Que
faz então o padre que celebra, em pecado mortal? Acaso honra ele a
Deus? Ai, muito ao contrário! Comete contra ele o maior ultraje de
que é capaz; despreza-o na sua própria pessoa, porque pelo
sacrilégio parece fazer quanto de si depende para manchar o Cordeiro
imaculado, que oferece sob as espécies sacramentais! Eis o que diz o
Senhor: Escutai, ó sacerdotes que desprezais o meu nome... Ofereceis
sobre o meu altar um pão manchado e dizeis: Em que é que te
desonramos? S. Jerônimo comenta assim esta passagem: Manchamos o
pão, isto é, o corpo de Cristo, quando nos aproximamos indignamente
do altar.
Não
podia Deus elevar um homem a uma dignidade mais sublime, que à
dignidade sacerdotal. Que escolha teve de fazer o Senhor para formar
um padre! Primeiro, teve de escolhê-lo na multidão inumerável das
criaturas possíveis; depois teve de separá-lo de tantos milhões de
pagãos e hereges; e por último teve de tirá-lo do meio de tantos
simples fiéis. Depois disto, que poder lhe não foi dado! Se Deus
tivesse concedido a um só homem o poder de fazer descer à terra por
suas palavras o próprio Jesus Cristo, quanto não estaria obrigado
para com o Senhor esse homem tão privilegiado, e quantas ações de
graças não teria de lhe render! Pois bem, esse poder concede-o Deus
a cada um dos padres. Nada importa que o mesmo poder tenha sido
confiado a muitos: o número dos padres, nem apouca a sua dignidade,
nem diminui as suas obrigações. Mas, grande Deus! Que faz um padre
que ousa celebrar com o pecado na sua alma? Desonra-nos,
despreza-vos, declarando por isso mesmo que este sacrifício não é
tão digno dos nossos respeitos, que devamos temer profaná-lo por um
sacrilégio! Aproximar-se alguém do altar, sem o respeito que lhe é
devido, diz S. Cirilo de Alexandria, é mostrar que o julga digno de
desprezo.
A
mão que toca a carne sagrada de Jesus Cristo, a língua que se tinge
do sangue divino, diz S. João Crisóstomo, deveriam ser mais puras
que os raios do sol. Noutro lugar, ajunta que um padre que sobe ao
altar deveria ser bastante puro e santo para merecer um lugar entre
os anjos. Que horror pois para os anjos verem um padre, inimigo de
Deus, levar uma mão sacrílega para o Cordeiro sem mancha, e fazê-lo
seu alimento! Onde se encontraria um homem tão ímpio, exclama Sto.
Agostinho, que ousasse tocar o Santíssimo com as mãos enlameadas?
Muito pior faz o padre que celebra missa com a consciência manchada.
Deus então desvia os olhos, para não ver um atentado tão horrível:
Quando estenderdes as vossas mãos, afastarei de vós os meus olhos.
E, para exprimir o desgosto que lhe causam esses padres sacrílegos,
declara que lhes dá de atirar à cara a imundícia dos seus
sacrifícios. Como ensina o Concílio de Trento, é verdade que o
santo sacrifício não pode ser manchado pela malícia do padre. No
entanto os sacerdotes, que celebram em estado de pecado mortal, não
deixam de profanar, quanto podem, este adorável mistério; por isso
declara Deus que as manchas deles o atingem dalgum modo.
Ai,
Senhor, exclama S. Bernardo, como é possível que os chefes da vossa
Igreja sejam os primeiros a perseguir-vos? É bem verdade, segundo S.
Cipriano, que o padre, que celebra em estado de pecado mortal,
ultraja com a sua boca e com as suas mãos o próprio corpo de Jesus
Cristo. Pedro Comestor ajunta que, quando um padre fora da graça de
Deus pronuncia as palavras da consagração, escarra por assim dizer
no rosto de Jesus Cristo, e quando recebe na sua boca indigna o corpo
adorável do Salvador, é como se o lançasse na lama. Mas, que digo,
na lama? O padre no estado do pecado é pior que a lama: a lama, diz
Teofilato, é muito menos indigna de receber essa carne divina, do
que um padre sacrílego. Segundo S. Vicente Ferrer, esse miserável
comete então muito maior crime do que se atirasse o Santíssima a
uma sentina. E tal é também o sentir de S. Tomás de Vilanova: Que
abominação, exclamava ele, derramar o sangue de Cristo na sentina
infecta do seu coração!
O
pecado do padre é sempre gravíssimo, em razão da injúria que ele
faz a Deus, que se dignou escolhê-lo para seu ministro e cumulá-lo
de tantas graças. Observa S. Pedro Damião que uma coisa é
transgredir as leis do príncipe, e outra feri-lo com as suas
próprias mãos, como faz o padre, quando celebra em estado de pecado
mortal. Tal foi o crime dos judeus que ousaram levantar as mãos
contra a pessoa de Jesus Cristo; mas, segundo Sto. Agostinho, o
pecado dos sacerdotes que celebram indignamente é muito mais grave
ainda.
Os
judeus não conheciam o Redentor como o conhecem os padres. E de
mais, diz Tertuliano, os judeus só uma vez levantaram as mãos
contra Jesus Cristo, ao passo que os padres sacrílegos têm a
audácia de renovar com freqüência esta injúria. Notai além
disto, como ensinam os doutores, que o sacerdote sacrílego ao
celebrar comete quatro pecados mortais: 1.º consagra em estado de
pecado; 2.º comunga em estado de pecado; 3.º administra o
Sacramento em estado de pecado; 4.º ministrando-o a si próprio,
administra-o a um indigno, isto que se encontra em estado de pecado.
Era
o que inflamava em zelo S. Jerônimo e o fazia estuar de indignação
contra o diácono Sabiniano. Miserável, exclamava! Como não se
cobriram de trevas os vossos olhos, como não se vos gelou a língua
na boca, como vos atrevestes a assistir no altar em estado de pecado?
Dizia S. João Crisóstomo que o padre, que se aproxima do altar com
a consciência manchada de falta grave, é muito pior que o demônio.
Com efeito, os demônios tremem na presença de Jesus Cristo, como o
prova uma passagem que lemos na vida de Santa Teresa. Indo ela um dia
comungar, percebeu aos dois lados do padre, que celebrava em pecado,
dois demônios, que tremiam à vista do Santíssimo, e pareciam
querer fugir. Então, do meio da hóstia consagrada, Jesus dirigiu à
Santa estas palavras: “Vê que força têm as palavras da
consagração, e vê também, ó Teresa, até onde vai a minha
bondade, que, para teu bem e de todos, consinto em me pôr nas mãos
do meu inimigo”.
Assim
os demônios tremem à vista de Jesus Cristo no Santíssimo
Sacramento, ao passo que o padre sacrílego, não só não treme, mas
tem a audácia de calcar aos pés, segundo a expressão de S. João
Crisóstomo, a própria pessoa do Filho de Deus. Verificam-se então
as palavras do Apóstolo: Quanto mais digno de castigo deveis crer
aquele que calca aos pés o Filho de Deus, e trata como uma coisa
impura o sangue da aliança, pelo qual foi santificado?. Em presença
pois deste Deus, a cuja vista, diz Jó, tremem as colunas do céu, um
verme da terra ousa calcar aos pés o sangue do Filho de Deus!
Mas,
ai! Que maior desgraça pode acontecer a um padre, do que mudar a sua
salvação em condenação, o sacrifício em sacrilégio, e a sua
vida em morte? Sem dúvida foram muito ímpios os judeus, que
atravessaram o lado de Jesus Cristo, para dele fazerem sair o seu
precioso sangue; mas ainda mais ímpio é o padre, que tira do cálice
este mesmo sangue, para o tratar dum modo tão indigno! Tal é o
pensamento de Pedro de Blois: = Quam perditus ergo est, qui
redemptionem in perditionem, qui sacrificium in sacrilegium, qui
vitam convertit in mortem! Verbum beati Heronymi est: “Perfidus
Judaeus, perfidus Christianus, ille de latere, iste de calice
sanguinem Christi fundit”! ( Epist. 123 ). O próprio Senhor dizia
um dia a Santa Brígida, lamentando-se destes padres sacrílegos:
Eles me crucificam mais cruelmente do que o fizeram os judeus. O
padre que celebra em estado de pecado, diz um autor, chega por assim
dizer a matar o próprio Filho de Deus, sob os olhos de seu Pai.
Ó,
que horrível traição! Eis como Jesus Cristo se lamenta do padre
sacrílego, pela boca de Davi: Se o meu inimigo me tivesse execrado,
tê-lo-ia sofrido; mas tu, meu amigo íntimo, e um dos chefes do meu
povo, tu que partilhavas das delícias da minha mesa...! Tal é,
feição por feição, o padre que diz a missa em pecado mortal: Se o
meu inimigo me tivesse ultrajado, diz o Senhor, eu o teria sofrido
com menor pena; mas tu, a quem escolhi para meu ministro, para seres
o príncipe do meu povo; tu, venderes-me ao demônio por um capricho,
por um prazer brutal, por um pouco de lodo!
Foi
o que o divino Mestre declarou mais particularmente a Sta. Brígida:
Padres tais não são sacerdotes meus, são antes traidores, porque
me vendem como Judas. Aos olhos de S. Bernardino de Sena, são estes
sacerdotes ainda piores que Judas: com efeito Judas entregou o
Salvador aos judeus, mas eles entregam-no aos demônios, lançando-o
num lugar submetido ao seu poder, no seio dum padre sacrílego. Pedro
Comestor faz esta reflexão: Quando o padre sacrílego sobe ao altar,
recita a oração Aufer a nobis , e beija o altar, parece que Jesus
Cristo lhe censura o seu crime e lhe diz: Ó Judas! É com um ósculo
que me entregas? E, quando depois esse padre estende a mão para
comungar, observa S. Gregório, parece-me ouvir o Redentor a dizer
como outrora a respeito de Judas: Eis comigo sobre o altar a mão que
me entrega! Foi o que fez dizer a Sto. Isidoro de Pelusa que “o
padre sacrílego se encontra, como Judas, possesso do demônio”.
Ó,
como então o sangue de Jesus Cristo, assim profanado, grita contra
este padre indigno, ainda em mais altas vozes que o sangue do
inocente Abel contra Caim! Foi o que o Salvador disse a Sta. Brígida.
Ó, que horror causa a Deus e aos anjos uma missa celebrada em pecado
mortal! Fê-lo o Senhor compreender um dia, em 1688, à sua fiel
serva, a irmã Maria Crucificada, de Palma, na Sicília, conforme se
lê na sua vida.
Ouviu
primeiro o retinir lúgubre duma trombeta, que com o estampido do
trovão fazia ouvir, em todo o mundo estas palavras: Ultio, poena,
dolor! Viu depois uma multidão de eclesiásticos sacrílegos, cujas
vozes confusas formavam uma salmódia discordante. A seguir, um
dentre eles se ergueu para dizer missa. Enquanto ele se revestia dos
ornamentos sagrados, a igreja se cobriu de trevas e luto. Aproxima-se
do altar e diz: Introibo ad altare Dei ; neste instante, de novo
retine a trombeta e repete: Ultio, poena, dolor! De repente — sinal
visível da justa cólera do Senhor contra o ministro indigno, —
turbilhões de chamas se elevam e cintilam em volta do altar. Ao
mesmo tempo a religiosa distingue uma legião de anjos, armados de
espadas ameaçadoras, como para tirarem vingança do sacrilégio que
se vai cometer.
Quando
o monstro se prepara, para o grande ato da consagração, uma
multidão de serpentes saltam do meio das chamas, para o expulsarem
do altar, — símbolo dos temores e remorsos da consciência. É em
vão, o sacrílego sacrifica todos os remorsos à sua própria
reputação. Pronuncia enfim as palavras da consagração; então a
serva de Deus observa um tremor universal, que parece abalar o céu,
a terra e o inferno.
Depois
da consagração a cena muda: Jesus Cristo aparece como um doce
cordeiro, que se deixa maltratar entre as garras desse lobo cruel. No
momento da comunhão, o céu obscurece-se, e todo se abala de novo, a
ponto de parecer que a igreja desaba. Os anjos choram amargamente em
redor do altar; mas ainda mais amargas são as lágrimas, que inundam
o rosto da Mãe de Deus; geme ela sobre a morte de seu Filho
inocente, e sobre a perda dum filho culpado.
Depois
duma visão tão terrível, permaneceu a serva de Deus de tal modo
aterrada e abatida pela dor, que não pôde fazer outra coisa senão
chorar. O autor da sua Vida nota que foi precisamente no mesmo ano de
1688 que se deu o grande terremoto, que tantos estragos fez na cidade
de Nápoles e seus contornos, donde se pode concluir que tal castigo
foi efeito da celebração desta missa sacrílega.
Haverá
no mundo crime mais horrível do que o dessa língua, que faz descer
do Céu à terra o Filho de Deus, e ousa depois carregá-lo de
ultrajes no mesmo instante em que o chama? Que coisa mais espantosa
que ver essas mãos, que se banham no sangue de Jesus Cristo,
mancharem-se ao mesmo tempo no sangue impuro do pecado, segundo a
expressão de Sto. Agostinho! Pelo menos, exclama S. Bernardo,
dirigindo-se ao padre sacrílego, pelo menos, ó miserável, quando
quiseres levar as tuas culpas até o extremo, procura outra língua
diferente da que se banha com o sangue de Jesus Cristo, e outras mãos
que não sejam as que tocam a sua carne sagrada.
Se
tais padres, — dispostos a comportar-se como inimigos de Deus, que
os elevou a tão altas funções, — se abstivessem ao menos de
sacrificar indignamente no altar! Mas não, diz S. Boaventura, para
não perderem o salário miserável duma missa, uma vil moeda, ousam
cometer um crime tão horrível. Como assim! Para falar segundo a
linguagem de Jeremias, pensais então que a carne de Jesus Cristo,
que ides oferecer, vos há de livrar das vossas iniqüidades? Não; o
contato desse corpo adorável, sobre o qual vos atreveis a estender
uma mão conspurcada pelo pecado, servira para vos tornar mais
culpado ainda e digno de maior castigo. Quando se comete um crime,
diz S. Pedro Crisólogo, na presença do próprio juiz, nenhuma
desculpa se pode invocar.
Que
castigo não merece sobretudo um padre que, em vez de levar consigo
ao altar o fogo do amor divino, intromete lá as chamas infectas de
afeições impuras! É do que nos adverte S. Pedro Damião, ao
considerar o castigo dos filhos de Aarão que no sacrifício se
serviram dum fogo estranho. Quem tiver uma tal audácia, ajunta ele,
infalivelmente será consumido pelo fogo da vingança divina. Que
Deus nos guarde pois, diz ele ainda, de virmos adorar no altar o
ídolo da impureza, e colocar o Filho da Virgem no templo de Vênus,
isto é, num coração impudíco. Se aquele homem do Evangelho,
continua o mesmo Santo, por se ter apresentado no festim sem a veste
nupcial, foi condenado às trevas eternas, — que castigo bem mais
terrível está reservado para quem, admitido à sagrada mesa, não
só não se encontra preparado com o vestido conveniente, mas até
exala o cheiro infecto da impudicícia?
Desgraçado,
exclama S. Bernardo, o que se afasta de Deus, mas muito mais
desgraçado o padre, que se aproxima do altar com a consciência
manchada. Falando um dia o Senhor a Sta. Brígida a respeito de um
padre sacrílego, disse-lhe que entrava na alma dele como Esposo, com
desejo de o santificar, mas pouco depois se via obrigado a sair como
Juiz, para castigar a injúria que lhe fazia este ministro indigno,
recebendo-o em estado de pecado mortal.
Mas,
se o horror do ultraje, ou para melhor dizer, dos numerosos ultrajes
que faz a Deus uma missa sacrílega, não pode impedir esses padres
culpados de celebrarem em estado de pecado mortal, deveriam eles ao
menos tremer com o pensamento do grande castigo, que lhes está
preparado. Segundo S. Tomás de Vilanova, não há castigo bastante
rigoroso para punir um tal crime como ele merece: = Vae sacrilegis
manibus, vae immundis pectoribus impiorum Sacerdotum! Omne supplicium
minus est fragitio quo Christus contemnitur in hoc sacrificio. O
Senhor disse a Sta. Brígida que tais padres são amaldiçoados por
todas as criaturas no Céu e na terra.
Como
noutra parte dissemos, o padre é um vaso consagrado a Deus;
portanto, assim como Baltasar foi punido por ter profanado os vasos
do Templo, do mesmo modo, diz Pedro de Blois, será punido o
sacerdote, que celebra indignamente. Já uma mão misteriosa se
prepara para traçar estas palavras terríveis: Máne, Thécel,
Farés. Numeratum, Appensum, Divisum. Numeratum , quer dizer, um só
sacrilégio basta para suspender a torrente das graças divinas;
Appensum , é bastante para fazer pender a balança da justiça
divina, e decidir a ruína eterna do padre culpado; Divisum , Deus,
irritado por um crime tão atroz, o repelirá e afastará para
sempre.
É
assim que se há de cumprir a palavra de Davi: Torne-se em ruína sua
a mesa posta diante deles. Sim, o altar há de tornar-se para este
desgraçado o lugar do seu suplício; ali será carregado com as
cadeias que hão de retê-lo para sempre escravo do demônio,
fazendo-o perseverar no mal; porque, segundo S. Lourenço Justiniano,
todos os que comungam em pecado mortal permanecem mais obstinados na
sua malícia. Isto está de acordo com o que o Apóstolo declarou: O
que come e bebe indignamente, come e bebe a sua própria condenação.
Ó padre do Senhor, exclama sobre este ponto S. Pedro Damião, vós,
que deveis oferecer em sacrifício ao Padre eterno o seu próprio
Filho, não vades primeiro dar-vos como vítima ao demônio!
Fonte: SANTO AFONSO MARIA DE LIGÓRIO - A SELVA - TRADUÇÃO de Pe. MARINHO - Porto Tipografia Fonseca 1928 - Edição PDF de Fl.Castro - 2002
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