmeria era
a força executora das leis e ordens da administração civil e
criminal. Ademais, prestava serviço de manutenção da ordem
pública. Ela se honra de ter descoberto todas as conspirações que
durante decênios se organizaram contra o poder temporal do Papado.
Seus membros eram voluntários, recrutados entre os habitantes dos
Estados da Igreja que desejavam prestar serviço ao Papa. Por ocasião
dos ataques perpetrados pelos garibaldinos,
a Gendarmeria soube
eficazmente combatê-los.
Guarda
Palatina de Honra
Criada
em 1850 por decreto do Bem-aventurado Pio IX. Seus membros eram
recrutados entre a nobreza e a burguesia. Nas várias revoluções
que conturbaram o Pontificado daquele grande Papa, a Guarda
Palatina destacou-se,
tomando armas na proteção da pessoa do Sumo Pontífice e de seus
Estados, bem como dos Palácios Apostólicos.
“Muralha
móvel” em defesa da Cristandade
Trataremos
aqui apenas da única ainda hoje existente: a Guarda
Suíça Pontifícia.
Isto em razão das diversas comemorações realizadas neste ano para
recordar seu quinto centenário.
A
serviço da Santa Sé, a Guarda Suíça tem como primeiro dever
garantir a segurança do Sumo Pontífice. Mas também cabe a ela o
nobre encargo de acompanhar Sua Santidade em audiências públicas;
de proteger os palácios apostólicos; de ser a sentinela do Vaticano
e participar de diversas cerimônias, colaborando assim com o
esplendor devido à Corte Pontifícia.
Em
nossos dias, o contingente da Guarda Suíça, o menor exército do
mundo, é composto por apenas 110 homens — 4 oficiais (coronel,
tenente coronel, major e capitão), 1 capelão, 26 suboficiais e 79
soldados. São poucos, mas perpetuam seus tradicionais encargos. Seus
passos ecoam por uma multissecular história de fidelidade à Sé
Apostólica. Devido a tal dedicação, entre outros títulos, eles
ficaram registrados na História como “intrépidos guerreiros”,
“guardas do papado”, “muralha móvel” em defesa da
Cristandade, “armadura” da Santa Igreja.
Suíça:
encantos, horrores e um povo de guerreiros
Papa Júlio II |
Tácito,
grande historiador latino, escreveu: “Os helvéticos
são um povo de guerreiros, célebre pelo valor de seus soldados”. Os
guardas-suíços corresponderam a esse elogio. Em 1512, pela bravura
demonstrada na defesa da Cidade Eterna, receberam do Papa Júlio II o
título de Defensores da Liberdade da Igreja.
Nesse sentido, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira considerava que o
povo suíço foi destinado por Deus para uma missão histórica muito
alta: a de defensores da Civilização Cristã. Ele descreveu tal
missão como tendo muita consonância com as belezas naturais da
Suíça e contrastando com os horrores disseminados por seitas
protestantes naquele país (Vide quadro abaixo).
A
grande vocação do povo suíço
A
Suíça sempre me pareceu uma nação especialmente destinada pela
Providência para prestar grande serviço a Nossa Senhora. Toda a
atmosfera física, os lagos, as montanhas, as neves, os precipícios,
tudo fala a respeito de uma natureza cheia de candura, de bondade e
também de força.
Não
se diria entretanto que camponeses como aqueles — de olhos azuis
profundos como a cor dos lagos junho aos quais eles nasceram, olhos
que falam de reflexão, de meditação, de paz — haveriam de
praticar os horrores que praticaram. Um exemplo disso foi Zwinglio —
o Calvino suíço, que espalhou sua seita por todo o país —, um
dos protestantes mais furibundamente anticatólico.
Mas
também é verdade que daquelas atmosferas pacíficas têm partido,
para a história da Suíça e da Civilização Cristã, guerreiros de
primeira ordem. Se levarmos em consideração os suíços que
defenderam Luís XVI e Maria Antonieta contra os revolucionários de
1789, vê-se bem até que ponto eles eram heróicos e estavam
dispostos a defender a Civilização Cristã.
Maria Antonieta rainha da França |
Por
fim, a vocação dos suíços de serem os guardas pontifícios. Ou
seja, terem a honra de fornecer normalmente uma guarda para o Papado,
missão que continua até nossos dias.
Tudo
isso tem muito significado, uma beleza e um valor que contrasta com a
hediondez do protestantismo, da heresia e de outros horrores que na
Suíça se passaram. Fica-se com a idéia de que a Suíça é uma
nação que teve uma grande vocação, chamada por Deus muito
especialmente para um papel histórico privilegiado.
- Excertos
de conferência proferida por Plinio Corrêa de Oliveira,em 26-4-95
Condições
necessárias para militar na Guarda Suíça
Atualmente,
para alguém ingressar na Guarda
Suíça Pontifícia se
requerem algumas condições, além da exigência de ser varão de
cidadania suíça: ser católico apostólico romano; gozar de
reputação irrepreensível; celibatário (nos dois primeiros anos de
serviço na corporação); ter entre 19 e 30 anos; possuir robusta
constituição física, com altura mínima de 1,74m; ter prestado
serviço militar, haver terminado o curso colegial e apresentar
formação profissional.
O
serviço na Guarda Suíça perdura por dois anos, com possibilidade
de renovação e promoção, até um máximo de 20 anos de atividade.
Princípio
muito contrário ao progressismo católico
O
multicolorido uniforme — com as cores azul, vermelho e amarelo —
da Guarda
Suíça Pontifícia foi
desenhado pelo célebre artista Michelangelo (1475–1564). Apesar de
ser uma indumentária renascentista, tem alguma reminiscência
medieval, como o refulgente elmo, a couraça e a espada, além da
aguçada e cintilante alabarda, que é portada em certas ocasiões.
Comparando esse esplendoroso traje militar do século XVI com as
fardas modernas, nota-se como estas são monótonas e pardacentas —
uma voluntária renúncia à beleza.
Certamente
esse traje da Guarda
Suíça Pontifícia é
o uniforme militar, ainda em vigor, mais antigo e mais fotografado do
mundo. Tanto os oficiais como os guardas têm um uniforme de grande
gala, outro de meia gala e outro de serviço ordinário. Mas os três
atraem a atenção pela harmonia do colorido. Não há quem, em
viagem à “Bella
Itália”, visitando
o Vaticano, não procure tirar uma foto junto a um guarda-suíço. O
Prof. Plinio Corrêa de Oliveira fez o seguinte comentário sobre
esse uniforme: “Tudo
nele lembra o esplendor das antigas cortes, a alegria e a doçura de
viver que eram inerentes ao Ancien
Régime. Qual
o tipo de alegria que exprime esse uniforme? É uma alegria que não
tem nada de sensual. É a alegria de ser soldado, de combater e de
ser dedicado ao Papa. Ele simboliza um princípio muito contrário ao
progressismo católico, que é o princípio da força a serviço do
Papado”.
Comemorações
no 5º Centenário da Guarda Suíça
Kaspar con Silenen |
Ao
longo deste ano, com a finalidade de celebrar os 500 anos da
empolgante, árdua e gloriosa epopéia da Guarda
Suíça Pontifícia,
várias cerimônias foram realizadas em Roma e em diversos cantões
suíços. Houve exposições, concertos musicais, encontros, atos
culturais, lançamentos de livros, medalhas e selos comemorativos.
Realizou-se até uma caminhada de 723 quilômetros, que repetiu a
mesma histórica marcha dos primeiros Gwardiknechte —
nome
original dos guardas no Renascimento — comandados por Kaspar von
Silenen, que partiram de Bellinzona (capital do cantão suíço
Tesino), marcharam até Roma e entraram pela primeira vez no
Vaticano. De 7 de abril a 4 de maio do presente ano, o itinerário
foi percorrido a pé por antigos guardas-suíços e jovens convidados
para a “marcha comemorativa”. Ela foi dividida em 26 paradas ao
longo do antigo caminho dos peregrinos que chegavam a Roma pela Via
Francigena.
Elmar Theodor Mäder |
Chegando
à Cidade Eterna, os participantes dessa grande marcha foram
acolhidos por autoridades. E o ex-comandante da Guarda Suíça Pius
Segmüller, que guiou a “marcha comemorativa”, entregou a
bandeira da corporação ao atual comandante Elmar Theodor Mäder. Em
seguida, precedidos por um destacamento de honra da Guarda Suíça,
dirigiram-se à Praça de São Pedro, onde os esperavam
representantes das Forças Armas Italianas. Nesta ocasião o Papa
Bento XVI pronunciou uma saudação aos guardas, relembrando a grande
generosidade dos 147 guardas-suíços (do total de 189) que, em 6 de
maio de 1527, durante o Saque
de Roma (vide
p. 33), lutaram e morreram para salvar o Sumo Pontífice então
reinante, o Papa Clemente VII (1523–1534)
Juramento
de fidelidade dos novos recrutas
Papa Clemente VII |
Em
memória desse épico sacrifício dos guardas-suíços, no dia 6 de
maio de cada ano novos recrutas prestam solene juramento de
fidelidade à Santíssima Trindade e ao Papa. Naquele longínquo 6 de
maio de 1527, esse dia significou morte; em 2006, significou vida,
pois novos membros da Guarda Suíça foram admitidos para servir à
mesma nobre causa de seus antecessores.
Normalmente,
a bela e marcial cerimônia de juramento de fidelidade realiza-se no
Pátio de São Dâmaso do Palácio Apostólico. Mas neste ano o
solene evento efetuou-se publicamente na Praça de São Pedro, para
encanto dos milhares de peregrinos e admiradores que ali chegaram
provenientes de diversas nações. Presentes ao ato, representantes
diplomáticos e autoridades da Cúria Romana e da Suíça, inclusive
o presidente helvético Mortz Leuenberger, que na ocasião
declarou: “A
Guarda Suíça é o exército menor do mundo, mas ao mesmo tempo, o
serviço de segurança mais eficiente”.
Trajeto de Bellinzona até Roma |
Os
militares da Guarda Suíça Pontifícia,
desde o comandante até os alabardeiros, entraram com o uniforme de
grande gala, marchando ao som de sua excepcional fanfarra sob o
aplauso da multidão. Em seguida, o capelão da Guarda fez leitura do
texto do juramento de fidelidade (vide quadro abaixo), e cada um dos
33 novos recrutas foi chamado nominalmente. Ao ser chamado, o neófito
rompe o passo; depois, segurando firmemente com a mão esquerda a
bandeira da Guarda Suíça e tendo os três dedos da mão direita
levantados (como na foto ao lado), para simbolizar a Santíssima
Trindade, confirma e jura: “Eu...[nome]... juro
servir com fidelidade, lealdade e honra tudo o que foi aqui lido
presentemente. Que Deus e nossos Santos patronos me assistam”. Em
particular, o novo membro da Guarda Suíça invoca os santos patronos
da corporação: São Martinho, São Sebastião e São Nicolau de
Flue.
Juramento
de Fidelidade
“Juro
servir com fidelidade, lealdade e honra o Supremo Pontífice e os
seus legítimos sucessores, e dedicar-me a eles com todas as minhas
forças, sacrificando inclusive, se necessário, a minha própria
vida para defendê-los. Assumo igualmente este compromisso
relativamente ao Sacro Colégio dos Cardeais durante o tempo da Sé
vacante. Prometo ainda ao Capitão Comandante e aos outros meus
superiores respeito, fidelidade e obediência. Juro observar
tudo
aquilo que a honra da minha posição exige de mim.
Bandeira da Guarda Suiça |
Que
Deus e nossos santos patronos me assistam”.
Os
corajosos guardas resistentes ao Saque de Roma
Imperador Carlos V |
Da
secular história da Guarda
Suíça Pontifícia,
alguns fatos marcantes e gloriosos revelam o quanto ela agiu
com “fidelidade,
lealdade e honra”, correspondendo
assim ao juramento solenemente prestado.
Se
22 de janeiro de 1506 é a data de nascimento da Guarda Suíça, a
data do seu “batismo
de fogo” é
considerada o dia 6 de maio de 1527. Data em que, durante o Saque
de Roma —
perpetrado por tropas alemãs, juntamente com mercenários franceses
e espanhóis, na maioria luteranos, a soldo do imperador Carlos V (do
Sacro Império) —, os heróicos guardas escreveram com sangue uma
das mais belas páginas de sua história.
Desenho do tipo de soldados alemães que participaram do saque de Roma |
Roma
encontrava-se invadida pelo exército imperial, com aproximadamente
18 mil homens. Após terem saqueado a Cidade Eterna e praticado
enormes destruições por onde passavam, chegaram à Praça de São
Pedro. Os guardas-suíços, postados diante da Basílica e depois em
seu interior, junto aos degraus do altar-mor, enfrentaram 1000
invasores. Resistiram corajosamente, mas perderam 147 homens
massacrados juntamente com seu comandante Kaspar Röist. Eles
testemunharam com sangue o juramento de fidelidade feito aos Romanos
Pontífices. Em contrapartida, 800 dos 1000 mercenários invasores
caíram mortos pelas alabardas dos aguerridos suíços.
Graças
a essa heróica resistência pôde o Papa Clemente VII escapar por
uma passagem secreta — o célebre passetto,
construído por Alexandre VI (1492–1503), que liga o Palácio
Apostólico ao Castelo de Sant'Angelo às margens do Tibre —,
ficando em seguro refúgio na fortaleza.
O Saque de Roma - Francisco Javier Amérigo (séc XIX) - Museu do Prado, Madri |
De
toda a Guarda Suíça somente 42 membros sobreviveram. Faziam parte
daqueles que formaram um cinturão de segurança em torno de Clemente
VII, bem como
da escolta de alguns cardeais, também refugiados naquela fortaleza.
Além
de invadir o Vaticano, a horda saqueou durante oito dias bens
preciosos; destruiu relíquias e obras de arte; cometeu toda sorte de
sacrilégios e profanou até sepulturas de Papas. Diante do Castelo
de Sant´Angelo, os invasores protestantes encenaram uma paródia de
procissão religiosa; bradaram vivas a “Lutherus
pontifex” e
ao Imperador Carlos V; num precioso afresco representando o
Santíssimo Sacramento, escreveram à ponta de espada o nome do
miserável apóstata Lutero. A afirmação do Prior dos cônegos de
Santo Agostinho resume os atos de vandalismo: “Mali
fuere Germani, pejores Itali, Hispani vero pessimi” (Os
alemães foram maus, os italianos piores, e os espanhóis péssimos).
*
* *
O
pequeno exército do papado só pôde ser reconstituído 21 anos
depois do Saque
de Roma,
no Pontificado de Paulo III (1534–1549). Em 1568, São Pio V
(1566-1572) ordenou a construção, dentro da área dos quartéis do
Vaticano, da Igreja de São Martinho e São Sebastião, patronos da
Guarda Suíça. Durante o glorioso pontificado de São Pio V, um
destacamento da Guarda Suíça recebeu a missão de combater em
defesa da Cristandade ameaçada pelos turcos muçulmanos em Lepanto.
Na batalha naval, travada em 7 de outubro de 1571, tal destacamento
teve a glória de arrebatar duas bandeiras ao inimigo islâmico.
Na
França, homenagem à fidelidade e à coragem dos suíços
Outro
destacamento de guardas-suíços deu provas de heroísmo e
fidelidade. Desta vez, não ao governo monárquico da Igreja, mas à
monarquia francesa; não em defesa do altar, mas na defesa do trono.
No dia 10 de agosto de 1792, os guardas-suíços do rei Luís XVI
enfrentaram em Paris uma turba de facínoras arregimentados pelos
revolucionários. Frente a uma iminente invasão do palácio real das
Tulherias por parte da populaça constituída de sans-culottes, Luís
XVI, titubeante e sem tomar uma decisão clara, ordenou que os
guardas entregassem as armas, mas continuassem em seus postos. O
palácio foi tomado de assalto e mais de 700 suíços foram
massacrados pela populaça revolucionária.
A Tomada do Palácio das Tulheiras. Em 10 de agosto de 1792. a multidão revolucionária invadiu o palácio e massacrou a Guarda Suíça do Rei da França |
Em
homenagem a esses destemidos militares, erigiu-se em Lucerna (Suíça)
um evocativo monumento, o “Leão de Lucerna” (foto ao lado), a
fim de perpetuar o fato histórico transcorrido nas Tulherias. Um
leão ferido de morte, mas protegendo o brasão francês com a
flor-de-lis. O leão — símbolo da bravura, da força e da lealdade
— serviu para representar o trágico acontecimento: a luta e a
morte. Tendo o coração varado por uma lança, o leão continua até
o fim defendendo o glorioso brasão.
Magnífica
homenagem da República suíça aos que morreram em defesa da
Monarquia francesa, por fidelidade incondicional a um rei legítimo!
Foi levantado a pedido de companheiros e familiares dos
guardas-suíços chacinados no assalto às Tulherias. A idéia de
utilizar um leão agonizante foi do Coronel Karl Pfyffer von
Altishofen, oficial que escapou daquele massacre. O modelo é obra do
famoso escultor Bertel Thorwaldsen (1770–1844) e foi talhado no
rochedo em 1820, pelo escultor Lukas Ahorn.
No
alto da lápide, os dizeres Helvetiorum
fide ac virtute (À
fidelidade e à bravura dos suíços). Na parte de baixo estão
gravados, ad perpetuam
rei memoriam, os
nomes dos 26 oficiais que, fiéis à realeza francesa, tombaram
vítimas da sanha revolucionária.
A
Guarda Suíça no longo e atribulado pontificado de Pio VI
Papa Pio VI |
Em
outro período trágico na História da Igreja, a gloriosa guarnição
papal foi novamente dissolvida. Impulsionadas pelos ventos do
espírito igualitário da Revolução Francesa, as tropas de Napoleão
Bonaparte invadiram a Itália. Depois de terem despojado e profanado
os mais venerandos santuários, entraram em Roma em 1798. Os
comissários franceses declararam sacrilegamente a destituição do
Papa Pio VI (1775–1799) e aprisionaram o Sumo Pontífice. Apesar de
sua avançada idade de 80 anos, foi arrastado para o exílio e não
mais retornou a Roma. Em Valence (cidade francesa junto ao Ródano)
entregou sua alma a Deus no dia 24 de agosto de 1799, após um
atribulado e longo pontificado de 24 anos e meio.
Napoleão Bonaparte, que teve a ousadia de prender Pio VII |
Também
muitos membros do Sacro Colégio dos Cardeais foram encarcerados ou
exilados. Com a ocupação da Cidade Eterna, os chefes
revolucionários roubaram preciosas obras e raros livros da
biblioteca do Palácio Apostólico, vendidos posteriormente a preço
vil. Confiscaram as armas e os cavalos daGuarda
Suíça Pontifícia, dispersa
e substituída por uma guarnição francesa.
A
Guarda Suíça na tomada de posse de Pio VII
O Papa Pio VII |
No
ano seguinte à morte de Pio VI, o exército austríaco atacou os
republicanos franceses e os expulsou de Roma. Postos em liberdade, os
cardeais reuniram-se em Veneza e elegeram para o Trono de São Pedro
o Cardeal Chiaramonte, que tomou o nome de Pio VII (1800–1823).
Assim, o novo Papa pôde entrar em Roma, onde foi recebido
triunfalmente pelo povo.
Na
posse do governo temporal da Igreja, Pio VII reconstituiu a Guarda
Suíça Pontifícia, mas
apenas com um pequeno contingente de 64 soldados. Foi novamente
dissolvida em 1809, por ordem do sempre malfazejo Napoleão. Naquele
ano, tropas napoleônicas novamente invadiram Roma e levaram
prisioneiro o Papa.
Pio VII sendo levado prisioneiro para a França |
Esse
período de dispersão da Guarda Suíça durou pouco, sendo
reconstituída em 1814 com a libertação de Pio VII. Em 24 de maio
daquele ano, o Papa retornou solenemente a Roma. Uma multidão de
fiéis o acolheu com enorme júbilo, com festejos ainda maiores do
que os prestados aos antigos imperadores romanos.
São
João Bosco escreveu na sua obra História
Eclesiástica uma
sentença lapidar: “A
História nos demonstra claramente que favorecer a religião é o
princípio da grandeza dos soberanos, e persegui-la é causa de
ruína”.
Napoleão,
no apogeu de seu poder, ao saber que Pio VII queria excomungá-lo por
causa de sua brutal perseguição à Igreja Católica, comentou
sarcasticamente: “Pensa
talvez o Papa que a
excomunhão fará cair as armas das mãos de meus soldados?”. A
ambição de Napoleão o levou até às extremidades da Rússia. Mais
de 400 mil soldados de seu exército morreram pelo ferro, pela fome,
pelo frio! O general de Ségur, um dos chefes daquele “imbatível”
exército, deixou registrada para a História a seguinte frase: “Os
soldados mais valentes, gelados de frio, já não
podiam sequer segurar as armas, e estas caíam-lhes das mãos”...
O revolucionário Garibaldi, cujas tropas atacaram... |
Por
fim, a Europa levantou-se contra Napoleão. Feito prisioneiro, foi
encerrado no palácio de Fontainebleau — no mesmo lugar onde ele
outrora mandara encarcerar o Romano Pontífice. No próprio local
onde Pio VII tinha sido humilhado, o corso teve que assinar sua
abdicação...
Pouco
mais de um ano depois, Napoleão, então prisioneiro dos ingleses,
acabou reconhecendo o poder do papado: “O
Papa costumava dizer que não tinha exércitos, mas é uma potência
formidável. Tratai-o como se tivesse atrás de si 200 mil homens”.
...a Porta Pia na Roma de Pio IX |
O
Papa não dispunha de 200 mil soldados. Tinha apenas 200 guardas
suíços. E não precisava de mais, pois o“Senhor Deus
dos exércitos” é quem
vela pela Igreja. Ademais, a Santa Igreja conta com a especial
proteção da Santíssima Virgem, Aquela que é, conforme a Sagrada
Escritura, “Terribilis ut castrorum acies
ordinata” (Terrível
como um exército em ordem de batalha) (Cant. VI, 3 e 9).
A
Guarda Suíça na época do Beato Pio IX
Em
1848, numa das conjunturas mais terríveis da História da Igreja, os
suíços uma vez mais deram provas de heroísmo e fidelidade:
barraram os ataques dos republicanos revolucionários ao Palácio do
Quirinal, então residência do Bem-aventurado Pio IX (1846–1878).
Desde 3 de setembro daquele ano, quando o Soberano Pontífice retomou
o governo da Cidade Eterna depois do exílio de Gaeta (cidade
localizada no sul da Itália), a Guarda
Suíça Pontifícia ficara
oficialmente constituída por 153 homens.
Em
20 de setembro de 1870, tropas anticatólicas de Garibaldi invadiram
Roma. A Guarda Suíça concentrou-se no Vaticano, disposta a
defendê-lo a qualquer preço. Outros corpos militares reforçaram a
vigilância em torno da Basílica de São Pedro e dos Sagrados
Palácios, prontos a derramar o sangue em defesa do Papa. Mas Pio IX,
para evitar o sacrifício de vidas humanas, como ocorrera séculos
antes durante o Saque
de Roma,
preferiu render-se. Entretanto, o acordo de rendição permitiu o
livre exercício da Guarda Suíça, além das guardas Nobre e
Palatina, a serviço do Pontífice.
Pio IX |
Funesto
foi o ano 1870. O processo artificial e revolucionário de unificação
da Itália privara o Papa do poder temporal sobre os Estados da
Igreja, inclusive sobre Roma. Mas, para a glória do Papado, a Cidade
Eterna havia sido defendida com ardor pelos suíços que lutaram
lado-a-lado com os Zuavos
Pontifícios (regimentos
formados por católicos do mundo inteiro que acorreram a Roma em
defesa do Soberano Pontífice, no combate às hordas
revolucionárias).
No
ano seguinte, o rei Vítor Emanuel II ofereceu a Pio IX uma
indenização e a promessa de manter o Papa como chefe do Estado do
Vaticano (apenas um bairro de Roma, onde estava instalada a Sede da
Igreja). Pio IX recusou essa proposta, tão contrária a seus
sagrados direitos, e considerou-se prisioneiro do poder laico.
Insufladas pelo ministro Cavour e pelo aventureiro Garibaldi, as
forças revolucionárias da “nova Itália” despojaram o sucessor
de São Pedro dos Estados Pontifícios.
Esse
conflito, conhecido como “questão romana”, ocorrido em 1870 com
a anexação de Roma ao Reino da Itália, somente veio a encerrar-se
em 11 de fevereiro de 1929, quando o então Pontífice reinante, o
Papa Pio XI (1922–1939), assinou com Mussolini o “Tratado de
Latrão”. Por esse pacto, o governo italiano passava a reconhecer a
supremacia da Santa Sé sobre o Vaticano, declarado então território
soberano, neutro e inviolável. Tornou-se o Estado com menor
território existente no mundo.
A
certeza na promessa do Divino Fundador da Igreja
Apesar
de essa espoliação dos territórios dos Romanos Pontífices
constituir insofismável violação dos direitos da Igreja — e até
mesmo do direito internacional —, o Bem-aventurado Pio IX não
recebera apoio de nenhum rei ou presidente da República de então,
exceto de Garcia Moreno, o destemido presidente-mártir do Equador.
Nesses,
como em inúmeros outros acontecimentos da História da Igreja, salta
aos olhos uma verdade, também insofismável: a imortalidade e
divindade da Santa Igreja. O bem-aventurado Pio IX, prisioneiro no
Vaticano, mesmo passando por tantas tribulações, perseguições e
dificuldades aparentemente insuperáveis, não cedeu, continuou
altaneiro em sua atitude de resistência. Ele confiava na promessa
infalível de Nosso Senhor Jesus Cristo: “As
portas do inferno não prevalecerão contra Ela [a
Igreja]”(Mt
16, 18).
Com
tal certeza, todos os católicos que também “sofrem
perseguição por amor à justiça”devem
viver e lutar. Tenhamos pois confiança quando, em nossos dias,
tivermos que suportar outras tantas perseguições movidas pela sanha
do espírito das trevas e pelo ódio revolucionário.
*
* *
Pio X |
Num
simples artigo, é impossível historiar, ou mesmo elencar, todas as
façanhas e vicissitudes da gloriosa Guarda Suíça. Assim, para
encerrar, um pequeno e pitoresco episódio.
No
quartel da Guarda
Suíça Pontifícia conta-se
que São Pio X (1903–1914), numa das primeiras noites no Vaticano,
não conseguia conciliar o sono. Os passos cadenciados de um
guarda-suíço o impediam. Para não cochilar em serviço, a
sentinela na entrada dos aposentos pontifícios andava de um lado
para o outro no corredor. O Papa levantou-se, abriu a porta e lhe
disse:
— Meu
filho, vá dormir. Será melhor para você e também para mim, que
preciso descansar um pouquinho...
Em
sua singeleza, o episódio revela que o grande São Pio X, do alto de
seu trono pontifício, não deixava de tratar seus guardas como
filhos. E um filho pode fazer pelo pai muito mais do que um regimento
de soldados...
E-mail
do autor: pr-campos@catolicismo.com.br
__________________
Imagens: publicação original www.catolicismo.com.br
Fontes
de referência:
•Constantino Kempf SJ, A Santidade da Igreja no século XIX, Edição da Livraria do Globo, Porto Alegre, 1936.
•São João Bosco, História Eclesiástica, Livraria Editora Salesiana, São Paulo, 1954.
•Enciclopedia Universal Ilustrada, Espasa-Calpe S.A., Madrid, 1925, Tomo XLI, verbete “Papa”.
•http://www.gsp06.ch/fr/history.asp
•http://www.schweizergarde.org
•http://www.schweizergarde.ch
•www.gsp06.ch
•http://en.wikipedia.org/wiki/Swiss_Guard
•Constantino Kempf SJ, A Santidade da Igreja no século XIX, Edição da Livraria do Globo, Porto Alegre, 1936.
•São João Bosco, História Eclesiástica, Livraria Editora Salesiana, São Paulo, 1954.
•Enciclopedia Universal Ilustrada, Espasa-Calpe S.A., Madrid, 1925, Tomo XLI, verbete “Papa”.
•http://www.gsp06.ch/fr/history.asp
•http://www.schweizergarde.org
•http://www.schweizergarde.ch
•www.gsp06.ch
•http://en.wikipedia.org/wiki/Swiss_Guard
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