“Exáudi nos, Dómine, quóniam benígna est misericórdia tua: secúndum
multitúdinem miseratiónum tuárum réspice nos, Dómine.
Salvum me fac, Deus: quóniam intravérunt aquæ usque ad ánimam meam.”
2. Preparação próxima: Tempo da Quaresma
Expiação
do pecado da parte do homem
Na
linguagem corrente, a Quaresma abrange os dias que vão da Quarta-feira de
Cinzas até o Sábado Santo. Contudo, a liturgia propriamente quaresmal começa
com o primeiro Domingo da Quaresma e termina com o sábado antes do Domingo da
Paixão.
A
Quaresma pode considerar-se, no ano litúrgico, o tempo mais rico de
ensinamento. Lembra o retiro de Moisés, o longo jejum do profeta Elias e do
Salvador. Foi instituída como preparação para o Ministério Pascal, que compreende
a Paixão e a Morte (Sexta-feira Santa), a Sepultura (Sábado Santo), e a
Ressureição de Jesus Cristo (Domingo e Oitava da Páscoa).
Data
dos tempos apostólicos – A Quaresma como sinônimo de jejum observado por devoção
individual na Sexta-feira e Sábado Santos, e logo extendido a toda Semana
Santa. Na segunda metade do século II, a exemplo d e outras igrejas, Roma
introduziu a observância quaresmal em preparação para a Páscoa, limitando porém,
o jejum a três semanas somente: a primeira e quarta da atual Quaresma e a
Semana Santa. A verdadeira Quaresma com os quarenta dias de jejum e abstinência
de carne, data dos inícios do século IV, e acredita-se que, para essa instituição
tenham influído o catecumenato e a disciplina da penitência pública.
O
jejum consistia originalmente numa única refeição tomada à tardinha; por volta
do ano 1.000 antecipou-se para as três horas d atarde e no século XV tornou-se
uso comum o almoço ao meio-dia. Com o correr dos tempos, verificou-se que era
demasiado penoso a espera de vinte e quatro horas; foi-se por isso introduzido
o uso de tomar alguma coisa à tarde, e logo mais também pela manhã, costume
vigora ainda hoje. O jejum atual, portanto, consiste em tomar uma só refeição diária
completa, na hora de costume: pela manhã, ao meio-dia ou à tarde, com duas
refeições leves no restante do dia.
A Igreja prescreve, além do jejum, também a abstinência
de carne, que consiste em não comer carne ou derivados, n’aluns dias do ano,
que variam conforme determinação dos bispos locais; aliás, também os dias de
jejum são fixados pelos bispos.
A
obrigação da abstinência começa na idade de 7 anos completos; e a do jejum vai
dos 21 completos aos 60 começados. Nos dias de jejum com abstinência, estão
obrigados a guardá-los ainda os que estiverem legitimamente excusados ou
dispensados de jejum, como os menores de 21 anos e maiores de 59.
Pode-se
comer peixe nos dias de abstinência pelo fato de o peixe simbolizar a Eucaristia,
que é o alimento indispensável para a vida de nossa alma, e do qual não nos
devemos privar.
Comentário
dogmático – “Todos
pecamos, e todos precisamos fazer penitência”, afirma São Paulo. A penitência é
uma virtude sobrenatural intimamente ligada à virtude da justiça, que “dá a
cada um o que lhe pertence”: de fato, a penitência tende a reparar os pecados,
que são ultrajes a Deus, e por isso dividas contraídas com a justiça divina,
que requer a devida reparação e resgate. Portanto, a penitência inclina o pecador
a detestar o pecado, a repará-lo dignamente e a evitá-lo no futuro.
A
obrigatoriedade da penitência nasce de quatro motivos principais a saber:
1º
- Do dever de justiça para com Deus, a quem devemos honra e glória, o que lhe
negamos com o nosso pecado;
2º
- Da nossa incorporação com Cristo, o qual, inocente, expiou os nossos pecados;
nós, culpados, devemos associar-nos a ele, no Sacrifício da Cruz, com
generosidade e verdadeiro espírito de reparação;
3º
- Do dever de caridade para com nós mesmos, que precisamos descontar as penas
merecidas com os nossos pecados e que devemos, com o sacrifício, esforçar-nos
por dirigir para o bem as nossas inclinações, que tentam arrastar-nos para o
mal;
4º
- Do dever de caridade para com o nosso próximo, que sofreu o mau exemplo de
nossos pecados, os quais, além disso, lhe impediram de receber, em maior
escala, os benefícios espirituais da Comunhão dos Santos.
Vê-se daí quão útil para o pecador aproveitar o
tempo da Quaresma para multiplicar suas boas obras, e assim dispor-se para a
conversão.
Comentário
ascético – Segundo
os Santos Padres, a Quaresma é um período de renovação espiritual, de vida
cristã mais intensa e de destruição do pecado, para uma ressurreição
espiritual, que marque na Páscoa o reinício de uma vida nova em Cristo ressuscitado.
A
Quaresma tem por escopo primordial incitar-nos à oração, à instrução religiosa,
ao sacrifício e à caridade fraterna. Recomenda-se por isso
a frequência às pregações quaresmais, a leitura espiritual diária,
particularmente da paixão de Cristo, no Evangelho ou outro livro de meditação.
O
jejum e abstinência da carne se fazem para que nos lembremos de mortificar os
nossos sentidos, orientando-os particularmente ao sincero arrependimento e
emenda de nossos pecados.
A
caridade fraterna – base do Cristianismo – inclui a esmola e todas as obras de misericórdia
espirituais e corporais.
Caráter litúrgico –
Todos
os dias da Quaresma e do Advento e outros dias do ano, fazem-se as “Estações
litúrgicas”. São funções especiais nas várias igrejas de Roma, para onde na
Idade Média, o Papa se dirigia em procissão e aí fazia “estação”, celebrando
com a assistência de todos os sacerdotes das igrejas romanas. Os fiéis
reuniam-se numa igreja próxima, chamada Collécta,
nome que significa precisamente ugar de reunião”, à espera do Sumo Pontífice,
que, ao chegar, rezava uma oração. A seguir, todos em procissão dirigiam-se
para a igreja estacional, onde o Papa celebrava o Santo Sacrifício. Após a
função, os sacerdotes, levando consigo uma partícula da hóstia consagrada pelo
Papa, retornavam a suas igrejas. Celebravam então para os numerosos fiéis
impossibilitados de participar da Missa estacional. E no vinho consagrado
colocavam a referida partícula, que recebia o nome de fermento, por simbolizar e fomentar a unidade do Sacrifício Eucarístico
e a união com o Papa. Hoje resta somente o nome das oitentas e duas estações, e
a função solene nas igrejas estacionais, que somam apenas a quarenta e três, pois
em várias delas repete-se a estação.
Cada
dia da Quaresma tem sua Missa própria. Os vários formulários, que datam da
época das estações, foram compostos em vista de uma renovação espiritual dos
fiéis e uma condigna preparação dos catecúmenos para o Batismo, que se lhes
administrava no Sábado Santo. As leituras têm sempre relação com a vida dos
santos das estações.
Originalmente
a Quaresma excluía qualquer festa, devido à austeridade do tempo. Todavia, aos
poucos foram admitidas não só as festas do Senhor mas também as dos Santos. Pio
X restabeleceu em parte a primitiva austeridade litúrgica, permitindo a
celebração ferial em vez da Missa do Santo, exceto nas festas de primeira e
segunda classe.
Na
Missa solene do Tempo, os ministros sagrados usavam a casula plicada¹, que o Subdiácono depõe para o canto da Epístola e
que o Diácono substituí pelo estolão²
ao cantar o Evangelho, e daí até a Comunhão. Tal cerimônia lembra o antigo
costume de tirar a grande casula, que atrapalhava os ministros em função.
Usou-se também por alguns tempos, dobrar a casula no ombro direito, e
firmar-lhe as extremidades nas costas, do lado esquerdo, servindo-se para tanto
de um cíngulo. Isso, porém, tornava-se incômodo, além de pouco estético. Foi o
que levou a substituir a grande casula pelo estolão da mesma cor.
A
Oração sobre o Povo, que na Quaresma
se recita diariamente depois da Pós-comunhão, é de origem antiquíssima. Era a
benção que o sacerdote recitava com as mãos estendidas sobre o povo, antes de o
despedir.
Não
aparecem no Tempo Quaresmal, os símbolos da alegria: não usam tunicelas, não há
flores e o órgão silencia. Qual símbolo de penitência, a cor dos paramentos é
roxa.
Quarta-feira
de Cinzas
Privilegiada
simples - Param. roxos
Benção
das cinzas,
O
rito da benção e da imposição das Cinzas abre oficialmente a Quaresma. Já
começada à meia-noite. Os Padres dos primeiros séculos fazem frequentes referências
à penitencia “in cinere et cilicio” dos cristãos, aliás já em uso entre os
hebreus (Lição) e os pagãos. A
verdadeira penitência pública e oficial foi introduzida na igreja nos séculos V
e VI.
“O
período da penitência canônica começava na Quarta-feira de Cinzas e estendia-se
até a Quinta-feira Santa. Em Roma, no século VII, os penitentes se apresentavam
aos Sacerdotes a isso delegados, faziam sua confissão e, se era o caso,
recebiam uma veste de cilício de cinzas, ficando impedidos de entrar na igreja
e com ordem de retirar-se a algum mosteiro onde pudessem cumprir a penitência
da Quaresma” (Card. Schuster).
Em
outros lugares, os penitentes cumpriram na própria casa a penitência imposta. “Era,
porém, uso geral começar a Quaresma com a Confissão, não só para purificar a
alma, mas também para poder receber mais frequentemente a santa Comunhão no
período sagrado” (Righetti).
No
século X, caindo em desuso a penitência pública, introduziu-se o costume de impor
cinzas também aos fiéis, uso que bem cedo generalizou-se e foi aprovado por
Urbano II.
As
Cinzas que, segundo prescrevem as rubricas já em vigor no século XII, se obtém
queimando as palmas e oliveiras bentas no ano precedente no Domingo de Ramos,
são símbolo da morte e da caducidade das criaturas, (às quais o pecador se
volta quando comete o pecado): elas mesmas admoestam-no a voltar a Deus com a
penitência e a humildade. Aos fiéis que as recebem com devoção, o sacramental da
imposição das Cinzas obtém a verdadeira compunção, o perdão dos pecados, a
saúde da alma e do corpo, a vitória sobre os espíritos malignos e, sobretudo, a
graça de santificar a Quaresma.
Antes da Missa
procede-se à Benção das cinzas, feitas de ramos de oliveira (ou de outras
árvores), bentos no ano anterior. O Sacerdote deve estar revestido de pluvial
roxo (ou sem casula).
Missal Romano Cotidiano Latim-Português – Edições Paulinas - 1959
___
¹
Do latim. plicatus – dobrado: Casula usada
pelos Diáconos e Subdiáconos, em certos dias do ano litúrgico. É dobrada pela
frente e para dentro, de forma a que não passe abaixo da cinta, ou pode
tratar-se de uma casula cortada a esta altura.
² Estola larga usada pelo Diácono por ocasião
dos ofícios da Quaresma.
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