Todos os corações sabem, caríssimos, que a solenidade de hoje deve ser
celebrada como uma das festas mais importantes. Ninguém ignora ou contesta a
reverência com que se deve festejar este dia, consagrado pelo Espírito Santo
com o milagre excelente de seu dom. Sendo, na verdade, o décimo dia depois
daquele em que o Senhor subiu ao céu, para se assentar à direita de Deus,
refulge como o dia qüinquagésimo após a sua Ressurreição, e traz em si grandes
mistérios, referentes a antigos e novos sacramentos, na mais clara manifestação
de que a Graça foi prenunciada pela Lei e a Lei cumprida pela Graça. Sim, do
mesmo modo como outrora, no monte Sinai, a Lei fora dada ao povo hebreu, libertado
dos egípcios, no dia qüinquagésimo após a imolação do cordeiro, assim também,
após a Paixão de Cristo, imolação do verdadeiro Cordeiro de Deus, é no
qüinquagésimo dia desde sua Ressurreição que se infunde o Espírito Santo nos
apóstolos e na multidão dos fiéis. O cristão diligente facilmente vê como os
inícios do Antigo Testamento serviram aos primórdios do Evangelho, e como a
segunda Aliança foi criada pelo mesmo Espírito que instituiu a primeira.
Com efeito, diz a narrativa dos apóstolos:
"Como se completassem os dias de Pentecostes e estivessem todos os
discípulos juntos no mesmo lugar, repentinamente se fez ouvir do céu um ruído
como o de vento que soprava impetuosamente, e encheu toda a casa onde estavam.
Apareceram-lhes então como línguas de fogo, que se puseram sobre cada um deles;
e todos ficaram cheios do Espírito Santo, começando a falar em outras línguas,
conforme o Espírito Santo lhes concedia falarem" 1.
É veloz a palavra da Sabedoria, e onde Deus é o Mestre quão rapidamente
se aprende a doutrina! Não houve necessidade de interpretação para o
entendimento, não houve aprendizado, não houve prazo para estudo, mas, assim
que o Espírito da verdade soprou como quis, as línguas particulares dos
diversos povos se tornaram comuns na boca da Igreja.
A partir desse dia ressoou a trombeta da pregação evangélica. A partir
desse dia as chuvas de graças, os rios das bênçãos irrigaram todos os desertos
e a terra inteira, pois a fim de renovar sua face "o Espírito de Deus
pairava sobre as águas"2. E, para a expulsão das trevas de
antes, coruscavam os relâmpagos da nova Luz no esplendor das línguas flamejantes.
Assim se manifestava a luminosa e ígnea palavra do Senhor, dotada da eficácia
de iluminar e da força de abrasar, necessárias ao entendimento e à destruição
do pecado.
Porém, caríssimos, embora tenha sido admirável a própria aparência
desses acontecimentos e não haja dúvida de que a majestade do Espírito Santo
tenha estado presente à harmonia exultante das vozes humanas, não se pense que
apareceu a sua divina essência naquilo que se mostrou aos olhes corporais. A
natureza invisível e comum ao Pai e ao Filho manifestou a qualidade de seu dom
e de sua obra por meio do sinal de santificação que bem lhe aprouve, mas
conteve em sua divindade a propriedade de sua essência.
Assim como a visão humana não pode perceber o Pai e o Filho também não
percebe o Espírito Santo. Na Trindade, com efeito, nada é dissemelhante, nada é
desigual, e todas as coisas que se possam pensar a respeito dessa substância
não se distinguem pela excelência, pela glória ou pela eternidade. É verdade
que, conforme as propriedades das Pessoas, um é o Pai, outro o Filho, outro o
Espírito Santo, mas não há divindade diferente, natureza distinta. Assim como o
Filho precede do Pai, igualmente o Espírito Santo é Espírito do Pai e do Filho.
Não como as criaturas, que são também do Pai e do Filho, mas como alguém que,
como ambos, vive, é poderoso e existe eternamente, desde que existem o Pai e o
Filho. Por essa razão o Senhor, quando prometeu a vinda do Espírito Santo aos
discípulos, antes do dia da Paixão, disse:
"Ainda muitas coisas vos tenho a dizer: quando, porém, vier o
Espírito da verdade, ele vos conduzirá para toda a verdade. Pois não falará de
si mesmo, mas falará o que tiver ouvido e vos anunciará as coisas que deverão
suceder. Tudo o que o Pai tem é meu; per isto disse que receberá do que é meu e
vos anunciará"3.
O Pai, portanto não tem algo que não o tenham o Filho ou o Espírito
Santo. Tudo o que tem o Pai, tem o Filho e tem o Espírito Santo. Nunca faltou
na Trindade essa perfeita comunhão; nela são uma mesma coisa "tudo
possuir" e "sempre existir". Não imaginemos sucessão de tempo na
Trindade, não imaginemos gradações ou diferenças. Se, de um lado não se pode
explicar o que Deus é, de outro não se ouse afirmar o que Deus não é. Seria
melhor deixar de discorrer sobre as propriedades da natureza inefável de Deus,
do que afirmar o que não lhe convém. O que concebem, pois, os corações piedosos
a respeito da glória eterna e imutável do Pai, entendam-no ao mesmo tempo do
Filho e do Espírito Santo, de um modo inseparável e sem diferença. Nossa
confissão é ser a Trindade um só Deus, já que nas três Pessoas não existe
diversidade de substancia, poder, vontade ou operação.
Assim, se reprovamos os arianos, que pretendem existir diferença entre o
Pai e o Filho, reprovamos igualmente os macedonianos, os quais, embora
atribuindo igualdade entre o Pai e o Filho, pensam que o Espírito Santo seja de
natureza inferior. Eles não vêem estarem incidindo naquela blasfêmia indigna de
ser perdoada tanto no século presente como no futuro, consoante a palavra do
Senhor:
"A todo o que disser uma palavra contra o Filho do homem será
perdoado, mas ao que disser contra o Espírito Santo não será perdoado nem neste
século nem no vindouro"4.
Quem permanece, portanto, nessa impiedade fica sem perdão, pois expulsou
de si aquele por meio do qual seria capaz de confessar a verdadeira fé. Jamais
se beneficiará do perdão quem não tiver advogado para protegê-lo.
Ora, é do Espírito Santo que procede em nós a invocação do Pai, dele são
as lágrimas dos penitentes, dele os gemidos dos que suplicam, "...
e ninguém pode dizer Senhor Jesus senão no Espírito Santo"5.
O Apóstolo prega de maneira evidente a onipotência do Espírito, igual à
do Pai e do Filho, bem como sua divindade, ao dizer:
"há diversidade de graças, mas um mesmo é o Espírito; e há
diversidade de ministérios, mas um mesmo é o Senhor; e há diversidade de
operações, mas um mesmo é o Deus que opera tudo em todos"6.
Por estes e outros documentos, através dos quais, de inumeráveis modos
brilha a autoridade das palavras divinas, sejamos incitados, caríssimos,
unanimemente, à veneração de Pentecostes, exultando em honra do Santo Espírito,
por quem toda a Igreja é santificada e toda alma racional é penetrada. Ele é o
inspirador da fé, o Mestre da ciência, a fonte do amor, o selo da castidade, o
artífice de toda virtude.
Regozijem-se as mentes dos fiéis com o fato de, em todo o mundo, ser
louvado pelas diferentes línguas o Deus uno, Pai, e Filho e Espírito Santo; com
o fato de prosseguir em seu trabalho e dom aquela santificação que apareceu na
chama do fogo. O mesmo Espírito da verdade faz refulgir com sua luz a morada de
sua glória, nada querendo de tenebroso ou morno em seu templo.
Foi também por auxílio e instrução desse Espírito que recebemos a
purificação do jejum e da esmola. Com efeito, segue-se ao venerável dia de hoje
um costume de salutar observância, que os santos julgam de grande utilidade e
nós vos exortamos, com pastoral solicitude, a que o celebreis com o maior zelo
possível. Assim, se a negligência vos fez contrair em dias passados algo de
pecaminoso, seja isto penitenciado pela censura do jejum e pelo devotamento da
misericórdia. Jejuemos na quarta e na sexta-feira, para sábado celebrarmos
juntos as vigílias, com a habitual devoção. Por Cristo, Nosso Senhor que vive e
reina com o Pai e o Espírito santo, pelos séculos dos séculos. Amém
Notas:
1 At 2,1-4
2 Gn 1,2
3 Jo 16,12-13.15
4 Mt 12,32
5 lCor 12,3
6 lCor 12,4-6
Fonte:
GOMES, C. Folch Antologia dos
Santos Padres. São Paulo- Ed. Paulinas 1979
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