Seja por sempre e em todas partes conhecido, adorado, bendito, amado, servido e glorificado o diviníssimo Coração de Jesus e o Imaculado Coração de Maria.

Nota do blog Salve Regina: “Nós aderimos de todo o coração e com toda a nossa alma à Roma católica, guardiã da fé católica e das tradições necessárias para a manutenção dessa fé, à Roma eterna, mestra de sabedoria e de verdade. Pelo contrário, negamo-nos e sempre nos temos negado a seguir a Roma de tendência neomodernista e neoprotestante que se manifestou claramente no Concílio Vaticano II, e depois do Concílio em todas as reformas que dele surgiram.” Mons. Marcel Lefebvre

Pax Domini sit semper tecum

Item 4º do Juramento Anti-modernista São PIO X: "Eu sinceramente mantenho que a Doutrina da Fé nos foi trazida desde os Apóstolos pelos Padres ortodoxos com exatamente o mesmo significado e sempre com o mesmo propósito. Assim sendo, eu rejeito inteiramente a falsa representação herética de que os dogmas evoluem e se modificam de um significado para outro diferente do que a Igreja antes manteve. Condeno também todo erro segundo o qual, no lugar do divino Depósito que foi confiado à esposa de Cristo para que ela o guardasse, há apenas uma invenção filosófica ou produto de consciência humana que foi gradualmente desenvolvida pelo esforço humano e continuará a se desenvolver indefinidamente" - JURAMENTO ANTI-MODERNISTA

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Eu conservo a MISSA TRADICIONAL, aquela que foi codificada, não fabricada, por São Pio V no século XVI, conforme um costume multissecular. Eu recuso, portanto, o ORDO MISSAE de Paulo VI”. - Declaração do Pe. Camel.

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Ao negar a celebração da Missa Tradicional ou ao obstruir e a discriminar, comportam-se como um administrador infiel e caprichoso que, contrariamente às instruções do pai da casa - tem a despensa trancada ou como uma madrasta má que dá às crianças uma dose deficiente. É possível que esses clérigos tenham medo do grande poder da verdade que irradia da celebração da Missa Tradicional. Pode comparar-se a Missa Tradicional a um leão: soltem-no e ele defender-se-á sozinho”. - D. Athanasius Schneider

"Os inimigos declarados de Deus e da Igreja devem ser difamados tanto quanto se possa (desde que não se falte à verdade), sendo obra de caridade gritar: Eis o lobo!, quando está entre o rebanho, ou em qualquer lugar onde seja encontrado".- São Francisco de Sales

“E eu lhes digo que o protestantismo não é cristianismo puro, nem cristianismo de espécie alguma; é pseudocristianismo, um cristianismo falso. Nem sequer tem os protestantes direito de se chamarem cristãos”. - Padre Amando Adriano Lochu

"MALDITOS os cristãos que suportam sem indignação que seu adorável SALVADOR seja posto lado a lado com Buda e Maomé em não sei que panteão de falsos deuses". - Padre Emmanuel

“O conteúdo das publicações são de inteira responsabilidade de seus autores indicados nas matérias ou nas citações das referidas fontes de origem, não significando, pelos administradores do blog, a inteira adesão das ideias expressas.”

12/11/2012

Santo Inácio - EPÍSTOLA A POLICARPO



Inácio, também chamado Teóforo, a Policarpo, bispo da Igreja dos esmirnenses, ou antes àquele que tem a Deus-Pai e ao Senhor Jesus Cristo como o bispo os melhores votos de felicidades.

Dando acolhida a teus sentimentos em Deus, me rejubilo exaltado, porque eles estão fundados numa rocha inabalável e porque eu fui julgado digno de contemplar teu rosto puro, gozo este que gostaria de perpetuar em Deus. Pela graça de que estás revestido, eu te exorto’ a acelerar ainda teu passo e a exortar também os outros para que se salvem. Justifica tua posição, empenhando-te todo, física e espiritualmente. Cuida da unidade; nada melhor do que ela. Promove a todos como o Senhor te promove; suporta a todos com amor, como aliás o fazes. Dispõe-te para orações ininterruptas; pede ainda maior inteligência do que já tens; sê vigilante, dono de um espírito sempre alertado. Fala a cada qual no estilo de Deus. Vai levando as enfermidades de todos como atleta consumado. Quanto maior o labor, maior o lucro.

Se te agradares dos bons discípulos não terás méritos submete antes com doçura os contaminados. Nem toda ferida se cura com o mesmo emplastro. Crises violentas acalmam-se com compressas úmidas. Faze-te prudente como serpente em todos os assuntos, sempre simples como a pomba. Por isso é que és carnal e espiritual para atraíres a teu rosto o que te aparece ante os olhos. As coisas invisíveis pede que te sejam reveladas, para que não te chegue a faltar nada e tenhas toda graça em abundância. O tempo atual exige tua presença, para chegares até Deus, assim como os pilotos anelam pelos ventos e os açoitados da tempestade pelo porto. Sê sóbrio como atleta de Deus. O premio é a incorruptibilidade e a vida eterna, do que aliás já te convenceste. Em todos os sentidos, somos teu resgate eu e minhas cadeias que te são caras.

Aqueles que parecem dignos de fé e no entanto ensinam o erro não te abalem. Mantém-te firme como bigorna sob os golpes. É próprio de um grande atleta receber pancadas e vencer. Não tenhas nenhuma dúvida, temos que suportar tudo pela causa de Deus, para que também Ele nos suporte. Torna-te ainda mais zeloso do que és; aprende a conhecer os tempos. Aguarda o que está acima do oportunismo, o atemporal, o invisível que por nossa causa se fez visível, o impalpável, o impassível que por nós se fez passível, o que de todos os modos por nós sofreu!.

Viúvas não fiquem desatendidas; depois do Senhor, providencia tu por elas. Nada se faça sem o teu consentimento; nada faças tu sem Deus; o que aliás não fazes. Sê firme. As reuniões sejam freqüentes; pro­cura a todos, um por um. Não trates com sobranceria a escravos e escravas; também eles não se encham de orgulho, mas sirvam com mais dedicação para a glória de Deus, a fim de alcançarem da parte de Deus uma liberdade melhor. Que não se inflamem sabendo que poderiam libertar-se à custa da comunidade, a fim de não acabarem por escravizar-se à cobiça.

Foge às más artes, prega antes contra elas. Fala às minhas irmãs, que amem o Senhor e se contentem com os maridos na carne e no espírito. Da mesma forma, recomenda aos meus irmãos em nome de Jesus Cristo que amem suas esposas como o Senhor ama a Igreja. Se alguém é capaz de perseverar na castidade em honra da carne do Senhor, persevere sem orgulho. Caso se orgulhar, está perdido; se ainda for tido como mais do que o Bispo, está corrompido. Convém aos homens e às senhoras que casam contraírem a união como consentimento do bispo, a fim de que o casamento se realize segundo o Senhor e não conforme a paixão. Tudo se faça para honra de Deus.

Atendei ao bispo para que Deus vos atenda. Ofereço-me como resgate daqueles que se sujeitam ao bispo, aos presbíteros e diáconos. Com eles me seja concedido ter parte em Deus. Labutai uns ao lado dos outros, lutai juntos, correi, sofrei, dormi, acordai uni­dos, como administradores de Deus, como Seus assessores e servos. Procurai agradar Aquele sob cujo estandarte combateis, de quem igualmente recebeis o soldo. Que não se encontre desertor entre vós. Vosso batismo há de permanecer como escudo, a fé como capacete, o amor como lança, a paciência como armadura. Vossos fundos de reserva são vossas obras, para receberdes um dia os vencimentos devidos. Sede pois magnânimos uns com os outros na doçura, como Deus o é convosco. Oxalá possa alegrar-me convosco sempre.

Uma vez que a Igreja em Antioquia da Síria goza de paz, como me foi participado, graças a vossas orações, também eu me encorajei mais, pela confiança em Deus; contanto que me encontre com Ele pelo sofrimento e assim no dia da ressurreição possa ser contado como vosso discípulo. Convém, ó Policarpo feliz em Deus, convocar uma reunião agradável a Deus e es­colher alguém, tido como especialmente querido e incansável, para poder chamar-se estafeta de Deus; encarregar pois a um tal de viajar para a Síria e aí celebrar vossa caridade infatigável para a glória de Deus. Um cristão não tem poder sobre si mesmo, mas está à disposição de Deus. Esta obra é de Deus e vossa, caso a leveis ao fim. Confio na graça, que estejais prontos para uma obra boa que convém a Deus. Conhecendo vosso zelo pela verdade, acabei por exortar-vos com essas poucas linhas.

Uma vez que não pude escrever a todas as Igrejas, por ter que partir apressadamente de Trôade para Nápoles, como manda a vontade de Deus, escreverás às Igrejas mais do Oriente, pois que possuis o espírito de Deus, a fim de que elas também façam o mesmo: umas - as que podem - enviando mensageiros, as outras por sua vez cartas através de enviados teus. Assim sereis enaltecidos por uma obra imperecível, como bem o mereces. Saudações a todos nominalmente, também à viúva de Epitropos com toda a família e filhos. Saudações a Átalo meu amigo; saudações àquele que for julgado digno de viajar à Síria. A graça há de estar sempre com ele e com Policarpo que o envia. Faço votos que passeis bem para sempre em nosso Deus Jesus Cristo, no qual haveis de permanecer na união com Deus e o bispo. Saudações a Alceu, que me é tão caro. Passar bem no Senhor.


Santo Inácio de Antioquia - EPÍSTOLA AOS EFÉSIOS
Santo Inácio de Antioquia - EPÍSTOLA AOS ESMIRNENSES
Santo Inácio de Antioquia - EPÍSTOLA AOS FILADÉFOS
Santo Inácio de Antioquia - EPÍSTOLA AOS MAGNÉSIOS
Santo Inácio de Antioquia - EPÍSTOLA AOS ROMANOS
Santo Inácio de Antioquia - EPÍSTOLA AOS TRALIANOS

10/11/2012

Tratado sobre a Trindade - Boécio (séc VI).


Boécio (475-524).

Anicius Manlius Torquatus Severinus Boetius (Roma, c. 475 a 480 — Pavia, 524), mais conhecido na literatura lusófona por Boécio, foi um filósofo, estadista e teólogo romano que se notabilizou pela sua tradução e comentário do Isagoge de Porfírio, obra que se transformou num dos textos mais influentes da Filosofia medieval europeia. Traduziu, comentou ou resumiu, entre outras obras dos clássicos gregos, para além do Isagoge de Porfírio e do Organon de Aristóteles, vários tratados sobre matemática, lógica e teologia. Notabilizou-se também como um dos teóricos da música da antiguidade clássica greco-latina, escrevendo a obra De institutione musica, também aparentemente com base em antigos escritos gregos. Sendo senador de Roma, no ano de 510 foi nomeado cônsul e em 520 foi elevado a chefe do governo e dos serviços da corte pelo rei ostrogodo Teodorico o Grande. Pouco depois, devido a desacordos políticos e por ter apoiado um senador apontado pelo rei como traidor, foi ele próprio acusado de traição a favor do Império Bizantino e de magia, sendo subsequentemente torturado, condenado à morte e executado. Enquanto aguardava sob prisão a execução, escreveu De Consolatione Philosophiae (Do Consolo pela Filosofia), obra que versa, entre outros temas, o conceito de eternidade e na qual tenta demonstrar que a procura da sabedoria e do amor de Deus é a verdadeira fonte da felicidade humana. Membro de uma família ligada ao então nascente cristianismo, é considerado pela Igreja Católica Romana, pelo seu contributo para a teologia cristã e pelos serviços que prestou aos cristãos, um mártir e um dos Padres da Igreja.

 Wikipedia


Tratado sobre a Trindade.
Por Boécio.
Tradução: Prof. Luiz Jean Lauand
Fonte: www.ricardocosta.com
(ou: "Como a Trindade é um Deus e não três deuses")

Introdução

Pesquisei por muitíssimo tempo a questão da Trindade, até onde podem as forças da pequena chama da mente, que a luz de Deus se dignou conceder-nos.

Tendo chegado a estruturar os argumentos e a redação, submeto-os a ti (Quintus Aurelius Memmius Symmachus, o sogro), pois anseio pelo teu abalizado juízo, tanto quanto pelas próprias descobertas de minha diligente pesquisa.

Bem poderás compreender o que sinto todas as vezes que confio à pena meus pensamentos: seja pela própria dificuldade do tema, seja pela escassez de interlocutores: na verdade és o único capaz de entendê-los e o único com quem os discuto.

Não escrevo por desejo de fama nem pelo vão aplauso do vulgo; se houver algum fruto externo não pode ser outro que esperar o teu juízo sobre o assunto tratado. Pois, excetuando a ti, para onde quer que eu olhe só vejo, por um lado, a pasmaceira ignorante e, por outro, a inveja astuta, de modo que pareceria um insulto aos tratados de teologia submetê-los a esses brutos que, mais do que interessar-se por aprendê-los, calcá-los-iam aos pés.

Assim, serei conciso, e o que extraí do fundo da Filosofia encobrirei sob palavras novas que falam só a ti e a mim, se te dignares a olhar para elas; quanto aos demais, eles não nos interessam: não podem chegar a compreendê-las e não são dignos de lê-las.

Certamente, devemos pesquisar até onde for dado ao olhar da razão humana ascender às alturas do conhecimento da divindade. Pois também nas outras disciplinas há limites além dos quais a razão não pode chegar. A Medicina nem sempre traz a saúde ao doente e a culpa não será do médico, se tiver feito tudo o que estava ao seu alcance. E o mesmo vale para os outros conhecimentos.

No caso do presente estudo, tanto mais benevolente deve ser o julgamento, quanto tão mais difícil é a questão. No entanto, tu examinarás se as sementes lançadas em mim pelos escritos de S. Agostinho produziram seus frutos. Mas comecemos a discussão da questão proposta.

I

Há muitos que usurpam a dignidade da religião cristã, mas a fé que é válida principal e exclusivamente é aquela que, tanto pelo caráter universal de seus preceitos - que dão a medida da autoridade da religião -, quanto pelo seu culto, se espalhou por quase todo o mundo e é chamada católica ou universal. Dessa fé, a sentença da unidade da Trindade é: "O Pai é Deus, o Filho é Deus, o Espírito Santo é Deus". E, portanto, Pai, Filho e Espírito Santo são um deus e não três deuses.

A razão de sua unidade é a ausência de diferença: e na diferença incorrem aqueles que aumentam ou diminuem a Unidade, como os arianos que, atribuindo graus de dignidade à Trindade, desfazem a unidade e caem na pluralidade.

Pois o princípio da pluralidade é a alteridade: fora da alteridade nem sequer pode ser entendida a pluralidade. Pois a diferença entre três (ou qualquer número de) coisas reside no gênero, na espécie ou no número.

O número de modos de igualdade acompanha o de diversidade. Ora, a igualdade pode se dar de três modos:

1) pelo gênero: como são iguais quanto ao gênero (animal) o homem e o cavalo;

2) pela espécie: como Catão e Cícero são iguais quanto à espécie (homem);

3) pelo número: como Túlio e Cícero são um e o mesmo.

Do mesmo modo, a diversidade também se dá pelo gênero ou pela espécie ou pelo número. Mas a diferença pelo número se dá pela variedade de acidentes. Pois três homens não diferem pelo gênero, nem pela espécie, mas pelos seus acidentes. E se nós mentalmente retiramos deles todos os demais acidentes, cada um, no entanto, continua ocupando um lugar diferente e de modo algum podemos supô-los num mesmo e único lugar, pois dois corpos não podem ocupar um mesmo lugar. Ora, o lugar é um dos acidentes. E assim, porque são plurais em seus acidentes, são plurais em número.

II

Trata-se, pois, de adentrar, e examinar com atenção cada ponto para que possamos entender e captar; pois, como muito bem se disse: "ao erudito compete tratar de captar a sua fé, tal como na realidade ela é".

Ora, são três as ciências especulativas: a Física, que está em movimento e não é abstrativa ou separável - anypexairetos - não abstrai o movimento, pois considera as formas dos corpos com matéria, formas que em ato não se podem separar dos corpos. E os corpos, estando em movimento, a forma, unida à matéria, tem movimento: com a terra, tendem para baixo; com o fogo, para cima. A Matemática, está sem movimento e não é abstrativa, pois ela estuda as formas dos corpos sem a matéria e, por isso, sem movimento. Porém essas formas, em união com a matéria, não podem separar-se dela. A Teologia, está sem movimento e é abstrativa, pois a substância de Deus carece de matéria e de movimento.

Das três ciências, a Física trabalha racionalmente (rationabiliter); a Matemática, disciplinarmente (disciplinaliter) e a Teologia, intelectualmente (intellectualiter): : pois não se trata aqui de lidar com imagens, mas antes de olhar para a forma que é, não imagem, mas verdadeira forma: ela mesma é e é por ela que o ente é .

Pois tudo é pela forma. Uma estátua se constitui como tal e se diz efígie de ser vivo, não pelo bronze, que é matéria, mas pela forma nela esculpida. E, do mesmo modo, o próprio bronze é bronze não pela terra que é sua matéria, mas pela forma. E mesmo a própria terra não é terra por ser matéria informe (apoion hylen), mas por causa da secura e do peso que são formas. Não há nada, pois, que seja o que é pela matéria, mas sempre pela forma própria.

Ora, a divina substância é forma sem matéria e, portanto, é Um e é o que é. Qualquer outro ente não é o que é, pois, cada ente tem seu ser das partes de que está constituído, da conjunção de suas partes: mas não tal e tal tomadas separadamente. Por exemplo, o homem na condição presente consiste em corpo e alma, é corpo e alma, não corpo ou alma separadamente e, portanto, não é o que é. Aquele, porém, que não é composto disto e daquilo, mas é simplesmente isto, esse verdadeiramente é o que é, e é belíssimo e poderosíssimo porque em nada se assenta.

Daí que Ele seja verdadeiro Um, no qual não há número nem nada que não seja o que é. Nem pode tornar-se substrato de algo, pois é forma e as formas não podem ser substratos. Pois o que nas outras formas é substrato para os acidentes, como por exemplo a hominalidade, não recebe os acidentes pelo fato de ela mesma ser, mas sim pela matéria que lhe está sujeita. Assim, quando a matéria sujeita à hominalidade recebe um acidente qualquer, parece que é a própria hominalidade que o assume.

Já a forma que é sem matéria não pode ser substrato, nem nela inerir matéria, senão não seria forma, mas imagem. Pois da forma que está à margem da matéria procedem as que estão na matéria e produzem o corpo. É, pois, um abuso de linguagem que cometemos quando chamamos formas o que são imagens, somente assemelham-se à forma que não está constituída em matéria: n’Ele nada há de diversidade; nem de pluralidade decorrente da diversidade, nem de multiplicidade decorrente de acidentes; e daí que tampouco haja número.

III

Assim, Deus não difere de Deus a título algum, pois não há diversidade de sujeitos por diferenças acidentais ou substanciais. Onde, pois, não há diferença, não haverá pluralidade alguma, e daí tampouco número, mas somente unidade. E quando dizemos três vezes Deus e dizemos Pai, Filho e Espírito Santo, estas três unidades não fazem pluralidade numérica naquilo que elas mesmas são, se consideramos a própria realidade numerada e não o modo pelo qual numeramos. Neste caso, a repetição de unidades produz pluralidade numérica; quando, porém, se trata da consideração da realidade numerada, a repetição da unidade e o uso plural não produzem de modo algum diferença numérica nas realidades.

Pois há dois tipos de números: um, pelo qual numeramos; outro, que consiste nas coisas numeráveis. Assim, dizemos um para a coisa real; enquanto unidade designa aquilo pelo que dizemos que algo é um. Assim também dois pode referir-se à realidade - como, por exemplo, homens ou pedras -, mas dualidade não: dualidade refere-se somente àquilo por que se constituem dois: homens ou pedras. E assim também para os outros números.

Portanto, no caso do número pelo qual numeramos, a repetição da unidade faz pluralidade; nas coisas, porém, a repetição de unidades não produz número, como por exemplo se da mesma e única coisa eu dissesse: "uma espada, um gládio, uma lâmina". Podemos referir-nos a essa realidade com um único vocábulo, "espada", e a repetição de unidades (palavras) não é uma numeração: se dizemos "espada, gládio, lâmina" é uma reiteração e não uma enumeração de diversos; do mesmo modo, quando repito: "sol, sol, sol" não se trata de três sóis, mas de um só.

Assim, pois, se se predica do Pai, Filho e Espírito Santo três vezes Deus, a predicação tríplice não constitui número plural. Este é, pois, como dissemos, o perigo daqueles que fazem distinção por dignidade entre os três. Nós, os católicos, porém, não admitimos nenhuma diferença no que constitui a própria forma e afirmamos não ser Ele outra coisa que aquele que é. E para esta doutrina, dizer: "Deus Pai, Deus Filho, Deus Espírito Santo, e esta Trindade é um só Deus", é tal como dizer: "uma espada, um gládio, uma lâmina" ou "sol, sol, sol: um sol".

Com o que até aqui dissemos, procuramos deixar claro que nem toda repetição de número produz pluralidade. Quando, porém, dizemos, "Pai e Filho e Espírito Santo" não estamos usando sinônimos diversos como seria o caso de "espada" e "gládio", que são iguais e idênticos.

Pois Pai, Filho e Espírito Santo, são iguais, mas não são o mesmo. Este ponto merece um pouco de atenção. A quem pergunta: "É o Pai o próprio Filho?", respondemos: "De modo algum". E: "É um o mesmo que o outro?", novamente: "Não!".

Não há, pois, entre eles - sob um determinado aspecto - uma total indiferença em todos os aspectos; e assim pode-se falar em número que, como explicamos acima, procede da diversidade de sujeitos. Discutiremos brevemente esse determinado aspecto, depois de termos examinado como é que se predica de Deus.

IV

Há ao todo dez categorias que podem ser universalmente predicadas de todas as coisas: substância, qualidade, quantidade, relação, lugar (onde), tempo (quando), condição, situação, atividade e passividade.

Elas são determinadas pelo sujeito a que se referem: parte delas - quando se aplicam a outras coisas que não Deus -, referem-se à substância; parte, aos acidentes. Quando, porém, estas categorias são aplicadas à divindade, todas elas se tornam substanciais. Quanto à relação, ela não pode de modo algum ser predicada de Deus, pois a substância n’Ele não é propriamente substância, mas ultra-substância. Também não podem ser predicadas de Deus a qualidade e as demais categorias, das quais vamos dar exemplos para melhor compreensão.

Ao dizermos "Deus", aparentemente estamos designando uma certa substância, mas, na verdade, aquela que é ultra-substância; ao dizermos "justo" (aplicado a Deus), referimo-nos a uma qualidade, mas não à qualidade acidental, e sim à própria substância ou ultra-substância. Pois em Deus não é uma coisa ser, e outra ser justo, mas é-Lhe idêntico ser Deus e ser justo. E quando dizemos "grande ou o maior" parece que nos estamos referindo a uma determinada quantidade; mas, no caso, é à própria substância ou, como dissemos, ultra-substância: para Deus é o mesmo ser e ser grande. E quanto à sua forma, já mostramos acima como Ele é Forma e certamente Um e excluindo toda pluralidade.

Mas essas categorias são tais que dão à coisa a que se aplicam o caráter que expressam: nas coisas criadas, a divisão; em Deus, porém, apresentam-se conjugadas e unidas: quando dizemos "substância" (aplicada por exemplo a homem ou Deus) é como se aquilo de que predicamos fosse ele mesmo substância, como substância "homem" ou "Deus". Na verdade, porém, não é a mesma coisa: o homem não realiza em si a totalidade do ser humano, e por isso não é substância; o que ele é, deve-o a outras coisas que não são homem. Deus, porém, é o próprio Deus; não é outra coisa senão "o que é" e, por isso, é Deus mesmo.

E assim também quando dizemos "justo", que é uma qualidade, dizemos como predicação do sujeito, isto é, se dizemos: "homem justo" ou "Deus justo", afirmamos que o próprio homem ou o próprio Deus são justos. Porém, uma coisa é o homem; e outra, o homem justo; enquanto Deus Ele mesmo é o que é justo.

"Grande" também se diz do homem ou de Deus como se fosse a mesma coisa dizer "homem grande" ou "Deus grande"; na verdade, porém, o homem pode até ser grande; mas Deus é, Ele mesmo, o próprio grande.

Quanto às outras categorias, também elas não podem ser predicadas de Deus nem (substancialmente) dos outros entes. Pois o lugar não se pode predicar do homem nem de Deus: do homem se diz que está na praça; de Deus, que está em toda a parte; mas não como se fosse o mesmo a coisa e o que dela se predica. Pois dizer que o homem está na praça é totalmente diferente do que afirmar seu modo de ser, por exemplo, branco ou alto ou qualquer propriedade que, por assim dizer, o circunscreva e determine e pela qual se possa descrevê-lo em si. A predicação lugar, pelo contrário, somente afirma onde se situa a substância em relação a outras coisas.

Com Deus, porém, não é assim, pois "estar em toda parte" não significa que esteja em cada lugar (Ele absolutamente não pode estar num lugar), mas que cada lugar é-Lhe presente para ocupar, embora Ele não possa ser recebido espacialmente e, por isso, não se diz que ele esteja situado em lugar algum porque está em toda parte, mas não alocado.

O mesmo se dá com o "quando", a categoria de tempo: tal homem veio ontem; Deus é sempre. Quando se predica o "vir ontem", aqui, novamente, não se diz algo sobre o homem em si, mas o que lhe sucedeu no tempo. Já o que se diz de Deus, "sempre é", significa um contínuo presente que abarca todo o passado e todo o futuro. Os filósofos dizem que isso pode ser também afirmado do céu e de outros corpos imortais, mas, mesmo assim, não do mesmo modo que de Deus. Pois Ele é sempre porque "sempre" é para Ele presente: e há uma grande diferença entre o nosso "agora", que é do tempo que corre, e a sempiternidade: o "agora" divino permanece, não corre, e consistindo, faz a eternidade. Junta eternidade e sempre, e terás o agora perene e incessante e, portanto, o transcurso perpétuo que é a sempiternidade.

Também são válidas essas considerações para as categorias condição e atividade; pois dizemos do homem: "ele, vestido, corre", e de Deus: "Ele, possuidor de todas as coisas, governa". Aqui também não se diz nada do ser de ambos e essas são predicações exteriores; e todas as categorias até agora tratadas referem-se a outras dimensões que não à substância.

A diferença entre um e outro caso é fácil de perceber: "homem" e "Deus" referem-se à substância pela qual o sujeito é algo: homem ou Deus; "justo" refere-se a uma qualidade pela qual o sujeito é algo, a saber: justo; "grande", à quantidade pela qual ele é algo: grande. Já com as demais categorias isto não se dá: quando se diz que alguém está na praça ou em toda a parte, referimo-nos à categoria lugar, que não faz com que o sujeito seja algo, como pela justiça ele é justo.

O mesmo ocorre quando se diz "ele corre" ou "governa" ou "é agora" ou "é sempre": nestes casos estamos expressando tempo ou atividade - se é que o "sempre" divino pode-se encaixar em tempo -, mas não algo pelo qual é algo, como pela magnitude se é grande. Quanto às categorias situação e passividade nem precisamos ocupar-nos delas porque, claramente, sequer ocorrem em Deus.

Já se tornam evidentes as diferenças da predicação? Algumas categorias apontam para a coisa; outras, para circunstâncias da coisa. Aquelas dizem que a coisa é algo; estas, não incidem sobre o ser da coisa, mas sobre aspectos antes extrínsecos que lhe são aderentes. As categorias que determinam de algum modo o ser de algo chamam-se categorias segundo o ser; quando pressupõem sujeito, são chamadas acidentes segundo o ser. Quando se trata de Deus, que de modo algum é sujeito, só se pode falar de predicação segundo a substância.

V

Trata-se agora de examinar a categoria relação, para cuja discussão valer-nos-emos de tudo o que anteriormente foi tratado; a relação, mais do que qualquer outra categoria, constitui-se por referência a outro e parece especialmente não ser predicação relativa à coisa em si.

"Senhor" e "servo", por exemplo, são relativos; examinemos se são predicados da substância. Suprimindo o servo, suprime-se o senhor. Mas se suprimimos a brancura não suprimimos alguma coisa branca, embora, certamente, ao suprimir a brancura particular desta coisa branca suprimamos também conjuntamente a coisa. No caso do senhor, se suprimimos a palavra "servo", destrói-se também a palavra "senhor": não porque o senhor seja substrato do servo como a coisa branca é substrato da brancura, mas sim porque se desfaz a relação (o poder) que sujeitava o servo ao senhor. Já que o poder se desfaz ao suprimir-se o servo, vê-se que o poder não é algo que per se esteja no senhor, mas é algo extrínseco que lhe advém pela relação com os servos.

Não se pode, portanto, afirmar que uma predicação de relação acresça, diminua ou altere de algum modo a coisa em si a que se refere. Pois a categoria relação não diz respeito à coisa em si; ela simplesmente aponta uma condição de relatividade (e não sempre ou necessariamente para outra substância mas às vezes para uma mesma).

Assim, suponhamos um homem em pé. Se eu me dirijo a ele pela direita e me coloco a seu lado, ele estará à esquerda em relação a mim não porque ele mesmo seja esquerda, mas porque eu me coloquei à direita. Agora, se eu me aproximo pela esquerda ele se torna direita em relação a mim: e, de novo, não porque ele seja em si direita (como ele é branco ou alto), mas por causa do meu posicionamento. Fica tudo na dependência de mim e nada tem que ver com o seu ser em si.

Essas categorias que não afetam a coisa em si não podem mudar, alterar ou afetar de nenhum modo sua essência. Daí que se Pai e Filho são termos de relação e, como dissemos, não têm outra diferença que a de relação, e se a relação não é predicada daquele de quem se predica como se fosse o próprio sujeito e qualidade sua, então ela não produzirá nenhuma alteridade de substância em seu sujeito mas - numa frase dificilmente compreensível e que requer explicação - uma alteridade de pessoas.

Pois é uma regra básica a de que as distinções em realidades incorpóreas são estabelecidas por diferenças e não por separação espacial. Não se pode dizer que Deus se tornou Pai pelo acréscimo de algo; pois Ele nunca começou a ser Pai, já que a produção do Filho pertence à sua própria substância; embora o predicado Pai, enquanto tal seja relativo. E se nos lembramos de todas as proposições feitas sobre Deus na discussão prévia, devemos admitir que Deus Filho procede de Deus Pai e Deus Espírito Santo de ambos e que eles não podem ser espacialmente diferentes por serem incorpóreos. Mas já que o Pai é Deus, o Filho é Deus e o Espírito Santo é Deus, e já que em Deus não há pontos de diferença que o distingam de Deus, Ele não difere d’Eles. Mas onde não há diferença, não há pluralidade; e onde não há pluralidade, há unidade. E, novamente, nada senão Deus pode ser gerado por Deus e, na realidade numerada, a repetição da unidade não produz pluralidade. E assim a unidade dos três está convenientemente estabelecida.

VI

Mas, como toda relação sempre se refere a outro, pois a predicação que se refere ao próprio sujeito é sem relação, a numerosidade da Trindade é garantida pela categoria relação, enquanto a unidade é preservada pelo fato de que não há diferença de substância ou de operação ou de qualquer predicado substancial. Assim, a substância é responsável pela unidade e a relação faz a Trindade. E assim, somente os termos referentes à relação podem ser aplicados distintamente a cada um. Pois o Pai não é o mesmo que o Filho, nem cada um dos dois é o mesmo que o Espírito Santo. Ainda que Pai, Filho e Espírito Santo sejam o mesmo e único Deus, o mesmo em justiça, em bondade, em grandeza e em tudo que pode ser predicado segundo o ser.

Não se deve esquecer que a predicação de relatividade nem sempre envolve diferença (como servo para o senhor). Porque o igual é igual ao igual, o semelhante é semelhante ao semelhante, e o mesmo é o mesmo que o mesmo; e a relação do Pai para o Filho, e de ambos para o Espírito Santo, é relação de igual para igual.

Uma tal relação não será encontrada nas coisas criadas, mas isto é por causa do modo de diferenciação que afeta as transitórias criaturas. Ao falar de Deus, porém, não devemos deixar-nos guiar pela imaginação; mas pelo puro intelecto elevar-nos e acometer o entendimento de tudo o que importa conhecer.

Mas já basta acerca da questão proposta. Agora a acuidade da discussão aguarda o critério do teu julgamento: o pronunciamento de tua autoridade sobre se discorri corretamente ou não. Se pela graça de Deus apresentei argumentos para este ponto que se sustenta por si no firmíssimo fundamento da fé, volto-me gozosamente em louvor, pela obra feita, para Aquele de quem procede o efeito. Se, porém, a natureza humana não logrou transcender seus limites naturais, valha pela intenção o que tiver falhado pela fraqueza.

08/11/2012

Ave Maris Stella

Tertuliano de Cartago - TRATADO SOBRE A ORAÇÃO


Tradução: d. Timóteo Anastácio

Fonte: Livro Tratado sobre a Oração

"De Oratione": Obra composta por 29 capítulos, foi redigida entre 198-200, sendo o mais antigo comentário do "Pai-Nosso". Dirigido aos catecúmenos, tem uma orientação predominantemente prática, abordando a postura interior e exterior que se deve guardar na oração.

I - Cristo ensina uma nova forma de oração

1. Jesus Cristo, nosso Senhor, que é tanto Espírito de Deus, como Palavra de Deus e Verbo de Deus, (Palavra do Verbo e Verbo da Palavra), instituiu para os novos discípulos do Novo Testamento uma nova forma de oração. Convinha, realmente, que também nesse plano se guardasse o vinho novo em odres novos e se costurasse um pano novo numa veste nova (cf. Mt 9,16-17; Mc 2, 21-22; Lc 5,36-39). De resto, tudo que viera antes, ou foi inteiramente abolido como a circuncisão, ou foi completado como o resto da Lei, ou cumprido como a profecia, ou levado à perfeição como a própria fé.

2. A nova graça de Deus renovou todas as coisas, fazendo-as passar de carnais a espirituais, mediante o Evangelho, que opera a revisão de todas as coisas antigas. Pelo Evangelho, nosso Senhor Jesus Cristo se fez reconhecer como Espírito de Deus, Palavra de Deus e Verbo de Deus: Espírito, por seu poder eficaz; Palavra, por seu ensinamento; Verbo, por sua vinda. Assim, pois, a oração instituída por Cristo reune três dimensões: a do Espírito, razão da sua grande eficácia; a da Palavra, em que ela se exprime; e do Verbo...[lacuna]

João já ensinara seus díscipulos a orar

3. Também João Batista já ensinara seus discípulos a orar. Mas tudo em João era preparação à vinda de Cristo. Quando Cristo cresceu - e João já anunciara que era preciso que Cristo crescesse e ele mesmo diminuísse (cf. Jo 3,30) - toda a obra do precursor se transferiu para o Senhor, segundo o espírito de João. Por isso, nada nos resta das palavras com que João ensinou a orar, pois as coisas terrenas deram lugar às celestes. "Quem é da terra - diz João - fala o que é da terra, mas o que vem do céu fala daquilo que viu" (Jo 3,31-32). E o que não é celeste no Cristo Senhor, inclusive o seu ensinamento sobre a oração?

Como orar


4. Consideremos, pois, irmãos abençoados, a celeste sabedoria de Cristo, que se manifesta, em primeiro lugar, pelo preceito de orar em segredo(cf. Mt 6,6). Por aí Cristo induzia o homem a acreditar que o Deus Onipotente nos vê e nos escuta em toda parte, mesmo em casa e nos lugares mais escondidos. Ao mesmo tempo, ele queria que a nossa fé fosse discreta, de modo que, confiante na presença e no olhar de Deus em toda parte, reservasse o homem só a Deus a sua veneração.

5. Já no preceito seguinte (cf. Mt 6,7), se manifesta uma sabedoria que se refere tanto à fé, como ao discernimento da fé. Pois, certos de que Deus em sua providência olha pelos seus, não se deve pensar que para nos aproximarmos dele precisamos de muitas palavras.

Uma oração breve

6. Aqui chegamos, por assim dizer, ao terceiro grau da sabedoria. Com efeito, essa brevidade está apoiada na significação de palavras grandes e felizes, pois quanto mais curta, mais rica de sentido é esta oração. De fato, ela não compreende apenas a exigência própria da oração, isto é, a veneração de Deus e a súplica do homem, mas quase todas as palavras do Senhor. Constitui uma lembrança de todo o seu ensinamento, de tal modo que nela temos uma síntese de todo o Evangelho.

II - "Pai que estais no céu"

1. Começamos por um testemunho sobre Deus e pelo efeito da fé, quando dizemos: "Pai, que estás no céu". De fato, aí não só oramos a Deus, mas também mostramos a nossa fé, que tem por conseqüência chamá-lo de Pai. Como está escrito, "Àqueles que crêem em Deus, foi-lhes dado o poder de ser chamados filhos de Deus" (Jo 1,12).

2. Aliás, o Senhor, muitas vezes, nos faz saber que Deus é Pai. Até mesmo ordenou que a ninguém chamemos de Pai sobre a terra (cf. Mt 23,9), mas só Àquele que temos no céu. Portanto, ao orar desta forma, cumprimos também um preceito.

3. Felizes aqueles que reconhecem o Pai. Eis o que Deus censura a Israel, eis o que afirma, chamando por testemunhas o céu e a terra: "Gerei filhos, e eles não me reconheceram" (Is 1,2).

4. Dizendo, pois, Pai, damos a Deus o seu nome, termo que significa atitude filial e autoridade.

5. Dizendo Pai, invocamos também o Filho. O Senhor disse: "Eu e o Pai somos um" (Jo 10,30).


6. Nem mesmo a Mãe Igreja é preterida, pois no Filho e no Pai reconhecemos também a Mãe, que nos atesta o nome do Pai e do Filho.


7. Assim, por esta única relação de afinidade, adoramos a Deus, cumprimos o preceito e condenamos os que esquecem seu Pai.


III - Cristo nos revela o Pai


1. O nome de Deus como Pai, antes, a ninguém fora revelado. Mesmo a Moisés, que perguntara a Deus seu nome, um outro nome foi dito. Quem no-lo revelou foi o Filho. É preciso que haja o nome do Filho, para de novo termos o nome do Pai. O Senhor disse: "Eu vim em nome de meu Pai" (Jo 5,43). E ainda: "Pai, glorifica o teu nome" (Jo 12,28). E ainda mais claramente: "Eu manifestei o teu nome aos homens" (Jo 17,6).

"Santificado seja o teu nome"

2. Pedimos, pois, que esse nome seja santificado. Não que caiba aos homens desejar o bem a Deus, como se alguém lhe possa dar qualquer coisa. Ou que Deus passe necessidade, sem os nossos votos. Mas é muito conveniente que Deus seja bendito em todo tempo e lugar pelo homem. Com efeito, todos os homens devem se lembrar, sem cessar, dos beneficios divinos. Este pedido tem a função de bendizer a Deus.


3. Quando, aliás, deixa o nome de Deus de ser santo e santificado por si mesmo? Não é, acaso, por meio dele, que os outros são santificados? Os anjos em torno de Deus não cessam de dizer: Santo, Santo, Santo! Da mesma forma, também nós, destinados a viver em companhia dos anjos, se o merecermos, aprendemos desde já na terra, este louvor a Deus, assim como aprendemos o que faremos no futuro, na glória.

4. Eis o que se refere à glória de Deus. Mas, o que é que pedimos para nós, ao dizer: "Santificado seja o teu nome"? Pedimos, na realidade, que ele seja santificado em nós, que o ouvimos, e também naqueles que Deus ainda aguarda com a sua graça. Assim, orando por todos, observamos igualmente um outro preceito evangélico, que é de rezar por todos, mesmo os nossos inimigos (cf. Mt 5,44). Não dizendo que o nome de Deus seja santificado em nós, estamos dizendo que ele seja santificado em todos.

IV - "Seja feita a tua vontade no céu e na terra"


1. Prosseguindo a oração, acrescentamos: "Seja feita a tua vontade no céu e na terra". Não pensamos que alguém possa impedir que se faça a vontade de Deus, e por isso pedimos-lhe a realização da sua vontade. O que pedimos é que a vontade de Deus se realize em todos os homens. Nesta expressão figurada, o céu é nosso espírito, e a terra é nosso corpo.


2. Se, entretanto, devemos entender de modo mais simples, é idêntico o sentido dessa súplica. Pedimos que se faça em nós a vontade de Deus na terra, a fim de que possa realizar-se em nós igualmente no céu. Que é que Deus quer, senão que andemos conforme os seus ensinamentos? Pedimos, pois, que ele nos leve a aceitar o que ele quer e nos dê o poder de assim agir, para que sejamos salvos tanto no céu como na terra. Pois o que Deus mais quer é a salvação daqueles que adotou como filhos.


3. Também é segundo a vontade de Deus o que fez o Senhor, pregando, agindo e sofrendo. Na verdade, ele mesmo o diz: "Eu não faço a minha vontade, mas a vontade do Pai" (cf. Jo 6,38). É, pois, fora de dúvida que ele fazia a vontade do Pai. E agora ele nos convida a fazer o mesmo que ele, de modo que também nós preguemos a palavra de Deus, trabalhemos e suportemos o sofrimento até à morte. Mas, para podermos agir desse modo, precisamos aceitar a vontade de Deus.


4. Dizendo, pois, "Seja feita a tua vontade", desejamos o melhor para nós mesmos, pois não há mal algum na vontade de Deus, mesmo se ele pune alguém por seus pecados que o contrapõem, de certo modo, ao que é santo.


5. Além disso, com essas palavras, criamos coragem para suportar o sofrimento. O próprio Senhor, na iminência da paixão, para mostrar em sua carne a fraqueza da nossa, assim disse: "Pai, se queres, afasta este cálice" (Lc 22,42). Mas, depois, lembrado da sua oração, acrescentou: "Não se faça a minha, mas a tua vontade". Ele é a vontade e o poder do Pai. Mas, para mostrar como devemos sofrer por causa dos nossos pecados, entregou-se à vontade do Pai.

V - "Venha o teu Reino"


1. Este pedido, como o anterior, refere-se a nós e significa: "Venha em nós o teu Reino". Mas, quando é que Deus não reina, ele que "tem nas mãos o coração de todos os reis"? (Pr 21,1). Na verdade, quando nós desejamos algo de bom a Deus o pedimos, e a ele atribuímos alcançar tudo quanto esperamos. Deste modo, se a realização do reino do Senhor se funda na vontade de Deus e em nossa atitude, como podem alguns querer para o mundo certas delongas, se o Reino de Deus, que rogamos, tende à consumação do mundo? Nosso maior desejo é reinar quanto antes e não continuar escravos por mais tempo!

2. Mesmo, pois, que não constasse da oração esse pedido, "Venha o teu Reino", nós o teríamos feito espontaneamente, na ânsia de abraçar as alegrias esperadas (cf. Hb 4,11).

3. As almas dos mártires, sob o altar, clamam ao Senhor, com impaciência: "Até quando, Senhor, tardarás a vingar o nosso sangue contra os habitantes da terra"? (Ap 6,10). Sim, é fora de dúvida que Deus decidiu vingá-los no fim do mundo.


4. Venha, pois, Senhor, quanto antes o teu Reino, a fim de se cumprir o desejo dos cristãos, para confusão dos pagãos e alegria dos anjos. É para se cumprir tua vontade que estamos abatidos, que lutamos e, sobretudo, que oramos.


VI - "Dá-nos hoje o nosso pão cotidiano"

1. Com que arte a sabedoria divina dispõe as partes desta oração! Depois das coisas do céu, isto é, depois do nome de Deus, da vontade de Deus e do Reino de Deus, podemos pedir por nossas necessidades terrestres. O Senhor, com efeito, já havia declarado: "Procurai em primeiro lugar o Reino de Deus, e recebereis a mais as outras coisas por acréscimo" (Mt 6,33).

2. Na verdade, devemos entender, antes, em sentido espiritual o pedido: "Dá-nos hoje o nosso pão cotidiano". O Cristo, com efeito, é nosso pão, porque o Cristo é vida, e o pão também é vida. Aliás, ele disse: "Eu sou o pão da vida" (Jo 6,35), e um pouco antes: "O pão é a Palavra do Deus vivo, que desceu do céu" (cf. Jo 6,32). Ademais, como ele disse: "Isto é o meu corpo" (Lc 22,19), cremos que o seu corpo está presente no pão. Assim, pedindo o pão cotidiano, rogamos a Deus viver sempre em Cristo e inseparáveis do seu corpo.

3. Mas, se compreendermos em sentido literal estas palavras, não poderia ser à custa do seu caráter religioso e do ensino espiritual dado pelo Senhor. Com efeito, ele manda que peçamos o pão, como a única coisa necessária aos que têm fé. Dos outros bens, são os pagãos que vão em busca (cf Mt 6,32-33). Para nos fazer compreender isto, o Senhor usa exemplos e emprega parábolas, como, por exemplo, quando pergunta: "Acaso tira o pai o pão dos seus filhos e o atira aos cães?" (Mt 15,26; Mc 7,27). E ainda: "Acaso ele dá uma pedra ao filho que pede pão?" (Mt 7,9). Ele mostra, assim, o que devem os filhos esperar do pai. E o homem que bate à porta do seu amigo em plena noite, ele o faz para obter pão (cf. Lc 11,5-8).

4. Com razão, o Senhor acrescenta: "Dá-nos hoje". Porque já antes prevenira: "Não vos preocupeis com o que havereis de comer amanhã" (cf. Mt 6,34). No mesmo sentido, ele utiliza aquela parábola do homem preocupado em ampliar seus celeiros para reservar as colheitas abundantes e, assim, gozar de segurança por muito tempo. Mas nessa mesma noite ele morreu! (cf. Lc 12,l6ss).

VII - "Perdoa-nos as nossas dívidas"

1. É óbvio que, depois de venerar a generosidade de Deus, roguemos também a sua clemência. De que nos serviria o alimento, se aos olhos de Deus não fôssemos senão como um touro a engordar para ser sacrificado? O Senhor sabe que só ele é sem pecado. É por isso que ele nos ensina a pedir: "Perdoa-nos as nossas dívidas". Pedir perdão já é uma confissão, pois quem pede perdão, confessa ter pecado. Assim, a penitência se revela agradável a Deus, porque ele a prefere à morte do pecador (cf. Ez 18,21-23).

2. Na Escritura, a palavra "dívida" significa pecado, no sentido de se faltar ao dever. Ao juiz submete-se esta dívida, cujo pagamento é exigido por ele. Só se pode escapar ao pagamento da divida, se o juiz a perdoar. Como o caso daquele servo a quem o patrão perdoou sua dívida (cf. Mt 18,23-35). A parábola inteira é um exemplo do que dizemos. O senhor liberta o servo da sua dívida, mas este, por sua vez, não perdoa ao seu devedor. Acusado junto do seu patrão é entregue ao algoz até que pague o último centavo, isto é, até mesmo pela falta mais leve (cf. Mt 5,25ss). Tudo isso tem o mesmo sentido daquilo que afirmamos: "Perdoamos aos nossos devedores".

3. Em outro lugar, o Senhor diz, empregando as mesmas palavras desta oração: "Perdoai, e vos será perdoado" (Lc 6,37). E quando Pedro perguntou se devia perdoar sete vezes ao irmão, o Senhor respondeu: "Mais ainda, setenta e sete vezes" (Mt 18,21-22). Deste modo, o Senhor aperfeiçoava a Lei, visto que no livro do Génesis se declara que Caim será vingado sete vezes e Lamec setenta e sete (cf. Gn 4,15.24).

VIII - "Não nos submetas à tentação"

1. Completando oração tão concisa, o Senhor acrescentou que supliquemos não só o perdão dos pecados, mas também que de todo, os evitemos: "Não nos submetas à tentação". Isto quer dizer: Não permitas que o Tentador nos faça cair.

2. Não pensemos que o Senhor nos quer tentar, como se ignorasse a fé de cada um de nós, ou como se ele quisesse nos fazer cair.

3. É o maligno que nos faz cair. Fraco e malvado é o Diabo. Assim, quando Deus ordenou a Abraão o sacrifício do seu filho, não foi para tirar-lhe a fé, mas para prová-la (cf Gn 22, 1-18). Queria, sim, fazer dele um exemplo para o mandamento que iria dar mais tarde: os que vos são caros, não os ameis mais do que a Deus (cf. Mt 10,37).

4. Um dia, o próprio Senhor foi tentado pelo Diabo, mostrando que é este, e não ele, o dono e mestre de toda tentação.


5. Mais tarde, o Senhor confirmou essa passagem, quando disse: "Orai para não caírdes em tentação" (Mt 26,41). Os discípulos caíram na tentação, a ponto de abandonar o Senhor, porque preferiram dormir a orar (cf. Mt 26,40-45).

6. A isto corresponde o final do Pai nosso, que explica o pedido: "Não nos submetas à tentação". É o que diz a oração: "Mas livra-nos do Maligno" (Mt 6,13).

IX - Esta oração é muito rica

1. Em tão poucas palavras, quantas declarações dos Profetas, dos Evangelhos, dos Apóstolos, quantos discursos do Senhor em parábolas, exemplos e preceitos, são relembrados! E quantos deveres religiosos são aí repassados

2. Falando do Pai, a oração nos lembra a honra devida a Deus. Na revelação do seu nome, testemunhamos a fé. Em face da sua vontade, oferecemos a nossa submissão. Quando se fala do Reino, recordamos a nossa esperança. Pedindo o pão, rogamos a vida. Pedindo perdão, confessamos nossos pecados. Solicitando a proteção divina, mostramo-nos preocupados com as tentações.

3. Mas, por que se admirar disso? Só Deus podia nos ensinar como quer que o invoquemos na oração. Dele mesmo nos vem a regra da oração, que ele animava com o seu Espírito, no instante mesmo em que ela saía da sua boca. Assim, pois, por força de um privilégio especial, ela sobe direto ao céu, recomendando ao Pai o que o Filho ensinou.

X - Outros pedidos legítimos

1. Mas o Senhor, que prevê as necessidades humanas, depois de nos ensinar esta oração, acrescenta, em outro lugar: "Pedi e recebereis" (Mt 7,7; Lc 11,9). Com efeito, existem outras coisas a pedir, segundo as circunstâncias. Primeiro, porém, devemos proferir essa oração do Senhor, que representa o fundamento de nossos outros desejos. Temos, pois, o direito de acrescentar além desta oração, outros pedidos, sob a condição de nos lembrarmos dos preceitos evangélicos. Se estivermos distanciados desses preceitos, estaremos outro tanto distantes dos ouvidos de Deus.

TRATADO SOBRE A ORAÇÃO - Parte II
 
XI - Como devemos orar?

1. A lembrança dos preceitos divinos abre à oração o caminho do céu. Deles, o primeiro consiste em que não subamos ao altar de Deus, sem antes nos reconciliarmos com um irmão, caso haja entre nós e ele motivo de discórdia ou ofensa. Que sentido teria apresentar-se à paz de Deus, sem estar em paz com o irmão? Buscar a remissão das próprias dívidas, sem abrir mão das alheias? Como aplacar o Pai, se guardar raiva contra o irmão? De fato, Deus nos proíbe toda ira, mesmo apenas esboçada.


2. Lembremo-nos de José. Ao despedir os irmãos para que lhe trouxessem o pai, recomendou-lhes: "Não se deixem levar pela ira, no caminho" (Gn 45,24). Com isso, ele nos deu, também a nós, um conselho. Com efeito, a nossa maneira de viver é chamada de "caminho" (cf. At 9,2). Assim, quando vamos pela estrada da oração, não devemos caminhar para o Pai com sentimentos de cólera.

3. Daí vem que o Senhor, de modo bem explícito, ampliando o conteúdo da Lei de Moisés, sobrepõe ao homicídio a ira contra o irmão. Ele não permite nem mesmo uma palavra má. Se for, porém, inevitável ficar encolerizado, nossa ira não vá além do pôr-do-sol, como nos adverte o Apóstolo (cf. Ef 4,26). É, pois, temerário, passar o dia inteiro sem orar, enquanto te recusas a perdoar teu irmão, ou então, perder a tua oração perseverando em cólera.

XII - Oremos com o coração puro

1. Devemos estar livres não somente da cólera, mas de toda perturbação da alma, quando nos entregamos à oração, que há de ser feita com um espírito semelhante ao Espírito ao qual se dirige. Um espírito não purificado não pode ser reconhecido pelo Espírito Santo. Nem um espírito triste pelo alegre Espírito de Deus. Nem um espírito perturbado, pelo Espírito da liberdade (cf. 2 Cor 5,17). Ninguém acolhe um adversário; hospeda-se apenas um amigo.

XIII - Puro seja o coração

1. De resto, que motivo temos para lavar nossas mãos antes de ir orar, se o nosso espirito está imundo? Até as nossas mãos precisam de ser espiritualmente lavadas, a fim de que se levantem incontaminadas de mentira, de violência, de crueldade, dos atos de envenenamento, de idolatria e de outras manchas que brotam do coração e se realizam pelas mãos. É esta a verdadeira pureza (cf. 1Tm 2,8; Mt 15,20). Não se trata daquelas abluções que a maior parte das pessoas observa supersticiosamente para orar. Mesmo se acabam de vir de um banho completo, usam a água.

2. Como eu refletisse com a maior atenção o sentido dessa praxe, ocorreu-me à lembrança o gesto de Pilatos, lavando as mãos ao entregar o Senhor à condenação (cf. Mt 27,24). Quanto a nós, adoramos o Senhor; não o traímos. Devemos agir de maneira contrária ao exemplo do traidor e não lavar as mãos, a não ser por alguma contaminação própria da condição humana e da qual outros têm conhecimento. De resto, estão já bastante limpas as mãos que, em Cristo, lavamos uma vez por todas, junto com todo o corpo.

XIV

1. Israel, embora lave todo dia o corpo, não está, contudo, purificado. Suas mãos estão sempre impuras, eternamente manchadas com o sangue dos profetas e com o do próprio Senhor. Por isso, os israelitas, culpados hereditariamente dos mesmos crimes de que tinham consciência os seus pais, não ousam levantar as mãos para o Senhor, de medo do clamor de um Isaías e de causar horror a Cristo. Quanto a nós, porém, não só as levantamos, mas as estendemos e, assim, imitando o Senhor na sua paixão, confessamos o Cristo com a nossa oração.

XV - Costumes reprováveis

1. Uma vez que tocamos num exemplo de prática vazia de sentido religioso, vale a pena apontar outras, que por sua inutilidade merecem justa censura, e são privadas de qualquer ensinamento de autoridade do Senhor ou de um preceito apostólico. Tais costumes não pertencem a uma religião verdadeira, mas à superstição. São pretenciosos e exagerados, expressões de um culto mais indiscreto do que espiritual, e devem, com certeza, ser reprimidos, pela própria semelhança com os cultos pagãos.

2. É o caso, por exemplo, de alguns que antes de orar tiram o manto, como fazem os pagãos quando vão cultuar seus ídolos. Se fosse preciso agir desta maneira, os Apóstolos, ao ensinarem o modo de se vestir durante a oração, teriam incluído este uso; a não ser que alguém pense que Paulo deixou o seu manto em casa de Carpo (cf. 2Tm 4,13), por tê-lo tirado para a oração. Será que Deus não escuta pessoas vestidas com o manto, se ouviu a prece daqueles três santos que na fornalha do rei da Babilônia oravam com suas vestes e turbantes?

XVI - Fatos erradamente tomados como ritos

1. O mesmo vale para o costume, que alguns têm, de se assentar, logo que termina a oração. Não consigo perceber a razão disso; é pueril. Que dizer então? Se o célebre Hermas, autor do livro intitulado "Pastor", depois de sua oração, não se tivesse sentado no leito, mas tivesse feito outra coisa, exigiríamos que se tomasse isto como observância obrigatória? Certamente não.

2. Com efeito, o texto em que diz: "Depois de ter orado, e de me ter assentado sobre o leito", deve ser entendido simplesmente como parte da narração e não como disciplina da oração.

3. Do contrário, seria impossível adorar a Deus, senão onde houver leitos

4. Mais ainda, agiria contra aquela obra, quem se assentasse numa cadeira ou num banco.

5. Se, pois, os pagãos se comportam desta forma, assentando-se depois de adorar suas estatuetas, tal uso merece censura entre nós, por ocorrer em rituais celebrados diante dos ídolos.

6. A isto se acrescenta a acusação de irreverência, que os próprios pagãos deveriam entender, se tivessem um mínimo de sabedoria. Se, com efeito, se considera desrespeitoso assentar-se alguém diante duma pessoa pela qual tem o maior respeito e veneração, quanto mais será irreligioso assentar-se em face do Deus vivo, ante o qual o anjo da oração se mantêm de pé? Ou estaríamos reclamando diante de Deus, porque a oração nos é fatigante?

XVII - Orar com humildade

1. Na verdade, quando oramos com modéstia e humildade tornam-se recomendáveis diante de Deus as nossas preces. Nem levantemos muito alto as mãos, mas de modo sóbrio e correto, para que o rosto não se erga com arrogância.

2. Lembremo-nos daquele publicano, que orava a Deus com humildade não só nas palavras, mas também com o rosto inclinado para a terra, e saiu justificado, ao contrário do fariseu cheio de insolência (cf. Lc 18,9-14).

3. É preciso que manifestemos submissão também pelo tom da voz. De quantos pulmões precisaríamos, se fosse pela altura do som da voz que Deus nos ouve? Deus, em verdade, escuta, não a voz, mas o coração, até onde penetra o seu olhar.

4. O demônio do oráculo de Delfos assim falou: "Eu compreendo o mudo e escuto o que não fala". Será que os ouvidos de Deus precisam de sons? Como pôde a oração de Jonas chegar ao céu, do fundo das entranhas da baleia? Como pôde passar através das vísceras de tão grande animal e subir ao céu, dos abismos do mar, através da grande massa de águas? (cf Jn 2,1-11).

5. Que lucram aqueles que oram com voz mais gritante, senão incomodarem os vizinhos? Além disso, expondo ás claras seu pedido, nada de menos fazem do que ostentar publicamente que estão orando.

XVIII - Os que Se abstém do ósculo da paz quando jejuam

1. Vejamos agora um outro costume que prevaleceu. Põem-se alguns a jejuar, participam da oração com os irmãos, mas no fim, se esquivam do ósculo da paz que é justamente o selo da oração.

2. Que melhor momento para trocar com os irmãos o dom da paz, senão quando a nossa oração se torna mais agradável a Deus? Eles, então, participam do nosso jejum, ao mesmo tempo que ajudam os irmãos com a sua paz.

3. Qual oração pode ser completa, se separada do ósculo santo?

4. Pode o ósculo da paz impedir a alguém de oferecer culto a Deus?

5. Que espécie de sacrificio cultual é aquele do qual os irmãos saem sem o beijo da paz?

6. Qualquer que seja a razão dada para se subtrair ao ósculo da paz, não pode ser mais forte do que a observação do preceito de esconder os nossos jejuns (cf. Mt 6,16-17). Se, com efeito, evitamos o ósculo, torna-se patente que estamos jejuando. Se, portanto, alguém tem alguma razão, pode, sem violar o referido preceito, abster-se do ósculo da paz em sua casa, onde é impossível esconder o jejum. Na assembléia não se abstenha do ósculo. Mas, em toda parte onde é possível esconder o jejum é necessário lembrar-se do preceito. Assim, estando fora de casa, satisfarás ao preceito; estando em casa, satisfarás o costume.

7. Desta forma, também no tempo da preparação da Páscoa, em que a prática religiosa do jejum é geral e pública, omitimos justamente o ósculo, sem a preocupação de ocultar o que fazemos em companhia de todos.

XIX - Procedimento nos dias de "estação"

1. Situação semelhante acontece nos dias de "estação", em que a maioria se abstém das orações do sacrificio eucarístico, porque o jejum estacional deveria ser interrompido com a recepção do Corpo do Senhor.

2. Pode a eucaristia quebrar um serviço reverente prestado a Deus? Acaso não o une mais a Deus?

3. Não será, acaso, mais intenso teu jejum estacional, se te pões em pé, ante o altar de Deus?

4. Se recebes o Corpo do Senhor e o guardas em reserva, salvam-se as duas coisas: a participação do sacrificio eucarístico e o cumprimento do jejum.

5. Se o costume da "estação" deriva da vida militar (somos, com efeito, a milícia de Deus), sabemos que nenhum motivo de alegria ou de tristeza sobrevindo no quartel anula a prontidão do soldado. Na verdade, a alegria fará cumprir o dever com maior boa vontade; a tristeza, com maior diligência.

XX - Indumentária das mulheres

1. Quanto à indumentária, pelo menos das mulheres, a variedade de costumes nos obriga a tratar do assunto. Mas nem nós nem qualquer outro o faremos sem atrevimento, uma vez que se pronunciou o santo Apóstolo Paulo (cf. 1Cor 11,3-16; 1Tm 2,9). Entretanto, não seremos atrevidos, se falarmos conforme o ensinamento do Apóstolo.

2. Na verdade, são claras as prescrições a respeito do modo de vestir e dos ornamentos. Também Pedro, com idênticas palavras, porque no mesmo espírito de Paulo, condena a presunção nos vestidos, a arrogância no uso do ouro, a impertinência em cabeleiras mais próprias de prostitutas.

TRATADO SOBRE A ORAÇÃO - Parte III (Final)

XXI - O uso de um véu


1. Mas não podemos deixar de tratar de um assunto observado de modo variável nas igrejas, como se não fosse questão definida: devem ou não as virgens usar véu?

2. Aqueles que permitem às virgens andar com a cabeça descoberta, parecem basear-se no fato de que o Apóstolo, ao prescrever a obrigatoriedade do véu, designa as mulheres em geral, não as virgens nomeadamente. Paulo, dizendo mulheres, não se teria referido ao sexo feminino em geral, mas a uma categoria de pessoas, as mulheres casadas (cf. 1Cor 11,6-15).

3. Se, com efeito, nomeasse o sexo feminino em geral, suas prescrições abrangeriam toda mulher, sem exceção. Mas, como se refere só a uma categoria, a omissão exclui a outra.

4. Podia, com efeito - dizem alguns - ou referir-se às virgens, de modo especial ou, senão, falar de mulheres em geral, como um todo.

XXII - O véu é prescrito por São Paulo

1. Os que fazem tal concessão, devem repensar o sentido da própria palavra. Que significa o termo mulher, desde as primeira letras da Sagrada Escritura? É o nome genérico do sexo feminino, e não de uma categoria especial. Assim é que Deus chamou Eva de mulher, já antes que ela se unisse ao homem (cf. Gn 2,21-25; 5,2). Mulher para o gênero globalmente, e esposa para determinada categoria, de modo especial. Se, pois, ele dá o nome de mulher a Eva, mesmo ainda inupta, o termo mulher se tornou aplicável também à virgem. Não é, pois, de se admirar que o Apóstolo, movido pelo Espirito que inspira toda a Sagrada Escritura, inclusive no livro do Gênesis, tenha usado a mesma palavra, isto é, mulher, que, a exemplo de Eva, convém igualmente a uma virgem.

2. O restante, aliás, concorda com isso. Pelo fato de não nomear as virgens, ao contrário do que faz ao ensinar sobre o matrimônio (cf. 1Cor 7,34), Paulo indica suficientemente que se refere a todas as mulheres e ao sexo feminino em geral, sem fazer distinção entre mulher e virgem, que de todo não cita. Aquele que em outro lugar se lembrou de distinguir, quando a diferença o exigia (e ele usou dois vocábulos diferentes para distinguir as duas categorias), não quer que se veja diferença, quando ele não distingue nem se refere a duas categorias.

3. Que dizer do fato de que na língua grega, em que Paulo escreve suas cartas, é costume usar o termo gynaikas (mulheres) em vez de theleías, em latim feminas? Se, deste modo, aquele termo é habitualmente usado para indicar todo o sexo feminino, e pode ser traduzido em latim por femina, é claro que, dizendo gynaika (mulher), quis nomear todo o sexo feminino, no qual estão compreendidas igualmente as virgens.

4. Mas há um pronunciamento de Paulo bem evidente: "Toda mulher que estiver em oração e profetizar com a cabeça descoberta desonra a sua cabeça" (1Cor 11,5). Que significa "toda mulher", senão mulher de qualquer idade, de qualquer ordem, de qualquer condição? Dizendo "toda" , ele não exclui qualquer categoria de mulher, como não exclui qualquer homem da proibição de velar a cabeça. Por isso, com efeito, diz: "Todo homem" (1Cor 11,4). Como, pois, relativamente ao sexo masculino, com a expressão "todo homem", Paulo proíbe até aos mais jovens usar véu, igualmente, para o sexo feminino, com o termo mulher, obriga até a virgem a cobrir-se com o véu. Em ambos os sexos, os de menor idade devem seguir a disciplina dos maiores. Do contrário, obrigaríamos os rapazes ainda virgens do sexo masculino a usar véu, se não são as mulheres virgens obrigadas a isso, visto que os rapazes não são nominalmente citados. Se há distinção entre mulher e virgem, também existe entre homem e rapaz.

5. Com certeza, diz Paulo que as mulheres devem usar véu por causa dos anjos (cf. lCor 11,10), porque os anjos se afastaram de Deus por causa das filhas dos homens (cf Gn 6,2). Quem poderá responsabilizar só as mulheres adultas, já casadas e privadas da virgindade, de excitarem a concupiscência, a não ser que se negue que as virgens são mais belas e atraem enamorados? Vejamos mesmo se os anjos não desejaram senão as virgens, já que a Escritura diz "filhas dos homens", quando podia nomear indiferentemente as esposas dos homens ou as mulheres.

6. Igualmente, ao dizer: "E as tomaram por esposas" (Gn 6,2), a Escritura quer dizer que são recebidas como esposas as mulheres ainda não casadas. Se não fossem mulheres núbeis, usaria de expressão diferente. Uma mulher é disponível para contrair casamento se é viúva ou virgem. Assim, usando o termo "filhas" inclui nessa expressão genérica uma categoria especial.

7. Quando diz o Apóstolo que a própria natureza ensina que as mulheres devem usar véu, pois a sua cabeleira lhes serve de cobertura e ornamento, não podemos, acaso, concluir que também às virgens foi determinada semelhante cobertura e ornamento? Se é vergonhoso para uma mulher raspar a cabeça, o mesmo é para a virgem.

8. Se existe uma única condição para a cabeça da mulher, há uma única disciplina, inclusive para aquelas virgens que ainda têm a proteção da infância. Já desde pequenina, a menina é chamada de mulher. Foi assim, de resto, a observância do povo de Israel. Mas mesmo que nele não se observasse esse costume, a nossa lei, que amplia e completa a dele, exigiria para si esse acréscimo, impondo às virgens o uso do véu. Escuse-se dessa norma aquela idade que ainda ignora o sexo. Que ela goze do privilégio da simplicidade infantil. Todavia, Eva e Adão, logo que começaram a conhecer o bem e o mal, ocultaram sem demora o que descobriram (cf. Gn 3,7). Assim também, as meninas que passaram da infância, do mesmo modo que obedecem à natureza, obedeçam também à disciplina. Ao se desenvolver o corpo, começam também as funções da mulher. Nenhuma menina é mais virgem, desde que se pode casar, porque então a idade a desposou a um varão, isto é, ao tempo [da puberdade].

9. Mas pode alguém objetar: Uma jovem se consagrou a Deus. Apesar disto, à medida que cresce, ela muda de penteado e todos os seus vestidos, à maneira feminina. Fale com toda gravidade e mostre-se à altura de uma virgem. Se algo esconde por causa de Deus, proteja-o completamente. Se vivemos sob o olhar complacente de Deus, interessa-nos que só a ele nos confiemos, de modo somente dele conhecido, a fim de não recebermos do homem o que só de Deus esperamos. Por que, então, descobrir diante de Deus o que velas diante dos homens? Serás, por acaso, mais recatada na rua do que na igreja? Se é graça de Deus [a tua virgindade] e, como diz Paulo, a "recebeste, por que te glorias, como se não tivesses recebido"? (1Cor 4,7). Por que te mostras ostensivamente e julgas assim as outras? Ou, acaso, pensas que com a tua vaidade, convidas as outras para o bem? Na realidade, se te glorias, corres o risco de te perderes, e forças as outras a correrem o mesmo perigo. Facilmente se destrói o que se assume com desejo de glória. Cobre-te do véu, ó virgem, se és virgem; deves enrubescer-te. Se és virgem, não suportes o olhar de muitos. Ninguém possa olhar com admiração a tua face; ninguém perceba em ti uma farsa. Se velas a tua cabeça, finges ser casada. Mas, a bem dizer, não estás mentindo, pois és esposa de Cristo. A ele consagraste a tua carne; vive, pois, segundo a disciplina do teu esposo. Se ele ordena que usem véu as esposas alheias, quanto mais as suas!

10. Mas objetam: Ninguém deve mudar o que foi instituído por seu antecessor. Muitos aprovam com sua prudência um costume instituído por outro e reconhecem essa tradição. Mas, admita-se que as jovens não sejam obrigadas a trazer o véu; não se deve, contudo, impedir que o ponham aquelas que o quiserem. E se também as virgens não podem negar o que são, contentem-se em gozar da certeza de que Deus está ciente da sua virtude. Quanto àquelas que se desposarem, posso declarar com certeza, a meu critério, que elas devem usar o véu, desde o dia em que pela primeira vez tocaram o corpo do seu esposo e tremeram pelo beijo e pelo aperto da mão direita. Para tais mulheres, tudo já é matrimônio: a idade, porque já são maduras; a carne, porque já têm idade de casar-se; pelo espírito, porque conscientes de tudo; pelo pudor, porque experimentaram o beijo; a esperança, porque estão na expectativa das núpcias; a mente, porque querem o casamento. Baste-nos o exemplo de Rebeca: apenas indicado o seu futuro esposo, já se toma esposa à notícia de sua chegada e logo se cobre do véu (cf. Gn 24,65).

XXIII - Devemos ajoelhar-nos para orar?

1. A respeito da atitude de ajoelhar-se durante a oração, há variedade de observâncias. Alguns aos sábados omitem a genuflexão. Este desacordo é causa de disputas nas Igrejas.

2. O Senhor dará a graça, a fim de que eles venham a ceder, ou então, sigam a sua opinião sem escandalizar os outros. Nós, porém, de acordo com a tradição que recebemos, somente no dia da ressurreição do Senhor evitamos não só ajoelhar-nos, mas também toda atitude ou ato de culto que exprima tristeza. E adiamos os nossos negócios, para não deixar ao diabo oportunidade alguma (cf. Ef 4,27). Fazemos o mesmo no período de Páscoa a Pentecostes, que transcorre como uma só celebração.

3. De resto, em todos os outros dias, quem hesita em prostrar-se diante de Deus, ao menos na primeira oração, quando desponta a luz do dia?

4. Nos dias de jejum e das chamadas estações, a oração não é acompanhada de genuflexões ou gestos costumeiros de humildade. Com efeito, não nos limitamos a orar, mas também rogamos perdão e procuramos dar satisfação ao Senhor, nosso Deus.

XXIV - O lugar da oração

1. Não há prescrição sobre os tempos da oração, a não ser, naturalmente, a de orar em todo tempo e lugar (cf. Lc 18,1; Ef 6,18; 1Ts 5,17; 1Tm 2,8). Mas como orar em todo lugar, se é proibido orar em público? (cf. Mt 6,5-6). "Em todo lugar", diz a Escritura, quer dizer em toda parte onde for oportuno ou houver necessidade. Nem nos parece que os Apóstolos agiram contra o preceito, quando no cárcere oravam e cantavam a Deus diante dos seus guardas (cf. At 16,25), ou Paulo que deu graças a Deus na presença de todos, num navio (cf. At 27,35).

XXV - Em que tempo orar

1. Quanto ao tempo da oração, não será supérfluo observar, além dos momentos prescritos, as orações também em certas horas que todos conhecem e que marcam as partes do dia: nove da manhã, meio-dia, três da tarde. Tais horas, podemos ver na Escritura, são as mais importantes.

2. Foi às nove da manhã que, pela primeira vez, o Espírito Santo foi derramado sobre os discípulos reunidos (cf. At 2,1-4).

3. Pedro tinha subido ao meio-dia ao terraço para orar, e teve a visão dos alimentos impuros numa toalha (cf. At 10,9-16).

4. O mesmo Pedro, às três horas da tarde, subiu com João ao Templo, e lá restituiu a saúde ao paralítico (cf At 3,1-10).

5. Embora tais passagens sejam simples narrativas que não acarretam prescrição, seria bom considerá-las como convite a orar e também como norma, a fim de nos arrancarmos das ocupações ordinârias em certos intervalos do dia e nos dedicarmos à oração. Lemos, com efeito, na Escritura que Daniel orava nessas horas, conforme o ensinamento de Israel (cf Dn 6,10). Desta forma, ao menos três vezes ao dia, vamos adorar as Três Pessoas às quais devemos tudo: o Pai, o Filho e o Espírito Santo. Obviamente, essas orações acrescentam-se ás outras prescritas regularmente, e mesmo sem indicação explícita devem ser recitadas ao raiar do dia e ao cair da noite.

6. Mas os fiéis cristãos, antes da refeição e do banho, devem fazer oração. Pois têm prioridade o refrigério e a nutrição do espírito, relativamente aos do corpo, pois as coisas do céu vêm antes das terrestres.

XXVI - A acolhida fraterna

1. Ao irmão que entra em tua casa, não o despeças sem uma oração. "Viste teu irmão, viste o Senhor", conforme se diz vulgarmente. Sobretudo, se for um peregrino. Pode ser um anjo (cf. Hb 13,2).

2. Mas também tu, se fores recebido por irmãos, não prefiras os prazeres terrenos aos celestes. Nisto se julgará acerca de tua fé. De outro modo, como poderás, segundo o preceito, dizer: "Paz a esta casa" (Lc 10,5), se não trocas o ósculo da paz com os seus moradores?

XXVII - Aleluias e salmos na oração

1. Os que oram com maior empenho costumam acrescentar às suas orações o Aleluia e salmos de louvor, cujos finais permitem aos presentes ajuntar responsórios. É ótima atitude apresentar a Deus, como hóstia agradável, uma oração assim enriquecida reconhecendo a majestade e a honra divinas.

XXVIII - A oração em espírito e verdade

1. Nossa oração é hóstia espiritual que aboliu os sacrifícios precedentes (cf. 1Pd 2,5; Hb 13,15). Com efeito, disse Deus: "Que me importam os vossos sacrifícios todos? Estou enjoado dos vossos holocaustos de carneiros e não quero a gordura dos cordeiros nem o sangue dos touros e dos bodes. Quem, aliás, pediu tais coisas das vossas mãos?" (Is 1,11-12).

2. O Evangelho nos ensina o que Deus exige de nós: "Virá a hora em que os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e verdade. Deus, de fato, é espírito" (Jo 4,23-24), e portanto, deseja tais adoradores.

3. Somos nós os verdadeiros adoradores e os verdadeiros sacerdotes (cf. Ap 1,6; 5,10; 20,6) porque oramos em espírito (cf 1Cor 14,15; Ef 6,18), e oferecemos a Deus nossa oração como um sacrifício que lhe agrada, que ele aceita, a hóstia que ele previamente pediu e escolheu.

4. Esta é a hóstia a levarmos ao altar de Deus, consagrada de todo o coração, alimentada pela fé, adornada pela verdade, íntegra pela inocência, pura pela castidade, coroada pela caridade, com um séquito de boas ações, entre salmos e hinos. Por ela, obteremos tudo da parte de Deus.

XXIX - Eficácia da oração

1. À oração em espírito e na verdade, que poderá Deus negar, se é ele mesmo que a exige? Nós lemos, ouvimos dizer e cremos, com inúmeras provas da sua eficácia! Outrora, a oraçao libertara do fogo (cf. Dn 3,25-30), das feras (cf. Dn 6,17-25) e da fome (cf Dn 14,37) e, no entanto, ainda não recebera do Cristo a forma devida. Entretanto, quanto mais eficaz é a oração cristã! Ela não faz descer o anjo que proporciona orvalho ao meio das chamas (cf. Dn 3,49-50), nem fecha a boca dos leões, nem leva aos famintos o alimento de camponeses (cf. Dn 14,33-39). Ela não nos dá a graça de não sentirmos o sofrimento, no entanto, confere a força da paciência aos que sofrem, se afligem, experimentam a dor. Com essa força, ela aumenta a graça, a fim de que os crentes saibam o que esperar do Senhor, conscientes de sofrerem por seu nome.

2. Além disso, outrora a oração pedia flagelos (cf. Ex 7,10), desbaratava exércitos inimigos (cf. Ex 17, 8-15), impedia chuvas benéficas (cf. 1 Rs 17,1). Agora, porém, a oração dos justos afasta a ira de Deus, põe-se em vigílias pelos inimigos, suplica pelos perseguidores. É, acaso, de admirar, que faça descer águas do céu a oração que pôde obter chamas de fogo (cf. 2Rs 1, 10-14)? Só a oração consegue vencer a Deus, mas Cristo não quis que ela fizesse mal, e lhe conferiu plena eficácia para o bem. Por isso, de nada ele quis saber senão de fazer voltar à vida as almas dos mortos, que já caminhavam pela estrada da morte, de devolver forças aos fracos, de curar doentes, de purificar possessos, de abrir portas dos cárceres e quebrar cadeias dos inocentes. É ainda essa oração que lava os pecados, repele as tentações, extingue as perseguições, dá coragem aos covardes, alegra os fortes, conduz à casa os peregrinos, acalma as ondas do mar, faz medo aos malfeitores, alimenta os pobres, governa os ricos, levanta os que caíram, mantém firmes os que vacilam, conserva os que estão de pé.

3. A oração é o baluarte da fé, nela temos as armas e os dardos contra o inimigo que nos espreita de todos os lados. Assim, pois, jamais andemos desprevenidos. De dia, lembremo-nos de estar de prontidão; à noite, recordemo-nos das vigílias. Guardemos com as armas da oração a bandeira do nosso imperador, e orando esperemos a trombeta do anjo.

4. Oram também todos os anjos, oram todas as criaturas, oram os rebanhos e as feras que dobram os joelhos. Quando saem dos estábulos e tocas, olham para o alto, levantam a cabeça e não fecham a boca, mas gritam, fazendo vibrar o ar, cada qual conforme a sua natureza. Até as aves despertam, elevam-se para o céu, asas abertas - mãos estendidas - uma cruz. Qualquer coisa sussurram. Seria oração. Que mais dizer sobre o dever da oração? O próprio Senhor também orou. A ele, glória e poder pelos séculos dos séculos!

06/11/2012

O Credo por Santo Ambrósio e por Dom Clemente Isnard


“Eu disse que os apóstolos compuseram o Símbolo. Portanto, se os comerciantes que fazem tais negócios e os contribuintes de dinheiro têm a lei que considera desonesto e indigno de crédito aquele que violou a sua contribuição, devemos nos precaver muito mais para evitar que alguma coisa seja tirada do Símbolo dos anciãos. Com efeito, tens no livro do Apocalipse de João -livro que está no Cânon e que provê um grande fundamento para a fé, pois relembra aí com clareza que nosso Senhor Jesus Cristo é onipotente, embora também isso se encontre em outros lugares -tens nesse livro: “Se alguém acrescentar ou tirar alguma coisa, sofrerá o julgamento e o castigo” (cfAp. 22,18-19). Se nada pode ser tirado ou acrescentado aos escritos de um só apóstolo, como poderíamos mutilar o símbolo que recebemos como tendo sido composto e transmitido pelos apóstolos? Nada devemos tirar e nada acrescentar. Este é o símbolo conservado pela Igreja romana, onde Pedro, o primeiro dos apóstolos, sentou-se e onde lhe conferiu a sentença comum”. Explicação do Símbolo dos Apóstolos - Santo Ambrósio de Milão (Séc. IV)


- Santo Ambrósio de Milão é, na verdade, gaulês descendente de gregos como se pode inferir de seu nome e do de seu irmão, Urânio Sátiro. Nasceu em Tréveros, por volta de 334(1a), onde seu pai exercia alta função na administração do império romano. Depois de residir em Roma por muito tempo, onde se encontrava entre as mais ricas e nobres famílias, seu pai foi posto por Constantino à frente da prefeitura da Gálial. Seu pai faleceu logo após seu nascimento. Sua mãe, então, retomou à Roma com os três filhos: Marcelina, Sátiro e Ambrósio. Em Roma, recebeu a formação dos nobres romanos, estudando gramática, literatura grega e romana, retórica e direito. Não lhe faltaram ainda a freqüência ao circo e ao teatro. Ao lado dessa formação, recebeu, também, educação religiosa, destinada aos catecúmenos, ministrada pelo  sacerdote Simpliciano, futuro sucessor de Ambrósio na sede de Milão. A influência deste sacerdote sobre Ambrósio foi tão marcante que santo Agostinho o chamava de "pai do bispo Ambrósio, segundo a graça" (Conf VIII,2).
Terminados os estudos, Ambrósio partiu para Sírmio, onde iniciou, com seu irmão; a carreira de advogado do tribunal da prefeitura. Sexto Petrônio Probo, prefeito do pretório, o nomeou, em 370, membro de seu conselho, e depois de alguns anos, consularis, isto é, governador da província da Emília e Ligúria, com sede em Milão. Na época, Milão era a segunda cidade da Itália, encruzilhada dos caminhos para a Gália e Constantinopla.
Com a morte do bispo Auxêncio, ariano, acirrou-se a disputa pela vaga entre arianos (2) e católicos romanos. Para assegurar a ordem na eleição, Ambrósio compareceu, pessoalmente, na qualidade de prefeito da polícia. Tinha, então, 40 anos. Agiu com tamanha eficácia, controlou os ânimos das facções com tanta moderação que os partidos opostos se uniram para elegê-lo bispo (3). Reconhecendo na unanimidade a vontade de Deus, Ambrósio aceitou o cargo, não depois de muitas tentativas de recusa. É ainda catecúmeno. Preparam-se as cerimônias do batismo (cf. Vita, 9). Na semana seguinte, recebeu as ordens e foi consagrado bispo a 7 de dezembro de 374 (Epist. 63,65). - http://www.padrefelix.com.br/pa_bio_ambrosio.htm

SIMBOLO DOS APÓSTOLOS
CREDO in Deum Patrem omnipotentem, Creatorem caeli et terrae. Et in Iesum Christum, Filium eius unicum, Dominum nostrum, qui conceptus est de Spiritu Sancto, natus ex Maria Virgine, passus sub Pontio Pilato, crucifixus, mortuus, et sepultus, descendit ad inferos, tertia die resurrexit a mortuis, ascendit ad caelos, sedet ad dexteram Dei Patris omnipotentis, inde venturus est iudicare vivos et mortuos. Credo in Spiritum Sanctum, sanctam Ecclesiam catholicam, sanctorum communionem, remissionem peccatorum, carnis resurrectionem, vitam aeternam. Amen.

SIMBOLO DOS APÓSTOLOS (TRADUÇÃO PORTUGUÊS)
Creio em Deus Pai todo-poderoso, criador do céu e da terra; e em Jesus  Cristo, seu único Filho, Nosso Senhor; que foi concebido pelo poder do Espírito Santo; nasceu na Virgem Maria, padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado morto e sepultado; desceu aos infernos; ressuscitou ao terceiro dia; subiu aos céus, está sentado à direita de Deus Pai todo-poderoso, donde há de vir a julgar os vivos e os mortos;   creio no Espírito Santo, na santa Igreja Católica, na comunhão dos santos, na remissão dos pecados, na ressurreição da carne, na vida eterna. Amém

SIMBOLO DOS APÓSTOLOS (PÓS-CONCILÍO VATICANO II – Tradução de Dom Clemente Isnard*)
Creio em Deus, Pai todo-poderoso, Criador do Céu e da Terra; e em Jesus Cristo, seu único Filho, Nosso Senhor, que foi concebido pelo poder do Espírito Santo; nasceu da Virgem Maria; padeceu sob Pôncio Pilatos, foi crucificado, morto e sepultado; desceu à mansão dos mortos; ressuscitou ao terceiro dia; subiu aos Céus, onde está sentado à direita de Deus Pai todo-poderoso, de onde há de vir a julgar os vivos e os mortos. Creio no Espírito Santo; na santa Igreja Católica; na comunhão dos Santos; na remissão dos pecados; na ressurreição da carne; na vida eterna. Amen.

“Sob os protestos de Dom Geraldo Fernandes. Ele me disse certa vez: “Dom Clemente, como teve coragem de modificar sozinho o Credo (profissão de fé )?” Fiz e não me arrependo, pois não havia outro jeito”. *Dom Clemente Isnard, o bispo que confessou ter ludibriado a Congregação para o Culto Divino e ainda ter desconsiderado a Assembleia Geral da CNBB, ou seja, os Bispos, na tradução do missal de Paulo VI.