03/07/2013

O heróico pequeno exército do Papa

(Revista Catolicismo - Novembro de 2006 )

Os 500 anos da Guarda Suíça Pontifícia atestam sua inquebrantável fidelidade à Igreja; sua dedicação levada ao heroísmo; sua disposição de derramar o sangue, quando necessário, em defesa do Soberano Pontífice.

Paulo Roberto Campos

Coragem e Fidelidade (Acriter et Fideliter) é o lema da Guarda Suíça Pontifícia. Neste ano ela completou seus 5 séculos de fidelidade à Santa Sé, corajosamente servindo como o braço armado e guarda de honra dos sucessores de São Pedro.
Essa multissecular corporação militar foi criada em Roma pelo Papa Júlio II (1503–1513), em 22 de janeiro de 1506. Ocasião em que, depois de longas negociações, o primeiro destacamento de jovens suíços — constituído de 150 valorosos guerreiros considerados os melhores da época — entrava na Cidade Eterna, a fim de formar a guarnição papal, sob o comando de Kaspar von Silenen.


Respondendo a uma eventual objeção

Inicialmente, poder-se-ia perguntar: que necessidade teria a Santa Sé de preocupar-se com questões temporais e de defesa militar?

Em todos os tempos, o vagalhão do ódio anticatólico investiu contra a Igreja, tentando destruir essa instituição divina. Em particular contra o sucessor de Pedro, o Papa. Nada mais normal, portanto, do que terem os Papas à sua disposição meios eficazes de defesa contra tal vagalhão, seguindo o conselho de Nosso Senhor: “Eis que eu vos envio como ovelhas no meio de lobos. Por isso, sêde prudentes como as serpentes, e simples como as pombas” (Mt 10, 16).

Esses meios de defesa tornaram-se ainda mais necessários a partir do surgimento do fenômeno revolucionário, que já ia avançado no século XVI, época em que foi criada a Guarda Suíça Pontifícia. Alguns fatos históricos, adiante mencionados, comprovam como os inimigos da Santa Igreja investiram contra Ela, invadiram e se apossaram de seus territórios e puseram em risco a vida do Papa.

Ademais, como qualquer chefe de Estado soberano, o Papa tinha o direito e o dever de constituir, dentro dos Estados Pontifícios, seus próprios destacamentos regulares. Compreende-se por Estados Pontifícios ou Estados da Igreja o conglomerado de territórios — basicamente situados no centro da Península Itálica — cuja capital foi Roma. Tal conglomerado manteve-se entre os anos 750 e 1870 como Estado independente, diretamente subordinado à autoridade temporal dos Papas, chefes supremos da Igreja.
Assim sendo, para auxiliar também a manutenção do poder temporal da Igreja, foram instituídos, além da Guarda Suíça Pontifícia, outros três corpos militares a serviço da Santa Sé: a Guarda Nobre, a Gendarmeria Pontifícia e a Guarda Palatina de Honra. Essas três corporações pontifícias foram abolidas (Vide quadro abaixo).

Os três Corpos Militares Pontifícios que foram abolidos

Guarda Nobre Pontifícia
Gendarmeria Pontifícia
Guarda Palatina de Honra

Das Guardas Pontifícias, a única ainda hoje existente é a Guarda Suíça. Mas a Santa Sé chegou a ter à sua disposição três outras guardas, que a ela e à pessoa do Papa prestaram grandes serviços: a Guarda Nobre Pontifícia, a Gendarmeria Pontifícia e a Guarda Palatina de Honra. Infelizmente tais corporações militares foram extintas.

Guarda Nobre Pontifícia
Guarda Nobre
Criada em 1801 pelo Papa Pio VII, era composta de jovens das primeiras famílias de Roma. Teve sua origem nos antigos cavallegeri e nos lancie spezzate (fiéis cavaleiros que gratuitamente, desde o século XVI, já prestavam serviços à Santa Sé). Foi desfeita por ocasião da prisão de Pio VII pelas tropas napoleônicas, e reconstituída com o retorno a Roma daquele Pontífice.
Juntamente com os guardas-suíços, os cavaleiros da Guarda Nobre atuaram brilhantemente na defesa dos sucessores de São Pedro, sobretudo nas épocas das várias invasões aos Territórios Pontifícios. Esse Corpo Militar de fidalgos italianos deu inúmeras provas de valor e adesão à Sé Apostólica.

Gendarmeria Pontifícia
Gendameria Pontifícia
Sua existência remonta a 1816, com o nome de Carabinieri Pontifici, mas sua fundação ocorreu oficialmente em 1849 — após a retirada de Roma das tropas republicanas —, no reinado do Bem-aventurado Pio IX. A Gendarmeria era a força executora das leis e ordens da administração civil e criminal. Ademais, prestava serviço de manutenção da ordem pública. Ela se honra de ter descoberto todas as conspirações que durante decênios se organizaram contra o poder temporal do Papado. Seus membros eram voluntários, recrutados entre os habitantes dos Estados da Igreja que desejavam prestar serviço ao Papa. Por ocasião dos ataques perpetrados pelos garibaldinos, a Gendarmeria soube eficazmente combatê-los.

Guarda Palatina de Honra
Criada em 1850 por decreto do Bem-aventurado Pio IX. Seus membros eram recrutados entre a nobreza e a burguesia. Nas várias revoluções que conturbaram o Pontificado daquele grande Papa, a Guarda Palatina destacou-se, tomando armas na proteção da pessoa do Sumo Pontífice e de seus Estados, bem como dos Palácios Apostólicos.


Muralha móvel” em defesa da Cristandade

Trataremos aqui apenas da única ainda hoje existente: a Guarda Suíça Pontifícia. Isto em razão das diversas comemorações realizadas neste ano para recordar seu quinto centenário.

A serviço da Santa Sé, a Guarda Suíça tem como primeiro dever garantir a segurança do Sumo Pontífice. Mas também cabe a ela o nobre encargo de acompanhar Sua Santidade em audiências públicas; de proteger os palácios apostólicos; de ser a sentinela do Vaticano e participar de diversas cerimônias, colaborando assim com o esplendor devido à Corte Pontifícia.

Em nossos dias, o contingente da Guarda Suíça, o menor exército do mundo, é composto por apenas 110 homens — 4 oficiais (coronel, tenente coronel, major e capitão), 1 capelão, 26 suboficiais e 79 soldados. São poucos, mas perpetuam seus tradicionais encargos. Seus passos ecoam por uma multissecular história de fidelidade à Sé Apostólica. Devido a tal dedicação, entre outros títulos, eles ficaram registrados na História como “intrépidos guerreiros”, “guardas do papado”, “muralha móvel” em defesa da Cristandade, “armadura” da Santa Igreja.

Suíça: encantos, horrores e um povo de guerreiros

Papa Júlio II
Tácito, grande historiador latino, escreveu: “Os helvéticos são um povo de guerreiros, célebre pelo valor de seus soldados”. Os guardas-suíços corresponderam a esse elogio. Em 1512, pela bravura demonstrada na defesa da Cidade Eterna, receberam do Papa Júlio II o título de Defensores da Liberdade da Igreja. Nesse sentido, o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira considerava que o povo suíço foi destinado por Deus para uma missão histórica muito alta: a de defensores da Civilização Cristã. Ele descreveu tal missão como tendo muita consonância com as belezas naturais da Suíça e contrastando com os horrores disseminados por seitas protestantes naquele país (Vide quadro abaixo).


A grande vocação do povo suíço

A Suíça sempre me pareceu uma nação especialmente destinada pela Providência para prestar grande serviço a Nossa Senhora. Toda a atmosfera física, os lagos, as montanhas, as neves, os precipícios, tudo fala a respeito de uma natureza cheia de candura, de bondade e também de força.

Não se diria entretanto que camponeses como aqueles — de olhos azuis profundos como a cor dos lagos junho aos quais eles nasceram, olhos que falam de reflexão, de meditação, de paz — haveriam de praticar os horrores que praticaram. Um exemplo disso foi Zwinglio — o Calvino suíço, que espalhou sua seita por todo o país —, um dos protestantes mais furibundamente anticatólico.

Mas também é verdade que daquelas atmosferas pacíficas têm partido, para a história da Suíça e da Civilização Cristã, guerreiros de primeira ordem. Se levarmos em consideração os suíços que defenderam Luís XVI e Maria Antonieta contra os revolucionários de 1789, vê-se bem até que ponto eles eram heróicos e estavam dispostos a defender a Civilização Cristã.

Maria Antonieta rainha da França
Por fim, a vocação dos suíços de serem os guardas pontifícios. Ou seja, terem a honra de fornecer normalmente uma guarda para o Papado, missão que continua até nossos dias.

Tudo isso tem muito significado, uma beleza e um valor que contrasta com a hediondez do protestantismo, da heresia e de outros horrores que na Suíça se passaram. Fica-se com a idéia de que a Suíça é uma nação que teve uma grande vocação, chamada por Deus muito especialmente para um papel histórico privilegiado.


- Excertos de conferência proferida por Plinio Corrêa de Oliveira,em 26-4-95


Condições necessárias para militar na Guarda Suíça

Atualmente, para alguém ingressar na Guarda Suíça Pontifícia se requerem algumas condições, além da exigência de ser varão de cidadania suíça: ser católico apostólico romano; gozar de reputação irrepreensível; celibatário (nos dois primeiros anos de serviço na corporação); ter entre 19 e 30 anos; possuir robusta constituição física, com altura mínima de 1,74m; ter prestado serviço militar, haver terminado o curso colegial e apresentar formação profissional.

O serviço na Guarda Suíça perdura por dois anos, com possibilidade de renovação e promoção, até um máximo de 20 anos de atividade.

Princípio muito contrário ao progressismo católico

O multicolorido uniforme — com as cores azul, vermelho e amarelo — da Guarda Suíça Pontifícia foi desenhado pelo célebre artista Michelangelo (1475–1564). Apesar de ser uma indumentária renascentista, tem alguma reminiscência medieval, como o refulgente elmo, a couraça e a espada, além da aguçada e cintilante alabarda, que é portada em certas ocasiões. Comparando esse esplendoroso traje militar do século XVI com as fardas modernas, nota-se como estas são monótonas e pardacentas — uma voluntária renúncia à beleza.

Certamente esse traje da Guarda Suíça Pontifícia é o uniforme militar, ainda em vigor, mais antigo e mais fotografado do mundo. Tanto os oficiais como os guardas têm um uniforme de grande gala, outro de meia gala e outro de serviço ordinário. Mas os três atraem a atenção pela harmonia do colorido. Não há quem, em viagem à “Bella Itália”, visitando o Vaticano, não procure tirar uma foto junto a um guarda-suíço. O Prof. Plinio Corrêa de Oliveira fez o seguinte comentário sobre esse uniforme: “Tudo nele lembra o esplendor das antigas cortes, a alegria e a doçura de viver que eram inerentes ao Ancien Régime. Qual o tipo de alegria que exprime esse uniforme? É uma alegria que não tem nada de sensual. É a alegria de ser soldado, de combater e de ser dedicado ao Papa. Ele simboliza um princípio muito contrário ao progressismo católico, que é o princípio da força a serviço do Papado”.

Comemorações no 5º Centenário da Guarda Suíça

Kaspar con Silenen
Ao longo deste ano, com a finalidade de celebrar os 500 anos da empolgante, árdua e gloriosa epopéia da Guarda Suíça Pontifícia, várias cerimônias foram realizadas em Roma e em diversos cantões suíços. Houve exposições, concertos musicais, encontros, atos culturais, lançamentos de livros, medalhas e selos comemorativos. Realizou-se até uma caminhada de 723 quilômetros, que repetiu a mesma histórica marcha dos primeiros Gwardiknechte nome original dos guardas no Renascimento — comandados por Kaspar von Silenen, que partiram de Bellinzona (capital do cantão suíço Tesino), marcharam até Roma e entraram pela primeira vez no Vaticano. De 7 de abril a 4 de maio do presente ano, o itinerário foi percorrido a pé por antigos guardas-suíços e jovens convidados para a “marcha comemorativa”. Ela foi dividida em 26 paradas ao longo do antigo caminho dos peregrinos que chegavam a Roma pela Via Francigena.

Elmar Theodor Mäder
Chegando à Cidade Eterna, os participantes dessa grande marcha foram acolhidos por autoridades. E o ex-comandante da Guarda Suíça Pius Segmüller, que guiou a “marcha comemorativa”, entregou a bandeira da corporação ao atual comandante Elmar Theodor Mäder. Em seguida, precedidos por um destacamento de honra da Guarda Suíça, dirigiram-se à Praça de São Pedro, onde os esperavam representantes das Forças Armas Italianas. Nesta ocasião o Papa Bento XVI pronunciou uma saudação aos guardas, relembrando a grande generosidade dos 147 guardas-suíços (do total de 189) que, em 6 de maio de 1527, durante o Saque de Roma (vide p. 33), lutaram e morreram para salvar o Sumo Pontífice então reinante, o Papa Clemente VII (1523–1534)

Juramento de fidelidade dos novos recrutas

Papa Clemente VII
Em memória desse épico sacrifício dos guardas-suíços, no dia 6 de maio de cada ano novos recrutas prestam solene juramento de fidelidade à Santíssima Trindade e ao Papa. Naquele longínquo 6 de maio de 1527, esse dia significou morte; em 2006, significou vida, pois novos membros da Guarda Suíça foram admitidos para servir à mesma nobre causa de seus antecessores.

Normalmente, a bela e marcial cerimônia de juramento de fidelidade realiza-se no Pátio de São Dâmaso do Palácio Apostólico. Mas neste ano o solene evento efetuou-se publicamente na Praça de São Pedro, para encanto dos milhares de peregrinos e admiradores que ali chegaram provenientes de diversas nações. Presentes ao ato, representantes diplomáticos e autoridades da Cúria Romana e da Suíça, inclusive o presidente helvético Mortz Leuenberger, que na ocasião declarou: “A Guarda Suíça é o exército menor do mundo, mas ao mesmo tempo, o serviço de segurança mais eficiente”.

Trajeto de Bellinzona até Roma
Os militares da Guarda Suíça Pontifícia, desde o comandante até os alabardeiros, entraram com o uniforme de grande gala, marchando ao som de sua excepcional fanfarra sob o aplauso da multidão. Em seguida, o capelão da Guarda fez leitura do texto do juramento de fidelidade (vide quadro abaixo), e cada um dos 33 novos recrutas foi chamado nominalmente. Ao ser chamado, o neófito rompe o passo; depois, segurando firmemente com a mão esquerda a bandeira da Guarda Suíça e tendo os três dedos da mão direita levantados (como na foto ao lado), para simbolizar a Santíssima Trindade, confirma e jura: “Eu...[nome]... juro servir com fidelidade, lealdade e honra tudo o que foi aqui lido presentemente. Que Deus e nossos Santos patronos me assistam”. Em particular, o novo membro da Guarda Suíça invoca os santos patronos da corporação: São Martinho, São Sebastião e São Nicolau de Flue.


Juramento de Fidelidade

Juro servir com fidelidade, lealdade e honra o Supremo Pontífice e os seus legítimos sucessores, e dedicar-me a eles com todas as minhas forças, sacrificando inclusive, se necessário, a minha própria vida para defendê-los. Assumo igualmente este compromisso relativamente ao Sacro Colégio dos Cardeais durante o tempo da Sé vacante. Prometo ainda ao Capitão Comandante e aos outros meus superiores respeito, fidelidade e obediência. Juro observar
Bandeira da Guarda Suiça
tudo aquilo que a honra da minha posição exige de mim.



Que Deus e nossos santos patronos me assistam”.



Os corajosos guardas resistentes ao Saque de Roma

Imperador Carlos V
Da secular história da Guarda Suíça Pontifícia, alguns fatos marcantes e gloriosos revelam o quanto ela agiu com “fidelidade, lealdade e honra”, correspondendo assim ao juramento solenemente prestado.

Se 22 de janeiro de 1506 é a data de nascimento da Guarda Suíça, a data do seu “batismo de fogo” é considerada o dia 6 de maio de 1527. Data em que, durante o Saque de Roma — perpetrado por tropas alemãs, juntamente com mercenários franceses e espanhóis, na maioria luteranos, a soldo do imperador Carlos V (do Sacro Império) —, os heróicos guardas escreveram com sangue uma das mais belas páginas de sua história.

Desenho do tipo de soldados
alemães que participaram
do saque de Roma
Roma encontrava-se invadida pelo exército imperial, com aproximadamente 18 mil homens. Após terem saqueado a Cidade Eterna e praticado enormes destruições por onde passavam, chegaram à Praça de São Pedro. Os guardas-suíços, postados diante da Basílica e depois em seu interior, junto aos degraus do altar-mor, enfrentaram 1000 invasores. Resistiram corajosamente, mas perderam 147 homens massacrados juntamente com seu comandante Kaspar Röist. Eles testemunharam com sangue o juramento de fidelidade feito aos Romanos Pontífices. Em contrapartida, 800 dos 1000 mercenários invasores caíram mortos pelas alabardas dos aguerridos suíços.

Graças a essa heróica resistência pôde o Papa Clemente VII escapar por uma passagem secreta — o célebre passetto, construído por Alexandre VI (1492–1503), que liga o Palácio Apostólico ao Castelo de Sant'Angelo às margens do Tibre —, ficando em seguro refúgio na fortaleza.

O Saque de Roma - Francisco Javier
Amérigo (séc XIX) - Museu do
Prado, Madri
De toda a Guarda Suíça somente 42 membros sobreviveram. Faziam parte daqueles que formaram um cinturão de segurança em torno de Clemente VII, bem como da escolta de alguns cardeais, também refugiados naquela fortaleza.

Além de invadir o Vaticano, a horda saqueou durante oito dias bens preciosos; destruiu relíquias e obras de arte; cometeu toda sorte de sacrilégios e profanou até sepulturas de Papas. Diante do Castelo de Sant´Angelo, os invasores protestantes encenaram uma paródia de procissão religiosa; bradaram vivas a “Lutherus pontifex” e ao Imperador Carlos V; num precioso afresco representando o Santíssimo Sacramento, escreveram à ponta de espada o nome do miserável apóstata Lutero. A afirmação do Prior dos cônegos de Santo Agostinho resume os atos de vandalismo: “Mali fuere Germani, pejores Itali, Hispani vero pessimi” (Os alemães foram maus, os italianos piores, e os espanhóis péssimos).

* * *

O pequeno exército do papado só pôde ser reconstituído 21 anos depois do Saque de Roma, no Pontificado de Paulo III (1534–1549). Em 1568, São Pio V (1566-1572) ordenou a construção, dentro da área dos quartéis do Vaticano, da Igreja de São Martinho e São Sebastião, patronos da Guarda Suíça. Durante o glorioso pontificado de São Pio V, um destacamento da Guarda Suíça recebeu a missão de combater em defesa da Cristandade ameaçada pelos turcos muçulmanos em Lepanto. Na batalha naval, travada em 7 de outubro de 1571, tal destacamento teve a glória de arrebatar duas bandeiras ao inimigo islâmico.


Na França, homenagem à fidelidade e à coragem dos suíços

Outro destacamento de guardas-suíços deu provas de heroísmo e fidelidade. Desta vez, não ao governo monárquico da Igreja, mas à monarquia francesa; não em defesa do altar, mas na defesa do trono. No dia 10 de agosto de 1792, os guardas-suíços do rei Luís XVI enfrentaram em Paris uma turba de facínoras arregimentados pelos revolucionários. Frente a uma iminente invasão do palácio real das Tulherias por parte da populaça constituída de sans-culottes, Luís XVI, titubeante e sem tomar uma decisão clara, ordenou que os guardas entregassem as armas, mas continuassem em seus postos. O palácio foi tomado de assalto e mais de 700 suíços foram massacrados pela populaça revolucionária.

A Tomada do Palácio das Tulheiras. Em
10 de agosto de 1792. a multidão
revolucionária invadiu o palácio e massacrou
a Guarda Suíça do Rei da França
Em homenagem a esses destemidos militares, erigiu-se em Lucerna (Suíça) um evocativo monumento, o “Leão de Lucerna” (foto ao lado), a fim de perpetuar o fato histórico transcorrido nas Tulherias. Um leão ferido de morte, mas protegendo o brasão francês com a flor-de-lis. O leão — símbolo da bravura, da força e da lealdade — serviu para representar o trágico acontecimento: a luta e a morte. Tendo o coração varado por uma lança, o leão continua até o fim defendendo o glorioso brasão.

Magnífica homenagem da República suíça aos que morreram em defesa da Monarquia francesa, por fidelidade incondicional a um rei legítimo! Foi levantado a pedido de companheiros e familiares dos guardas-suíços chacinados no assalto às Tulherias. A idéia de utilizar um leão agonizante foi do Coronel Karl Pfyffer von Altishofen, oficial que escapou daquele massacre. O modelo é obra do famoso escultor Bertel Thorwaldsen (1770–1844) e foi talhado no rochedo em 1820, pelo escultor Lukas Ahorn.



No alto da lápide, os dizeres Helvetiorum fide ac virtute (À fidelidade e à bravura dos suíços). Na parte de baixo estão gravados, ad perpetuam rei memoriam, os nomes dos 26 oficiais que, fiéis à realeza francesa, tombaram vítimas da sanha revolucionária.




A Guarda Suíça no longo e atribulado pontificado de Pio VI

Papa Pio VI
Em outro período trágico na História da Igreja, a gloriosa guarnição papal foi novamente dissolvida. Impulsionadas pelos ventos do espírito igualitário da Revolução Francesa, as tropas de Napoleão Bonaparte invadiram a Itália. Depois de terem despojado e profanado os mais venerandos santuários, entraram em Roma em 1798. Os comissários franceses declararam sacrilegamente a destituição do Papa Pio VI (1775–1799) e aprisionaram o Sumo Pontífice. Apesar de sua avançada idade de 80 anos, foi arrastado para o exílio e não mais retornou a Roma. Em Valence (cidade francesa junto ao Ródano) entregou sua alma a Deus no dia 24 de agosto de 1799, após um atribulado e longo pontificado de 24 anos e meio.

Napoleão Bonaparte, que teve
a ousadia de prender Pio VII
Também muitos membros do Sacro Colégio dos Cardeais foram encarcerados ou exilados. Com a ocupação da Cidade Eterna, os chefes revolucionários roubaram preciosas obras e raros livros da biblioteca do Palácio Apostólico, vendidos posteriormente a preço vil. Confiscaram as armas e os cavalos daGuarda Suíça Pontifícia, dispersa e substituída por uma guarnição francesa.






A Guarda Suíça na tomada de posse de Pio VII

O Papa Pio VII
No ano seguinte à morte de Pio VI, o exército austríaco atacou os republicanos franceses e os expulsou de Roma. Postos em liberdade, os cardeais reuniram-se em Veneza e elegeram para o Trono de São Pedro o Cardeal Chiaramonte, que tomou o nome de Pio VII (1800–1823). Assim, o novo Papa pôde entrar em Roma, onde foi recebido triunfalmente pelo povo.

Na posse do governo temporal da Igreja, Pio VII reconstituiu a Guarda Suíça Pontifícia, mas apenas com um pequeno contingente de 64 soldados. Foi novamente dissolvida em 1809, por ordem do sempre malfazejo Napoleão. Naquele ano, tropas napoleônicas novamente invadiram Roma e levaram prisioneiro o Papa.

Pio VII sendo levado prisioneiro para a
França
Esse período de dispersão da Guarda Suíça durou pouco, sendo reconstituída em 1814 com a libertação de Pio VII. Em 24 de maio daquele ano, o Papa retornou solenemente a Roma. Uma multidão de fiéis o acolheu com enorme júbilo, com festejos ainda maiores do que os prestados aos antigos imperadores romanos.

São João Bosco escreveu na sua obra História Eclesiástica uma sentença lapidar: “A História nos demonstra claramente que favorecer a religião é o princípio da grandeza dos soberanos, e persegui-la é causa de ruína”.

Napoleão, no apogeu de seu poder, ao saber que Pio VII queria excomungá-lo por causa de sua brutal perseguição à Igreja Católica, comentou sarcasticamente: “Pensa talvez o Papa que a excomunhão fará cair as armas das mãos de meus soldados?”. A ambição de Napoleão o levou até às extremidades da Rússia. Mais de 400 mil soldados de seu exército morreram pelo ferro, pela fome, pelo frio! O general de Ségur, um dos chefes daquele “imbatível” exército, deixou registrada para a História a seguinte frase: “Os soldados mais valentes, gelados de frio, já não podiam sequer segurar as armas, e estas caíam-lhes das mãos”...

O revolucionário Garibaldi, cujas
tropas atacaram...
Por fim, a Europa levantou-se contra Napoleão. Feito prisioneiro, foi encerrado no palácio de Fontainebleau — no mesmo lugar onde ele outrora mandara encarcerar o Romano Pontífice. No próprio local onde Pio VII tinha sido humilhado, o corso teve que assinar sua abdicação...

Pouco mais de um ano depois, Napoleão, então prisioneiro dos ingleses, acabou reconhecendo o poder do papado: “O Papa costumava dizer que não tinha exércitos, mas é uma potência formidável. Tratai-o como se tivesse atrás de si 200 mil homens”.

...a Porta Pia na Roma de Pio IX
O Papa não dispunha de 200 mil soldados. Tinha apenas 200 guardas suíços. E não precisava de mais, pois o“Senhor Deus dos exércitos” é quem vela pela Igreja. Ademais, a Santa Igreja conta com a especial proteção da Santíssima Virgem, Aquela que é, conforme a Sagrada Escritura, “Terribilis ut castrorum acies ordinata” (Terrível como um exército em ordem de batalha) (Cant. VI, 3 e 9).


A Guarda Suíça na época do Beato Pio IX

Em 1848, numa das conjunturas mais terríveis da História da Igreja, os suíços uma vez mais deram provas de heroísmo e fidelidade: barraram os ataques dos republicanos revolucionários ao Palácio do Quirinal, então residência do Bem-aventurado Pio IX (1846–1878). Desde 3 de setembro daquele ano, quando o Soberano Pontífice retomou o governo da Cidade Eterna depois do exílio de Gaeta (cidade localizada no sul da Itália), a Guarda Suíça Pontifícia ficara oficialmente constituída por 153 homens.

Em 20 de setembro de 1870, tropas anticatólicas de Garibaldi invadiram Roma. A Guarda Suíça concentrou-se no Vaticano, disposta a defendê-lo a qualquer preço. Outros corpos militares reforçaram a vigilância em torno da Basílica de São Pedro e dos Sagrados Palácios, prontos a derramar o sangue em defesa do Papa. Mas Pio IX, para evitar o sacrifício de vidas humanas, como ocorrera séculos antes durante o Saque de Roma, preferiu render-se. Entretanto, o acordo de rendição permitiu o livre exercício da Guarda Suíça, além das guardas Nobre e Palatina, a serviço do Pontífice.

Pio IX
Funesto foi o ano 1870. O processo artificial e revolucionário de unificação da Itália privara o Papa do poder temporal sobre os Estados da Igreja, inclusive sobre Roma. Mas, para a glória do Papado, a Cidade Eterna havia sido defendida com ardor pelos suíços que lutaram lado-a-lado com os Zuavos Pontifícios (regimentos formados por católicos do mundo inteiro que acorreram a Roma em defesa do Soberano Pontífice, no combate às hordas revolucionárias).

No ano seguinte, o rei Vítor Emanuel II ofereceu a Pio IX uma indenização e a promessa de manter o Papa como chefe do Estado do Vaticano (apenas um bairro de Roma, onde estava instalada a Sede da Igreja). Pio IX recusou essa proposta, tão contrária a seus sagrados direitos, e considerou-se prisioneiro do poder laico. Insufladas pelo ministro Cavour e pelo aventureiro Garibaldi, as forças revolucionárias da “nova Itália” despojaram o sucessor de São Pedro dos Estados Pontifícios.

Esse conflito, conhecido como “questão romana”, ocorrido em 1870 com a anexação de Roma ao Reino da Itália, somente veio a encerrar-se em 11 de fevereiro de 1929, quando o então Pontífice reinante, o Papa Pio XI (1922–1939), assinou com Mussolini o “Tratado de Latrão”. Por esse pacto, o governo italiano passava a reconhecer a supremacia da Santa Sé sobre o Vaticano, declarado então território soberano, neutro e inviolável. Tornou-se o Estado com menor território existente no mundo.

A certeza na promessa do Divino Fundador da Igreja

Apesar de essa espoliação dos territórios dos Romanos Pontífices constituir insofismável violação dos direitos da Igreja — e até mesmo do direito internacional —, o Bem-aventurado Pio IX não recebera apoio de nenhum rei ou presidente da República de então, exceto de Garcia Moreno, o destemido presidente-mártir do Equador.

Nesses, como em inúmeros outros acontecimentos da História da Igreja, salta aos olhos uma verdade, também insofismável: a imortalidade e divindade da Santa Igreja. O bem-aventurado Pio IX, prisioneiro no Vaticano, mesmo passando por tantas tribulações, perseguições e dificuldades aparentemente insuperáveis, não cedeu, continuou altaneiro em sua atitude de resistência. Ele confiava na promessa infalível de Nosso Senhor Jesus Cristo: “As portas do inferno não prevalecerão contra Ela [a Igreja]”(Mt 16, 18).

Com tal certeza, todos os católicos que também “sofrem perseguição por amor à justiça”devem viver e lutar. Tenhamos pois confiança quando, em nossos dias, tivermos que suportar outras tantas perseguições movidas pela sanha do espírito das trevas e pelo ódio revolucionário.

* * *

Pio X
Num simples artigo, é impossível historiar, ou mesmo elencar, todas as façanhas e vicissitudes da gloriosa Guarda Suíça. Assim, para encerrar, um pequeno e pitoresco episódio.

No quartel da Guarda Suíça Pontifícia conta-se que São Pio X (1903–1914), numa das primeiras noites no Vaticano, não conseguia conciliar o sono. Os passos cadenciados de um guarda-suíço o impediam. Para não cochilar em serviço, a sentinela na entrada dos aposentos pontifícios andava de um lado para o outro no corredor. O Papa levantou-se, abriu a porta e lhe disse:

— Meu filho, vá dormir. Será melhor para você e também para mim, que preciso descansar um pouquinho...

Em sua singeleza, o episódio revela que o grande São Pio X, do alto de seu trono pontifício, não deixava de tratar seus guardas como filhos. E um filho pode fazer pelo pai muito mais do que um regimento de soldados...
E-mail do autor: pr-campos@catolicismo.com.br
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Imagens: publicação original www.catolicismo.com.br

Fontes de referência: 
Constantino Kempf SJ, A Santidade da Igreja no século XIX, Edição da Livraria do Globo, Porto Alegre, 1936.
São João Bosco, História Eclesiástica, Livraria Editora Salesiana, São Paulo, 1954.
•Enciclopedia Universal Ilustrada, Espasa-Calpe S.A., Madrid, 1925, Tomo XLI, verbete “Papa”.
http://www.gsp06.ch/fr/history.asp
http://www.schweizergarde.org
http://www.schweizergarde.ch
www.gsp06.ch
•http://en.wikipedia.org/wiki/Swiss_Guard


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