De um modo geral, os livros e a mídia mencionam "O Milagre do Sol" muito superficialmente, às vezes de
modo incompleto e bastante resumido, sem destacar o colorido e o esplendor do
acontecimento, e com esse procedimento, proporcionam uma ideia extremamente
modesta que não realça o valor da ação de DEUS. Todavia, na realidade foi uma
ocorrência única, deslumbrante e admirável, que impressionou a todas as
pessoas. Por essa razão, decidimos buscar na origem as informações do fato, a
fim de apresentar integralmente uma correta e minuciosa descrição do fenômeno
utilizado pelo CRIADOR para atestar de maneira veemente e definitiva, a vinda
de NOSSA SENHORA à Fátima e também, com a finalidade de autenticar e colocar em
realce, o conteúdo da Missão da Divina Mãe.
Já haviam decorrido as duas primeiras
aparições de NOSSA SENHORA em Fátima, quando Lúcia, no dia 13 de Julho de 1917
dirigiu à SANTÍSSIMA VIRGEM MARIA este pedido:
- “Queria pedir-LHE para nos dizer quem é, para
fazer um milagre com que todos acreditem que Vossemecê nos aparece.”
NOSSA SENHORA respondeu:
- “Continuem a vir aqui todos os meses. Em Outubro
direi quem sou o que quero e farei um Milagre que todos hão de ver, para
acreditar.”
O Milagre é Obra Divina e somente ele, é que coloca
o sinete de DEUS nos acontecimentos, para provar a sua veracidade.
Dessa forma, a Missão de NOSSA SENHORA foi
plenamente confirmada com a realização do Milagre do Sol, no dia 13 de Outubro
de 1917. Ele foi anunciado com 92 dias de antecedência, a fim de que uma
maioria de pessoas soubessem da profecia e se interessassem em conferir a
realidade.
No dia e à hora anunciada, aconteceu o fenômeno
nunca visto antes, presenciado e testemunhado por milhares de pessoas
estarrecidas e maravilhadas com sua grandeza e inconfundível beleza.
Também foi testemunha o jornalista Avelino de
Almeida, que fora enviado pelo diário “O
Século”, para relatar as ocorrências daquele dia, na Cova da Iria. Assim, com
os seus próprios olhos viu “as
coisas espantosas” e nesse jornal
diário, no dia 15 de Outubro, sob o título: “Como
o Sol bailou ao meio dia em Fátima” descreveu
todos os fatos deslumbrantes e memoráveis que teve a felicidade de presenciar.
Naquele dia começou a chover às 11 horas e na hora
marcada chovia torrencialmente! Mas a multidão de 70.000 pessoas esperou
pacientemente durante 4 horas a chegada dos Pastorzinhos. O terrível temporal
molhou as roupas, o corpo e até os ossos de todos que estavam lá, deixando
poças por todos os lados com uma espessura de até 10 centímetros de água, além
de estar soprando um vento úmido, incômodo e muito frio. O Milagre fora marcado
para as 12 horas. E exatamente à essa hora, as nuvens escuras carregadas de
água de repente desmancharam-se no firmamento.
Apareceu em Fátima um maravilhoso arco-íris ao meio dia,
muito embora pela posição do sol, os arco-íris somente acontecem pela manhã ou
a tarde. Contudo ali estava um arco-íris especial e suas cores brilhavam com
uma intensidade cem vezes superior a cor dos arco-íris normais, formando ao
invés de um arco abobadado como habitualmente, formou uma grande faixa
perpendicular com 12 metros de altura que cobriu homens, muros e árvores. A
multidão pareceu ver por cima o céu azul, mas era apenas uma ilusão de ótica.
Porque na realidade, as pessoas olhavam não para o sol planetário, atrelado a
sua órbita, mas para um disco na mesma dimensão do sol, que parecia dourado a
uns observadores, prateado a outros, ou ainda na cor de salmão, ou também, como
se fosse um disco multicolorido que mudava a sua cor. Entretanto, o que
espantava não era o disco, mas sim a faixa circular de luz ao redor dele, que
crescia rapidamente de luminosidade e derramava o seu admirável brilho sobre a
multidão, sem cegar os olhos, envolvendo todos os presentes numa luz difusa,
como se fosse uma meia sombra sem, contudo, projetar uma imagem de sombra em
qualquer direção!
O disco começou a girar neste mar de luz celestial,
imprimindo cada vez mais velocidade, aumentando o seu movimento de rotação,
projetando feixes de luzes coloridas em todas as direções, que encantava a
todos os observadores. Acontecimento lindo que fascinava e fazia lembrar as "rodinhas" (fogos de artifício), mas muito mais
intenso e mais fantástico! E assim permaneceu durante 2 minutos. Depois parou.
Fez uma pausa cerca de 1 minuto e logo recomeçou num segundo ato, mais vibrante
e de uma maneira diferente da anterior. Sob o intenso campo luminoso do céu, o
disco passou a se movimentar mudando continuamente de posição e também mudando
de cor: dourado, prateado, azul, vermelho, amarelo canário, verde, etc.,
proporcionando a impressão mais bonita e surpreendente. Agora o disco começou a
dar pulos, eram saltos triangulares com tão grande agilidade que imitava um
ritmo, ou talvez uma dança popular. A seguir, depois de mostrar uma agitação
oscilatória fez uma nova pausa. Assim permaneceu por mais 1 minuto e logo,
recomeçou de modo impressionante o terceiro ato. O disco como um foguete, num
aumento crescente de velocidade, se projetou em direção a terra sobre a
multidão, como se fosse massacrar o povo, e de repente, evitando a colisão,
parou próximo ao solo, que de tão perto dir-se-ia poder alcança-lo com as mãos,
e retornou velozmente. Agora, mudando a sua trajetória, fazendo aquele
movimento de zigzag em direção ao verdadeiro sol planetário, que por fim o
absorveu, ou seja, ficaram superpostos, aparecendo só o disco solar que rompeu
as nuvens mais altas com a força de seu brilho e iluminou toda a multidão. As
muitas nuvens que existiam dispostas no espaço a milhares de metros de
distância uma das outras, foram movidas com precisão sensacional e de tal
maneira sobrepostas, que o sol verdadeiro perdeu o brilho e nenhuma das 70.000
pessoas que presenciavam o fenômeno, sofreu danos na retina ocular. Neste
momento veio uma onda de calor e de repente, todas as roupas molhadas
secaram-se numa fração de tempo e a água das poças e dos charcos evaporou-se. Em
menos de 2 minutos a água pantanosa e a lama fria transformaram-se em suave
beleza campestre! Essa onda de calor foi sentida agradavelmente por algumas
pessoas e por outras nem sequer foi notada. Quando terminou aquela notável
apresentação tudo estava completamente seco.
Muitos estavam profundamente comovidos. Rezavam em
voz alta, pediam a DEUS o perdão de seus pecados. Contudo é importante
ressaltar, que a extraordinária dança do disco solar não constituiu uma ameaça
e nem trouxe terror em nenhum momento, mas trouxe sim, um estimulo vigoroso que
convidava todas as pessoas a viverem com alegria e a cultivarem a fé com
atenção, devoção e um fervoroso ardor.
O Milagre teve a duração de 12 minutos.
O Milagre teve a duração de 12 minutos.
Na realidade, naquele dia estava acontecendo dois
Milagres, ou melhor, um Milagre dentro do outro. Depois que NOSSA SENHORA se
despediu, enquanto a multidão apreciava os fenômenos extraordinários com as
manifestações mais impressionantes e surpreendentes do disco solar, e também se
admiravam com a atuação da chuva, do vento e daquele maravilhoso festival de
cores, os três Pastorzinhos receberam visitas inesquecíveis. Vamos acompanhar as
palavras da Irmã Lúcia. Ela descreve em sua Quarta Memória as ocorrências do
dia 13 de Outubro de 1917.
"Saímos de casa bastante cedo, contando com as
demoras do caminho (as pessoas
que se aproximavam, faziam pedidos, queriam orações ou narravam alguma ocorrência).O
povo era em massa. A chuva, torrencial. Minha mãe, temendo que fosse aquele o
último dia da minha vida, com o coração retalhado pela incerteza do que iria
acontecer, quis acompanhar-me. Pelo caminho, as mesmas cenas do mês passado,
mais numerosas e comovedoras. Nem a lamaceira dos caminhos impedia essa gente
de se ajoelhar na atitude mais humilde e suplicante. Chegados à Cova da Iria,
junto da carrasqueira, levada por um movimento interior, pedi ao povo que
fechasse os guarda-chuvas para rezarmos o Terço.
Pouco depois, vimos o reflexo da luz e, em seguida, NOSSA SENHORA apareceu
sobre a carrasqueira.
- “Que
é que Vossemecê quer?” foi a
pergunta de Lúcia.
-"Quero dizer-te que façam aqui uma Capela em
Minha honra, que Sou a SENHORA DO ROSÁRIO, que continuem sempre a rezar o Terço
todos os dias. A guerra (1ª
Guerra Mundial) vai acabar e os
militares voltarão em breve para suas casas."
- "Eu tinha muitas coisas para LHE pedir: se
curava uns doentes e se convertia uns pecadores, etc."
- "Uns, sim; outros não. É preciso que se
emendem, que peçam perdão dos seus pecados."
E tomando um aspecto com as feições mais triste, ELA
disse:
- “Não
ofendam mais a DEUS NOSSO SENHOR que já está muito ofendido!”
Descreveu a Irmã Lúcia: "E abrindo as mãos, projetou
feixes de luz que refletiram no Sol. E enquanto se elevava da azinheira para o
Céu, continuava o reflexo da Sua própria luz a projetar-se no Sol.”
Lúcia emocionada gritou: "Olhem, olhem para o Sol".
Depois ela explicou: "O meu fim
não era chamar para si a atenção do povo, pois que nem sequer me dava conta da
sua própria presença. Fi-lo apenas levada por um movimento interior que a isso
me impeliu."
Naquele exato momento "as nuvens desapareceram num
instante, a chuva terminou e apareceu o sol que tinha uma cor prateada e não
cegava". E então, começaram as duas manifestações sobrenaturais distintas:
a dos Pastorzinhos e aquela da multidão que foi apresentada acima.
Lucia continua a descrever:
-"Desaparecida NOSSA SENHORA na imensa distância
do firmamento, vimos, ao lado do Sol, São José com o Menino JESUS e NOSSA
SENHORA vestida de branco, com um manto azul. São José com o Menino JESUS
pareciam abençoar o Mundo com uns gestos que faziam com a mão em forma de cruz.
Pouco depois, desvanecida esta aparição, vi NOSSO SENHOR e NOSSA SENHORA que me
dava a ideia de ser NOSSA SENHORA DAS DORES. NOSSO SENHOR parecia abençoar o
Mundo da mesma forma que São José. Desvaneceu-se esta aparição e pareceu-me ver
ainda NOSSA SENHORA em forma semelhante a NOSSA SENHORA DO CARMO."
Esta extraordinária manifestação sobrenatural,
representa mais um supremo esforço do Amor de DEUS, objetivando acordar a
humanidade do torpor do pecado, atraindo todos os seus filhos à conhecerem a
Verdade Cristã e a se dedicarem com entusiasmo e devoção, ao estabelecimento de
uma sincera e permanente amizade com o SENHOR, procurando cultivar em
plenitude, o direito, a justiça e o amor fraterno. A grandeza do acontecimento,
testemunha a dimensão infinita do poder Divino e coloca na mente e no coração
da humanidade, a imensidão da felicidade que a amizade e o amor de DEUS
proporcionam a todos os seus filhos, que buscam a sua tão querida e eficaz
proteção.
OS TRES PEQUENOS PASTORES
Aljustrel é uma pequena localidade próximo a
Fátima, onde vivem poucas famílias.
Entre elas residiam as famílias "Dos
Santos" e "Marto" , que eram parentes. Maria dos Santos
teve sete filhos sendo Lúcia de Jesus (22/03/1907) a última. Sua parenta
Olímpia, esposa de Manuel Pedro Marto, eram os pais de Francisco (11/03/1908) e
Jacinta (10/03/1910). Olímpia era irmã do pai de Lúcia, em consequência Lúcia,
Francisco e Jacinta eram primos.
Muitos anos mais tarde, em
carta escrita ao Bispo de Leiria, Lúcia descreve com pormenores comovedores a
sua infância feliz. Sendo a filha mais nova foi muito mimada pelas irmãs mais
velhas e era sempre lembrada nas brincadeiras, nos passeios e nas festas.
Também se recorda com muita ternura e alegria do dia em que fez a primeira
comunhão. Descreve assim: "Já
vestida com o meu vestido branco, a minha irmã Maria levou-me à cozinha para
pedir perdão aos meus pais, para lhes beijar a mão e lhes pedir a benção. Ao
terminar esta cerimônia, a mãe fez-me as últimas recomendações. Disse-me o que
eu devia pedir a NOSSO SENHOR, quando ELE estivesse dentro de meu peito e
deixou-me com estas palavras: Sobretudo pede a NOSSO SENHOR que faça de ti uma
Santa. Estas palavras ficaram gravadas de forma inesquecível no meu coração e
foram as primeiras que eu disse a NOSSO SENHOR depois de o ter recebido".
A amizade com os primos
Francisco e Jacinta cresceu quando eles foram juntos apascentar as ovelhas.
Francisco era um menino tranquilo e um pouco calado. Só falava o absolutamente
necessário, assim mesmo, depois de muita insistência. Gostava da solidão e só
participava dos jogos quando era convidado. Gostava de tocar pífaro, de cantar
e também tinha prazer em admirar a natureza. Sempre dava de comer as aves,
brincava com os lagartos e as cobras pequenas, aos quais dava o leite das
ovelhas. Jacinta tinha o gênio completamente diferente do irmão: era sensível e
cuidadosa, era muito viva, esperta e teimosa, mas era também muito delicada e
gentil. Ela também gostava dos animais, sempre brincava com os cordeirinhos e
as vezes levava um para casa nas costas, para o animal não se cansar.
Durante as Aparições do Anjo,
eles tiveram a oportunidade de sentir a magnitude do delicioso prazer de estar
diante do sobrenatural, embora fosse apenas o prelúdio do extraordinário evento
que estava para acontecer. Foi como se a visita do Anjo, fosse um meio de
prepara-los, para o incomparável evento da suprema visita da MÃE DE DEUS.
Quando NOSSA SENHORA os
visitou, transformou os seus dias numa felicidade
sem limites. Foram inundados pela imensidão do Amor de DEUS e suas vidas se
transformou numa doce e terna preocupação de querer retribuir, para agradar
muito mais a DEUS e a VIRGEM MARIA. Rezavam com fervor, flagelavam o corpo e se
submetiam a duras e difíceis penitencias, por iniciativa própria, objetivando
consolar e desagravar o Sagrado Coração de Jesus e o Imaculado Coração de
Maria, por causa de todas as blasfêmias, das maldades, das injúrias e de todos
os pecados cometidos contra eles.
Mas também foi naquele período
que eles viveram momentos de intensa angústia e aflições. À medida que os fatos
se tornavam do conhecimento público, muita gente levada pelo despeito e pela
inveja criticavam e zombavam deles, pois imaginavam que era mentira ou
brincadeira de mal gosto das crianças. Os seus próprios pais e irmãos,
inicialmente não acreditavam no que os filhos diziam e não lhes davam a mínima
importância. Com a sucessão dos acontecimentos e a continuidade das Aparições
foi que começaram a acreditar. O povo passou a acompanhá-los nos "encontros com NOSSA
SENHORA", a princípio timidamente, somente movidos pela curiosidade,
embora algumas pessoas ficassem impressionadas com a simplicidade e a
espontaneidade daquelas crianças tão pequenas e com um comportamento tão
adulto, e por isso mesmo, decidiram acreditar. Porque também elas começaram a
perceber os fenômenos que aconteciam na natureza, quando a MÃE DE DEUS
conversava com as crianças: o sol perdia o brilho e podia-se ver a lua e as
estrelas; uma cor amarelada envolvia toda a atmosfera; uma pequena nuvem
envolvia a azinheira onde estava a VIRGEM MARIA e os videntes; e também, caía
do Céu uma chuva de flocos de neve que não chegava a tocar o chão, mas se
desfazia a certa altura. Mas, as autoridades, pelo contrário, não estavam
satisfeitas com aquela aglomeração e movimentação de pessoas na Cova da Iria e
por isso, tentaram por diversos modos proibir a frequência do povo. Como nada
conseguiram, decidiram pressionar as crianças: primeiro com interrogatórios
forçados e depois com ameaças, chegando ao absurdo de prendê-los na cadeia
municipal, numa cela junto com malfeitores.
Depois das Aparições, a vida
dos três priminhos resumiu-se no ascendente propósito de intensificar as suas
orações, penitências e jejuns, suplicando pela conversão dos pecadores, para
consolar o Coração do SENHOR DEUS.
Por ordem de seus pais, somente
a Lúcia continuou pastoreando o rebanho de ovelhas, até uma certa época, quando
decidiu ir para o Convento. A Jacinta e o Francisco ficaram com a tarefa de
atender as pessoas que os procuravam, respondendo todas as perguntas que faziam
sobre as Aparições. Mas frequentemente eles desapareciam, sem que ninguém os
pudesse encontrar. É possível que fossem para a gruta do Monte Cabeço e em
companhia de Lúcia, ficassem rezando o Terço, a Oração do Anjo e fazendo
sacrifícios que só NOSSO SENHOR conhece. Quando frequentavam a escola,
aproveitavam a proximidade da Igreja, para visitar JESUS Sacramentado. Jacinta
queria falar e passar muito tempo ao lado de "JESUS
escondido". Francisco também, até faltava as aulas e permanecia na Igreja,
ao lado de "JESUS
escondido".
No dia 23 de Dezembro de 1918,
Francisco e Jacinta foram atacados por uma epidemia de broncopneumonia que
tinha se alastrado por toda a Europa e adoeceram gravemente. O caso do
Francisco foi mais complicado e o organismo dele não resistiu. Recebeu a
Primeira Comunhão Eucarística com "grande lucidez e piedade" e ficou radiante de felicidade. Disse
para a Jacinta:
- "Hoje sou mais feliz do
que tu, porque tenho dentro de meu peito "JESUS
escondido".
Faleceu no dia seguinte,
sexta-feira, dia 4 de Abril de 1919, às 22 horas, com o rosto iluminado por um
sorriso angélico, sem agonia e nem dores.
Lúcia e Jacinta sentiram muito
a morte dele, principalmente a irmãzinha, por estar
com o organismo enfraquecido pela pneumonia. Nas semanas seguintes, Jacinta
contraiu uma pleurisia purulenta, seguida de outras complicações, que por
conselho médico, foi levada para o Hospital de Vila Nova de Ourém. Muito pouco
resolveu a internação, voltou para casa com uma ferida aberta no peito, à qual
devia fazer curativos diários, e por causa dela sofria muito. Guardava
silêncio, não queria demonstrar o seu sofrimento, porque oferecia todas as suas
dores pelos pecadores, para reparar o Coração Imaculado de Maria, por amor a JESUS
e pelo Santo Padre. Viajou para Lisboa com a mãe, por insistência do Dr. Eurico
Lisboa, que visitava Aljustrel em meados de Janeiro de 1920, porque viu que ela
necessitava de um tratamento mais especializado.
Na capital portuguesa, pelo
fato de seu estado de saúde ser extremamente grave, foi rejeitada por diversas
Casas de Saúde e só encontrou hospedagem na pobreza do Orfanato de NOSSA
SENHORA DOS MILAGRES, na rua da Estrela, 17. Conta a Irmã Superiora, Madre
Maria da Purificação Godinho, que imediatamente reconheceu nela o
extraordinário tesouro que o Céu havia colocado em suas mãos. Sua paciência, o
notável espírito de oração e sua obediência, aliadas a uma inocência belíssima
e a uma modéstia nata, influiu diretamente no comportamento das outras crianças.
Recebia a Sagrada Comunhão
diariamente e sentia-se feliz de viver embaixo do mesmo teto onde estava JESUS
Sacramentado.
Por mais de uma vez recebeu a
visita de NOSSA SENHORA. Como não tinha mais a Lúcia e o Francisco para
confidenciar-lhes os seus segredos, escolheu a Madre Godinho, a quem chamava de
Madrinha. Dentre as muitas anotações feitas pela Madre das conversas da Jacinta
com nossa MÃE SANTÍSSIMA, relacionamos o seguinte:
"Os pecados que levam mais
almas para o Inferno, são os pecados da carne. Hão de vir umas modas que vão
ofender muito a NOSSO SENHOR. As pessoas que servem a DEUS não devem andar com
a moda. A Igreja não tem modas. NOSSO SENHOR é sempre o mesmo. Os pecados do
mundo são muito grandes. As guerras são castigos por causa dos pecados do
mundo. NOSSA SENHORA já não consegue sustar o braço de seu FILHO sobre o mundo.
É preciso fazer penitência."
No dia 2 de Fevereiro de 1920,
depois de se confessar e comungar, foi dizer adeus a "JESUS escondido" no sacrário da pequena Igreja do
Orfanato, porque despedia-se da Casa de NOSSA SENHORA DOS MILAGRES, para ser
internada no Hospital D. Estefânia, para ser operada.
A operação não deu resultado.
Na sexta-feira, dia 20 de Fevereiro, pediu os últimos Sacramentos, porque
sentia-se muito mal. As 22horas e 30minutos deste dia NOSSA SENHORA veio
buscá-la para o Céu. Jacinta morreu com muita paz, assistida apenas por uma enfermeira.
Lúcia ficou muito triste quando
soube do acontecimento, principalmente porque estava muito longe e não pode
acompanhar a doença da Jacinta e consolar os seus sofrimentos.
A Jacinta e o Francisco foram
beatificados pelo Papa João Paulo II em cerimônia solene no Santuário de Fátima no dia
13 de Maio de 2000.
Agora, Lúcia estava só sem os
seus queridos priminhos. Conforme tinha anunciado NOSSA SENHORA, ela ainda
ficaria algum tempo aqui para divulgar e propagar a devoção ao Imaculado
Coração de Maria. Lúcia viveu uma existência de labor, fazia o trabalho de casa
e ajudava a mãe nas arrumações e na costura. Mas em virtude de sua
popularidade, por causa das Aparições, todos queriam vê-la, conversar com ela,
pedir orações e inclusive, queria que ela pegasse em determinados objetos os
quais depois eram zelosamente guardados pelos possuidores como recordação.
Visitantes apareciam em quantidade e até vinham em peregrinação com o objetivo
de estar com ela. Ela não se acostumava com aquela evidência, e também, com
aquelas constantes solicitações, porque representava um sacrifício monstruoso,
muito além de seu limite pessoal. Por isso, as vezes entristecia e não poucas
vezes, chorava às escondidas. Permaneceu nesta "roda viva", em companhia
dos pais e irmãos, até maio de 1920.
Em 17 de Maio foi admitida no
Asilo de Vilar, na cidade do Porto, dirigido pelas irmãs religiosas de Santa
Dorotéia, onde ouviu a voz de NOSSO SENHOR que a chamou para a vida religiosa.
Foi para Tuy na Espanha e a 2 de Outubro de 1926, entrou no noviciado do
Instituto das Irmãs de Santa Dorotéia. Com o hábito da irmandade, recebeu o
nome de Maria Lúcia das Dores e foi destinada aos trabalhos domésticos. Fez a
profissão religiosa dos votos temporários a 3 de Outubro de 1928 e seis anos
depois, em 3 de Outubro de 1934, fez os votos perpétuos.
Com a eclosão da revolução
espanhola em 1936, ela com outras irmãs, foram transferidas para o Colégio de
Sardão, em Vila Nova de Gaia, no Porto. Ali recomeçaram as entrevistas, as
constantes visitas, os inoportunos e exaustivos interrogatórios, que fizeram
com que ela decidisse deixar as Religiosas de Santa Dorotéia e entrar no
Convento de Santa Teresa, para viver isolada do mundo, no claustro. E conseguiu
obter, depois de várias tentativas, a desejada autorização diretamente de Sua
Santidade o Papa Pio XII.
No dia 23 de Março de 1948
entrou no Carmelo de Coimbra. A 13 de Maio vestiu o hábito das Carmelitas
Descalças e a 31 de Maio de 1949, emitiu a profissão solene com o nome de "Irmã Maria Lúcia de JESUS e do
Coração Imaculado".
Desenvolveu uma atividade
notável dentro do Convento em benefício da conversão dos pecadores, incrementou
a difusão e a veneração ao Imaculado Coração de Maria, propagou e estimulou a
reza cotidiana do Terço, se empenhou em orações pela saúde e proteção de Sua
Santidade, o Santo Padre o Papa e também, procurou divulgar com intensidade a
Comunhão Reparadora nos cinco primeiros sábados de cada mês para consolo e
desagravo do Sagrado Coração de JESUS e do Imaculado Coração de Maria. Dedicou
sua vida a oração, à contemplação e a penitência. Também exercitou grande
atividade literária e manteve uma imensa correspondência. Utilizava uma maquina
de escrever elétrica com um monitor com muitas memórias. Escreveu as Suas
Memórias (2 volumes) e Apelos da Mensagem de Fátima, que foram traduzidos em
diversos idiomas. Gostava também de confeccionar trabalhos manuais. Com
habilidade e beleza, fabricou milhares de terços. Faleceu com 97 anos de idade
no dia 13 de Fevereiro de 2005, no Carmelo português de Santa Teresa, em
Coimbra. NOSSA SENHORA veio buscá-la às 17horas e 25minutos. O jornal da Santa
Sé "L'Osservatore Romano" escreveu recordando a carmelita: Fecharam-se docemente aqueles olhos
que viram os OLHOS da VIRGEM. Todas as realidades do país se detiveram para
render homenagem à grandiosa figura de uma pastorinha que com a "força escondida" da oração e da fé, soube tocar os
corações de todos.
"O
Século" noticia:
O MILAGRE DO SOL
O jornal "O
Século" publica um artigo de Avelino de Almeida, onde este descreve o que
presenciou na Cova da Iria no dia 13 de Outubro de 1917.
COISAS ESPANTOSAS!
COMO O SOL BAILOU AO MEIO DIA EM FÁTIMA
As aparições da Virgem - Em que consistiu o sinal do céu - Muitos milhares de pessoas afirmam ter-se produzido um milagre - A guerra e a paz
Lucia, de 10 anos;
Francisco, de 9, e Jacinta, de 7, que na charneca de Fátima, concelho de Vila
Nova de Ourem, dizem ter falado com a Virgem Maria
OUREM, 13 de
Outubro
Ao saltar, após demorada viagem, pelas dezasseis horas de honrem, na estação de Chão de Maçãs, onde se apearam tambem pessoas religiosas vindas de longes terras para assistir ao "milagre", perguntei, de chofre, a um rapazote do "char-á-bancs" da carreira se já tinha visto a Senhora. Com seu sorriso sardoico e o olhar enviezado, não hesitou em responder-me:
- Eu cá só lá vi pedras, carros, automoveis, cavalgaduras e gente!
Por um facil equivoco, o trem que nos devia conduzir, a Judah Ruah e a mim, até à vila, não apareceu e decidimo-nos a calcoffiar corajosamente cêrca de duas leguas por não haver logar para nós na diligência e estarem, desde muito, afreguezadas as carriotas que aguardavam passageiros. Pelo caminho, topámos os primeiros ranchos que seguiam em direção ao local santo, distante mais de vinte kilometros bem medidos.
Homens e mulheres vão quasi todos descalços - elas com saquiteis à cabeça, sobrepujados pelas sapatorras; eles abordoando-se a grossos vara-paus e cautelosamente munidos tambem de guarda-chuva. Dir-se-hiam, em geral, alheados do que se passa à sua volta, n"um desinteresse grande da paizagem e dos outros viandantes, como que imersos em sonho, rezando n"uma triste melopeia o terço. Uma mulher rompe com a primeira parte da ave-maria, a saudação; os companheiros, em côro, continuam com a segunda parte, a suplica. N"um passo certo e cadenciado, pisam a estrada poeirenta, entre pinhaes e olivedos, para chegarem antes que se cerre a noite ao sitio da aparição, onde, sob o relento e a luz fria das estrelas, projetam dormir, guardando os primeiros Jogares junto da azinheira bemdita - para no dia de hoje verem melhor.
À entrada da vila, mulheres do povo a quem o meio já infêtou com o virus do céticismo, comentam, em tom de troça, o caso do dia:
- Então vaes vêr ámanhã a santa?
- Eu, não. Se ela ainda cá viesse!
E riem-se com gosto, emquanto os devotos proseguem indiferentes a tudo o que não seja o objetivo da sua romagem. Em hourem só por uma amabilidade extrema se encontra aposentadoria. Durante a noite, reunem-se na praça da vila os mais variados veículos conduzindo crentes e curiosos sem que faltem velhas damas vestidas de escuro, vergadas já ao peso dos anos, mas faiscando-lhes nos olhos o lume ardente da fé que as animou ao ato corajoso de abandonar por um dia o inseparavel cantinho da sua casa. Ao romper d"alva, novos ranchos surgem intrépidos e atravessam, sem pararem um instante, o povoado, cujo silencio quebram com a harmonia dos canticos que vozes femininas, muito armadas, entoam n"um violento contraste com a rudeza dos tipos...
O sol nasce, mas o cariz do céu ameaça tormenta. As nuvens negras acastelam-se precisamente sobre as bandas de Fátima. Nada, todavia, detem os que por todos os caminhos e servindo-se de todos os meios de locomoção para lá confluem. Os automoveis luxuosos deslisam vertiginosamente, tocando as buzinas; os carros de bois arrastam-se com vagar a um lado da estrada; as galeras, as vitorias, os caleches fechados, as carroças nas quaes se improvisaram assentos vão ajoujados a mais não poderem. Quasi todos levam com os farneis, mais ou menos modestos, para as bocas cristãs a ração de folhelho para os irracionaes que o "poverelo" de Assis chamava nossos irmãos e que cumprem valorosamente a sua tarefa... Tilinta uma ou outra guiseira, vê-se uma carrocinha adornada de buxo; no emtanto, o ar festivo é discreto, as maneiras são compostas e a ordem absoluta... Burrinhos choutam à margem da estrada e os ciclistas, numerosissimos, fazem prodígios para não esbarrar de encontro aos carros.
Pelas dez horas, o ceu tolda-se totalmente e não tardou que entrasse a chover a bom chover. As cordas de agua, batidas por um vento agreste, fustigam os rostos, encharcando o macadame e repassando até os ossos os caminhantes desprovidos de chapeus e de quaesquer outros resguardos. Mas ninguem se impaciente ou desiste de proseguir e, se alguns se abrigam sob a copa das arvores, junto dos muros das quintas ou nas distanciadas casas que se debruçam ao longo do caminho, outros continuam a marcha com uma impressionante resistencia, notando-se algumas senhoras cujos vestidos colados aos corpos, por efeito do impeto e da pertinácia da chuva, lhes desenham as fórmas como se tivessem saído do banho!
O ponto da charneca de Fátima, onde se disse que a Virgem aparecera aos pastorinhos do logarejo de Aljustrel, é dominado n"uma enorme extensão pela estrada que corre para Leiria, e ao longo da qual se postaram os veículos que lá conduziram os peregrinos e os mirones. Mais de cem automoveis alguem contou e mais de cem bicicletas, e seria impossível contar os diversos carros que atravancaram a estrada, um d"eles o auto-omnibus de Torres Novas, dentro do qual se irmanavam pessoas de todas as condições sociaes.
Mas o grosso dos romeiros, milhares de creaturas que foram de muitas leguas ao redor e a que se juntaram fieis idos de varias províncias, alemtejanos e algarvios, minhotos e beirões, congregam-se em tomo da pequenina azinheira que, no dizer dos pastorinhos, a visão escolhera para seu pedestal e que podia considerar-se como que o centro de um amplo circulo em cujo rebordo outros espectadores e outros devotos se acomodam. Visto da estrada, o conjunto é simplesmente fantástico. Os prudentes camponios, abarracados sob os chapeus enormes, acompanham, muitos d"eles, o desbaste dos parcos farneis com o conduto espiritual dos hinos sacros e das dezenas do rosario.
Não ha quem tema enterrar os pés na argila empapada, para ter a dita de ver de perto a azinheira sobre a qual ergueram um tosco portico em que bamboleiam duas lanternas... Altenam-se os grupos que cantam os louvores da Virgem, e uma lebre, espavorida, que galga matagal em fóra, apenas desvia as atenções de meia duzia de zagaletes que a alcançam e prostram à cacetada...
E os pastorinhos? Lucia, de 10 anos, a vidente, e os seus pequenos companheiros, Francisco, de 9, e Jacinta, de 7, ainda não chegaram. A sua presença assinala-se talvez meia hora antes da indicada como sendo a da aparição. Conduzem as rapariguinhas, coroadas de capelas de flôres, ao sitio em que se levanta o portico. A chuva cae incessantemente mas ninguem desespera. Carros com retardatários chegam à estrada. Grupos de freis ajoelham na lama e a Lucia pede-lhes, ordena que fechem os chapeus. Transmite-se a ordem, que é obedecida de pronto, sem a minima relutância. Ha gente, muita gente, como que em extase; gente comovida, em cujos labios secos a prece paralisou; gente pasmada, com as mãos postas e os olhos borbulhantes; gente que parece sentir, tocar o sobrenatural...
A criança afirma que a Senhora lhe falou mais uma vez, e o céu, ainda caliginoso, começa, de subito, a clarear no alto; a chuva pára e presente-se que o sol vae inundar de luz a paizagem que a manhã invernosa tomou ainda mais triste...
A hora antiga" é a que regula para esta multidão, que calculos desapaixonados de pessoas cultas e de todo o ponto alheias ás influencias misticas computam em trinta ou quarenta mil creaturas... A manifestação miraculosa, o sinal visivel anunciado está prestes a produzir-se - asseguram muitos romeiros... E assiste-se então a um espectáculo unico e inacreditavel para quem não foi testemunha d"ele. Do cimo da estrada, onde se aglomeram os carros e se conservam muitas centenas de pessoas, a quem escasseou valor para se meter à terra barrenta, vê-se toda a imensa multidão voltar-se para o sol, que se mostra liberto de nuvens, no zenit. O astro lembra uma placa de prata fosca e é possivel fitar-lhe o disco sem o minimo esforço. Não queima, não cega. Dir-se-hia estar-se realisando um eclipse. Mas eis que um alarido colossal se levanta, e aos espectadores que se encontram mais perto se ouve gritar:
- Milagre, milagre! Maravilha, maravilha!
Aos olhos deslumbrados d"aquele povo, cuja atitude nos transporta aos tempos biblicos e que, palido de assombro, com a cabeça descoberta, encara o azul, o sol tremeu, o sol teve nunca vistos movimentos bruscos fóra de todas as leis cosmicas - o sol «bailou», segundo a tipica expressão dos camponeses.. Empoleirado no estribo do auto-omnibus de Torres Novas, um ancião cuja estatura e cuja fisionomia, ao mesmo tempo doce e energica, lembram as de Paul Déroulède, recita, voltado para o sol, em voz clamorosa, de principio a fim, o Credo. Pergunte quem é e dizem-me ser o sr. João Maria Amado de Melo Ramalho da Cunha Vasconcelos.
Vejo-o depois dirigir-se aos que o rodeiam, e que se conservaram de chapeu na cabeça, suplicando-lhes, veementemente, que se descubram em face de tão extraordinária demonstração da existência de Deus. Cenas idênticas repetem-se n"outros pontos e uma senhora clama, banhada em aflitivo pranto e quasi n"uma sufocarão:
- Que lastima! Ainda ha homens que se não descobrem deante de tão estupendo milagre!
E, a seguir, perguntam uns aos outros se viram e o que viram. O maior numero confessa que viu a tremura, o bailado do sol; outros, porém, declaram ter visto o rosto risonho da propria Virgem, juram que o sol girou sobre si mesmo como uma roda de fogo de artificio, que ele baixou quasi a ponto de queimar a terra com os seus raios... Ha quem diga que o viu mudar sucessivamente de côr...
São perto de quinze horas.
O ceu está varrido de nuvens e o sol segue o seu curso com o esplendor habitual que ninguem se atreve a encarar de frente. E os pastorinhos? Lucia, a que fala com a Virgem, anuncia, com ademanes teatraes, ao colo de um homem, que a transporta de grupo em grupo, que a guerra terminára e que os nossos soldados iam regressar... Semelhante nova, todavia, não aumenta o jubilo de quem a escuta. O sinal celeste foi tudo. Ha uma intensa curiosidade em vêr as duas rapariguinhas com suas grinaldas de rosas, ha quem procure oscular as mãos das «santinhas», uma das quaes, a Jacinta, está mais para desmaiar do que para danças", mas aquilo por que todos anciavam - o sinal do ceu - bastou a satisfazel-os, a radical-os na sua fé de carvoeiro. Vendedores ambulantes oferecem os retratos das crianças em bilhetes postaes e outros bilhetes que representam um soldado do Corpo Expedicionario Portuguez "pensando no auxilio da sua protetora para salvação da Patria" e até uma imagem da Virgem como sendo a figura da visão...
Bom negocio foi esse e decerto mais centavos entraram na algibeira dos vendedores e no tronco das esmolas para os pastorinhos do que nas mãos estendidas e abertas dos leprosos e dos cegos que, acotevelando-se com os romeiros, atiravam aos ares seus gritos lancinantes...
O dispersar faz-se rapidamente, sem dificuldades, sem sombra de desordem, sem que fosse mister que o regulasse qualquer patrulha da guarda. Os peregrinos que mais depressa se retiram, correndo estrada fóra, são os que primeiro chegaram, a pé e descalços com os sapatos à cabeça ou dependurados nos varapaus. Vão, com a alma em lausperene, levar a boa nova aos logarejos que não se despovoaram de todo. E os padres? Alguns compareceram no local, sorridentes, enfileirando mais com os espectadores curiosos do que com os romeiros avidos de favores celestiaes. Talvez um ou outro não lograsse dissimular a satisfação que no semblante dos triunfadores tantas vezes se traduz...
Resta que os competentes digam de sua justiça sobre o macabro bailado do sol que hoje, em Fátima, fez explodir hossanas dos peitos dos fieis e deixou naturalmente impressionados - ao que me asseguraram sujeitos fidedignos os livres pensadores e outras pessoas sem preocupações de natureza religiosa que acorreram à já agora celebrada charneca.
Ao saltar, após demorada viagem, pelas dezasseis horas de honrem, na estação de Chão de Maçãs, onde se apearam tambem pessoas religiosas vindas de longes terras para assistir ao "milagre", perguntei, de chofre, a um rapazote do "char-á-bancs" da carreira se já tinha visto a Senhora. Com seu sorriso sardoico e o olhar enviezado, não hesitou em responder-me:
- Eu cá só lá vi pedras, carros, automoveis, cavalgaduras e gente!
Por um facil equivoco, o trem que nos devia conduzir, a Judah Ruah e a mim, até à vila, não apareceu e decidimo-nos a calcoffiar corajosamente cêrca de duas leguas por não haver logar para nós na diligência e estarem, desde muito, afreguezadas as carriotas que aguardavam passageiros. Pelo caminho, topámos os primeiros ranchos que seguiam em direção ao local santo, distante mais de vinte kilometros bem medidos.
Homens e mulheres vão quasi todos descalços - elas com saquiteis à cabeça, sobrepujados pelas sapatorras; eles abordoando-se a grossos vara-paus e cautelosamente munidos tambem de guarda-chuva. Dir-se-hiam, em geral, alheados do que se passa à sua volta, n"um desinteresse grande da paizagem e dos outros viandantes, como que imersos em sonho, rezando n"uma triste melopeia o terço. Uma mulher rompe com a primeira parte da ave-maria, a saudação; os companheiros, em côro, continuam com a segunda parte, a suplica. N"um passo certo e cadenciado, pisam a estrada poeirenta, entre pinhaes e olivedos, para chegarem antes que se cerre a noite ao sitio da aparição, onde, sob o relento e a luz fria das estrelas, projetam dormir, guardando os primeiros Jogares junto da azinheira bemdita - para no dia de hoje verem melhor.
À entrada da vila, mulheres do povo a quem o meio já infêtou com o virus do céticismo, comentam, em tom de troça, o caso do dia:
- Então vaes vêr ámanhã a santa?
- Eu, não. Se ela ainda cá viesse!
E riem-se com gosto, emquanto os devotos proseguem indiferentes a tudo o que não seja o objetivo da sua romagem. Em hourem só por uma amabilidade extrema se encontra aposentadoria. Durante a noite, reunem-se na praça da vila os mais variados veículos conduzindo crentes e curiosos sem que faltem velhas damas vestidas de escuro, vergadas já ao peso dos anos, mas faiscando-lhes nos olhos o lume ardente da fé que as animou ao ato corajoso de abandonar por um dia o inseparavel cantinho da sua casa. Ao romper d"alva, novos ranchos surgem intrépidos e atravessam, sem pararem um instante, o povoado, cujo silencio quebram com a harmonia dos canticos que vozes femininas, muito armadas, entoam n"um violento contraste com a rudeza dos tipos...
O sol nasce, mas o cariz do céu ameaça tormenta. As nuvens negras acastelam-se precisamente sobre as bandas de Fátima. Nada, todavia, detem os que por todos os caminhos e servindo-se de todos os meios de locomoção para lá confluem. Os automoveis luxuosos deslisam vertiginosamente, tocando as buzinas; os carros de bois arrastam-se com vagar a um lado da estrada; as galeras, as vitorias, os caleches fechados, as carroças nas quaes se improvisaram assentos vão ajoujados a mais não poderem. Quasi todos levam com os farneis, mais ou menos modestos, para as bocas cristãs a ração de folhelho para os irracionaes que o "poverelo" de Assis chamava nossos irmãos e que cumprem valorosamente a sua tarefa... Tilinta uma ou outra guiseira, vê-se uma carrocinha adornada de buxo; no emtanto, o ar festivo é discreto, as maneiras são compostas e a ordem absoluta... Burrinhos choutam à margem da estrada e os ciclistas, numerosissimos, fazem prodígios para não esbarrar de encontro aos carros.
Pelas dez horas, o ceu tolda-se totalmente e não tardou que entrasse a chover a bom chover. As cordas de agua, batidas por um vento agreste, fustigam os rostos, encharcando o macadame e repassando até os ossos os caminhantes desprovidos de chapeus e de quaesquer outros resguardos. Mas ninguem se impaciente ou desiste de proseguir e, se alguns se abrigam sob a copa das arvores, junto dos muros das quintas ou nas distanciadas casas que se debruçam ao longo do caminho, outros continuam a marcha com uma impressionante resistencia, notando-se algumas senhoras cujos vestidos colados aos corpos, por efeito do impeto e da pertinácia da chuva, lhes desenham as fórmas como se tivessem saído do banho!
O ponto da charneca de Fátima, onde se disse que a Virgem aparecera aos pastorinhos do logarejo de Aljustrel, é dominado n"uma enorme extensão pela estrada que corre para Leiria, e ao longo da qual se postaram os veículos que lá conduziram os peregrinos e os mirones. Mais de cem automoveis alguem contou e mais de cem bicicletas, e seria impossível contar os diversos carros que atravancaram a estrada, um d"eles o auto-omnibus de Torres Novas, dentro do qual se irmanavam pessoas de todas as condições sociaes.
Mas o grosso dos romeiros, milhares de creaturas que foram de muitas leguas ao redor e a que se juntaram fieis idos de varias províncias, alemtejanos e algarvios, minhotos e beirões, congregam-se em tomo da pequenina azinheira que, no dizer dos pastorinhos, a visão escolhera para seu pedestal e que podia considerar-se como que o centro de um amplo circulo em cujo rebordo outros espectadores e outros devotos se acomodam. Visto da estrada, o conjunto é simplesmente fantástico. Os prudentes camponios, abarracados sob os chapeus enormes, acompanham, muitos d"eles, o desbaste dos parcos farneis com o conduto espiritual dos hinos sacros e das dezenas do rosario.
Não ha quem tema enterrar os pés na argila empapada, para ter a dita de ver de perto a azinheira sobre a qual ergueram um tosco portico em que bamboleiam duas lanternas... Altenam-se os grupos que cantam os louvores da Virgem, e uma lebre, espavorida, que galga matagal em fóra, apenas desvia as atenções de meia duzia de zagaletes que a alcançam e prostram à cacetada...
E os pastorinhos? Lucia, de 10 anos, a vidente, e os seus pequenos companheiros, Francisco, de 9, e Jacinta, de 7, ainda não chegaram. A sua presença assinala-se talvez meia hora antes da indicada como sendo a da aparição. Conduzem as rapariguinhas, coroadas de capelas de flôres, ao sitio em que se levanta o portico. A chuva cae incessantemente mas ninguem desespera. Carros com retardatários chegam à estrada. Grupos de freis ajoelham na lama e a Lucia pede-lhes, ordena que fechem os chapeus. Transmite-se a ordem, que é obedecida de pronto, sem a minima relutância. Ha gente, muita gente, como que em extase; gente comovida, em cujos labios secos a prece paralisou; gente pasmada, com as mãos postas e os olhos borbulhantes; gente que parece sentir, tocar o sobrenatural...
A criança afirma que a Senhora lhe falou mais uma vez, e o céu, ainda caliginoso, começa, de subito, a clarear no alto; a chuva pára e presente-se que o sol vae inundar de luz a paizagem que a manhã invernosa tomou ainda mais triste...
A hora antiga" é a que regula para esta multidão, que calculos desapaixonados de pessoas cultas e de todo o ponto alheias ás influencias misticas computam em trinta ou quarenta mil creaturas... A manifestação miraculosa, o sinal visivel anunciado está prestes a produzir-se - asseguram muitos romeiros... E assiste-se então a um espectáculo unico e inacreditavel para quem não foi testemunha d"ele. Do cimo da estrada, onde se aglomeram os carros e se conservam muitas centenas de pessoas, a quem escasseou valor para se meter à terra barrenta, vê-se toda a imensa multidão voltar-se para o sol, que se mostra liberto de nuvens, no zenit. O astro lembra uma placa de prata fosca e é possivel fitar-lhe o disco sem o minimo esforço. Não queima, não cega. Dir-se-hia estar-se realisando um eclipse. Mas eis que um alarido colossal se levanta, e aos espectadores que se encontram mais perto se ouve gritar:
- Milagre, milagre! Maravilha, maravilha!
Aos olhos deslumbrados d"aquele povo, cuja atitude nos transporta aos tempos biblicos e que, palido de assombro, com a cabeça descoberta, encara o azul, o sol tremeu, o sol teve nunca vistos movimentos bruscos fóra de todas as leis cosmicas - o sol «bailou», segundo a tipica expressão dos camponeses.. Empoleirado no estribo do auto-omnibus de Torres Novas, um ancião cuja estatura e cuja fisionomia, ao mesmo tempo doce e energica, lembram as de Paul Déroulède, recita, voltado para o sol, em voz clamorosa, de principio a fim, o Credo. Pergunte quem é e dizem-me ser o sr. João Maria Amado de Melo Ramalho da Cunha Vasconcelos.
Vejo-o depois dirigir-se aos que o rodeiam, e que se conservaram de chapeu na cabeça, suplicando-lhes, veementemente, que se descubram em face de tão extraordinária demonstração da existência de Deus. Cenas idênticas repetem-se n"outros pontos e uma senhora clama, banhada em aflitivo pranto e quasi n"uma sufocarão:
- Que lastima! Ainda ha homens que se não descobrem deante de tão estupendo milagre!
E, a seguir, perguntam uns aos outros se viram e o que viram. O maior numero confessa que viu a tremura, o bailado do sol; outros, porém, declaram ter visto o rosto risonho da propria Virgem, juram que o sol girou sobre si mesmo como uma roda de fogo de artificio, que ele baixou quasi a ponto de queimar a terra com os seus raios... Ha quem diga que o viu mudar sucessivamente de côr...
São perto de quinze horas.
O ceu está varrido de nuvens e o sol segue o seu curso com o esplendor habitual que ninguem se atreve a encarar de frente. E os pastorinhos? Lucia, a que fala com a Virgem, anuncia, com ademanes teatraes, ao colo de um homem, que a transporta de grupo em grupo, que a guerra terminára e que os nossos soldados iam regressar... Semelhante nova, todavia, não aumenta o jubilo de quem a escuta. O sinal celeste foi tudo. Ha uma intensa curiosidade em vêr as duas rapariguinhas com suas grinaldas de rosas, ha quem procure oscular as mãos das «santinhas», uma das quaes, a Jacinta, está mais para desmaiar do que para danças", mas aquilo por que todos anciavam - o sinal do ceu - bastou a satisfazel-os, a radical-os na sua fé de carvoeiro. Vendedores ambulantes oferecem os retratos das crianças em bilhetes postaes e outros bilhetes que representam um soldado do Corpo Expedicionario Portuguez "pensando no auxilio da sua protetora para salvação da Patria" e até uma imagem da Virgem como sendo a figura da visão...
Bom negocio foi esse e decerto mais centavos entraram na algibeira dos vendedores e no tronco das esmolas para os pastorinhos do que nas mãos estendidas e abertas dos leprosos e dos cegos que, acotevelando-se com os romeiros, atiravam aos ares seus gritos lancinantes...
O dispersar faz-se rapidamente, sem dificuldades, sem sombra de desordem, sem que fosse mister que o regulasse qualquer patrulha da guarda. Os peregrinos que mais depressa se retiram, correndo estrada fóra, são os que primeiro chegaram, a pé e descalços com os sapatos à cabeça ou dependurados nos varapaus. Vão, com a alma em lausperene, levar a boa nova aos logarejos que não se despovoaram de todo. E os padres? Alguns compareceram no local, sorridentes, enfileirando mais com os espectadores curiosos do que com os romeiros avidos de favores celestiaes. Talvez um ou outro não lograsse dissimular a satisfação que no semblante dos triunfadores tantas vezes se traduz...
Resta que os competentes digam de sua justiça sobre o macabro bailado do sol que hoje, em Fátima, fez explodir hossanas dos peitos dos fieis e deixou naturalmente impressionados - ao que me asseguraram sujeitos fidedignos os livres pensadores e outras pessoas sem preocupações de natureza religiosa que acorreram à já agora celebrada charneca.
Avelino de Almeida
Publ.: "O
Século", Lisboa (edição da manhã) 37 (l2.876) 15 Out. 1917, p. 1, cols.
6-7; p. 2, col. 1.
FONTE: http://www.montfort.org.br
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