“Lembra-te,
ó homem, que és pó e em pó te hás de tornar”
Por Santo Afonso Maria de Ligório
Memento homo, quia
pulvis es et in pulverem reverteris ― «Lembra-te, ó homem, que és pó e em pó te
hás de tornar» (Gen 3, 19).
Sumário. Os insensatos que
não crêem na vida futura, estimulam-se com o pensamento da morte a
passarem bem a vida.
De maneira bem diferente devemos nós
proceder, os que sabemos pela fé que a alma sobrevive ao corpo. Nós,
lembrando-nos de que em breve temos de morrer, devemos cuidar da nossa
eternidade e por meio de oração e penitência aplacar a divina
justiça.
É com este intuito que a Igreja,
depois de por as cinzas sobre a cabeça, nos ordena o jejum da Quaresma.
I. Para compreendermos
em toda a sua extensão o sentido destas palavras, imaginemos ver uma pessoa que acaba de exalar o último suspiro. Ó Deus, a cada
um que vê esse corpo, inspira nojo e horror. Não passaram bem vinte
e quatro horas depois que aquela pessoa morreu, e já o mau cheiro se
faz sentir. É preciso abrir as janelas e queimar bastante incenso, afim de
que o fedor não infeccione a casa toda. Os parentes com pressa mandam
levar o defunto para fora da casa e entregar à terra.
Metido que foi o cadáver na
sepultura, vai se tornando amarelo e depois preto. Em seguida, aparece em todos
os membros uma lanugem branca e repelente, donde sai um pus infecto que
corre pela terra e donde se gera uma multidão de vermes. Os ratos vêm
também procurar o pasto nesse cadáver, roendo-o uns por fora, ao passo que
outros entram na boca e nas entranhas. Despegam-se e caem as faces,
os lábios, os cabelos; escarnam-se os braços e as pernas apodrecidas,
e afinal os vermes, depois de consumidas todas as carnes, consomem-se
a si próprios. E deste corpo só restará um esqueleto fétido, que com
o tempo se divide, ficando reduzido a um punhado de pó.
Eis aí o que é o homem, considerado
como criatura mortal. Eis aí o estado a que tu também, meu irmão, serás, talvez
em breve, reduzido: um punhado de pó fedorento. Nada importa
ser alguém moço o velho, são ou enfermo: a todos caberá a mesma sorte, o
que a Igreja recorda pondo as cinzas bentas indistintamente sobre a cabeça
de todos: Memento homo, quia pulvis es et in pulverem reverteris ―
“Lembra-te, ó homem, que és pó e em pó te hás de tornar”.
II. Os insensatos que
não crêem na vida futura e têm as verdades eternas por fábulas, estimulam-se,
com a lembrança da morte, a levar vida folgada e a gozarem. Comedamus
et bibamus; cras enim moriemur (Is 22, 13) ― “Comamos
e bebamos, porque amanhã morreremos”. De maneira bem diferente, porém, diz
Santo Agostinho, deve proceder o cristão, que pela fé sabe que a alma
sobrevive ao corpo, e que depois da morte deste, terá de dar contas
rigorosíssimas de tudo quanto tiver feito. ― O cristão, que se lembra que
em breve deverá deixar o mundo, cuidará da sua eternidade e procurará
aplacar a justiça divina com penitências e orações. É por isso
exatamente que a Igreja, depois de nos ter posto as cinzas sobre a
cabeça, ordena a seus ministros que notifiquem aos fiéis o jejum
quaresmal:Canite tuba in Sion:sanctificate ieiunium (Joel 2,
15) ― “Fazei soar a trombeta em Sião,
santificai o jejum”.
santificai o jejum”.
Conformemo-nos, portanto, com as
intenções de nossa boa Mãe; e como ela mesma o ordena, sejamos no santo tempo da Quaresma “mais sóbrios
em palavras, na comida, na bebida, no sono, nos divertimentos” [1];
e, o que é mais necessário, afastemo-nos mais de toda a culpa por meio de
uma vida recolhida e consagrada à oração, porquanto, no dizer de São Leão, “sem proveito se subtrai o alimento ao corpo, se o
espírito não se afasta mais da iniquidade”.
Ó meu amabilíssimo Redentor, consenti
que eu uma a minha salutar abstinência com a que Vós com tanto rigor por
mim quisestes observar no deserto. Consenti também que nesta união eu
a ofereça a vosso Pai divino, como protestação de minha obediência à Igreja, em desconto de
meus pecados, pela conversão dos pecadores e em sufrágio das
almas santas no purgatório. Tenho intenção de renovar esta oferta todos os
dias da Quaresma. “Vós, porém, ó Senhor, concedei-me a graça
de começar este solene jejum com devida piedade e de continuá-lo com devoção constante”[2], afim de que, chegada a
Páscoa, depois de ter ressurgido convosco para a vida da graça, seja digno
de ressuscitar também para a vida da glória. Fazei-o pelo amor de
Maria Santíssima. (*II 226.)
[1] Hymn. Quadr.
[2] Or. fer. curr.
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Santo Afonso Maria de Ligório. Meditações:
Para todos os Dias
e Festas do Ano:Tomo Primeiro: Desde o primeiro Domingo do Advento até Semana Santa inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 288-290.
e Festas do Ano:Tomo Primeiro: Desde o primeiro Domingo do Advento até Semana Santa inclusive. Friburgo: Herder & Cia, 1921, p. 288-290.
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