"Com um rescrito ex audientia
Sanctissimi, a Congregação para a Doutrina da Fé nos informa que outro elemento
da religião católica deve ser considerado oficialmente modificado: a doutrina
sobre a licitude da pena de morte".
A doutrina sobre a pena de morte, modernismo e Papa Francisco
Com um rescrito ex
audientia Sanctissimi, a Congregação para a Doutrina da Fé nos informa
que outro elemento da religião católica deve ser considerado
oficialmente modificado: a doutrina sobre a licitude da pena de morte.
O Catecismo publicado por João
Paulo II, embora contendo as inovações conciliares, ainda admitia (embora
teoricamente) que a autoridade civil podia impor a pena capital em casos de
extrema gravidade. Ao invés disso, a mudança no número 2267 do catecismo
mencionada acima nos informa que, ao contrário do que foi dito no passado, “a
Igreja ensina, no Novo Catecismo, à luz do Evangelho, que ‘a pena de morte é
inadmissível, porque atenta contra a inviolabilidade e dignidade da pessoa’, e
se compromete, com determinação, em prol da sua abolição no mundo inteiro”. É
especificado, seguindo a doutrina conciliar, que a dignidade humana nunca pode
ser perdida, nem mesmo devido a crimes gravíssimos (Santo Tomás de Aquino fez
um discurso oposto).
Essa inovação foi anunciada
no discurso de 11 de outubro de
2017 aos participantes do encontro promovido pelo
Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização, e comentada por nós
na Convenção de Rimini no final de outubro de 2017.
Por mais grave que seja a alteração da doutrina católica já num enésimo ponto,
gostaríamos de sublinhar quais princípios provêm de tal possibilidade,
princípios especialmente enfatizados pelo Papa Francisco no discurso aqui
mencionado. De onde pode vir o conhecimento de uma doutrina diferente da
transmitida? Talvez as fontes do Apocalipse tenham sido lidas com mais
precisão? Talvez até agora a infalibilidade tenha cochilado? O Papa Francisco
responde enunciando a típica doutrina modernista sobre a evolução do dogma, ao
mesmo tempo em que faz um apelo completamente retórico ao “Evangelho”. Vamos
ver o que diz o discurso mencionado acima.
O Papa Bergoglio afirma
claramente, em relação ao catecismo, que “não basta encontrar uma nova
linguagem para expressar a fé de sempre; é necessário e urgente também que,
perante os novos desafios e perspectivas que se abrem à humanidade, a Igreja
possa exprimir as novidades do Evangelho de Cristo que, embora contidas na
Palavra de Deus, ainda não vieram à luz”. Não se iludam aqueles que veem no
novo curso eclesial uma simples mudança de linguagem: a fé de sempre não basta,
nem é suficiente encontrar uma maneira de expressá-la de forma adequada ao
homem de hoje — um verdadeiro processo profético deve entrar em ação, atendendo
às necessidades (“desafios”) do homem moderno como uma verdadeira fonte de
revelação divina. Francisco torna-se ainda mais explícito: “conhecer Deus não é
primariamente um exercício teórico da razão humana, mas um desejo inextinguível
impresso no coração de cada pessoa. É o conhecimento que provém do amor, porque
encontramos o Filho de Deus no nosso caminho (cf. Carta enc. Lumen fidei, 28)”.
Palavras que são aparentemente fascinantes, mas que revelam o pensamento
modernista sobre a fé: não há verdades reveladas para serem aceitas, mas um
“desejo” do divino que está dentro do homem. Obviamente, esse desejo não está
relacionado com a revelação de verdades externas ao homem (aceitas pela razão
iluminada pela fé — e por isso mesmo imutáveis), mas pode ser explicado de
diversas maneiras, dependendo das circunstâncias dos tempos ou lugares: assim
nascem as várias religiões, e assim são infinitas as mudanças nas doutrinas, de
acordo com as necessidades e sensibilidades dos tempos. Uma sociedade religiosa
organizada como a Igreja Católica não poderá ignorar a mudança de sensibilidade
e, no devido tempo, terá de fazer a própria experiência de seu momento
histórico que, ao reler o Evangelho, descobre “coisas novas”. Aqueles que não o
fizeram, indubitavelmente resistiram ao “Espírito Santo”, que seria apenas o
espírito do mundo e da história. A operação, concluída com êxito, pela
liberdade religiosa e ecumenismo no Concílio e pela “família” no sínodo do Papa
Bergoglio, é agora estendida ao tema sensível da pena de morte.
Efetivamente, o Papa prossegue de
maneira ainda mais explícita: “Esta problemática [da pena de morte] não pode
ficar reduzida a mera recordação histórica da doutrina, sem se fazer
sobressair, por um lado, o progresso na doutrina operado pelos últimos Pontífices
e, por outro, a renovada consciência do povo cristão, que recusa
uma postura de anuência quanto a uma pena que lesa gravemente a dignidade
humana. Deve afirmar-se energicamente que a condenação à pena de morte é uma
medida desumana que, independentemente do modo como for realizada, humilha a
dignidade pessoal”. Aqui a “renovada consciência do povo” é claramente
apresentada como uma “fonte” da doutrina católica. E continua: “A Tradição é
uma realidade viva; e somente uma visão parcial pode conceber o ‘depósito da
fé’ como algo de estático. A Palavra de Deus não pode ser conservada em
naftalina, como se se tratasse de uma velha coberta que é preciso proteger da
traça! Não. A Palavra de Deus é uma realidade dinâmica, sempre viva,
que progride e cresce, porque tende para uma perfeição que os homens não podem
deter”. O apelo contra uma revelação permanente é claro: não se deve
transmitir (seria “conservar em naftalina”), mas progredir em direção a um
“cumprimento”, de modo incessante, sob pena de pecado contra o Espírito Santo,
explicitamente evocado um pouco abaixo: “Não se pode conservar a doutrina
sem a fazer progredir, nem se pode prendê-la a uma leitura rígida e imutável,
sem humilhar a ação do Espírito Santo. Deus, que ‘muitas vezes e de
muitos modos, falou aos nossos pais, nos tempos antigos’ (Heb 1, 1), ‘dialoga
sem interrupção com a esposa do seu amado Filho’ (Dei Verbum, 8). E nós
somos chamados a assumir esta voz com uma atitude de ‘escuta religiosa’ (ibid.,
1), para permitir que a nossa existência eclesial progrida, com o mesmo
entusiasmo dos primórdios, rumo aos novos horizontes que o Senhor pretende
fazer-nos alcançar”.
Não se poderia esperar uma
exposição mais clara da doutrina modernista sobre a evolução do dogma, embora o
Papa Francisco repita várias vezes que “não se trata de uma mudança de
doutrina”. Aqueles que pensam como católico e acham que a doutrina da Igreja
corresponde a uma revelação concluída que deve ser transmitida, não deixará de
ver a contradição irreconciliável, e é preciso perguntar se a Igreja errou até
agora ou se errou o Papa Francisco; em última análise, se Cristo disse que a
pena de morte é lícita ou o contrário. O modernista, por outro lado, não verá
contradições: Deus não revelou uma doutrina, mas está dentro de nós, e a ideia
que nos foi dada pelo “Cristo histórico” (quem sabe o que ele disse: não havia
registradores…) nos faz viver uma experiência religiosa que compartilhamos na
Igreja, com fórmulas acordadas entre nós. Esta é a ação “profética” do
“Espírito Santo”, que nunca cessa, especialmente quando tentamos reviver “o
entusiasmo dos primórdios”. Assim, harmonizemos nossas necessidades e desejos
renovados em novas fórmulas, sugeridas a nós pelo espírito da história que é o
próprio Deus, e ao qual não devemos resistir (e que, em qualquer caso, não pode
ser “detido”). Exatamente a doutrina que São Pio X condenou na
encíclica Pascendi.
No momento em que tal variação
doutrinária é imposta aos fiéis de maneira oficial, é dever de todos permanecer
fiel à doutrina tradicional definida pela Igreja e professá-la, na forma e nos
momentos apropriados, assim como fez Mons. Lefebvre contra os erros do
Concílio.
Bom dia Roosevelt.
ResponderExcluirA pena capital sempre foi e será um tema espinhoso. Porém, a Igreja, por séculos, manteve se posicionamento sobre a questão, entendendo ser lícita sua aplicação em determinados casos. Sendo dever de todo fiel manter-se na linha adotada pelo Magistério.
O problema das mudanças pós-conciliares é sua vinculação a uma nova teologia, ou, melhor dizendo, sua vinculação a uma interpretação da religião como experiência em constante progressão, dependente apenas do homem, e não como um dado revelado. Daí a evolução(sic) não só do dogma, mas da doutrina. Isto para não mencionar as mudanças na liturgia.
Fica evidente que a visão progressista-modernista é agnóstica, ou seja, não tem mais a fé.
Resistamos firmes na fé, pois, com a Graça de Deus Todo Poderoso, nestes tempos confusos.