Nestes últimos dias voltou à baila
um tema que esteve muito em voga nos anos sessenta e setenta: a Igreja e a
pobreza. Era um assunto candente naquele clima de reformismo após o Vaticano
II.
Era adolescente,
então, e presenciei a vulgarização da liturgia e o despojamento das
antigas e belas igrejas a pretexto de prática da pobreza evangélica. Lembro-me
de freiras e padres dizendo que não queriam mais trabalhar para a
burguesia e por isso tinham tomado a decisão de fechar seus tradicionais
colégios. Dilapidaram o patrimônio da Igreja, os antigos prédios onde funcionavam os
colégios e coventos, e foram os religiosos aggiornati viver em
comunidades de base. Vi essa tragédia em Jahu, SP, cidade herdeira de
gloriosas tradições católicas da fidelíssima Itú. Diga-se de
passagem
que aqueles bens eclesiásticos, que tinham, durante anos, estado a serviço
de toda a sociedade e favorecido incluvive as classes mais pobres, foram
adquiridos em grande medida graças à generosidade e piedade das classes mais
abastadas e tradicionais da sociedade. A Igreja de
antigamente acolhia os ricos que viviam o espírito de pobreza e caridade evangélicas
e, em conseqüência, a sociedade vivia em harmonia.
Mas nos anos
sessenta e setenta as coisas mudaram para muito pior na Igreja. Não ocorreu a
primavera esperada do Vaticano. Ao contrário, as reformas de então produziram
frutos amargos. Houve uma demagogia revolucionária, e o
resultado, todos o conhecemos: as congregações religiosas que fizeram essa
“opção preferencial” (que pleonasmo repugnante!) simplesmente morreram. Não têm
mais vocações e nenhuma expressão social e o serviço que pretendiam prestar à
transformação das estruturas sociais redundou apenas na maior paganização
da sociedade atual. Conheço o caso de uma religiosa, membro de uma congregação
que se autodestruiu, a qual só não foi parar na sarjeta porque seu pai,
providencialmente, lhe legara os bens vinculados, de modo que ela não pôde
dispor de seu patrimônio quando emitiu os votos religiosos!
Observei também,
nos idos dos anos setenta, que muitos dos católicos que
apoiavam essa revolução na Igreja já não tinham a verdadeira fé,
viviam uma confusão de idéias, e hoje, ainda que se digam católicos, de fato
não o são. Conheço uma senhora do grupo das
católicas ”avançadas” dos anos setenta que hoje defende abertamente o
direito de decidir sobre o aborto, defende o direito de opção sexual etc.
Observei, igualmente, que muitos dos partidários do discurso da pobreza da
Igreja eram bons burgueses modernistas da esquerda festiva e viviam em
flagrante contradição: por um lado, defendiam a Igreja despojada, mas por outro
lado viviam ferranhamente apegados às comodidades e ao conforto da tecnologia
moderna de que só os ricos podem gozar: carros de luxo, as melhores
televisões, aparelhos eletrônicos sofisticados, a moda de grife, casas
projetadas por arquitetos comunistas de vanguarda que tomavam dinheiro dos
trouxas. Observei também que muitos católicos da esquerda festiva tinham
desprezo pelas obras de caridade tradicionais da Igreja, faziam pouco, por
exemplo, das conferências de São Vicente de Paulo. Enfim, a lógica deles
era: para as coisas de Deus austeridade, para a vida própria toda
comodidade e luxo. É claro que disso só podia resultar a dissolução dos
costumes e a perda total da fé em um Deus transcendente digno de toda honra e
glória.
A
preservação da minha fé, a minha perseverança, em meio a tanta
ruína, foi um milagre moral que nunca agradecerei a Deus devidamente. Foi
então que caiu em minhas mãos O gênio do cristianismo, de
Chateaubriand, que me mostrou a importância da beleza e do esplendor do culto
católico para ajudar o homem a descortinar seu horizonte terreno e
descobrir outra perspectiva da sua vida, para elevar o homem, para
educá-lo e permitir-lhe saborear o mistério do sagrado sem o qual a sua própria
vida se destrói pela banalização de tudo.
Outro livro que
me fez bem então foi Dois
amores e duas cidades, de Gustavo Corção, que explica assim problema que
hoje volta a afligir-nos:
Muitos
padres, vigários, abades, bispos, quiseram “levar a Igreja ao povo” ou
“aos jovens”. Mas como? Tornando vulgar, primária e imatura a figura da Igreja.
Nessa nova pedagogia, muitos padres jovens passaram a usar, além do vernáculo
da liturgia tornado obrigatório, uma linguagem rasteira que, na opinião deles,
seria mais comunicativa para os homens humildes. Ora, qualquer pessoa dotada de
alguma experiência no trato de pessoas humildes sabe que elas procuram na
Igreja o que não encontram no botequim. Entre outras coisas procuram a
linguagem mais elevada que os eleve e nobilite, como também procuram no templo
as imagens belas, o incenso, a mirra e o ouro, a riqueza que em outro lugar não
possuem. Os que tornam a Igreja vulgar para torná-la popular cometem um erro e
uma injustiça contra a Igreja e o povo. É também um erro e uma injustiça que se
comete contra os moços a idéia de trazer para o templo, sob pretexto de
paraliturgia, os mesmos ritmos e instrumentos que “alguns moços” usam em seus
grupos.” (o. c. v. II, p.
394)
Outro autor que
me auxiliou a ter uma visão melhor do problema da pobreza na Igreja foi foi o
filósofo Dietrich Von Hildebrand em sua obraCavalo de Tróia na cidade de Deus.
No capítulo XXVI da referida obra, sob o título A função da beleza na religião,
diz Von Hildebrand:
Infelizmente,
alguns católicos dizem, hoje, que o desejo de dotar de beleza o culto se opõe à
pobreza evangélica. É um erro grave e que parece freqüentemente inspirado em
sentimentos de culpa por terem sido eles sido indiferentes às injustiças
sociais e negligenciando os legítimos reclamos da pobreza. É então em nome da
pobreza evangélica que nos dizem que as igrejas devem ser graves, simples,
despojadas de todos adornos desnecessários.
Os
católicos que fazem essa sugestão confundem a pobreza evangélica com o caráter
prosaico e monótono do mundo moderno. Deixaram de ver que a substituição da
beleza pelo conforto, e do luxo que muitas vezes o acompanha, é muito mais
antitético à pobreza evangélica do que a beleza – mesmo esta em sua forma mais
exuberante. (…) Graças a Deus, esta não foi a atitude da Igreja e dos fiéis
através dos séculos. São Francisco, que em sua própria vida praticou a pobreza
evangélica ao extremo, jamais afirmou que as igrejas devessem ser vazias,
despojadas, sem beleza. Pelo contrário, igreja e altar nunca seriam
suficientemente belos para ele. Diga-se o mesmo do cura d”Ars, São João Batista
Vianney. (o. c. p. 204-205)
Para a
espiritualidade católica tradicional, fundada em sãos princípios teológicos e
metafísicos e sempre guiada pela virtude superior da prudência, a pobreza, bem
como a mortificação, é um simples meio para chegar a um fim, que é Deus.
Deve-se usar dos bens terrenos tanto quanto auxiliam na consecução do fim
útlimo. Deve-se renunciar a eles tanto quanto representam um obstáculo para
chegar à posse de Deus, sumo bem. Deve-se ter um coração desapegado dos bens
terrenos e transitórios, colocá-los a serviço dos pobres sempre com a
consciência de que a terra é um lugar de exílio e jamais alimentar uma utopia
de um mundo igualitário livre de todo sofrimento moral ou físico. Não se devem
cultivar, é claro, as desigualdades pelo prazer de humilhar os mais
pobres. Mas tampouco se deve ostentar uma pobreza fingida com
sabor de demagogia para cativar as massas em detrimento da dignidade de um alto
cargo que exige por sua propria natureza certa majestade e magnificência.
O Evangelho diz:
onde está seu tesouro está o seu coração. Ora, se para as coisas de Deus basta
o vulgar e para as coisas particulares todo cuidado e zelo é pouco, é porque a
fé é pouca.
Pe. João Batista de A. Prado Ferraz Costa
19 de março de 2013.
Solenidade de São José, Protetor da Santa Igreja.
Carpinteiro, mas
pertencente à real estirpe de David.
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