Seja por sempre e em todas partes conhecido, adorado, bendito, amado, servido e glorificado o diviníssimo Coração de Jesus e o Imaculado Coração de Maria.

Nota do blog Salve Regina: “Nós aderimos de todo o coração e com toda a nossa alma à Roma católica, guardiã da fé católica e das tradições necessárias para a manutenção dessa fé, à Roma eterna, mestra de sabedoria e de verdade. Pelo contrário, negamo-nos e sempre nos temos negado a seguir a Roma de tendência neomodernista e neoprotestante que se manifestou claramente no Concílio Vaticano II, e depois do Concílio em todas as reformas que dele surgiram.” Mons. Marcel Lefebvre

Pax Domini sit semper tecum

Item 4º do Juramento Anti-modernista São PIO X: "Eu sinceramente mantenho que a Doutrina da Fé nos foi trazida desde os Apóstolos pelos Padres ortodoxos com exatamente o mesmo significado e sempre com o mesmo propósito. Assim sendo, eu rejeito inteiramente a falsa representação herética de que os dogmas evoluem e se modificam de um significado para outro diferente do que a Igreja antes manteve. Condeno também todo erro segundo o qual, no lugar do divino Depósito que foi confiado à esposa de Cristo para que ela o guardasse, há apenas uma invenção filosófica ou produto de consciência humana que foi gradualmente desenvolvida pelo esforço humano e continuará a se desenvolver indefinidamente" - JURAMENTO ANTI-MODERNISTA

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Eu conservo a MISSA TRADICIONAL, aquela que foi codificada, não fabricada, por São Pio V no século XVI, conforme um costume multissecular. Eu recuso, portanto, o ORDO MISSAE de Paulo VI”. - Declaração do Pe. Camel.

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Ao negar a celebração da Missa Tradicional ou ao obstruir e a discriminar, comportam-se como um administrador infiel e caprichoso que, contrariamente às instruções do pai da casa - tem a despensa trancada ou como uma madrasta má que dá às crianças uma dose deficiente. É possível que esses clérigos tenham medo do grande poder da verdade que irradia da celebração da Missa Tradicional. Pode comparar-se a Missa Tradicional a um leão: soltem-no e ele defender-se-á sozinho”. - D. Athanasius Schneider

"Os inimigos declarados de Deus e da Igreja devem ser difamados tanto quanto se possa (desde que não se falte à verdade), sendo obra de caridade gritar: Eis o lobo!, quando está entre o rebanho, ou em qualquer lugar onde seja encontrado".- São Francisco de Sales

“E eu lhes digo que o protestantismo não é cristianismo puro, nem cristianismo de espécie alguma; é pseudocristianismo, um cristianismo falso. Nem sequer tem os protestantes direito de se chamarem cristãos”. - Padre Amando Adriano Lochu

"MALDITOS os cristãos que suportam sem indignação que seu adorável SALVADOR seja posto lado a lado com Buda e Maomé em não sei que panteão de falsos deuses". - Padre Emmanuel

“O conteúdo das publicações são de inteira responsabilidade de seus autores indicados nas matérias ou nas citações das referidas fontes de origem, não significando, pelos administradores do blog, a inteira adesão das ideias expressas.”

08/09/2012

São Pedro Damião - Natividade da Virgem Maria


Comentário ao Evangelho do dia feito por São Pedro Damião (1007-1072)
Eremita depois bispo, doutor da Igreja

Nascimento da Virgem Maria
«A Virgem Maria que foi para o mundo inteiro esperança e 
aurora da salvação» 

«Quem é essa?» pergunta o Espírito Santo quando Maria vem ao mundo. «Quem é essa que desponta como a aurora, bela como a Lua, fulgurante como o Sol» (Ct 6,10). [...]
«Desponta como a aurora.» No brilho do meio-dia, o nosso primeiro pai foi feito à imagem e semelhança do seu Criador (Gn 1,26). Haverá coisa mais gloriosa para o concebido que assemelhar-se ao Criador? [...] Ele deu-lhe a imagem eterna; faltava a semelhança: era necessário que o homem se tornasse semelhante ao Seu Criador. No entanto, ele rejeitou a honra de tal privilégio [...] e entregou-se à morte nas trevas, com toda a sua descendência. As trevas cobriram toda a terra, até vir a Virgem. Não havia ninguém que escapasse dessas trevas, ninguém que as dissipasse. [...] Mas com a Virgem desponta a aurora: Maria anuncia a verdadeira luz; pelo seu nascimento, fez brilhar a mais fulgurante das manhãs. Ela é a estrela da manhã. [...] Ela é esta aurora que segue - ou antes, da qual nasce - o Sol de justiça (Ml 3,20), o Único que a supera em esplendor. [...]
«Teu é o dia» em que Adão foi criado; «tua é a noite» (Sl 73,16) onde ele foi expulso da Tua luz. Foste Tu que criaste a aurora, ou seja, a Virgem Maria, e o Sol, este Sol de justiça que Se ergueu do seu seio virginal. Como a aurora anuncia o fim da noite e marca o início do dia, assim a Virgem dissipou a noite sem fim. E, dia após dia, dá à terra Aquele que gerou na sua virgindade.

HOMILIA DE SÃO JOÃO DAMASCENO SOBRE A NATIVIDADE DE MARIA



Tradução: Seminário de Sintra (Portugal)

A Festa da Natividade de Nossa Senhora desde muito cedo que foi celebrada no Oriente, e muitos textos dos Padres o atestam; este, que traduzimos, foi pronunciado em Jerusalém, na Igreja situada sobre o local da Piscina Probática, onde Jesus tinha curado o paralítico, e onde a tradição – atestada por alguns apócrifos – situava a casa de Joaquim e de Ana, o que vem a explicar certas alusões feitas ao longo do texto.
É um grande texto panegírico da glória de Maria, por dela ter nascido o Salvador, com expressões que chegam a parecer ter sido produzidas em estado de êxtase. Usando dados do Antigo Testamento, dos Evangelhos e das Cartas, da tradição oral, de outros teólogos e da própria liturgia bizantina, o nosso Doutor passa em revista a importância para a salvação e para a Igreja do nascimento de Maria, louvando «en passant» os seus pais, Joaquim e Ana. Um ponto muito importante: chama e afirma – é dos primeiros a fazê-lo - Imaculada a Maria.
Sem deixar de fazer também todo o desfiar das tipologias de Maria presentes no Antigo Testamento, S. João Damasceno consegue louvar Nossa Senhora como poucos o fizeram, fornecendo a base patrística para muitas das afirmações acerca de Maria e do seu lugar no mistério da Redenção do homem que mais tarde vieram a efectuar-se. A sua influência na Idade Média foi enorme, e pode mesmo dizer-se que a intuição de base do Dogma da Assunção Corporal de Nossa Senhora ao céu está já presente na obra do Damasceno.

Do humilde monge e presbítero João Damasceno, discurso para o nascimento de Nossa Senhora Santíssima, a Mãe de Deus e sempre Virgem Maria.

1. Vinde, todas as nações, vinde, homens de todas as raças, línguas e idades, de todas as condições: com alegria celebremos a natividade da alegria do mundo inteiro! Se os gregos destacavam com todo o tipo de honras – com os dons que cada um podia oferecer – o aniversário das divindades, impostos aos espíritos por mitos mentirosos que obscureciam a verdade, e também o dos reis, mesmo se eles fossem o flagelo de toda a existência, que deveríamos nós fazer para honrar o aniversário da Mãe de Deus, por quem toda a raça mortal foi transformada, por quem o castigo de Eva, nossa primeira mãe, foi mudada em alegria? Com efeito, uma ouviu a sentença divina: «Darás à luz no meio de penas»; a outra ouviu, por seu turno: «Alegra-te, oh Cheia de Graça». À primeira disse-se: «Inclinar-te-ás para o teu marido», mas à segunda: «O Senhor está contigo». Que homenagem ofereceremos então nós à Mãe do Verbo, senão outra palavra? Que a criação inteira se alegre e festeje, e cante a natividade de uma santa mulher, porque ela gerou para o mundo um tesouro imperecível de bondade, e porque por ela o Criador mudou toda a natureza num estado melhor, pela mediação da humanidade. Porque se o homem, que ocupa o meio entre o espírito e a matéria, é o laço de toda a criação, visível e invisível, o Verbo criador de Deus, ao se unir à natureza humana, uniu-se através dela a toda a criação. Festejemos assim o desaparecimento da humana esterilidade, pois cessou para nós a enfermidade que nos impedia a posse dos bens.

2. Mas porque nasceu a Virgem Maria de uma mulher estéril? Àquele que é o único verdadeiramente novo debaixo do sol, como coroamento das Suas maravilhas, deviam ser preparados os caminhos por maravilhas, para que lentamente as realidades mais baixas se elevassem de modo a serem as mais altas. E eis uma outra razão, mais alta e mais divina: a natureza cedeu o lugar à graça, pois ao vê-la tremeu, e não quis mais ter o primeiro lugar. Como a Virgem Mãe de Deus devia nascer de Ana, a natureza não ousou prevenir o fruto da graça, mas permaneceu ela própria sem fruto, até que a graça trouxesse o seu. Era necessário que fosse primogénita aquela que deveria gerar «o Primogénito de toda a criação, no Qual tudo subsiste». Oh Joaquim e Ana, casal venturoso! Toda a criação está em dívida para convosco, porque através de vós ela pôde oferecer ao Criador o dom – entre todos o mais excelso – de uma Mãe venerável, a única digna d’Aquele que a criou. Ditosos os rins de Joaquim, de onde saiu uma semente totalmente imaculada, e admirável o seio de Ana, graças ao qual se desenvolveu lentamente, onde se formou e de onde nasceu uma tão santa criança! Oh entranhas que levastes um céu vivo, mais vasto que a imensidade dos céus! Oh moinho onde foi amassado o Pão vivificante, segundo as próprias palavras de Cristo: «Se o grão de trigo não cair na terra e morrer, ficará só». Oh seio que aleitaste aquela que alimentou o Aquele que alimenta o mundo! Maravilha das maravilhas, paradoxo dos paradoxos! Sim, a inexprimível Encarnação de Deus, cheia de condescendência, devia ser precedida por estas maravilhas. Mas como prosseguirei? O meu espírito está fora de si, dividido que estou entre o temor e o amor; o meu coração bate e a minha língua move-se: não posso suportar a alegria, as maravilhas deitam-me por terra, o ardor apaixonado aprisionou-me num arrebatamento divino. Que o amor vença, que o temor desapareça e que cante a cítara do Espírito: «Alegrem-se os céus, exulte a terra»!

3. Hoje as portas da esterilidade abrem-se, e uma porta virginal e divina avança: a partir dela, por ela, o Deus que está acima de todos os seres deve «vir ao mundo» «corporalmente», segundo a expressão de Paulo, ouvinte dos segredos inefáveis. Hoje, da raíz de Jessé saiu uma vergôntea, de onde surgirá para o mundo uma flor substancialmente unida à divindade.
Hoje, a partir da natureza terrena, um céu foi formado sobre a terra por Aquele que outrora o tornara sólido separando-o das águas, elevando o firmamento nas alturas. É um céu verdadeiramente mais divino e mais elevado que o primeiro, porque Aquele que no primeiro céu criara o sol Se elevou a Si próprio neste novo como um sol de justiça. Sim, há n’Ele duas Naturezas, apesar da loucura dos Acéfalos, e uma só Pessoa, mesmo que os Nestorianos se encolerizem! A Luz eterna, proveniente da Luz eterna antes de todos os séculos, o Ser, imaterial e incorpóreo, tomou um corpo desta mulher, e como um esposo que sai para fora de seu tálamo, assim fez Deus, tornando-se como tal filho da raça terrena. Como um gigante Ele alegra-Se de percorrer os caminhos da nossa natureza, de Se encaminhar, pelos Seus sofrimentos, para a morte, de atar o homem forte e lhe arrancar os seus bens, isto é, a nossa natureza, e de reunir na terra celeste a ovelha errante.
Hoje, o «Filho do Carpinteiro», O Verbo universalmente activo d’Aquele que tudo construiu por Ele, o Braço Poderoso do Deus Altíssimo, querendo afiar pelo Espírito - que é como o seu dedo – a lâmina embotada da natureza, construiu para Si uma escada viva, cuja base está firmada na terra, com o cimo a tocar os céus: Deus repousa sobre ela. É dela a figura que Jacob contemplou, e por ela Deus desceu da Sua imobilidade, ou melhor, inclinou-Se com condescendência, tornando-Se assim «visível sobre a terra, e conversando com os homens». Estes símbolos representam a Sua vinda ao meio de nós, o seu abaixamento condescendente, a sua existência terrena, o verdadeiro conhecimento d’Ele próprio, dado a todos aqueles que estão sobre a terra. A escada espiritual, a Virgem, está fixa na terra, pois na terra ela tem a sua origem, mas a sua cabeça eleva-se até ao céu. A cabeça de toda a mulher é o homem, mas para ela, que não conheceu homem, Deus Pai ocupa o lugar de sua cabeça: pelo Espírito Santo, Ele concluiu uma aliança e, como semente divina e espiritual, enviou o Seu Filho e Verbo, força omnipotente. Em virtude do beneplácito do Pai, não é por uma união natural, mas é superando as leis da natureza, pelo Espírito Santo e pela Virgem Maria, que o Verbo Se fez carne e habitou entre nós. É por aqui que se vê que a união de Deus com os homens se cumpre pelo Espírito Santo.
«Quem puder entender, que entenda»; «Quem tem ouvidos para ouvir, que oiça». Descartemos as representações corporais: a divindade jamais sofreu mudança, oh homens! Aquele que sem alteração gerou Seu Filho a primeira vez segundo a natureza, sem alteração O gera agora de novo segundo a economia. Disto é testemunha a palavra de David, antepassado de Deus: «O Senhor disse-me: "Tu és Meu Filho, Eu hoje te gerei"». Ora este «hoje» não tem cabimento na geração antes de todos os séculos, pois esta deu-se fora do tempo.

4. Hoje é edificada a Porta do Oriente, que dará a Cristo «entrada e saída», e «essa porta estará fechada». Nela está Cristo, «a Porta das Ovelhas», e «o Seu nome é Oriente»: por Ele obtivemos acesso ao Pai das Luzes. Hoje sopraram as brisas anunciadoras duma alegria universal. Alegre-se o céu nas alturas, que debaixo dele «exulte a terra», que os mares do mundo bramam, porque no mundo acaba de ser concebida uma concha, a qual pelo clarão celeste da divindade conceberá em seu seio, gerando a pérola inestimável, Cristo. Dela sairá o «Rei da Glória», revestido da púrpura de sua carne, para «visitar os cativos», e «proclamar a libertação». Que a natureza transborde de alegria: a cordeirinha vem ao mundo, graças à qual o Pastor revestirá a ovelha, tirando-lhe as túnicas da antiga mortalidade. Que a virgindade forme os seus coros de dança, pois nasceu a Virgem que, segundo Isaías, «conceberá e dará à luz um filho, que será chamado Emmanuel, o que quer dizer "Deus connosco"». Aprendei, oh Nestorianos, e fugi à vossa derrota: «Deus connosco»! Não é nem só um homem, nem um mensageiro, mas o Senhor em Pessoa que virá e nos salvará.
«Bendito o que vem em nome do Senhor», «o Senhor é Deus, e iluminou-nos»; «Celebremos uma festa» para o nascimento da Mãe de Deus. Rejubila, Ana, «estéril que não davas à luz; ri de alegria e de júbilo, tu que não tiveste as dores de parto»! Rejubila, Joaquim: de tua filha «um menino nos nasceu, um filho nos foi dado (...) e ser-lhe-á dado este nome: Anjo do grande Conselho (quer dizer, Salvação do Universo) Deus Forte». Que Nestório fique vermelho e meta a mão sobre a boca. A criança é Deus; portanto, como não seria ela a Mãe de Deus, ela que O colocou no mundo? «Se alguém não reconhece por Mãe de Deus a Santa Virgem, está separado da divindade». A frase não é minha, mas no entanto pertence-me: recebi-a como precioso tesouro e herança teológica do meu pai Gregório, o Teólogo.

5. Oh Joaquim e Ana, casal bem-aventurado e verdadeiramente sem mancha! Pelo fruto do vosso seio fostes reconhecidos, segundo a palavra do Senhor: «Pelos seus frutos os reconhecereis». A vossa conduta foi agradável a Deus e digna daquela que nasceu de vós. Tendo levado uma vida casta e santa, engendrastes a jóia da virgindade, aquela que deveria permanecer Virgem antes, durante e depois do parto, a única sempre Virgem de espírito, de alma e de corpo. Convinha, de facto, que a virgindade saída da castidade produzisse a Luz única e monógena, corporalmente, pela benevolência d’Aquele que A gerou sem corpo – o Ser que não gera, mas que é eternamente gerado, para Quem ser gerado é a única qualidade própria da Sua Pessoa. Oh que maravilhas, e que alianças estão neste menino! Oh Filha da esterilidade, virgindade que engravida, nela se unirão divindade e humanidade, sofrimento e impassibilidade, vida e morte, para que em todas as coisas o menos perfeito seja vencido pelo melhor! E tudo isto para minha salvação, oh Mestre! Amas-me tanto que não realizaste esta salvação nem pelos anjos, nem por nenhuma outra criatura, mas tal como já a minha criação, também a minha regeneração foi Tua obra pessoal. Assim, eu exulto, faço despertar a minha alegria e o meu júbilo, volto à fonte das maravilhas, e embriagado de uma torrente de alegria, toco de novo a cítara do espírito e canto o hino divino da natividade.

6. Oh Joaquim e Ana, casal castíssimo, «par de rolas» no sentido místico! Observando a lei da natureza, a castidade, merecestes os dons que ultrapassam a natureza: gerastes no mundo uma Mãe de Deus sem esposo. Depois de uma existência santa e piedosa numa natureza humana, gerastes uma filha superior aos anjos e que agora reina sobre eles. Oh Filha graciosíssima e dulcíssima, oh lírio nascido entre os espinhos, da descendência nobilíssima e real de David! Por ti a realeza encheu-se com o sacerdócio; por ti foi cumprida «a mudança da Lei», e revelado o espírito escondido sob a letra, pois que a dignidade sacerdotal passou da tribo de Levi à de David. Oh Rosa nascida dos espinhos do judaísmo, que enche o universo de um perfume divino! Oh filha de Adão e Mãe de Deus! Ditosos os rins e o seio de onde surgistes! Ditosos os braços que te levaram, os lábios que experimentaram os teus castos beijos, os lábios de teus pais, para que em tudo tu fosses eternamente virgem. Hoje é para o mundo o início da salvação. «Aclamai o Senhor, terra inteira, cantai, exultai, tocai instrumentos». Elevai a vossa voz, «fazei-a escutar sem temor», porque na Santa Probática nos nasceu uma Mãe de Deus, de quem quis nascer o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo.
Tremei de alegria, oh montanhas, naturezas racionais, voltadas para o cume da contemplação espiritual: a montanha do Senhor, refulgente, vem ao mundo, ultrapassando todas as montanhas e todas as colinas, isto é, os anjos e os homens; dela, sem intervenção da mão do homem, Cristo quis desprender-Se, Ele que é a Pedra Angular, Pessoa Una, que aproxima em Si aquilo que está distante: a divindade e a humanidade, os anjos e os homens, os gentios e o Israel carnal num só Israel espiritual. «Montanha de Deus, montanha de abundância, montanha que Deus escolheu para Seu repouso. Os carros de Deus vêm aos milhares, com seres refulgentes» da graça divina, querubins e serafins. Oh cume mais santo que o Sinai, não coberto nem por fumo, nem por trevas, nem por tempestades, nem sequer por fogo perecível, mas pelo esplendor que ilumina do Santíssimo Espírito. No Sinai, o Verbo de Deus tinha gravado a Lei sobre tábuas de pedra, pelo Espírito, dedo divino; aqui, pela acção do Espírito Santo e pelo sangue de Maria, o próprio Verbo encarnou, dando-se á nossa natureza como um remédio de salvação mais eficaz. Antes, era o maná; aqui, está Aquele que deu o maná e a sua doçura.
Que a morada célebre que Moisés construiu no deserto com matérias preciosas de todo o tipo, e ainda antes dela a morada do nosso pai Abraão, se apaguem diante da morada de Deus, viva e espiritual. Ela foi o repouso, não só da energia divina, mas da Pessoa do Filho, que é Deus, presente substancialmente. Que a arca recoberta de ouro reconheça que não tem nada de comparável com Maria, e da mesma forma a urna de ouro com o maná, o candelabro, a mesa e todos os objectos do culto antigo: eles foram honrados porque todos a prefiguravam, como sombras do verdadeiro protótipo.

7. Hoje, o Criador de todas as coisas, Deus Verbo, fez um livro novo, saído do coração do Pai para ser escrito, como se fosse por uma cana, pelo Espírito, que é a língua de Deus. Esse livro foi dado a um homem que conhecia as letras, mas que não o lia. José, com efeito, não conheceu Maria, nem a significação do mistério em si. Oh filha toda santa de Joaquim e de Ana, que escapaste aos olhares dos Principados e das Potestades e aos «assédios inflamados do maligno», e que viveste no tálamo do Espírito, para seres guardada intacta e te tornares esposa de Deus e Mãe de Deus por natureza! Oh filha toda santa, que apareceste nos braços de tua mãe, tu és o terror das potências de rebelião! Oh filha toda santa, alimentada do leite maternal, e rodeada das legiões angélicas! Oh filha amada de Deus, honra de teus pais, gerações de gerações te proclamam bem aventurada, como tu própria o afirmaste com verdade! Oh filha digna de Deus, beleza da natureza humana, reabilitação de Eva, nossa primeira mãe! Por teu nascimento, aquela que tombara foi redimida. Oh filha toda santa, esplendor do sexo feminino! Se a primeira Eva, com efeito, foi culpada de transgressão, e se por sua causa «a morte fez a sua entrada no mundo» (porque ela se colocou ao serviço da serpente contra o nosso primeiro pai), Maria, que se fez a serva da vontade divina, enganou a serpente enganadora e introduziu no mundo a imortalidade.
Oh filha sempre Virgem, que pode conceber sem intervenção humana, porque Aquele que concebeste tem um Pai Eterno! Oh filha da raça terrena, que levas em teus braços divinamente maternais o Criador! Os séculos rivalizavam entre si para saber qual deles se honraria de te ver nascer, mas o desígnio fixado antecipadamente de Deus, «que fez os séculos» colocou fim a essa rivalidade, e os últimos tornaram-se os primeiros, eles a quem foi atribuída a felicidade da tua Natividade. Na verdade, tu és mais preciosa que toda a criação, pois só de ti o Criador recebeu em partilha as primícias da nossa matéria humana. A Sua Carne foi feita da tua carne, o Seu Sangue do teu sangue; Deus alimentou-Se do teu leite, e os teus lábios tocaram os lábios de Deus. Oh maravilhas incompreensíveis e inefáveis! Na presciência da tua dignidade, amou-te o Deus do universo; porque te amou, predestinou-te, e nos «últimos tempos», chamou-te à existência, e constituiu-te Mãe para gerar um Deus e alimentar o Seu próprio Filho e Verbo.

8. Diz-se que os contrários servem de remédio contra os contrários, mas os contrários não nascem uns dos outros. Mesmo se cada ser é na sua natureza um tecido de contrários, ele próprio provém da predominância da causa que o fez nascer. De facto, da mesma forma que o pecado, ao operar para mim a morte por meio do bem, mostra em extremo a sua natureza pecaminosa, da mesma forma o Autor dos bens, pelo meio dos contrários desses bens, opera para nós o bem que Lhe é natural, porque «onde abundou o pecado, superabundou a graça». Se tivéssemos conservado a nossa primeira comunidade com Deus, não teríamos merecido a Segunda, maior e mais extraordinária. De facto, pelo pecado, fomos julgados indignos da primeira união, porque não conservámos o dom recebido. Mas pela compaixão de Deus fomos perdoados e tomados sob a Sua guarda, para que a comunhão fosse assegurada, porque nos quer conservar unidos a Ele, sem nenhuma beliscadura, Aquele que nos recebeu sob a Sua protecção.
Sim, toda a terra pejava de fornicações, e o povo do Senhor, possuído «pelo espírito de fornicação», errava longe do Senhor seu Deus, longe d’Aquele que o tinha adquirido «com mão forte e braço poderoso», que com sinais e prodígios o tinha feito sair da «casa da escravidão» do Faraó, o tinha conduzido através do Mar Vermelho e guiado «por uma nuvem de dia, e noite inteira por um luzeiro de fogo». O seu coração voltava-se para o Egipto, e o povo do Senhor tornou-se «aquele que não é o povo do Senhor»; aquele que obtinha misericórdia, tornou-se aquele que não a merecia, e aquele que era amado, tornou-se aquele que não era amado.
Eis então a razão pela qual uma Virgem vem agora ao mundo, como adversária da ancestral fornicação; ela foi dada como esposa ao próprio Deus, e gerou a misericórdia de Deus. Assim foi estabelecido como povo de Deus aquele que até aí não era o Seu povo; excluído da Sua misericórdia, obteve misericórdia; não amado, é agora amado. Dela nasce o Filho Bem-Amado de Deus, no Qual Ele colocou as Suas complacências.

9. «Uma vinha de belos sarmentos» foi gerada no seio de Ana, e ela produziu um fruto cheio de doçura, fonte de um néctar abundante de vida eterna para os habitantes da terra. Joaquim e Ana fizeram-se semeadores de justiça, e recolheram um fruto de vida. Eles foram iluminados pela luz do conhecimento, procuraram o Senhor, e daí lhes veio um fruto de justiça. Que a terra tenha confiança! «Filhos de Sião, alegrai-vos no Senhor vosso Deus, porque o deserto ficou verdejante»: aquela que era estéril deu o seu fruto; Joaquim e Ana, como montanhas místicas, fizeram brotar vinho doce. Permanece na alegria, oh Ana venturosa, por teres dado à luz uma mulher, porque essa mulher será a Mãe de Deus, porta da luz, fonte de vida, e reduzirá nada a acusação que pesava sobre a mulher.
Os homens nobres do povo desejarão vê-la, e diante dessa mulher os reis das nações prostrar-se-ão, oferecendo-lhe presentes. Entregá-la-ás a Deus, rei universal, adornada da beleza das suas virtudes como de «brocados de ouro», ornada da graça do Espírito, de cuja glória ela se reveste. A glória da mulher é o homem, e é-lhe dada a partir de fora; mas a glória da Mãe de Deus é interior, e é fruto do seu seio.
Oh mulher amabilíssima, três vezes bem-aventurada! «Bendita és tu entre as mulheres, e bendito o fruto do teu ventre»! Oh mulher, filha do Rei David e Mãe de Deus, Rei do Universo! Oh divina e vivente obra-prima, na qual Deus Criador Se alegrou, de quem o espírito é governado por Deus e atento somente a Ele, e de quem todo o desejo se eleva apenas Àquele que é o único amável e desejável, que não te encolerizas senão contra o pecado e contra aquele que o fez nascer! Terás uma vida superior à natureza, porque não é para ti que a terás, já que também não é para ti que tu nasceste. Terás antes a tua vida para Deus, e é por causa d’Ele que vieste à vida, por causa de Quem servirás à salvação universal, para que o antigo desígnio de Deus, a Encarnação do Verbo e a nossa divinização, se cumpra através de ti. A tua vontade é alimentares-te das palavras divinas e fortificares-te com a sua seiva, como «oliveira fecunda na casa de Deus», como «árvore plantada à beira das águas» do Espírito, como árvore da vida, que deu o seu fruto no tempo que lhe foi destinado: o fruto que é o Deus Encarnado, Vida eterna de todos os seres. Guardas todos os pensamento gostoso e útil para a alma, mas todo aquele que é supérfluo e que seria um perigo para a alma tu o rejeitas ainda antes de o provar. Os teus olhos «estão sempre voltados para o Senhor», olhando a luz eterna e inacessível. Teus ouvidos escutam a palavra de Deus e deleitam-se com a cítara do Espírito; foi por eles que o Verbo entrou para Se fazer Carne. Tuas narinas respiram deliciadas o aroma dos perfumes do Esposo, que é Ele próprio um perfume, espontaneamente derramado para perfumar a Sua humanidade: «O teu nome é um perfume que se espalha», diz a Escritura. Os teus lábios louvam o Senhor, e estão ligados aos Seus lábios. A tua língua e o teu palato discernem as palavras de Deus e saciam-se com a suavidade divina. Oh coração puro e sem mácula, que vê e deseja o Deus imaculado!
É neste seio que o Ser ilimitado veio habitar; do seu leite se alimentou Deus, o Menino Jesus. Oh porta de Deus, sempre virginal! Eis as mãos que suportam Deus, e esses joelhos que são um trono mais elevado que os querubins: por eles «as mãos fracas e os joelhos trémulos» foram fortalecidos. Os seus pés são guiados pela lei de Deus como por uma lâmpada que brilha, e correm após Ele sem se voltarem, até que tenham feito chegar aquela que ama junto do Bem-Amado. Em todo o seu ser ela é o tálamo do Espírito, a Cidade de Deus Vivo, que «alegra os canais do rio», isto é, as correntes dos carismas do Espírito: «Toda bela, toda próxima de Deus». Dominando os querubins, mais alta que os serafins, próxima de Deus: é a ela que esta palavra se aplica!

10. Oh maravilha que ultrapassa todas as maravilhas: uma mulher é colocada mais alto que os serafins, porque Deus surgiu abaixado «um pouco inferior aos anjos»! Que o sapientíssimo Salomão se cale, e não torne a dizer: «Nada de novo debaixo do sol». Oh Virgem cheia da graça divina, templo santo de Deus, que o Salomão espiritual, o Príncipe da Paz, construiu e habita, o ouro e as pedrarias não te dão mais beleza, mas mais que o ouro, é o Espírito que te dá o teu esplendor. Por pedrarias, tens a pérola preciosíssima, Cristo, a Brasa da divindade. Suplica-Lhe que toque os nossos lábios, para que, purificados, Lhe cantemos, com o Pai e o Espírito, a natureza única da Divindade em três Pessoas: «Santo, Santo, Santo, Senhor Deus dos Exércitos».
Santo é o Pai, que quis que em ti e por ti se cumprisse o mistério que predeterminara antes de todos os séculos. Santo é o Forte, o Filho de Deus, e Deus Monógeno, que hoje te faz nascer, primogénita de uma mãe estéril, para que, sendo Ele próprio Filho Único do Pai e «Primogénito de toda a criatura», possa nescer de ti, como Filho único de uma Virgem-Mãe, «Primogénito de uma multidão de irmãos», semelhante a nós e por ti participante da nossa carne e do nosso sangue. Apesar disso, não te fez nascer de um só pai ou de uma só mãe, para que ao único Monógeno fosse reservado em perfeição o privilégio de Filho Único: Ele é, com efeito, Filho Único, somente Ele de um Pai só, somente Ele de uma Mãe só.
Santo é o Imortal, o Espírito de toda a santidade, que pelo orvalho da Sua Divindade te guardou intocada pelo fogo divino: é isto que significou antecipadamente a sarça ardente.
Eu te saúdo, oh Porta das Ovelhas, morada santíssima da Mãe de Deus. Eu te saúdo, oh Porta da Ovelhas, domicílio ancestral da tua rainha, antigamente redil das ovelhas de Joaquim, mas hoje tornada Igreja do rebanho espiritual de Cristo e imitação do céu. Outrora recebias uma vez por ano um anjo de Deus, que agitava as águas e devolvia a saúde a um só homem, livrando-o do mal que o paralisava; agora recebes multidões de potências celestes que celebram connosco a Mãe de Deus, Abismo de Maravilhas, fonte da cura universal. Tu recebeste, não um anjo servidor, mas o «Anjo do Grande Conselho», descido sem ruído algum sobre o velo de lã como uma chuva de bondade, Aquele que renovou toda a natureza, doente e a ponto de se perder, com uma saúde inalterável e uma vida sem velhice: por Ele, o paralítico que em ti jazia saltou como um veado. Eu te saúdo, oh preciosa Porta das Ovelhas, e que se multiplique a tua graça!
Eu te saúdo, Maria, filha dulcíssima de Ana. De novo para ti o amor me impele. Como descrever o teu caminhar cheio de seriedade, os teus vestidos, a graça de teu rosto, a maturidade do discernimento num corpo juvenil? A tua forma de estar foi modesta, distante de todo o luxo e de toda a indolência; o teu caminhar era grave, sem precipitação, sem preguiça; o teu carácter era sério, temperado de júbilo, de uma perfeita reserva a propósito dos homens – disto é testemunho a inquietação que te surgiu aquando da proposta inesperada do anjo. A teus pais dócil e obediente, tinhas humildes sentimentos nas mais altas contemplações, palavra amável, provinda de uma alma pacífica. Em resumo: que outra digna morada senão tu para Deus? Com razão todas as gerações te proclamam bem-aventurada, oh glória insigne da humanidade! Tu és a honra do sacerdócio, a esperança dos cristãos, a planta fecunda da virgindade, porque é através de ti que o renome da virgindade se estendeu aos confins do mundo. «Bendita és tu entre as mulheres, e bendito o Fruto do teu ventre». Aqueles que confessam a tua maternidade divina são benditos, e malditos aqueles que a negam.

11. Joaquim e Ana, casal abençoado, recebei de mim estas palavras de aniversário. Oh filha de Joaquim e de Ana, oh Soberana, acolhe a palavra deste teu servo pecador, mas inflamada pelo amor, e para quem tu és a única esperança de alegria, a protectora da vida e, junto de teu Filho, a reconciliadora e firme garantia da salvação. Possa tu aliviar-me do fardo dos meus pecados, dissipar a névoa que obscurece o meu espírito e o peso que me agarra à matéria. Possas tu deter as tentações, governar felizmente a minha vida e conduzir-me pela mão até à felicidade do Alto. Concede ao mundo a paz, e a todos os habitantes ortodoxos desta cidade uma alegria perfeita e a salvação eterna, pelas orações de teus pais e de todo o Corpo da Igreja. Assim seja, assim seja! «Salve, oh cheia de graça, o Senhor está contigo! Bendita és tu entre as mulheres, e bendito o fruto de teu ventre», Jesus Cristo, o Filho de Deus. A Ele a Glória, com o Pai e o Espírito Santo, pelos séculos dos séculos. Amém.

07/09/2012

Proto-Evangelho de Tiago - A Natividade de Maria



"Proto-Evangelho de Tiago", também conhecido como "Livro de Tiago" ou, ainda, "A Natividade de Maria". Sua autoria é incerta apesar do autor identificar-se como Tiago, não sendo unanime entre os estudiosos, bem como a data de composição, acreditando alguns, que foi escrito por volta de 60 DC, antes dos evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João o que motivou a ser chamado de Proto-Evangelho, "Primeiro-Evangelho" no século XVI.

O evangelho narra desde a concepção de Nossa Mãe Santíssima, a sua apresentação no Templo, a anunciação, visita a Santa Isabel, o nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo, a visita dos Reis Magos terminado com a morte de Zacarias.

Evangelho de Tiago

I

1. Conforme as memórias das Doze Tribos de Israel, existia um homem riquíssimo chamado Joaquim. Suas oferendas eram sempre em dobro e dizia: "A sobra ofereço para todo o povoado e o que devo ofereço ao Senhor, para expiar os meus pecados e conquistar-Lhe as boas graças". 
2. Quando chegou a grande festa do Senhor, onde os filhos de Israel oferecem seus donativos, Rubem pôs-se diante de Joaquim e disse-lhe: "Como não geraste um rebento em Israel, não te é lícito oferecer donativos". 
3. Então Joaquim mortificou-se e foi até os arquivos de Israel para consultar o censo genealógico para confirmar que teria sido o único no povoado que não tivera descendentes. Examinando os pergaminhos, certificou-se que todos os justos tiveram descendentes. Lembrou-se, então, que o Senhor dera ao patriarca Abraão, em seus últimos anos de vida, um filho: Isaac. 
4. Joaquim ficou muito triste e não voltou para sua mulher, retirando-se para o deserto. Lá armou sua tenda e jejuou por 40 dias e 40 noites. Disse a si próprio: "Daqui não sairei, nem para comer ou beber, até que o Senhor meu Deus me visite. Sirvam as minhas orações por comida e bebida".

II

1. Ana, sua mulher, chorava e lamentava em dor: "Ficarei chorando a minha viuvez e a minha esterilidade".

2. Quando afinal chegou a grande festa do Senhor, Judite, sua criada, disse-lhe: "Até quando humilharás a alma? Eis que chegou a grande festa e não podes entristecer-te. Pega este véu com selo real que a dona da tecelagem me deu pois não posso usá-lo já que sou simples serva."

3. Disse-lhe Ana: "Afasta-te de mim pois nada fiz. O Senhor me humilhou o suficiente para que eu possa usá-lo. Acaso algum ímpio te deu para me fazerdes cúmplice do pecado?". Respondeu Judite: "Por que iria eu maldizer-te se o próprio Senhor já te amaldiçoou a não deixardes descendente em Israel?"

4. Mesmo estando profundamente triste, Ana retirou seus trajes de luto, pôs o véu e os trajes de bodas. À hora nona, desceu ao jardim e foi passear. Então, assentou-se sob a sombra de um loureiro e orou ao Senhor: "Ó Deus dos nossos pais: ouvi-me e bendizei-me como fizeste com o ventre de Sara, que concebeu a Isaac".

III
1. E olhando para o céu, observou um ninho de passarinhos existente no loureiro. Voltou então a lamentar-se, dizendo: "Ai de mim! Por que nasci? Em que hora fui concebida? Vim ao mundo para ser terra maldita entre os filhos de Israel, pois me injuriam e me expulsam do Templo do Senhor.
2. Ai de mim! A que posso comparar-me? Certamente não posso me comparar às aves do céu porque elas fecundam na tua presença, ó Senhor. Ai de mim! A que posso comparar-me? Não posso comparar-me às feras da terra porque esses animais irracionais reproduzem-se diante dos teus olhos, ó Senhor.
3. Ai de mim! A que posso comparar-me? Certamente não posso me comparar sequer a estas águas porque também elas são férteis perante ti, Senhor. Ai de mim! A que posso comparar-me? Não posso ao menos comparar-me à terra porque ela é fecunda e produz frutos a seu tempo, bendizendo-te, ó Senhor."
IV
1. Eis que apareceu-lhe um anjo do Senhor e disse-lhe: "Ana, Ana! O Senhor ouviu as tuas preces. Eis que conceberás e darás à luz. Da tua família se falará por todo o mundo". Ana respondeu: "Glória ao Senhor, meu Deus! Se for-me dado menino ou menina, fruto de Sua bênção, ofertá-lo-ei ao Senhor e a Seu serviço estará por todos os dias de sua vida".
2. Então chegaram dois mensageiros com o seguinte recado para ela: "Joaquim, teu marido, voltou com todo o rebanho, pois um anjo veio até ele e disse-lhe: 'Joaquim, Joaquim! O Senhor ouviu as tuas preces. Ana, tua mulher, conceberá em seu ventre'".
3. Saindo Joaquim, ordenou que seus pastores trouxessem-lhe dez ovelhas imaculadas. Disse então: "Estas são para o Senhor". [Mandou trazer-lhe também] doze novilhas de leite. E disse: "Estas são para os sacerdotes e o Sinédrio". E mandou distribuir cem cabritos para todo o povoado.
4. Chegando Joaquim com seus rebanhos, Ana, que estava à porta, o viu; correu e atirou-se em seu pescoço, dizendo-lhe: "Agora percebo que o Senhor me bendisse abundantemente. Eu era viúva e deixei-se de sê-lo. Era estéril e agora conceberei em meu ventre". Nesse primeiro dia, Joaquim repousou em sua casa.
V
1. Ao ir, no dia seguinte, oferecer seus bens ao Senhor, disse para consigo mesmo: "Se vir o éfode do sacerdote, saberei que Deus me será favorável". Ao oferecer o sacrifício, notou o éfode do sacerdote, quando este estava próximo ao altar de Deus. Não encontrando qualquer pecado em sua consciência, disse: "Agora vi que o Senhor me perdoou todos os pecados". Joaquim desceu justificado do Templo e voltou para casa.
2. Cumprindo-se o tempo para Ana, concebeu no nono mês. E perguntou à parteira: "A quem dei a luz?" Respondeu a parteira: "A uma menina". Exclamou Ana: "Eis que minha alma foi exaltada!". E colocou a menina no berço. Quando cumpriu-se o tempo definido pela Lei, Ana purificou-se e deu de mamar à menina. E pôs-lhe o nome de Maria.
VI
1. A menina se fortalecia a cada dia que passava. Quando atingiu os seis meses, sua mãe a colocou no chão para ver se conseguia ficar de pé. Ela andou sete passos e voltou para o colo de sua mãe. Pegando-a, disse [Ana]: "Glória ao Senhor! Não andarás mais nesse chão até que eu te apresente ao Templo do Senhor". Fazendo um oratório em casa, não permitia que nada de vulgar ou impuro se lhe tocassem nas mãos [de Maria]. Convocou também algumas meninas hebréias, todas virgens, para brincarem com ela.
2. Completando a menina seu primeiro ano, ofereceu Joaquim um grandioso banquete. Convidou os sacerdotes, os escribas, o Sinédrio e todo o povo de Israel. Apresentando a menina, os sacerdotes a abençoaram com estas palavras: "Ó Deus de nossos pais: bendiz esta menina e que seu nome seja glorioso e eterno por todas as gerações". O povo todo respondeu: "Amém, amém, amém". Joaquim também apresentou a menina aos príncipes e [sumos] sacerdotes que a abençoaram assim: "Ó Deus altíssimo: volta teus olhos para esta menina e conceda-lhe uma bênção perfeita, não sendo-lhe necessária qualquer outra [bênção] no futuro".
3. Sua mãe levou-a para o oratório e deu-lhe de mamar. Entoou então um hino ao Senhor Deus: "Farei um cântico ao Senhor, meu Deus, porque me visitou / Afastou de mim as injúrias dos inimigos e me deu um fruto santo que é único e múltiplo a Seus olhos / Quem levará aos filhos de Rubem a notícia de que Ana amamentou? / Ouvi! Ouvi, ó Doze Tribos de Israel! Ana está amamentando!" E deixando a menina repousar na câmara existente no oratório, saiu e passou a servir os convidados; terminada a ceia, [os convidados] saíram alegres e louvando ao Deus de Israel.
VII
1. Os meses foram passando para a menina e quando ela completou dois anos, Joaquim disse a Ana: "Vamos levá-la ao Templo do Senhor para cumprirmos a promessa que fizemos, para que o Senhor não reclame e nossa oferenda se torne inaceitável a seus olhos". Ana respondeu: "Vamos esperar que ela complete três anos, para que não venha sentir saudade de nós". E Joaquim respondeu: "Vamos aguardar".
2. Quando completou três anos, Joaquim disse: "Chame as meninas hebréias, virgens, e que, duas a duas, tomem uma lâmpada acesa para que a menina [Maria] não olhe para trás e seu coração se prenda por algo fora do Templo de Deus". E assim foi feito e subiram ao Templo do Senhor. Então o sacerdote a recebeu, a beijou e abençoou-a. E disse [à Maria]: "O Senhor engrandeceu o teu nome diante de todas as gerações. No final dos tempos, manifestará em ti Sua redenção aos filhos de Israel".
3. Então fez [Maria] sentar-se no terceiro degrau do altar e o Senhor derramou Sua graça sobre ela. Ela dançou e cativou toda a casa de Israel.
VIII
1. Então seus pais foram embora cheios de admiração e louvaram ao Senhor porque a menina não olhou para trás. E Maria passou a ficar no Templo como uma pequena pomba, recebendo seu sustento das mãos de um anjo.
2. Entretanto, quando completou doze anos, os sacerdotes se reuniram e disseram: "Maria atingiu os doze anos no Templo. O que devemos fazer para que ela não macule o Santuário?" Então disseram ao sumo sacerdote: "O altar está a tua disposição. Entra e ora por ela pois o que o Senhor te revelar, isso será o que deveremos fazer".
3. O sumo sacerdote colocou então o manto com as doze sinetas, adentrou ao santo dos santos e orou por ela. Mas eis que um anjo do Senhor lhe apareceu e disse: "Zacarias, Zacarias! Sai e chama todos os viúvos do povoado; que cada um traga um bastão e a quem o Senhor mostrar um sinal, este será o seu esposo". Então os mensageiros percorreram toda a Judéia e se apresentaram ao soar da trombeta.
IX
1. José separou seu bastão e se reuniu aos demais [viúvos]. Então cada um pegou seu bastão e foram procurar o sumo sacerdote. Este pegou todos os bastões e, adentrando ao Templo, pôs-se a orar. Ao concluir as orações, pegou os bastões e devolveu-os aos seus respectivos donos, mas em nenhum deles manifestou sinal algum. Contudo, quando José pegou o último bastão, uma pomba saiu dele e pôs-se a sobrevoar-lhe a cabeça. Então o sacerdote disse: "A ti caberá receber sob teu teto a Virgem do Senhor".
2. Mas José respondeu: "Tenho filhos e já estou avançado na idade; ela, porém, ainda é uma menina. Não quero ser zombado pelos filhos de Israel". Então argumentou o sacerdote: "Tema ao Senhor, teu Deus, e recorde do que Ele fez com Datã, Abiron e Coret: a terra se abriu e eles foram enterrados em virtude de sua rebelião. Tema também tu agora, José, para que o mesmo não aconteça à tua casa".
3. Então ele, cheio de temor, recebeu [Maria] sob seu teto. Depois disse-lhe: "Tomei-te do Templo e deixo-te agora na minha casa, mas prosseguirei as minhas obras. Voltarei em breve, mas o Senhor te protegerá".
X
1. Os sacerdotes se reuniram e decidiram fazer um véu para o Templo do Senhor. O sacerdote disse: "Chama as moças imaculadas da Tribo de Davi". Os ministros saíram e após procurarem, encontraram sete virgens. Então o sacerdote recordou-se de Maria e os mensageiros a buscaram.
2. Depois que foram levadas para dentro do Templo, disse o sacerdote: "Vejamos quem bordará o ouro e o amianto, o linho e a seda, o zircão, e o escarlate e a púrpura real". O escarlate e a púrpura real couberam a Maria; esta as tomou e levou para sua casa. Nessa época, Zacarias ficou mudo e foi substituído por Samuel até que recuperasse a voz. Maria tomou o escarlate em mãos e pôs-se a tecê-lo.
XI
1. Um dia, Maria tomou um cântaro para enchê-lo de água. Mas ouviu uma voz que lhe dizia: "Salve, cheia de graça! O Senhor está contigo, bendita és entre as mulheres". Então ela olhou ao seu redor, à direita e à esquerda, para ver de onde provinha aquela voz. Amedrontada, fugiu para sua casa e abandonou ali mesmo a ânfora. Pegou a púrpura, sentou-se e voltou a tecê-la.
2. Porém, um anjo de Senhor apareceu à sua frente e disse: "Não temas, ó Maria! Alcançaste graça diante do Senhor Todo-Poderoso e conceberás por Sua graça". Ela, ao ouvi-lo, ficou admirada e disse consigo mesma: "Conceberei por graça do Deus vivo e darei à luz como as demais mulheres?"
3. Respondeu-lhe o anjo: "Não, Maria, pois a graça do Senhor te cobrirá com Sua sombra e o santo fruto que nascerá de ti será chamado Filho do Altíssimo. Deverás chamá-lo 'Jesus' porque Ele salvará seu povo das iniqüidades." Então Maria disse: "Eis aqui a serva do Senhor! Faça-se em mim conforme a sua palavra".
XII
1. Terminado o trabalho com a púrpura e o escarlate, [Maria] levou-o ao sacerdote, que a abençoou assim: "Maria: o Senhor enalteceu o teu nome! Serás bendita entre todas as gerações da terra".
2. Radiante de alegria, Maria se dirigiu à casa de sua parente, chamada Isabel, e chamou-a da porta. Ao escutá-la, Isabel deixou o escarlate e correu para a porta. Abrindo [a porta] e vendo Maria, louvou-a dizendo: "Quem sou para que a mãe do meu Senhor venha até minha casa? O fruto do meu ventre pôs-se a pular dentro de mim para bendizer-te". Como Maria se esquecera das palavras do anjo Gabriel, elevou os olhos ao céu e disse: "Quem sou eu, Senhor, para que todas as gerações me bendigam?"
3. E ficou durante três meses na casa de Isabel. Como dia após dia seu ventre crescia, ficou preocupada e pôs-se à caminho de casa. Ficava escondida dos filhos de Israel e possuía dezesseis anos quando estas coisas aconteceram.
XIII
1. Quando Maria atingiu o sexto mês de gravidez, José retornou de suas obras e, ao chegar em casa, percebeu que ela estava grávida. Então bateu em seu próprio rosto e atirou-se no chão, sobre uma manta, chorando amargamente: "Como me apresentarei ao Senhor? Como orarei por esta menina que recebi virgem do Templo do Senhor e que não soube vigiar? Acaso o que ocorreu com Adão ocorreu também comigo? Pois enquanto Adão orava veio a serpente e, vendo Eva sozinha, a enganou... Teria o mesmo ocorrido comigo?"
2. Então José se levantou e chamou Maria. Disse-lhe: "O que fizeste, tu que eras a predileta de Deus? Como tiveste coragem de fazer isso? Esqueceste do teu Deus? Como manchaste a tua alma, tu que foste criada no santo dos santos, recebendo o sustento das mãos do anjo?"
3. Ela chorou amargamente e disse: "Permaneço pura pois não conheço varão". Respondeu José: "Então de onde vem o que carregas em teu seio?". Respondeu Maria: "Juro pelo Senhor, meu Deus, que não sei como isto se sucedeu".
XIV
1. Então José ficou muito preocupado e deixou Maria, pensando o que deveria fazer com ela. Disse para si mesmo: "Se omito o seu erro, estarei contra a Lei do Senhor... Se a denuncio ao povo de Israel e o que lhe aconteceu foi devido à intervenção de anjos, estarei condenando uma inocente à morte. O que farei? Irei mandá-la embora às escondidas..." E logo veio a noite.
2. Mas um anjo do Senhor apareceu-lhe em sonho e disse-lhe: "Não se preocupe com esta menina. O que ela traz em seu ventre é devido ao Espírito Santo. Ela dará à luz um filho e colocar-lhe-ás o nome de 'Jesus', porque Ele salvará seu povo do pecado". Levantando-se, José glorificou ao Deus de Israel por conceder tamanha graça e continuou com Maria.
XV
1. Entretanto, Anás, o escriba, veio até sua casa e lhe disse: "Por que deixaste de comparecer à reunião?" Respondeu José: "Estava exausto da viagem e resolvi descansar o primeiro dia". Virando-se, Anás percebeu a gravidez de Maria.
2. Então correu até o sacerdote e disse-lhe: "José cometeu falta grave e tu respondes por ele". Perguntou o sumo sacerdote: "O que estás dizendo?". Respondeu Anás: "Ele violou a virgem que recebeu do Templo de Deus e fraudou seu casamento, não declarando-o ao povo de Israel". Disse o sacerdote: "Estás certo de que realmente José fez isso?" Respondeu Anás: "Manda a comissão e confirmará a gravidez da menina". Então os enviados saíram e encontraram [Maria] tal como Anás dissera. E a levaram ao Tribunal, juntamente com José.
3. O sacerdote tomou a palavra e disse: "Por que fizeste isso, Maria? Por que manchaste tua alma, esquecendo do Senhor, teu Deus? Tu, que foste criada no santo dos santos e recebias o sustento das mãos do anjo, que ouviste os hinos e dançaste diante de Deus: por que fizeste isso?" Ela passou a chorar amargamente e disse: "Juro pelo Senhor, meu Deus, que permaneço pura diante Dele! Não conheci varão algum!"
4. Então o sacerdote disse a José: "Por que fizeste isso?" Respondeu José: "Juro pelo Senhor, meu Deus, que permaneço puro perante ela". Esbravejou o sacerdote: "Não jures em falso! Fala a verdade: fraudaste o teu matrimônio, não declarando-o ao povo de Israel; e não inclinaste tua cabeça sob o braço forte de Deus, que bendisse a tua descendência". E José se calou.
XVI
1. O sacerdote disse [a José]: "Devolve a virgem que recebeste do Templo de Deus". Os olhos de José encheram-se de lágrimas. O sacerdote disse ainda: "Bebereis da água da prova do Senhor e esta te mostrará aos olhos os teus pecados".
2. E fez José beber a água e o enviou para a montanha. Porém, retornou são e salvo. Fez o mesmo com Maria, enviando-a também para a montanha. Também ela retornou sã e salva. Então a cidade toda se admirou, por não encontrar pecado neles.
3. Disse o sacerdote: "Visto que o Senhor não indicou o vosso pecado, também eu não vos condenarei". A seguir, os liberou. José tomou Maria e a levou de volta para sua casa, alegre e louvando a Deus de Israel.
XVII
1. Chegou, então, uma ordem do imperador Augusto, obrigando que todos os habitantes de Belém da Judéia participassem do censo. Disse José: "Posso recensear os meus filhos, mas e esta menina? O que informarei no censo? Que é minha esposa? É vergonhoso. Que é minha filha? Todos os filhos de Israel sabem que não é. Faça-se a vontade do Senhor, pois este é o seu dia".
2. Colocou a sela na jumenta e acomodou Maria sobre ela. Um de seus filhos ia conduzindo o animal pelo cabresto enquanto José simplesmente os acompanhava. Ao chegarem a três milhas [de Belém], José notou que Maria estava triste e disse a si mesmo: "Deve ser porque a gravidez a incomoda". Olhando novamente, porém, viu que ela sorria e disse-lhe: "Maria: o que está acontecendo? Às vezes te vejo triste, outras sorridente..." Ela respondeu: "Dois povos foram-me apresentados aos olhos: um que chora e se desespera; e outro que se alegra e rejubila".
3. Atingindo a metade do caminho, Maria disse a José: "Desça-me porque o fruto de meu ventre anseia por vir à luz". Então [José] ajudou-a a descer da jumenta e disse-lhe: "Para onde te levarei para esconder a tua nudez, uma vez que nos encontramos em campo aberto?"
XVIII
1. Descobrindo uma caverna, conduziu-a para dentro e a deixou com seus filhos enquanto se dirigiu para Belém a fim de buscar uma parteira hebréia.
2. E eu, José, andava mas não avançava; olhei para o espaço e o ar parece-me assombroso; olhei para o céu e tudo estava parado, inclusive os pássaros do céu; olhei para a terra e vi um vasilhame no chão e uns trabalhadores sentados, como se estivessem comendo já que suas mãos estavam sobre o vasilhame; porém, embora parecessem comer, não mastigavam e quem parecia pegar a comida, não a retirava do prato e, ainda, os que pareciam levar os manjares à boca, não o faziam porque olhavam para o alto. Havia também ovelhas sendo capturadas, mas não fugiam e o pastor levantou seu cajado para bater-lhes, porém, manteve sua mão no ar. Então olhei para o rio e notei que os cabritos punham seus focinhos nele mas não bebiam da água. Por certo tempo tudo parou.
XIX
1. Então a mulher que descia a montanha me perguntou: "Onde vais?" Respondi: "Procuro por uma parteira hebréia". Ela disse: "Sois de Israel?" Respondi: "Sim". Então ela disse: "Quem está dando à luz na caverna?" Disse-lhe: "Minha esposa". Ela replicou: "Mas não é tua mulher?" Respondi-lhe: "É Maria: aquela que foi criada no Templo do Senhor. De fato, foi-me dada por mulher, mas não o é, e agora concebe por obra do Espírito Santo". Disse a parteira: "Isso é verdade?" José respondeu: "Vinde e vede". Então a parteira foi com ele.
2. Chegando à caverna, pararam, pois estava coberta por uma nuvem luminosa. Disse a parteira: "Minha alma foi agraciada pois meus olhos viram coisas incríveis e a salvação para Israel nasceu!" Então a nuvem saiu da caverna e de dentro brilhou uma forte luz, de forma que nossos olhos não conseguiam ficar abertos. E [a luz] começou a diminuir e viu-se que o menino mamava no peito de sua mãe, Maria. E a parteira gritou: "Hoje é meu grande dia! Vi com os meus olhos um novo milagre".
3. E, saindo da gruta, veio ao seu encontro Salomé. Disse a parteira: "Salomé, Salomé! Preciso contar-lhe uma maravilha jamais vista: uma virgem deu à luz. Como sabes, isso é impossível para a natureza humana". Respondeu-lhe Salomé: "Pelo Senhor, meu Deus, não acreditarei enquanto não puder tocar os meus dedos em sua natureza para examinar-lhe".
XX
1. Então a parteira entrou [na caverna] e disse a Maria: "Prepara-te porque existe uma dúvida sobre ti entre nós". E Salomé pôs seu dedo na natureza [de Maria] e soltou um grande grito: "Ai de mim! Minha malícia e incredulidade são culpadas! Eis que minha mão foi carbonizada e desprendeu-se do meu corpo por tentar ao Deus vivo!"
2. E, se ajoelhando diante de Deus, pediu: "Ó Deus de nossos pais: recorda-te de mim, pois sou descendente de Abraão, Isaac e Jacó! Não me tornes exemplo para os filhos de Israel! Cura-me para que possa continuar a me dedicar aos pobres, pois bem sabes, Senhor, que curava em teu Nome e recebia diretamente de Ti o meu salário".
3. Então um anjo do céu apareceu-lhe e disse: "Salomé, Salomé! Deus te ouviu! Toque o menino e terás alegria e prazer".
4. E Salomé se aproximou e pegou o menino. E disse: "Adoro-te porque nasceste para ser o Grandioso Rei de Israel". Sentiu-se, então, curada e pode sair em paz da caverna. E ouviu-se uma voz que dizia: "Salomé, Salomé! Não digas a ninguém as maravilhas que presenciaste até que o menino vá para Jerusalém".
XXI
1. E José partiu para a Judéia. Ocorreu então grande tumulto em Belém pois chegaram um magos dizendo: "Onde está o Rei dos judeus recém-nascido, pois vimos sua estrela nascer no Oriente e viemos adorá-lo".
2. Ouvindo isto, Herodes ficou perturbado e enviou seus mensageiros aos magos. Convocou os príncipes e os sacerdotes e fez-lhes a pergunta: "O que está escrito sobre o Messias? Onde deverá nascer?" Eles responderam: "Em Belém da Judéia, conforme as Escrituras". Dispensou-os e perguntou aos magos: "Que sinal vistes indicando o nascimento desse rei?" Responderam os magos: "Um grande astro brilhou entre as demais estrelas de forma a ocultar-lhes [a luz]. Soubemos, então, que em Israel havia nascido um rei e viemos para adorá-lo". Disse Herodes: "Ide e buscai-o para que também eu possa adorá-lo".
3. Nesse mesmo instante a estrela que haviam visto no Oriente voltou a brilhar e foram guiados até a caverna; [e a estrela] parou sobre a entrada [da caverna]. Então os magos se aproximaram do menino e de sua mãe e ofertaram-lhe presentes: ouro, incenso e mirra.
4. Porém, foram advertidos por um anjo para que não retornassem à Judéia e voltaram para suas terras por outro caminho.
XXII
1. Quando Herodes percebeu que fora enganado pelos magos, encheu-se de fúria e mandou que seus soldados assassinassem todos os meninos com menos de dois anos.
2. Chegando à Maria a notícia da matança das criança, encheu-se de medo e, envolvendo seu filho em panos, colocou-o numa manjedoura.
3. Quando Isabel ficou sabendo que também procuravam seu filho João, pegou-o e foi para as montanhas, procurando esconderijo. Como não encontrava nenhum lugar ideal, em soluços orou em alta voz: "Ó Montanha de Deus: recebe em teu seio uma mãe com seu filho".
4. Nesse momento, a montanha se abriu para recebê-los. Uma grande luz os acompanhou pois um anjo do Senhor foi guardá-los.
XXIII
1. Como Herodes continua perseguindo João, mandou seus mensageiros interrogarem Zacarias: "Onde escondeste teu filho?" Mas ele respondeu: "Cuido do serviço de Deus e por isso estou sempre no Templo. Não sei onde se encontra meu filho".
2. Os mensageiros informaram o ocorrido a Herodes e ele, furioso, disse para si mesmo: "Provavelmente será seu filho que reinará em Israel". E enviou outro recado [a Zacarias]: "Diga-nos a verdade. Onde se encontra o teu filho? Do contrário, sabes muito bem que o teu sangue está sob as minhas mãos".
3. Mas Zacarias respondeu: "Então serei mártir do Senhor porque te atreves a derramar o meu sangue. Mas a minha alma será recolhida pelo Senhor já que uma vida inocente será ceifada no vestíbulo do santuário". E Zacarias foi assassinado quando veio a aurora, mas os filhos de Israel não perceberam o crime.
XXIV
1. Quando os sacerdotes se reuniram à hora da saudação notaram que Zacarias não veio ao encontro deles para abençoá-los, como era de costume. Ficaram, porém, esperando-o para saudá-lo na oração e para glorificar o Altíssimo.
2. Como demorava muito, passaram a ficar amedrontados. Um deles, tomando a iniciativa, entrou e viu sangue já coagulado ao lado do altar. Então ouviu uma voz que dizia: "Zacarias foi morto e seu sangue não deverá ser limpo até que chegue o vingador". Ao ouvir a voz, encheu-se de medo e saiu para contar aos sacerdotes.
3. Tomando coragem, estes entraram e testemunharam o ocorrido. Então os fundamentos do Templo rangeram e rasgaram as vestes de alto a baixo. Porém, o corpo [de Zacarias] não foi encontrado, mas apenas o sangue já coagulado. Cheios de medo, saíram e contaram a todo povo que Zacarias fora assassinado. E a notícia se espalhou por todas as tribos de Israel, que choraram e guardaram luto por três dias e três noites.
4. Terminado o tempo [de luto], os sacerdotes se reuniram para decidir quem ocuparia o lugar [de Zacarias]. A sorte caiu sobre Simeão, aquele que o Espírito Santo lhe dissera que não provaria a morte até que visse o Messias Encarnado.
XXV
1. E eu, Tiago, escrevi esta narrativa quando surgiu um grande tumulto em Jerusalém em virtude da morte de Herodes. Retiro-me para o deserto até que cesse o tumulto e glorifico ao Senhor, meu Deus, que me concedeu a graça e a sabedoria para escrever esta narração.
2. Que a graça esteja com todos os homens que temem a Nosso Senhor Jesus Cristo, a quem deve ser dada glória por todos os séculos dos séculos. Amém.

Tradução: Carlos Martins Nabeto
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06/09/2012

Santo Irineu de Lião - A VERDADEIRA TRADIÇÃO


A VERDADEIRA TRADIÇÃO*
Santo Irineu de Lião¹

Portanto, a tradição dos apóstolos, que foi manifestada no mundo inteiro, pode ser descoberta em toda Igreja por todos que queiram a verdade. Poderíamos enumerar aqui os bispos que foram estabelecidos nas Igrejas pelos apóstolos e seus sucessores até nós; e eles nunca ensinaram nem conheceram nada que se parecesse com o que essa gente vai delirando. Ora, se os apóstolos tivessem conhecido os mistérios escondidos e os tivessem ensinado exclusivamente e secretamente aos perfeitos, sem dúvida os teriam confiado antes de a mais ninguém àqueles aos quais confiavam as próprias Igrejas. Com efeito, queriam que os seus sucessores, aos quais transmitiam a missão de ensinar, fossem absolutamente perfeitos e irrepreensíveis em tudo, porque, agindo bem, seriam de grande utilidade, ao passo que se falhassem seria a maior calamidade.
Mas visto que seria coisa bastante longa elencar, numa obra como esta, as sucessões de todas as igrejas, limitaremos à maior e mais antiga e conhecida por todos, à igreja fundada e constituída em Roma, pelos dois gloriosíssimos apóstolos Pedro e Paulo, e, indicando a sua tradição recebida dos apóstolos e a fé anunciada aos homens, que chegou até nós pelas sucessões dos bispos, refutaremos todos os que de alguma forma, quer por enfatuação ou vanglória, quer por cegueira ou por doutrina errada, se reúnem prescindindo de qualquer legitimidade. Com efeito, deve necessariamente estar de acordo com ela, por causa da sua origem mais excelente, toda a igreja, isto é, os fiéis de todos os lugares, porque nela sempre foi conservada, de maneira especial, a tradição que deriva dos apóstolos.
Os bem-aventurados apóstolos que fundaram e edificaram a Igreja transmitiram o governo episcopal a Lino, o Lino que Paulo lembra na carta e Timóteo². Lino teve como sucessor Anacleto. Depois dele, em terceiro lugar, depois dos apóstolos, coube o episcopado a Clemente, que vira os próprios apóstolos e estivera em relação com eles, que ainda guardava viva em seus ouvidos a pregação deles e diante dos olhos a tradição. No pontificado de Clemente surgiram divergências graves entre os irmãos de Corinto. Então a Igreja de Roma enviou aos coríntios uma carta importantíssima para reuni-los na paz, reavivar-lhes a fé e reconfirmar a tradição que há pouco tempo tinham recebido dos apóstolos, isto é, a fé num único Deus todo-poderoso, que fez o céu e aterra, plasmou o povo do Egito, conversou com Moisés, deu a economia da Lei, enviou os profetas, preparou o fogo para o diabo e os seus anjos. Todos os que quiseram podem aprender desta carta que este Deus é anunciado pelas Igrejas como o Pai de nosso Senhor Jesus cristo e conhecer a tradição apostólica da Igreja, porque mais antiga do que os que agora pregam erradamente outro Deus superior ao Verbo e Criador de tudo que existe.
A este Clemente sucedeu Evaristo; a Evaristo, Alexandre; em seguida, sexto depois dos apóstolos foi Sisto; depois dele Telésforo, que fechou a vida com gloriosíssimo martírio; em seguida Higino; depois Pio; depois dele, Aniceto. A Aniceto sucedeu Sóter e, presentemente, Eleutério³, em décimo segundo lugar na sucessão apostólica, detém o pontificado. Com esta ordem e sucessão e a pregação da verdade. Esta é a demonstração mais plena de que é uma e idêntica a fé vivificante que, fielmente, foi conservada e transmitida, na Igreja, desde os apóstolos até agora.
Podemos ainda lembrar Policarpo4, que não somente foi discípulo dos apóstolos e viveu familiarmente com muitos dos que tinham visto o Senhor, mas que, pelos próprios apóstolos, foi estabelecido bispo da Ásia, na Igreja de Esmirna. Nós o vimos na infância, porque teve vida longa e era muito velho quando morreu com glorioso e esplêndido martírio. Ora, ele sempre ensinou o que tinha aprendido dos apóstolos, que também a Igreja transmite e que é a única verdade. E disso que dão testemunho todas as Igrejas da Ásia e os que até hoje sucederam a Policarpo, que testemunha a verdade bem mais segura e digna de confiança do que Valentim5 e  Marcião6 e outros perversos doutores. É ele que no pontificado de Aniceto, quando esteve em Roma, conseguiu reconduzir muitos destes hereges, de que falamos, ao seio da Igreja de Deus, proclamando que não tinha recebido dos apóstolos senão uma só e única verdade, aquela mesma que era transmitida pela Igreja. E há os que ouviram dele que João, o discípulo do Senhor, tendo ido, um dia às termas de Éfeso e tendo notado Cerinto7 lá dentro, precipitou-se para a saída, sem tomar banho, dizendo ter medo que as termas desmoronassem, porque no interior se encontrava Cerinto, o inimigo da verdade. O próprio Policarpo, quando Marcião, um dia, se lhe avizinhou e lhe dizia: “Prazer em conhecê-lo”, respondeu: “Eu te conheço como primogênito de Satã"; tanta era a prudência dos apóstolos e dos seus discípulos, que recusavam comunicar, ainda que só com a palavra, com alguém que deturpasse a verdade, em conformidade com o que Paulo diz: “Hereticum hominem post unam et secundam correptionem devita sciens quia subversus est qui ejusmodi est et delinquit proprio judicio condemnatus8. Existe também uma carta importantíssima de Policarpo aos filipenses na qual os que desejam e se importam com a sua salvação podem conhecer as características da sua fé e a pregação da verdade. Também a igreja de Éfeso, que foi fundada por Paulo e onde João morou até os tempos de Trajano9, é testemunha verídica da tradição dos apóstolos.
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Notas:
* Adversus haereses (Contra as Heresias)
1 Santo Irineu de Lião, nasceu provavelmente no ano 130 em Esmirna, foi discípulo de Policarpo de Esmirna, discípulo do apóstolo João.
2 Cf. 2Tm 4,21
3 Papa São Eleutério seu pontificado foi entre 174 e 189.
4 Bispo de Esmirna, foi ordenado pelo apóstolo João, nasceu em 69 e foi martirizado em 155.
5 Valentim fundo um movimento gnóstico no século II que levava o seu nome, Valentianismo.
6  Marcião de Sínope (85 – 160) criador do marcionismo que propunha dois deuses distintos um no Antigo Testamento e outro no Novo Testamento.
7  Cerinto seguia a lei judaica, usava o evangelho dos hebreus e negava que Deus tinha criado o mundo físico e a divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo. No seu entendimento o espírito de Cristo veio a Nosso Senhor em sua batismo, abandonando-o momentos antes da crucificação.
8 Tt 3, 10-11.
9 Marco Úlpio Nerva Trajano (53 – 117) Imperador Romano de 98 a 117.