MISTÉRIO
DA REDENÇÃO
Centro luminoso do ano litúrgico, o grande
mistério pascal celebra o amor do Filho de Deus em remir os homens.
O nascimento, a vida oculta e pública do Salvador
oferecem exemplos de santidade; a sua doutrina apresenta o caminho do céu Jesus
não é somente a causa exemplar, isto é, o modelo em que nos devemos amoldar. É
também a causa meritória e eficaz de
nossa salvação, isto é, o autor desta, porque mereceu para nós com sua Paixão e
Morte.
O ciclo pascal compreende três tempos:
Preparação, Celebração e Prolongamento.
A Preparação,
nas suas três fases, mostra-nos o caminho que devemos seguir para chegarmos
preparados à celebração da Páscoa. Ei-las:
1º - O Tempo
da Setuagésima, preparação remota, apresenta a criação, elevação e queda do
homem;
2º - O Tempo
da Quaresma, preparação próxima, apresenta o homem reparado o próprio
pecado com o arrependimento e a penitência;
3º O Tempo
da Paixão, preparação imediata, apresenta o Salvador reparando, com sua
Paixão e Morte, os pecados da humanidade.
A Celebração
– festa e Oitava da Páscoa – lembra a vitória de Jesus sobre o pecado e a
morte.
O Prolongamento
– as cinco semanas da Páscoa – representa o triunfo final de Jesus e da
humanidade, por ele remida.
1. Preparação remota: Tempo
da Setuagésima
Criação e queda do homem
Esse Tempo – que simboliza a criação, a elevação
e a queda do homem – compreende dezessete dias começa com o domingo da
Setuagésima, abrange os domingos da Sexagésima e Quinquagésima, e vai terminar
na Quarta-feira de Cinzas, início da Quaresma.
O tempo de Setuagésima nasceu na própria
Quaresma. Esta compreendida quarenta dias de jejum rigoroso, em preparação à
Páscoa. Algumas igrejas do Oriente não jejuavam aos sábados da Quaresma, e para
supri-los incluíam na Quaresma o domingo da Quinquagésima; outras não jejuavam
nas quintas-feiras e sábados, e para supri-los incluíam na Quaresma também a Sexagésima;
outras enfim, além de não jejuar nesses dias não consideravam a Semana Santa
como parte da Quaresma, e por conseguinte incluíam nesta o domingo da
Setuagésima.
O uso oriental penetrou nalguns mosteiros do
Ocidente, passando em seguida a vigorar nalgumas províncias eclesiásticas. Já na
segunda metade do século V, Roma começou a praticar o jejum nas quartas e
sextas-feiras da Semana da Quinquagésima. Depois, o Papa Ormisda, que
pontificou de 514 a 523, estendeu o jejum a todos os dias da referida semana.
A, seguir, após dois ou três decênios, introduziu-se a Sexagésima, como breve
período de jejum atenuado. Enfim, por volta do ano 570, acrescentou-se também a
Setuagésima, talvez como reminiscência do uso de Constantinopla.
Ora, como a liturgia dos domingos da Setuagésima,
Sexagésima e Quinquagésima, supõem dias de grande período público, acredita-se
que os papas Pelágio I (556-561) e João III (561-574), ante as invasões e
devastações bárbaras na Itália, especialmente longobardas, tenham instituído,
nos três domingos do Tempo pré-quaresmal, a Missa estacional nas basílicas dos três
patronos principais de Roma, São Pedro, São Paulo e São Lourenço, para
impetrar-lhes a valiosa proteção. Mais tarde São Gregório Magno deu maior
impulso a essas três novas “estações” litúrgicas, que conservam ainda hoje o
mesmo caráter antigo.
Comentário dogmático – No tempo
da Setuagésima a Igreja lembra particularmente três verdades:
1ª – A criação do mundo. As três divinas
Pessoas, no seu infinito poder, sabedoria e bondade, tiraram do nada o céu e a
terra o que neles existe. Deus criou do nada o universo celeste, dando-lhes
grandezas, belezas, ordem e perfeição maravilhosa.
Deus criou o universo visível para sua própria perfeição
(finalidade próxima da criação), e para o bem do homem (finalidade de intermediária)
a fim de que se manifeste a perfeição, a bondade e a glória do Criador
(finalidade última).
2ª – A criação
do homem e sua elevação ao estado sobrenatural, seguindo-se a queda no pecado
original, com as terríveis consequências deste. Os nossos primogenitores
foram criados diretamente por Deus, em estado de inocência e felicidade, com
destino e dons superiores à natureza humana; porém, viram-se expoliados dessas
prerrogativas todas, por causa do gravíssimo pecado de soberba e desobediência
que cometeram, comendo o fruto proibido, e por causa da ambição indevida de se
tornarem semelhante a Deus.
3ª –
A depravação do gênero humano, a tal ponto
agravado no correr dos tempos, que Deus enviou o dilúvio universal. Mais tarde,
os judeus, em castigo de seus pecados, serviram como escravos na Babilônia,
durante setenta anos, essa longa escravidão simboliza a tremenda escravidão do
pecado da qual nos devemos libertar. O número setuagenário significa, por isso,
o tempo de prova ou seja, de tribulações e tentações, que cada cristão deve
atravessar no áspero caminho que leva ao céu.
Comentário ascético – Do que
se diz acima, conclui-se a necessidade absoluta de uma penitência recuperadora,
que deve ser o início da vida cristã. Tal penitência significa arrependimento sincero dos pecados, que
faz confessá-los e aceitar voluntariamente a reparação imposta.
O tempo da Setuagésima nos faz considerar a
gravidade do pecado, as obrigações contraídas com a justiça divina e a nossa
absoluta impotência de ressurgir, por nós mesmos, de nosso mísero estado para o
estado de amizade com Deus. O nosso espírito de arrependimento deve ser
vivificado por uma absoluta confiança em Jesus Cristo, que vencendo o pecado,
ilumina a humanidade com a vida da graça. Esta confiança em Jesus manifesta-se
na oração fervorosa e se robustece pelas boas obras.
O arrependimento e a confiança transformam a
fadiga, o sofrimento e todas as realidades tristes da vida humana em poderosos
meios para alcançar a vitória final, que é a glória eterna do Paraíso.
Destruindo do senso de humilhação que os males da vida possam apresentar, o arrependimento
e a confiança nos dão a possibilidade de auferirmos até mesmo dos males morais
o grande bem de nossa purificação e santificação.
Caráter litúrgico – Qual período
de transição entre as alegrias do Natal e a austeridade da Quaresma, o Tempo da
Setuagésima não prescreve atualmente o jejum nem proíbe o uso do órgão e as
flores nos altares; contudo já apresenta sinais de penitência nos paramentos
roxos, na leitura do Trato e na
supressão do Aleluia e do Glória in excelsis, hinos de alegrias e
júbilo.
Domingo da Setuagésima
Duplo de II classe -
Param. roxos
Estação em São Lourenço,
extra-muros
O Intróito,
a Oração e o Trato parecem retratar os tristes tempos que atravessava a Igreja
na Itália no período das grandes invasões barbáricas. A Epístola, comparando a vida cristã com uma corrida no estádio,
acena ao caminho árduo que os fiéis tinham de percorrer para chegar à basílica
estacional de São Lourenço. O sentido místico é o incitamento à observância dos
mandamentos e o “dever do sofrimento e d aluta, que segundo o Evangelho, será
dado como recompensa aos trabalhos da mística vinha da alma” (Righetti).
Reconheçamos a nossa debilidade e incapacidade de
fazer o bem, mas confiemos firmemente no auxílio de Deus, que sempre concede
suas graças a quem o invoca com coração sincero no momento da provação (Intr., Gr., Tr., Of., Com.).
Missal Romano Cotidiano Latim-Português –
Edições Paulinas - 1959
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