22/05/2014

Uma aparição mariana no século III

Desde os primórdios da Igreja, Nossa Senhora auxiliava os fiéis, amparando-os em suas necessidades e esclarecendo suas dúvidas.

Não é fácil para um católico dos dias de hoje compreender as dificuldades que enfrentaram os bispos e sacerdotes no início da Igreja, na defesa da verdadeira doutrina.
Com efeito, após 20 séculos de História, a Igreja Católica tem proclamado dogmas magníficos, estudado e resolvido inúmeros problemas teológicos, refutado heresias, esclarecido dúvidas que pareciam insuperáveis, tudo sob a inspiração do Espírito Santo. Da mesma forma que trabalhamos atualmente com tranqüilidade em terras que nossos antepassados tiveram enorme dificuldade para desmatar. É o valor inestimável da Tradição.
Coisas que hoje um menino de seis anos aprende sem dificuldade no catecismo preocuparam outrora os Padres da Igreja. Época em que se definiam as naturezas humana e divina de Nosso Senhor, existentes em uma só Pessoa, definia-se o verdadeiro alcance dos sacramentos, o mundo angélico ou o inferno etc.
Ora, foi justamente para tranqüilizar a reta consciência de um bispo santo, dos primeiros séculos do cristianismo, que se deu a aparição narrada a seguir.
Santo biógrafo de outro santo
Em muitas ocasiões, na História da Igreja, surgiram santos que relatam os fatos maravilhosos da vida de outros santos. Assim, São Gregório Magno narrando a vida de São Bento; o Bem-aventurado Raimundo de Cápua escrevendo a de Santa Catarina de Siena; São João Bosco descrevendo a de São Domingos Sávio etc.
São Gregório de Nissa conta a vida de São Gregório, o Taumaturgo (isto é, o que opera milagres). O primeiro viveu no século IV, e seu biografado no século III — um século de diferença.
São Gregório, o Taumaturgo, tinha sido nomeado Bispo de Neocesaréia, cidade  localizada na atual Turquia. Mas, segundo a biografia escrita por São Gregório de Nissa, “ele não queria iniciar a pregação antes  que a verdade lhe tivesse sido revelada por alguma aparição. Havia aqueles que falsificavam o ensino piedoso com argumentos rebuscados, e assim tornavam a verdade duvidosa. Ora, durante a noite, quando ele repousava em santos pensamentos, um venerável ancião lhe apareceu, revestido de ornamentos sacerdotais. Surpreso, Gregório levanta-se e pergunta-lhe quem ele é e por que lhe apareceu. O ancião tranqüiliza seus temores com uma doce voz. Anuncia que vem, por ordem de Deus, esclarecer suas dificuldades [teológicas] e revelar-lhe a verdade da Fé. Gregório cobra coragem com estas palavras e olha o ancião com uma alegria mesclada de estupefação. A aparição estende a mão e o convida a olhar para um lado. Então Gregório percebe outra aparição: uma mulher, com um aspecto superior a tudo quanto é humano. De novo a emoção o domina, abaixa sua fronte e não ousa fixar esta luz tão forte para seus olhos [...]. Mas ele escutava as duas pessoas que apareceram conversando sobre os assuntos teológicos que o preocupavam. Assim, ele não apenas aprendeu a doutrina da Fé, mas descobriu quem eram os personagens da visão pelos nomes que eles se davam um ao outro. Com efeito, conta ele que ouviu a mulher convidar São João Evangelista a manifestar ao jovem bispo os mistérios da verdadeira Fé. Por sua vez, este respondia que o faria com gosto, para agradar a Mãe do Senhor e seguir seus desejos. Então [aquele apóstolo] pronunciou um discurso sóbrio, e desfez-se a aparição.
“Imediatamente Gregório colocou no papel esta doutrina celeste, e foi de acordo com ela que ele pregou logo mais em sua igreja. Ele legou-a a seus sucessores como uma herança vinda de Deus, e o povo, ensinado segundo tal doutrina, tem permanecido sempre puro de toda maldade herética. Eis aqui as palavras reveladas do Símbolo [dos Apóstolos, ou seja o Credo]: Eu creio num só Deus [...]. Se alguém quer se assegurar da verdade deste símbolo, que consulte a Igreja na qual o Taumaturgo pregava esta doutrina. Em seus arquivos, conserva-se ainda hoje o manuscrito feito por esta bem-aventurada mão: verdadeiras tábuas escritas por Deus e comparáveis, pela grandeza de sua graça, às tábuas da Lei, nas quais fora antigamente gravada a lei divina”.*
Uma situação especial
Constatamos neste texto vários fatos que merecem um comentário. Chama a atenção que, nessa visão, estando presente Nossa Senhora, não tenha sido Ela quem explicou o problema teológico, mas tenha convidado São João Evangelista (Bispo da Igreja) para falar. Cabe aos Bispos ensinar a doutrina, pois a eles confiou Nosso Senhor essa missão. E Nossa Senhora, sempre respeitosa das hierarquias — mesmo tendo muito mais virtude e conhecimento —, não quis violar esta regra dada por Deus. Admirável tema de meditação sobre a verdadeira humildade! Como dói saber que hoje em dia há Bispos que se desviaram dessa sublime missão, para ensinar as doutrinas da moda, como a teologia da libertação e outras do gênero!
Outro aspecto curioso da visão: São Gregório, o Taumaturgo, não conseguiu fixar seus olhos em Nossa Senhora. Aliás, é um fato que se constata em numerosas aparições de Maria Santíssima: os videntes sentem dificuldade em fixar detidamente seu rosto, tão luminoso é ele. Vários videntes, ao serem inquiridos, conseguem descrevê-lo só genericamente, pois não puderam fixar seus traços.
Chama a atenção ainda o modo maternal como Nossa Senhora tratou o jovem Bispo. Este não quis, de forma alguma, ensinar algo contrário à verdade. Mas, naquela época, era muito difícil consultar outros bispos fiéis para elucidar as verdades da Fé, em meio às perseguições pagãs e com distâncias enormes a percorrer.
Entretanto, o Santo Bispo não podia deixar seus súditos privados de sólida formação doutrinária. Podemos imaginar, então, as angústias causadas por tal situação. Para avaliarmos o problema, lembremos que somente 50 anos após a morte de São Gregório de Nissa, no Concílio de Nicéia foi  elaborado um Credo oficial, com a finalidade de estabelecer a autêntica e única verdade de Fé.
*     *     *
Como vimos, Nossa Senhora resolveu o angustiante problema de um modo muito especial e materno. Assim como Ela o solucionou e protegeu a Fé incipiente dos primeiros cristãos, peçamos-Lhe que nos preserve dos erros contemporâneos, em meio à terrível confusão dos dias atuais.
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Nota:
(*) Le ciel sur la Terre, les apparitions de la Vierge au Moyen âge, Sylvie Barnay, Ed. les Editions du Cerf, Milano, 1999, pg. 16-18.

 

FONTE: LEPANTO (Uma aparição mariana no século III)

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