CONCÍLIO VATICANO I - (1869-1870)
Sessão IV (18-7-1870)
Primeira Constituição dogmática sobre a Igreja de Cristo
1821. O
eterno pastor e bispo das nossas almas [1 Ped 2,25], querendo
perpetuar a salutífera obra da redenção, resolveu fundar a Santa Igreja, na
qual, como na casa do Deus vivo, todos os fiéis se conservassem unidos, pelo
vínculo da mesma fé e do mesmo amor. Por isso, antes de ser glorificado, rogou
ao Pai não só pelos Apóstolos, mas também por aqueles que haviam de crer nele
através das palavras deles, para
que todos fossem um, assim como o Filho e o
Pai são um [ Jo 17,20 s]. Por isso, assim como enviou os
Apóstolos que tinha escolhido do mundo, conforme tinha sido
ele mesmo
enviado pelo Pai [Jo 20,21], da mesma forma quis que até a
consumação dos séculos [Mt 28,20], houvesse na sua Igreja pastores e
doutores. Mas, para que o próprio episcopado fosse uno e indiviso, e pela
coesão e união íntima dos sacerdotes toda a multidão dos crentes se conservasse
na unidade da mesma fé e comunhão, antepondo S. Pedro aos demais Apóstolos, pôs
nele o princípio perpétuo e o fundamento visível desta dupla unidade, sobre cuja
solidez se construísse o templo eterno e se levantasse sobre a firmeza desta fé
a sublimidade da Igreja, que deve elevar-se até ao céu. E como as portas do
inferno se insurgem de todas as partes de dia para dia com crescente ódio
contra a Igreja divinamente estabelecida, a fim de fazê-la ruir, se pudessem,
Nós julgamos necessário para a guarda, para a incolumidade e para o aumento da
grei católica, após a aprovação do Concílio, propor a crença dos fiéis a
doutrina sobre a instituição, a perpetuidade e a natureza do santo primado
Apostólico, no qual reside a força e a solidez de toda a Igreja, segundo a fé
antiga e constante da Igreja universal, proscrevendo e condenando os erros
contrários, tão perniciosos a grei do Senhor.
1822.
Ensinamos, pois, e declaramos, segundo o testemunho do Evangelho, que Jesus
Cristo prometeu e conferiu imediata e diretamente o primado de jurisdição sobre
toda a Igreja ao Apóstolo S. Pedro. Com efeito, só a Simão Pedro, a quem antes
dissera: Chamar-te-ás Cefas [Jo 1,42], depois de ter ele feito
a sua profissão com as palavras: Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo,
foi que o Senhor se dirigiu com estas solenes palavras: Bem-aventurado
és, Simão, filho de Jonas, porque nem a carne nem o sangue to revelaram, mas
sim meu Pai que está nos céus. E eu te digo: Tu és Pedro, e sobre esta pedra
edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela.
E dar-te-ei as chaves do reino dos céus. E tudo o que ligares sobre a terra
será ligado também nos céus; e tudo o que desligares sobre a terra
será desligado também nos céus [Mt 16,16 ss]. E somente a Simão Pedro
conferiu Jesus, após a sua ressurreição, a jurisdição de pastor e chefe supremo
de todo o seu rebanho, dizendo: Apascenta os meus cordeiros, apascenta
as minhas ovelhas [Jo 21,15 ss.]. A esta doutrina tão clara das
Sagradas Escrituras, tal como sempre foi entendida pela Igreja Católica,
opõe-se abertamente as sentenças perversas daqueles que, desnaturando a forma
de governo estabelecida na Igreja por Cristo Nosso Senhor, negam que só Pedro
foi agraciado com o verdadeiro e próprio primado de jurisdição, com exclusão
dos demais Apóstolos, quer tomados singularmente, quer em conjunto. Igualmente
se opõem a esta doutrina os que afirmam que o mesmo primado não foi imediata e
diretamente confiado a S. Pedro mesmo, mas à Igreja, e por meio desta a ele,
como ministro dela.
1823.
[Cânon] Se, pois, alguém disser que o Apóstolo S. Pedro não foi constituído por
Jesus Cristo príncipe de todos os Apóstolos e chefe visível de toda a Igreja
militante; ou disser que ele não recebeu direta e imediatamente do mesmo Nosso
Senhor Jesus Cristo o primado de verdadeira e própria jurisdição, mas apenas o
primado de honra – seja excomungado.
1824.
Porém o que Nosso Senhor Jesus Cristo, que é o príncipe dos pastores e o grande
pastor das ovelhas, instituiu no Apóstolo S. Pedro para a salvação eterna e o
bem perene da Igreja, deve constantemente subsistir pela autoridade do mesmo
Cristo na Igreja, que, fundada sobre o rochedo, permanecerá inabalável até ao
fim dos séculos. "Ninguém certamente duvida, pois é um fato notório em
todos os séculos, que S. Pedro, príncipe e chefe dos Apóstolos, recebeu de
Nosso Senhor Jesus Cristo, Salvador e Redentor do gênero humano, as chaves do
reino; o qual (S. Pedro) vive, governa e julga através dos seus
sucessores".
1825.
[Cânon] Se, portanto, alguém negar ser de direito divino e por instituição do
próprio Cristo que S. Pedro tem perpétuos sucessores no primado da Igreja
universal; ou que o Romano Pontífice é o sucessor de S. Pedro no mesmo primado
– seja excomungado
1826. Por
isso, apoiados no testemunho manifesto da Sagrada Escritura, e concordes com os
decretos formais e evidentes, tanto dos Romanos Pontífices, nossos
predecessores, como dos Concílios gerais, renovamos a definição do Concílio
Ecumênico de Florença, que obriga todos os fiéis cristãos a crerem que a Santa
Sé Apostólica e o Pontífice Romano têm o primado sobre todo o mundo, e que o
mesmo Pontífice Romano é o sucessor de S. Pedro, o príncipe dos Apóstolos, é o
verdadeiro vigário de Cristo, o chefe de toda a Igreja e o pai e doutor de
todos os cristãos; e que a ele entregou Nosso Senhor Jesus Cristo todo o poder
de apascentar, reger e governar a Igreja universal, conforme também se lê nas
atas dos Concílios Ecumênicos e nos sagrados cânones.
1827.
Ensinamos, pois, e declaramos que a Igreja Romana, por disposição divina, tem o
primado do poder ordinário sobre as outras Igrejas, e que este poder de
jurisdição do Romano Pontífice, poder verdadeiramente episcopal, é imediato. E
a ela [à Igreja Romana] devem-se sujeitar, por dever de subordinação
hierárquica e verdadeira obediência, os pastores e os fiéis de qualquer rito e
dignidade, tanto cada um em particular, como todos em conjunto, não só nas
coisas referentes à fé e aos costumes, mas também nas que se referem à disciplina
e ao regime da Igreja, espalhada por todo o mundo, de tal forma que, guardada a
unidade de comunhão e de fé com o Romano Pontífice, a Igreja de Cristo seja um
só redil com um só pastor. Esta é a doutrina católica, da qual ninguém pode se
desviar, sob pena de perder a fé e a salvação.
1828.
Estamos, porém, longe de afirmar que este poder do Sumo Pontífice acaba com
aquele poder ordinário e imediato de jurisdição episcopal, em virtude do qual
os bispos, constituídos pelo Espírito Santo [cf. At 20,28] e
sucessores dos Apóstolos, apascentam e regem, como verdadeiros pastores, os
seus respectivos rebanhos; pelo contrário, este poder é firmado, corroborado e
reivindicado pelo pastor supremo e universal, segundo o dizer de S. Gregório
Magno: "A minha honra é o vigor dos meus irmãos. Sinto-me verdadeiramente
honrado, quando a cada qual se tributa a honra que lhe é devida".
1829.
Além disso, do supremo poder do Romano Pontífice de governar toda a Igreja
resulta o direito de, no exercício deste seu ministério, comunicar-se
livremente com os pastores e fiéis de toda a Igreja, para que estes possam ser
por ele instruídos e dirigidos no caminho da salvação. Pelo que condenamos e
reprovamos as máximas daqueles que dizem poder-se impedir licitamente esta
comunicação do chefe supremo com os pastores e os fiéis, ou a subordinam ao
poder secular, a ponto de afirmarem que o que é determinado pela Sé Apostólica
em virtude da sua autoridade para o governo da Igreja, não tem força nem valor,
a não ser depois de confirmado pelo benplácito do poder secular.
1830. E
como o Pontífice Romano governa a Igreja Universal em virtude do direito divino
do primado apostólico, também ensinamos e declaramos que ele é o juiz supremo
de todos os fiéis, podendo-se, em todas as coisas pertencentes ao foro
eclesiástico, recorrer ao seu juízo; [declaramos] também que a ninguém é lícito
emitir juízo acerca do julgamento desta Santa Sé, nem tocar neste julgamento,
visto que não há autoridade acima da mesma Santa Sé. Por isso, estão fora do
reto caminho da verdade os que afirmam ser lícito apelar da sentença do
Pontífices Romanos para o Concílio Ecumênico, como sendo uma autoridade acima
do Romano Pontífice.
1831.
[Cânon] Se, pois alguém disser que ao Romano Pontífice cabe apenas o ofício de
inspeção ou direção, mas não o pleno e supremo poder de jurisdição sobre toda a
Igreja, não só nas coisas referentes à fé e aos costumes, mas também nas que se
referem à disciplina e ao governo da Igreja, espalhada por todo o mundo; ou
disser que ele só goza da parte principal deste supremo poder, e não de toda a
sua plenitude; ou disser que este seu poder não é ordinário e imediato, quer
sobre todas e cada uma das igrejas quer sobre todos e cada um dos pastores e
fiéis – seja excomungado.
1832.
Esta Santa Sé sempre tem crido que no próprio primado Apostólico que o Romano
Pontífice tem sobre toda a Igreja, está também incluído o supremo poder do
magistério. O mesmo é confirmado também pelo uso constante da Igreja e pelos
Concílios Ecumênicos, principalmente aqueles em que os Orientais se reuniam com
os Ocidentais na união da fé e da caridade.
1833.
Assim, os Padres do IV Concílio de Constantinopla, seguindo o exemplo dos
antepassados, fizeram esta solene profissão da fé: "A salvação consiste
antes de tudo em guardar a regra da fé verdadeira. [...]. E como a palavra de
Nosso Senhor Jesus Cristo que disse: Tu és Pedro e sobre esta pedra
edificarei a minha Igreja [Mt 16,18] não pode ser vã, os fatos a têm
confirmado, pois na Sé Apostólica sempre se conservou imaculada a religião
católica e santa a doutrina. Por isso, não desejando absolutamente separar-nos
desta fé e desta doutrina, [...] esperamos merecer perseverar na única comunhão
pregada pela Sé Apostólica, na qual está sólida, íntegra e verdadeira a
religião cristã".
1834. E
os gregos, com a aprovação do II Concílio de Lião, professaram "que a
Santa Igreja Romana goza do supremo e pleno primado e principado sobre toda a
Igreja Católica, primado que com verdade ela reconhece humildemente ter
recebido, com a plenitude do poder, do próprio Jesus Cristo, na pessoa de S.
Pedro, príncipe dos Apóstolos, de quem o Romano Pontífice é sucessor; e assim
com a Igreja Romana, mais do que as outras, deve defender a verdadeira fé assim
também, quando surgirem questões acerca da fé, cabe a ela o defini-las".
1835. E
finalmente o Concílio de Florença definiu "que o Romano Pontífice é o
verdadeiro vigário de Cristo, o chefe de toda a Igreja, o pai e o doutor de
todos os cristãos; e que a ele conferiu Nosso Senhor Jesus Cristo, na pessoa de
S. Pedro, o pleno poder de apascentar, reger e governar a Igreja".
1836. Com
o fim de satisfazer a este múnus pastoral, os nossos predecessores empregaram
sempre todos os esforços para propagar a salutar doutrina de Cristo entre todos
os povos da Terra, vigiando com igual solicitude que, onde fosse recebida, se
guardasse pura e sem alteração. Pelo que os bispos de todo o mundo, quer em
particular, quer reunidos em sínodos, seguindo o velho costume e a antiga regra
da Igreja, têm referido a esta Sé Apostólica os perigos que surgiam,
principalmente em assuntos de fé, a fim de que os danos da fé se ressarcissem
aí, onde a fé não pode sofrer quebra. E os Pontífices Romanos, conforme lhes
aconselhavam a condição dos tempos e as circunstâncias, ora convocando
Concílios Ecumênicos, ora auscultando a opinião de toda a Igreja dispersa pelo
mundo, ora por sínodos particulares ou empregando outros meios, que a Divina
Providência lhes proporcionava, têm definido como verdade de fé [tudo] aquilo
que, com o auxílio de Deus, reconheceram ser conforme com a Sagrada Escritura e
as tradições apostólicas. Pois o Espírito Santo não foi prometido aos
sucessores de S. Pedro para que estes, sob a revelação do mesmo, pregassem uma
nova doutrina, mas para que, com a sua assistência, conservassem santamente e
expusessem fielmente o depósito da fé, ou seja, a revelação herdada dos
Apóstolos. E esta doutrina dos Apóstolos abraçaram-na todos os veneráveis
Santos Padres, veneraram-na e seguiram-na todos os santos doutores ortodoxos,
firmemente convencidos de que esta cátedra de S. Pedro sempre permaneceu imune
de todo o erro, segundo a promessa de Nosso Senhor Jesus Cristo feita ao
príncipe dos Apóstolos: Eu roguei por ti, para que a tua fé não
desfaleça; e tu, uma vez convertido, confirma os teus irmãos [Lc 22,
32].
1837.
Foi, portanto, este Dom da verdade e da fé, que nunca falece, concedido
divinamente a Pedro e aos seus sucessores nesta cátedra, a fim de que
cumprissem seu sublime encargo para a salvação de todos, para que assim todo o
rebanho de Cristo, afastado por eles do venenoso engodo do erro, fosse nutrido
com o pábulo da doutrina celeste, para que assim, removida toda ocasião de
cisma, e apoiada no seu fundamento, se conservasse unida a Igreja Universal,
firme e inexpugnável contra as portas do inferno.
1838.
Mas, como nestes nossos tempos, em que mais do que nunca se precisa da
salutífera eficácia do ministério apostólico, muitos há que combatem esta
autoridade, julgamos absolutamente necessário afirmar solenemente esta
prerrogativa que o Filho Unigênito de Deus dignou-se ajuntar ao supremo ofício
pastoral.
1839. Por
isso Nós, apegando-nos à Tradição recebida desde o início da fé cristã, para a
glória de Deus, nosso Salvador, para exaltação da religião católica, e para a
salvação dos povos cristãos, com a aprovação do Sagrado Concílio, ensinamos e
definimos como dogma divinamente revelado que o Romano Pontífice, quando fala ex
cathedra, isto é, quando, no desempenho do ministério de pastor e doutor de
todos os cristãos, define com sua suprema autoridade apostólica alguma doutrina
referente à fé e à moral para toda a Igreja, em virtude da assistência divina
prometida a ele na pessoa de São Pedro, goza daquela infalibilidade com a qual
Cristo quis munir a sua Igreja quando define alguma doutrina sobre a fé e a
moral; e que, portanto, tais declarações do Romano Pontífice são por si mesmas,
e não apenas em virtude do consenso da Igreja, irreformáveis.
1840.
[Cânon]: Se, porém, alguém ousar contrariar esta nossa definição, o que Deus
não permita, - seja excomungado.
Imprimatur por comissão especial do
Exmo. e Revmo. Sr. Dr. Manuel Pedro da Cunha Cintra, bispo de Petrópolis. Frei
Desidério Kalverkamp, O. F. M. Petrópolis, 9-1-1959
Esta
tradução de Frei Guilherme Baraúna, O. F. M., foi feita diretamente do Enchiridion
Symbolorum de Denzinger-Banwart-Umberg (24º edição), da qual
conservamos também a numeração marginal.
Fonte: http://www.montfort.org.br
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