Seja por sempre e em todas partes conhecido, adorado, bendito, amado, servido e glorificado o diviníssimo Coração de Jesus e o Imaculado Coração de Maria.

Nota do blog Salve Regina: “Nós aderimos de todo o coração e com toda a nossa alma à Roma católica, guardiã da fé católica e das tradições necessárias para a manutenção dessa fé, à Roma eterna, mestra de sabedoria e de verdade. Pelo contrário, negamo-nos e sempre nos temos negado a seguir a Roma de tendência neomodernista e neoprotestante que se manifestou claramente no Concílio Vaticano II, e depois do Concílio em todas as reformas que dele surgiram.” Mons. Marcel Lefebvre

Pax Domini sit semper tecum

Item 4º do Juramento Anti-modernista São PIO X: "Eu sinceramente mantenho que a Doutrina da Fé nos foi trazida desde os Apóstolos pelos Padres ortodoxos com exatamente o mesmo significado e sempre com o mesmo propósito. Assim sendo, eu rejeito inteiramente a falsa representação herética de que os dogmas evoluem e se modificam de um significado para outro diferente do que a Igreja antes manteve. Condeno também todo erro segundo o qual, no lugar do divino Depósito que foi confiado à esposa de Cristo para que ela o guardasse, há apenas uma invenção filosófica ou produto de consciência humana que foi gradualmente desenvolvida pelo esforço humano e continuará a se desenvolver indefinidamente" - JURAMENTO ANTI-MODERNISTA

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Eu conservo a MISSA TRADICIONAL, aquela que foi codificada, não fabricada, por São Pio V no século XVI, conforme um costume multissecular. Eu recuso, portanto, o ORDO MISSAE de Paulo VI”. - Declaração do Pe. Camel.

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Ao negar a celebração da Missa Tradicional ou ao obstruir e a discriminar, comportam-se como um administrador infiel e caprichoso que, contrariamente às instruções do pai da casa - tem a despensa trancada ou como uma madrasta má que dá às crianças uma dose deficiente. É possível que esses clérigos tenham medo do grande poder da verdade que irradia da celebração da Missa Tradicional. Pode comparar-se a Missa Tradicional a um leão: soltem-no e ele defender-se-á sozinho”. - D. Athanasius Schneider

"Os inimigos declarados de Deus e da Igreja devem ser difamados tanto quanto se possa (desde que não se falte à verdade), sendo obra de caridade gritar: Eis o lobo!, quando está entre o rebanho, ou em qualquer lugar onde seja encontrado".- São Francisco de Sales

“E eu lhes digo que o protestantismo não é cristianismo puro, nem cristianismo de espécie alguma; é pseudocristianismo, um cristianismo falso. Nem sequer tem os protestantes direito de se chamarem cristãos”. - Padre Amando Adriano Lochu

"MALDITOS os cristãos que suportam sem indignação que seu adorável SALVADOR seja posto lado a lado com Buda e Maomé em não sei que panteão de falsos deuses". - Padre Emmanuel

“O conteúdo das publicações são de inteira responsabilidade de seus autores indicados nas matérias ou nas citações das referidas fontes de origem, não significando, pelos administradores do blog, a inteira adesão das ideias expressas.”

24/09/2012

PAPA SÃO PIO X - OS ERROS DO SILLON - Carta Apostólica NOTRE CHARGE APOSTOLIQUE


Carta Apostólica
NOTRE CHARGE APOSTOLIQUE
sobre os erros do Sillon

Introdução
1. Nosso encargo apostólico Nos impõe o dever de vigiar sobre a pureza da fé e a integridade da disciplina católica, de preservar os fiéis dos perigos do erro e do mal, sobretudo quando o erro e o mal lhes são apresentados numa linguagem atraente, que, encobrindo o vago das ideias e o equívoco das expressões sob o ardor do sentimento e a sonoridade das palavras, pode inflamar os corações por causas sedutoras mas funestas. Tais foram, outrora, as doutrinas dos pretensos filósofos do século XVIII, as da Revolução e as do Liberalismo, tantas vezes condenadas; tais são ainda hoje as teorias do Sillon, que, sob aparências brilhantes e generosas, muitas vezes carecem de clareza, de lógica e de verdade, e, por este aspecto, não exprimem o gênio católico e francês.

Ao "Sillon" não faltavam relevantes qualidades
2. Durante muito tempo hesitamos, Veneráveis Irmãos, em dizer pública e solenemente Nosso pensamento sobre o Sillon. Foi necessário que vossas preocupações se viessem somar às Nossas para que Nos decidíssemos a fazê-lo. Porque amamos a valente juventude alistada sob a bandeira do Sillon, e a julgamos digna, por muitos aspectos, de elogio e de admiração. Amamos seus chefes, em que Nos é grato reconhecer almas elevadas, superiores às paixões vulgares e animadas do mais nobre entusiasmo pelo bem. Vós os vistes, Veneráveis Irmãos, penetrados de um sentimento muito vivo de fraternidade humana, ir ao encontro daqueles que trabalham e sofrem para os levantar, animados no seu devotamento pelo amor a Jesus Cristo e pela prática exemplar da religião.
3. Foi nos dias seguintes à memorável Encíclica de Nosso predecessor, de feliz memória, Leão XIII, sobre a condição dos operários. A Igreja, pela boca de seu Chefe supremo, havia derramado sobre os humildes e os pequenos todas as ternuras do seu coração materno, e parecia convocar, por seus anelos, campeões sempre mais numerosos da restauração da ordem e da justiça em nossa sociedade perturbada. Os fundadores do Sillon não vinham, no momento oportuno, colocar a seu serviço esquadrões jovens e crentes para a realização de seus desejos e de suas esperanças? E, de fato, o Sillon levantou, entre as classes operárias, o estandarte de Jesus Cristo, o sinal da salvação para os indivíduos e as nações, alimentando sua atividade social nas fontes da graça, impondo o respeito da religião nos ambientes menos favoráveis, habituando os ignorantes e os ímpios a ouvir falar de Deus, e, muitas vezes, em conferências contraditórias, em face de um auditório hostil, levantando-se, espiaçados por uma questão ou por um sarcasmo, para proclamar alta e briosamente a sua fé. Eram os bons tempos do Sillon; era o seu lado bom, que explica os encorajamentos e as aprovações que não lhe regatearam o episcopado e a Santa Sé, enquanto este fervor religioso pode encobrir o verdadeiro caráter do movimento sillonista.

Mas era ainda maior a gravidade de seus defeitos
4. Porque, é necessário dizê-lo, Veneráveis Irmãos, nossas esperanças, em grande parte, foram ludibriadas. Houve um dia em que o Sillon começou a manifestar, para olhares clarividentes, tendências inquietantes. O Sillon se desorientava. Podia ser de outra forma? Seus fundadores, jovens, entusiastas e cheios de confiança em si mesmos, não estavam suficientemente armados de ciência histórica, de sã filosofia e de forte teologia para afrontar, sem perigo, os difíceis problemas sociais, para os quais tinham sido arrastados por sua atividade e por seu coração, e para se premunir, no terreno da doutrina e da obediência, contra as infiltrações liberais e protestantes.

Que forçaram o Papa a condená-lo
5. Os conselhos não lhes faltaram, e, após os conselhos, vieram as admoestações. Mas tivemos a dor de ver que tanto uns como outras deslizavam sobre suas almas fugitivas, e ficavam sem resultado. As coisas vieram assim a tal ponto que Nós trairíamos Nosso dever, se, por mais tempo, guardássemos silêncio. Devemos a verdade a nossos caros filhos do Sillon, que um ardor generoso arrebatou para um caminho tão falso quanto perigoso. Devemo-la a um grande número de seminaristas e de padres que o Sillon subtraiu, senão à autoridade, pelo menos à direção e à influência de seus Bispos. Devemo-la, enfim, à Igreja, onde o Sillon semeia a divisão, e cujos interesses compromete.

I. ERROS DO SILLON

O "Sillon" procura furtar-se à Autoridade da Igreja
6. Em primeiro lugar, convém censurar severamente a pretensão do Sillon de escapar à direção da Autoridade Eclesiástica. Os chefes do Sillon, com efeito, alegam que se movem num terreno que não é o da Igreja; que só têm em vista interesses de ordem temporal e não de ordem espiritual; que o sillonista é simplesmente um católico dedicado à causa das classes trabalhadoras, às obras democráticas, e que haure nas práticas de sua fé a energia de seu devotamento; que nem mais nem menos que os artífices, os trabalhadores, os economistas e os políticos católicos, ele se acha submetido às regras de moral comuns a todos, sem estar subordinado, nem mais nem menos do que aqueles, de uma forma especial à autoridade eclesiástica.
7. A resposta a estes subterfúgios não é senão demasiado fácil. A quem se fará crer, com efeito, que os sillonistas católico, que os padres e os seminaristas alistados em suas fileiras só têm em vista, em sua atividade social, o interesse temporal das classes trabalhadoras? Sustentar tal coisa, pensamos, seria fazer-lhes injúria. A verdade é que os chefes do Sillon se proclamam idealistas irredutíveis, que pretendem reerguer as classes operárias, reerguendo, antes de mais nada, a consciência humana; que têm uma doutrina social e princípios filosóficos e religiosos para reconstruir a sociedade sobre um novo plano; que têm uma concepção especial sobre a dignidade humana, a liberdade, a justiça e a fraternidade, e que, para justificar seus sonhos sociais, apelam para o Evangelho, interpretando à sua maneira, e, o que é ainda mais grave, para um Cristo desfigurado e diminuído. Além disso, estas idéias eles as ensinam em seus círculos de estudo, eles as inculcam a seus companheiros, eles as fazem penetrar em suas obras. São, pois, verdadeiramente, professores de moral social, cívica e religiosa, e, quaisquer que sejam as modificações que possam introduzir na organização do movimento sillonista, temos o direito de dizer que a finalidade do Sillon, seu caráter, sua ação pertencem ao domínio moral, que é o domínio próprio da Igreja, e que, em conseqüência, os sillonistas se iludem quando crêem mover-se num terreno em cujos confins expiram os direitos do poder doutrinário e diretivo da Autoridade Eclesiástica.
8. Se suas doutrinas fossem isentas de erro, já teria sido uma falta muito grave à disciplina católica o subtrair-se obstinadamente à direção daqueles que receberam do céu a missão de guiar os indivíduos e as sociedades no reto caminho da verdade e do bem. Mas o mal é mais profundo, já o dissemos: o Sillon, arrastado por um mal compreendido amor dos fracos, descambou para o erro.

As tendências igualitárias do "Sillon"
9. Com efeito, o Sillon se propõe o reerguimento e a regeneração das classes operárias. Ora, sobre esta matéria os princípios da doutrina católica são fixos, e a história da civilização cristã aí está para atestar sua fecundidade benfazeja. Nosso Predecessor, de feliz memória, recordou-os em páginas magistrais, que os católicos ocupados em questões sociais devem estudar e ter sempre sob os olhos. Ensinou, de modo especial, que a democracia cristã deve "manter a diversidade das classes, que é seguramente o próprio da cidade bem constituída, e querer para a sociedade humana a forma e o caráter de Deus, seu autor, lhe imprimiu". Censurou "uma certa democracia que vai até aquele grau de perversidade de atribuir, na sociedade, a soberania ao povo e de pretender a supressão e o nivelamento das classes". Ao mesmo tempo, Leão XIII impunha aos católicos um programa de ação, o único programa capaz de recolocar e de manter a sociedade sobre suas bases cristãs seculares. Ora, que fizeram os chefes do Sillon? Não somente adotaram um programa e um ensinamento diferentes dos de Leão XIII (o que já seria singularmente audacioso da parte de leigos, que se colocam, assim, em concorrência com o Soberano Pontífice, como diretores da atividade social da Igreja); mas rejeitaram abertamente o programa traçado por Leão XIII, e adotaram um outro, que lhe é diametralmente oposto; além disso, rejeitam a doutrina relembrada por Leão XIII sobre os princípios essenciais da sociedade, colocam a autoridade no povo ou quase a suprimem, e toma, como ideal por realizar, o nivelamento das classes. Caminham, pois, ao revés da doutrina católica, para um ideal condenado.
10. Bem sabemos que se gabam de reerguer a dignidade humana e a condição demasiado desprezada das classes trabalhadoras, de tornar justas e perfeitas as leis do trabalho e as relações entre capital e os assalariados, enfim, de fazer reinar sobre a terra uma justiça melhor, e mais caridade, e de, por movimentos sociais profundos e fecundos, promover na humanidade um progresso inesperado. E, certamente, não condenamos estes esforços, que seriam excelentes, sob todos os aspectos, se os sillonistas não esquecessem que o progresso de um ser consiste em fortificar suas faculdades naturais por novas energias e facilitar o jogo de sua atividade no quadro e de acordo com as leis de sua constituição; e que, pelo contrário, ferindo seus órgãos essenciais, quebrando o quadro de suas atividades, impele-se o ser não para o progresso, mas para a morte. Entretanto, é isto que eles querem fazer com a sociedade humana; seu sonho consiste em trocar-lhe as bases naturais e tradicionais e prometer uma cidade futura edificada sobre outros princípios, que ousam declarar mais fecundos, mais benfazejos do que os princípios sobre os quais repousa a atual cidade cristã.
11. Não, Veneráveis Irmãos – e é preciso lembrá-lo energicamente nestes tempos de anarquia social e intelectual, - a cidade não será contruída de outra forma senão aquela pela qual Deus a construiu; a sociedade não será edificada se a Igreja não lhe lançar as bases e não dirigir os trabalhos; não, a civilização não mais está para ser inventada nem a cidade nova para ser construída nas nuvens. Ela existiu, ela existe; é a civilização cristã, é a cidade católica. Trata-se apenas de instaurá-la e restaurá-la sem cessar sobre seus fundamentos naturais e divinos contra os ataques sempre renascentes da utopia malsã, da revolta e da impiedade: omnia instaurare in Christo. E para que não Nos acusem de julgar muito sumariamente e com rigor não justificado as teorias sociais do Sillon, queremos rememorar-lhe os pontos essenciais.

As doutrinas subversivas e revolucionárias do "Sillon"
12. O Sillon tem a nobre preocupação da dignidade humana. Mas esta dignidade é compreendida ao modo de certos filósofos, que a Igreja está longe de poder aprovar. O primeiro elemento desta dignidade é a liberdade, entendida neste sentido que, salvo em matéria de religião, cada homem é autônomo. Deste princípio fundamental tira as seguintes conclusões: Hoje em dia, o povo está sob tutela, debaixo de uma autoridade que é distinta dele, e da qual se deve libertar: emancipação política. Está sob a dependência de patrões que, detendo seus instrumentos de trabalho, o exploram, o oprimem e o rebaixam; deve sacudir seu jugo: emancipação econômica. Enfim, é dominado por uma casta chamada dirigente, à qual o desenvolvimento intelectual assegura uma preponderância indevida na direção dos negócios; deve subtrair-se à sua dominação: emancipação intelectual. O nivelamento das condições, deste tríplice ponto de vista, estabelecerá entre os homens a igualdade, e esta igualdade é a verdadeira justiça humana. Uma organização política e social fundada sobre esta dupla base, liberdade e igualdade (às quais logo virá acrescentar-se a fraternidade), eis o que eles chamam Democracia.
13. No entanto, a liberdade e a igualdade não constituem senão o lado, por assim dizer, negativo. O que faz, própria e positivamente, a Democracia é a participação maior possível de cada um no governo da coisa pública. E isto compreende um tríplice elemento, político, econômico e moral.
14. Em primeiro lugar, em política, o Sillon não abole a autoridade; pelo contrário, considera-a necessária; mas a quer partilhar, ou para melhor dizer, a quer multiplicar de tal modo que cada cidadão se tornará uma espécie de rei. A autoridade, é certo, emana de Deus, mas reside primordialmente no povo e daí deriva por via de eleição ou, melhor, ainda, de seleção, sem por isto deixar o povo e se tornar independente dele; ela será exterior, mas somente na aparência; na realidade, ela será interior, porque será uma autoridade consentida.
15. Guardadas as proporções, acontecerá o mesmo na ordemeconômica. Subtraído a uma classe particular, o patronato será multiplicado de tal modo que cada operário se tornará uma espécie de patrão. A forma invocada para realizar este ideal econômico não é, afirma-se, a do socialismo, é um sistema de cooperativa suficientemente multiplicadas para provocar uma concorrência fecunda e para salvaguardar a independência dos operários, que não ficariam adstritos a nenhuma delas.
16. Eis agora o elemento capital, o elemento moral. Como a autoridade, já se viu, é muito reduzida, é necessária uma outra força para completá-la e opor uma reação permanente ao egoísmo individual. Este novo princípio, esta força, é o amor do interesse profissional e do interesse público, quer dizer, da finalidade mesma da profissão e da sociedade. Imaginai uma sociedade onde, na alma de cada um, com o amor inato do bem individual e do bem familiar, reinasse o amor do bem profissional e do bem público, onde, na consciência de cada um, estes amores, se subordinassem de tal modo, que o bem superior dominasse sempre o bem inferior; uma sociedade não poderia quase dispensar a autoridade e não ofereceria o ideal da dignidade humana, cada cidadão tendo uma alma de rei, cada operário uma alma de patrão? Arrancado à estreiteza de seus interesses privados e elevado até os interesses de sua profissão e, mais alto, até os da nação inteira e, mais alto, até os da humanidade (porque o horizonte do Sillon não se detém nas fronteiras da pátria, mas se estende a todos os homens até os confins do mundo), o coração humano, alargado pelo amor do bem comum, abraçaria todos os companheiros da mesma profissão, todos os compatriotas, todos os homens. E eis aí a grandeza e a nobreza humana ideal, realizada pela célebre trilogia: Liberdade, Igualdade, Fraternidade.
17. Ora, estes três elementos, político, econômico e moral, estão subordinados um a outro, e é o elemento moral, como dissemos, que é o principal. Com efeito, nenhuma democracia política é viável se não tem profundos pontos de contato com a democracia econômica. Por sua vez, nem uma nem outra são possíveis se não se radicam num estado de espírito em que a consciência se acha investida de responsabilidades e de energias morais proporcionadas. Mas, supondo este estado de espírito, assim feito de responsabilidade consciente e de forças morais, a democracia econômica daí decorrerá naturalmente por tradução em atos, desta consciência e destas energias; e, igualmente, e pela mesma via, do regime corporativo sairá a democracia política e econômica, esta trazendo aquela, se acharão fixadas na própria consciência do povo sobre bases inabaláveis.
18. Tal é, em resumo, a teoria, poder-se-ia dizer o sonho, do Sillon, e é para isto que tende seu ensinamento e aquilo que chama a educação democrática do povo, quer dizer, levar ao máximo a consciência e a responsabilidade cívicas de cada qual, donde decorrerá a democracia econômica e política, e o reino da justiça, da liberdade, da igualdade e da fraternidade.
19. Esta rápida exposição, Veneráveis Irmãos, já vos mostra claramente quanto tínhamos razão em dizer que o Sillon opõe doutrina a doutrina, que edifica sua cidade sobre uma teoria contrária à verdade católica e que falseia as noções essenciais e fundamentais que regulam as relações sociais em toda a sociedade humana. Esta oposição aparecerá com maior clareza ainda nas seguintes considerações.

II. REFUTAÇÃO DOS ERROS

Sobre a autoridade, a liberdade e a obediência
20. O Sillon coloca a autoridade pública primordialmente no povo, do qual deriva em seguida aos governantes, de tal modo, entretanto, que continua a residir nele. Ora, Leão XIII condenou formalmente esta doutrina em sua encíclica Diuturnum Illud (DP 12) sobre o Principado Político, onde diz: "Grande número de modernos seguindo as pegadas daqueles que, no século passado, se deram o nome de filósofos, declaram que todo o poder vem do povo; que em conseqüência aqueles que exercem o poder na sociedade não a exercem como sua própria autoridade, mas como uma autoridade a eles delegada pelo povo e sob a condição de poder ser revogada pela vontade do povo, de quem eles a têm. Inteiramente contrário é o pensamento dos católicos, que fazem derivar de Deus o direito de mandar, como de seu princípio natural e necessário". Sem dúvida, o Sillon faz descer de Deus esta autoridade, que coloca em primeiro lugar no povo, mas de tal forma que "sobe de baixo para ir ao alto, enquanto na organização da Igreja, o poder desce do alto para ir até em baixo" (Marc Sangnier, discurso de Rouen, 1907). Mas, além de ser anormal que a delegação suba, pois é próprio à sua natureza descer, Leão XIII refutou de antemão esta tentativa de conciliação entre a doutrina católica e o erro do filosofismo. Pois prossegue: "É necessário observá-lo daqui: aqueles que presidem ao governo da coisa pública podem bem, em certos casos, ser eleitos pela vontade e o julgamento da multidão, sem repugnância nem oposição com a doutrina católica. Mas, se esta escolha designa o governante, não lhe confere a autoridade de governar, não lhe delega o poder, apenas designa a pessoa que dele será investido".
21. De resto, se o povo continua a ser o detentor do poder, que vem a ser da autoridade? Uma sombra, um mito; não há mais lei propriamente dita, não há mais obediência. O Sillon o reconheceu; desde que, com efeito, reclama, em nome da dignidade humana, a tríplice emancipação política, econômica e intelectual, a cidade futura, para a qual trabalha, não mais terá mestres nem servidores; os cidadãos aí serão todos livres, todos camaradas, todos reis. Uma ordem, um preceito, seria um atentado à liberdade; a subordinação a uma qualquer superioridade seria uma diminuição do homem, a obediência, uma degradação. É assim, Veneráveis Irmãos, que a doutrina tradicional da Igreja nos representa as relações sociais, mesmo na cidade mais perfeita possível? Não é verdade que toda sociedade de criaturas dependentes e desiguais por natureza tem necessidade de uma autoridade que dirija sua atividade para o bem comum e imponha sua lei? E se, na sociedade, se encontram seres perversos (e sempre os haverá), a autoridade não deverá ser tanto mais forte quanto o egoísmo dos maus for mais ameaçador? Além disso, pode-se dizer, com uma aparência de razão sequer, que haja incompatibilidade entre a autoridade e a liberdade, sem que se cometa um erro grosseiro sobre o conceito da liberdade? Pode-se ensinar que a obediência é contrária à dignidade humana e o ideal seria substituí-la pela "autoridade consentida"? Será que o apóstolo S. Paulo não tinha em vista a sociedade humana, em todas as suas etapas possíveis, quando prescrevia aos fiéis a submissão a toda autoridade? Será verdade que a obediência aos homens, enquanto representantes legítimos de Deus, quer dizer afinal de contas a obediência a Deus, rebaixa o homem e o avilta abaixo de si mesmo? Será que o estado religioso, fundado sobre a obediência, é contrário ao ideal da natureza humana? Será que os santos, que foram os mais obedientes dos homens, foram escravos e degenerados? Enfim, poder-se-ia imaginar um estado em que Jesus Cristo, de novo sobre a terra, não mais desse o exemplo de obediência e não mais dissesse: Dai a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus?

Sobre a justiça e a igualdade
22. O Sillon, que ensina semelhantes doutrinas e as põe em prática em sua vida interna, semeia portanto entre a vossa juventude católica noções erradas e funestas sobre a autoridade, a liberdade e a obediência. Outra coisa não acontece quanto à justiça e à igualdade. Trabalha, como afirma, para realizar uma era de melhor justiça. Assim, para ele, toda desigualdade de condição é uma injustiça ou, pelo menos, uma justiça menor! Princípio soberanamente contrário à natureza das coisas, gerador de inveja e de injustiça, subversivo de toda a ordem social. Assim, só na democracia inaugurará o reino da perfeita justiça! Não é isto uma injúria às outras formas de governo que são rebaixadas, por este modo, à categoria de governos impotentes, apenas toleráveis! De resto o Sillon, ainda sobre este ponto, vai de encontro ao ensinamento de Leão XIII. Poderia Ter lido na Encíclica já citada sobre o Principado Político que, "salvaguardada a justiça, aos povos não é interdito escolher o governo que melhor responda a seu caráter ou às instituições e costumes que receberam dos antepassados", e a Encíclica faz alusão à tríplice forma de governo bem conhecida. Supõe, portanto, que a justiça é comparável com cada uma delas. E a Encíclica sobre a condição dos operários não afirma claramente a possibilidade de restaurar-se a justiça nas organizações atuais da sociedade, pois que indica os meios para isso? Ora, sem dúvida alguma, Leão XIII queria falar não de uma justiça qualquer, mas da justiça perfeita. Ensinando, pois, que a justiça é compatível com as três formas de governo em questão, ensinava que, sob este aspecto, a Democracia não goza de um privilégio especial. Os "sillonistas", que pretendem o contrário, ou recusam ouvir a Igreja ou têm da justiça e da igualdade um conceito que não é católico.

Sobre a fraternidade
23. O mesmo acontece com a noção da fraternidade, cuja base colocam no amor dos interesses comuns, ou, além de todas as filosofias e de todas as religiões, na simples noção de humanidade, englobando assim no mesmo amor e numa igual tolerância todos os homens com todas as suas misérias, tanto as intelectuais e morais como as físicas e temporais. Ora, a doutrina católica nos ensina que o primeiro dever da caridade não está na tolerância das convicções errôneas, por sinceras que sejam , nem da indiferença teórica e prática pelo erro ou o vício, em que vemos mergulhados nossos irmãos, mas no zelo pela sua restauração intelectual e moral, não menos que por seu bem-estar material. Esta mesma doutrina católica nos ensina também que a fonte do amor do próximo se acha no amor de Deus, Pai comum e fim comum de toda a família humana, no amor de Jesus Cristo, do qual somos membros a tal ponto que consolar um infeliz é fazer o bem ao próprio Jesus Cristo. Qualquer outro amor é ilusão ou sentimento estéril e passageiro. Certamente, a experiência humana aí está, nas sociedades pagãs iy leigas de todos os tempos, para provar que, em certos momentos, a consideração dos interesses comuns ou da semelhança de natureza pesa muito pouco diante das paixões e concupiscências do coração. Não, Veneráveis Irmãos, não existe verdadeira fraternidade fora da caridade cristã, que, pelo amor de Deus e de seu Filho Jesus Cristo nosso Salvador, abrange todos os homens, para consolar todos, e para os conduzir todos à mesma fé e à mesma felicidade do céu. Separando a fraternidade da caridade cristã assim entendida, a democracia, longe de ser um progresso, constituiria um desastroso recuo para a civilização. Porque, se se chegar, e Nós o desejamos de toda a nossa alma, à maior soma possível de bem-estar para a sociedade e para cada um de seus membros pela fraternidade, ou, como se diz ainda, pela soliedaridade universal, é necessária a união dos espíritos na verdade, a união das vontades na moral, a união dos corações no amor de Deus e de seu filho Jesus Cristo. Ora, esta união só poderá ser realizada pela caridade católica, que é a única, por conseqüência, que pode conduzir os povos no caminho do progresso, para o ideal da civilização.

Sobre a dignidade humana
24. Enfim, na base de todas as falsificações das noções sociais fundamentais, o Sillon coloca uma falsa idéia da dignidade humana. Segundo ele, o homem só será verdadeiramente homem, digno desse nome, no dia em que adquirir uma consciência esclarecida, forte, independente, autônoma, podendo dispensar os mestres, só obedecendo a si própria, e capaz de assumir e desempenhar, sem falhas, as mais graves responsabilidades. Eis algumas destas grandes palavras com as quais se exalta o sentimento do orgulho humano; tal como um sonho, que arrasta o homem, sem luz, sem guia e sem auxílio, pelo caminho da ilusão, em que, esperando o grande dia da plena consciência, será devorado pelo erro e pelas paixões. E este grande dia, quando virá? A menos que se mude a natureza humana (o que não está no poder do Sillon), virá ele alguma vez? Será que os santos, que levaram ao apogeu a dignidade humana, tiveram esta dignidade? E os humildes da terra, que não podem subir tão alto e se contentam com traçar modestamente seu sulco (tracer modestement son sillon) na classe social que lhes designou a Providência, cumprindo energicamente seus deveres na humildade, na obediência e na paciência cristãs, não seriam eles dignos do nome de homens, aos quais o Senhor há de tirar um dia de sua condição obscura para colocar no céu, entre os príncipes de seu povo?
Suspendemos aqui nossas reflexões sobre os erros do Sillon. Não pretendemos esgotar o assunto, pois que ainda poderíamos chamar vossa atenção sobre outros pontos igualmente falsos e perigosos, por exemplo, sobre a maneira de compreender o poder coercitivo da Igreja. Importa, contudo, examinar agora a influência destes erros sobre a conduta prática do Sillon e sobre a sua ação social.

III. CONDUTA PRÁTICA DO SILLON E SUA AÇÃO SOCIAL

A estrutura igualitária da organização do "Sillon"
25. As doutrinas do Sillon não ficam apenas nos domínios da abstração filosófica. Elas são ensinadas à juventude católica, e, bem mais do que isso, procurasse vivê-las. O Sillon se considera como o núcleo da cidade futura; reflete-a, pois, tão fielmente quanto possível. Com efeito, não existe hierarquia no Sillon. A elite que o dirige separa-se da massa por seleção, quer dizer, impondo-se por sua autoridade moral e por suas virtudes. Nele se entra livremente, como livremente dele se sai. Os estudos aí se fazem sem mestre, quando muito com um conselheiro. Os círculos de estudos são verdadeiras cooperativas intelectuais, onde cada um é ao mesmo tempo aluno e mestre. A camaradagem mais absoluta reina entre os membros, e põe em total contato suas almas: daí a alma comum do Sillon. Definiram-na "uma amizade". Mesmo o padre, quando nele ingressa, abaixa a eminente dignidade de seu sacerdócio e, pela mais estranha inversão de papéis, se faz aluno, se põe no nível de seus jovens amigos e não é mais do que um camarada.

O espírito anárquico que incute
26. Nestes hábitos democráticos, e nas doutrinas sobre a cidade ideal que os inspiram, reconhecereis, Veneráveis Irmãos, a causa secreta das faltas disciplinares que, tantas vezes, tiverdes de recriminar ao Sillon. Não é de espantar que não tenhais encontrado nos chefes e nos seus companheiros assim formados, fossem seminaristas ou padres, o respeito, a docilidade e a obediência que são devidos às vossas pessoas e à vossa autoridade; que tenhais experimentado da parte deles uma surda oposição, e que tenhais tido o pesar de os ver subtrair-se totalmente, ou, quando a isto forçados pela obediência, entregar-se com desgosto às obras não sillonistas. Vós sois o passado, eles são os pioneiros da civilização futura. Vós representais a hierarquia, as desigualdades sociais, a autoridade e a obediência: instituições envelhecidas, ante as quais suas almas, embevecidas por um outro ideal, não mais se podem dobrar. Temos sobre este estado de espírito o testemunho de fatos dolorosos, capazes de arrancar lágrimas, e não podemos, apesar de nossa longanimidade, reprimir um justo sentimento de indignação. Pois há quem inspire à vossa juventude católica a desconfiança para com a Igreja sua mãe; ensina-se-lhe que, decorridos 19 séculos, ela ainda não conseguiu no mundo constituir a sociedade sobre suas verdadeiras bases; que ela não compreendeu as noções sociais da autoridade, da liberdade, da igualdade, da fraternidade e da dignidade humana; que os grandes bispos e os grandes monarcas, que criaram e tão gloriosamente governaram a França, não souberam dar ao seu povo nem a verdadeira justiça, nem a verdadeira felicidade, porque eles não tinham o ideal do Sillon!
O sopro da Revolução passou por aí, e podemos concluir que, se as doutrinas sociais do Sillon são erradas, seu espírito é perigoso e sua educação funesta.

O "Sillon" é de uma intolerância odiosa
27. Mas então, que devemos pensar de sua ação na Igreja, se seu catolicismo é tão melindroso que, por mais um pouco, quem não abraçasse a sua causa seria a seus olhos um inimigo interior do catolicismo, e nada teria compreendido do Evangelho e de Jesus Cristo? Julgamos conveniente insistir sobre esta questão, porque foi precisamente seu ardor católico que valeu ao Sillon, até estes últimos tempos, preciosos encorajamentos e ilustres sufrágios. Pois bem! Perante as palavras e os fatos, somos obrigados a dizer que, em sua ação como em sua doutrina, o Sillon não dá satisfação à Igreja.
28. Em primeiro lugar, seu catolicismo só se acomoda com a forma democrática de governo, que julga ser a mais favorável à Igreja, e como que se confundindo com ela; portanto, entenda sua religião a um partido político, Não precisamos demonstrar que o advento da democracia universal não tem importância para a ação da Igreja no mundo; já temos lembrado que a Igreja sempre deixou às nações o cuidado de se dar o governo que consideram mais vantajoso para seus interesses. O que Nós queremos afirmar ainda uma vez após nosso predecessor, é que há erro e perigo em enfeudar, por princípio, o catolicismo a uma forma de governo; erro e perigo que são tanto maiores quando se sintetiza a religião com um gênero de democracia cujas doutrinas são erradas. Ora, é o caso do Sillon, o qual, de fato, e em favor de uma forma política especial, comprometendo a Igreja, divide os católicos, arranca a juventude e mesmo padres e seminaristas à ação simplesmente católica, e esbanja, em pura perda, as forças vivas de uma parte da nação.

Exceto quando se trata dos princípios da Igreja
29. E reparai, Veneráveis Irmãos, numa estranha contradição. É precisamente porque a religião deve dominar todos os partidos, é invocando este princípio que o Sillon se abstém de defender a Igreja atacada. Certamente não foi a Igreja que desceu à arena política; arrastaram-na para aí, e para a mutilar, e para a despojar. O dever de todo o católico não consiste, então, em usar das armas políticas, que tem à mão, para defendê-la e também para forçar a política a ficar em seu domínio e a não se ocupar da Igreja, a não ser para lhe dar o que é devido? Pois bem! Em face da Igreja assim violentada, muitas vezes se tem a dor de ver os sillonistas cruzar os braços, a não ser que eles achem vantajoso defendê-la; vemo-los ditar ou sustentar um programa que em nenhum lugar nem no menor grau revela o espírito católico. O que não impede que estes mesmos homens, em plena luta política, sob o golpe de uma provocação, façam pública ostentação de sua fé. Isto que quer dizer senão que há dois homens nos sillonistas: o indivíduo que é católico; o sillonista, homem de ação, que é neutro.

Um dos graves erros do "Sillon" é o interconfessionalismo.
30. Houve um tempo em que o Sillon, como tal, era formalmente católico. Em matéria de força moral, só conhecia uma, a força católica, e ia proclamando que a democracia havia de ser católica, ou não seria democracia. Em dado momento, entretanto, mudou de parecer. Deixou a cada um em sua religião ou sua filosofia. Ele próprio deixou de se qualificar de "católico", e a fórmula "A democracia há de ser católica" substitui-a por esta "A democracia não há de ser anticatólica", tanto quanto, aliás, antijudaica ou antibudista. Foi a época do "maior Sillon". Todos os operários de todas as religiões e de todas as seitas foram convocados para a construção da cidade futura. Outra coisa não se lhes pediu a não ser que abraçassem o mesmo ideal social, que respeitassem todas as crenças e que trouxessem um saldo das forças morais. Certamente, proclamava-se, "os chefes do Sillon põem sua fé religiosa acima de tudo. Mas podem recusar aos outros o direito de hauri-la na fé católica. Pedem, pois, a todos aqueles que querem transformar a sociedade presente no sentido da democracia, que não se repilam mutuamente por causa de convicções filosóficas ou religiosas que os possam separar mas que marchem de mãos dadas, não renunciando a suas convicções, mas experimentando fazer, sobre o terreno das realidades práticas, a prova da excelência de suas convicções pessoais. Talvez que neste terreno de emulação entre almas ligadas a diferentes convicções religiosas ou filosóficas a união se possa realizar" (Marc Sangnier, Discurso de Rouen, 1907). E ao mesmo tempo se declarou (de que modo isto se poderia realizar?) que o pequeno Sillon católico seria a alma do grande Sillon cosmopolita.
31. Recentemente, desapareceu o nome do grande "maior Sillon", e houve a intervenção de uma nova organização que em nada modificou, bem pelo contrário, o espírito e o fundo das coisas "para por ordem no trabalho, e organizar as diversas formas de atividade. O Sillon continua sempre a ser uma alma, um espírito, que se misturará aos grupos e inspirará sua atividade". E a todos os novos agrupamentos, tornados autônomos na aparência: católicos, protestantes, livres-pensadores, se pede que se ponham a trabalhar. "Os camaradas católicos se esforçarão entre si próprios, numa organização especial, por se instruir e se educar. Os democratas protestantes e livres-pensadores farão o mesmo de seu lado. Todos, católicos, protestantes e livres-pensadores terão em mira armar a juventude não para uma luta fratricida, mas para uma generosa emulação no terreno das virtudes sociais e cívicas" (Marc Sangnier, Paris, Maio de 1910).
32. Estas declarações e esta nova organização da ação sillonista provocam bem graves reflexões. Eis uma associação interconfessional, fundada por católicos, para trabalhar na reforma da civilização moral sem a verdadeira religião: é uma verdade demonstrada, é um fato histórico. E os novos sillonistas não poderão pretextar que só trabalharão "no terreno das realidades práticas" onde a diversidade das crenças não importa. Seu chefe tão bem percebe esta influência das convicções do espírito sobre o resultado da ação, que os convida, qualquer que seja a religião a que pertençam, a "fazer no terreno das realidades práticas a prova da excelência de suas convicções pessoais". E com razão, porque as realizações práticas revestem o caráter das convicções religiosas, como os membros de um corpo, até as últimas extremidades, recebem sua forma do princípio vital que o anima.
33. Isto posto, que se deve pensar da promiscuidade em que se acharão agrupados os jovens católicos com heterodoxos e incrédulos de todas as espécies, numa obra desta natureza? Esta não será mil vezes mais perigosa para eles do que uma associação neutra? Que se deve pensar deste apelo a todos os heterodoxos e a todos os incrédulos para virem provar a excelência de suas convicções no terreno social, numa espécie de concurso apologético, como se este concurso já não durasse há 19 séculos, em condições menos perigosas para a fé dos fiéis e sempre favorável à Igreja Católica? Que se deve pensar deste respeito a todos os erros e deste estranho convite, feito por um católico a todos os dissidentes, fortificarem suas convicções pelo estudo e delas fazer as fontes sempre mais abundantes de novas forças? Que se deve pensar de uma associação em que todas as religiões, e mesmo o livre-pensamento, podem manifestar-se altamente à vontade? Porque os sillonistas que, nas conferências públicas e em outras ocasiões proclamam altivamente sua fé individual, não pretendem certamente fechar a boca aos outros e impedir que o protestante afirme seu protestantismo e o cético, seu ceticismo. Que pensar, enfim, de um católico que, ao entrar em seu círculo de estudos, deixa na porta seu catolicismo, para não assustar seus camaradas que, "sonhando com uma ação social desinteressada, têm repugnância de a fazer servir ao triunfo de interesses, de facções, ou mesmo de convicções, quaisquer que sejam"? Tal é a profissão de fé na nova Comissão Democrática de Ação Social, que herdou a maior tarefa da antiga organização, e que, assim afirma, "desfazendo o equívoco em torno do maior Sillon, tanto nos meios reacionários como nos meios anticlericais", está aberta a todos os homens "respeitadores das forças morais e religiosas e convencidos de que nenhuma emancipação social verdadeira será possível sem o fermento de um generoso idealismo".
34. Ah, sim! O equívoco está desfeito; a ação social do Sillon não é mais católica; o sillonista, como tal não trabalha para uma facção, e "a Igreja, ele o diz, não deveriam por nenhum título, ser a beneficiária das simpatias que sua ação possa suscitar". Insinuação estranha, em verdade! Teme-se que a Igreja se aproveite, com objetivo egoísta e interesseiro, da ação social do Sillon, como se tudo o que aproveita à Igreja não aproveitasse à humanidade! Estranha inversão de idéias: a Igreja é que seria beneficiária da ação social, como se os maiores economistas já não houvessem reconhecido e demonstrado que a ação social é que, para ser real e fecunda, deve beneficiar-se da Igreja. Porém, mais estranhas ainda, ao mesmo tempo inquietantes e acabrunhadoras, são a audácia e a ligeireza de espírito de homens que se dizem católicos, e que sonham refundir a sociedade em tais condições, e estabelecer sobre a terra, por cima da Igreja Católica, "o reino da justiça e do amor", com operários vindos de toda parte, de todas as religiões ou sem religião, com ou sem crenças, contando que se esqueçam do que os divide: suas convicções religiosas e filosóficas, e ponham em comum aquilo que os une: um generoso idealismo e forças morais adquiridas "onde possam", Quando se pensa em tudo que foi preciso de forças, de ciência, de virtudes sobrenaturais para estabelecer a cidade cristã, e nos sofrimentos de milhões de mártires, e nas luzes dos Padres e Doutores da Igreja, e no devotamento de todos os heróis da caridade, e numa poderosa Hierarquia nascida no céu, e nas torrentes da graça divina, e tudo isto edificado, travado, compenetrado pela Vida e pelo Espírito de Jesus Cristo, a Sabedoria de Deus, o Verbo feito homem; quando se pensa, dizíamos, em tudo isto edificado, fica-se atemorizado ao ver novos apóstolos se encarniçarem por fazer melhor, através da atuação dum vago idealismo e de virtudes cívicas. Que é que sairá desta colaboração? Uma construção puramente verbal e quimérica, em que se verão coruscar promiscuamente, e numa confusão sedutora, as palavras liberdade, justiça, fraternidade e amor, igualdade e exaltação humana, e tudo baseado numa dignidade humana mal compreendida. Será uma agitação tumultuosa, estéril para o fim proposto, e que aproveitará aos agitadores de massas, menos utopistas. Sim, na realidade, pode-se dizer que o Sillon escolta o socialismo, o olhar fixo numa quimera.
35. Tememos que ainda haja pior. O resultado desta promiscuidade em trabalho, o beneficiário desta ação social cosmopolita só poderá ser uma democracia, que não será nem católica, nem protestante, nem judaica; uma religião (porque o sillonismo, os chefes o afirmaram, é uma religião) mais universal do que a Igreja Católica, reunindo todos os homens tornados enfim irmãos e camaradas "no reino de Deus". – "Não se trabalha pela Igreja, trabalha-se pela humanidade".

E por isto o "Sillon" deixou de ser católico
36. E agora, penetrado da mais viva tristeza, perguntamo-Nos, Veneráveis Irmãos, aonde foi parar o catolicismo do Sillon. Ah! Ele, que dava outrora tão belas esperanças esta torrente límpida e impetuosa foi captada em sua marcha pelos inimigos modernos da Igreja, e agora já não é mais do que um miserável afluente do grande movimento de apostasia organizada, em todos os países, para o estabelecimento de uma Igreja universal que não terá nem dogmas, nem hierarquia, nem regra para o espírito, nem freio para as paixões, e que sob o pretexto de liberdade e de dignidade humana, restauraria no mundo, se pudesse triunfar, o reino legal da fraude e da violência, e a opressão dos fracos, daqueles que sofrem e que trabalham.

O "Sillon" e as tramas dos inimigos da Igreja
37. Conhecemos demasiado bem os sombrios laboratórios, em que se elaboram estas doutrinas deletérias, que não deveriam seduzir espíritos clarividentes. Os chefes do Sillon nãou souberam evitá-las: a exaltação de seus sentimentos, a cega bondade de seu coração, seu misticismo filosófico misturado com um tanto de iluminismo os impeliram para um novo Evangelho do Salvador, a tal ponto que ousam tratar Nosso Senhor Jesus Cristo com uma familiaridade soberanamente desresepitosa, e que, sendo o seu ideal aparentado com o da Revolução, não temem fazer entre o Evangelho e a Revolução aproximações blasfematórias, que não têm a escusa de haverem escapado a alguma improvisação tumultuosa.

O "Sillon" dá uma idéia desfigurada do divino Redentor.
38. Queremos chamar vossa atenção, Veneráveis Irmãos, sobre esta deformação do Evangelho e do caráter sagrado de Nosso Senhor Jesus Cristo, Deus e Homem, praticada no Sillon e algures. Desde que se aborda a questão social, está na moda, em certos meios, afastar primeiro a divindade de Jesus Cristo, e depois só falar de sua soberana mansidão, de sua compaixão por todas as misérias humanas, de suas instantes exortações ao amor do próximo e fraternidade. Certamente, Jesus nos amou com um amor imenso, infinito, e veio à terra sofrer e morrer, a fim de que, reunidos em redor dele na justiça e no amor, animados dos mesmos sentimentos de mútua caridade, todos os homens vivam na paz e na felicidade. Mas para a realização desta felicidade temporal e eterna, Ele impôs, com autoridade soberana, a condição de se fazer parte de seu rebanho, de se aceitar sua doutrina, de se praticar a virtude e de se deixar ensinar e guiar por Pedro e seus sucessores. Ademais se Jesus foi bom para os transviados e os pecadores, não respeitou suas convicções errôneas por sinceras que parecessem; amou-os a todos para os instruir, converter e salvar. Se chamou junto de si, para os consolar, os aflitos e os sofredores, não foi para lhes pregar o anseio de uma igualdade quimérica. Se levantou os humildes, não foi para lhes inspirar o sentimento de uma dignidade independente e rebelde à obediência. Se seu coração transbordava de mansidão pelas almas de boa vontade, soube igualmente armar-se de uma santa indignação contra os miseráveis que escandalizam os pequenos, contra as autoridades que acabrunham o povo sob a carga de pesados fardos, sem aliviá-la sequer com o dedo. Foi tão forte quão doce; repreendeu, ameaçou, castigou, sabendo e nos ensinando que, muitas vezes, o temor é o começo da sabedoria, e que, às vezes, convém cortar um membro para salvar o corpo. Enfim, não anunciou para a sociedade futura o reinado de uma felicidade ideal, de onde o sofrimento fosse banido; mas, por lições e exemplos, traçou o caminho da felicidade possível na terra e da felicidade perfeita no céu: a estrada real da cruz. Estes são ensinamentos eminentemente sociais, e nos mostram em Nosso Senhor Jesus Cristo outra coisa que não um humanitarismo sem consciência e sem autoridade.

CONCLUSÃO

Exortação ao Episcopado
39. No que se refere a vós, Veneráveis Irmãos, continuai ativamente a obra do Salvador dos homens pela imitação de sua doçura e de sua força. Inclinai-vos para todas as misérias; que nenhuma dor escape à vossa solicitude pastoral; que nenhum gemido vos encontre indiferentes. Mas, também, pregai ousadamente os deveres aos grandes e aos pequenos; a vós compete formar a consciência do povo e dos poderes públicos. A questão social está bem perto de ser resolvida quando uns e outros, menos exigentes a respeito de seus direitos recíprocos, cumprirem mais exatamente seus deveres. Além disso, como no conflito dos interesses, e principalmente na luta com as forças pouco honestas, a virtude de um homem, e mesmo sua santidade, não é sempre suficiente para lhe assegurar o pão cotidiano, e como as engrenagens sociais deveriam estar organizadas de tal forma que, por seu jogo natural, paralisassem os esforços dos maus e tornassem acessível a toda boa vontade sua parte legítima de felicidade temporal, desejamos vivamente que tomeis uma parte ativa na organização da sociedade, neste sentido. E, para isto, enquanto vossos padres se entregarem com ardor ao trabalho da santificação das almas, da defesa da Igreja, e às obras de caridade propriamente ditas, escolhereis alguns dentre eles, ativos e de espírito ponderado, munidos dos graus de doutor em filosofia e teologia, e dominando perfeitamente a história da civilização antiga e moderna, e os aplicareis aos estudos menos elevados e mais práticos da ciência social, para, no tempo oportuno, colocá-los à testa de vossas obras de ação católica. Contudo, que estes padres não se deixem transviar no dédalo das opiniões contemporâneas, pela miragem de uma falsa democracia; que não emprestem à retórica dos piores inimigos da Igreja e do povo uma linguagem enfática, cheia de promessas tão sonoras quanto irrealizáveis. Estejam eles persuadidos de que a questão social e a ciência social não nasceram ontem; que, de todos os tempos, a Igreja e o Estado, em feliz acordo, suscitaram para isto organizações fecundas; que a Igreja, que jamais traiu a felicidade do povo em alianças comprometedoras, não precisa livrar-se do passado, bastando-lhe retomar, com o auxílio de verdadeiros operários da restauração social, os organismos quebrados pela Revolução, adaptando-os, com o mesmo espírito cristão que os inspirou, ao novo ambiente criado pela evolução material da sociedade contemporânea; porque os verdadeiros amigos do povo não são revolucionários, nem inovadores, mas tradicionalistas.

Os membros do "Sillon" devem submeter-se
40. A esta obra, eminentemente digna de vosso zelo pastoral, desejamos que, longe de a embaraçar, a juventude do Sillon, purificada de seus erros, traga, na ordem e na submissão convenientes, um concurso leal e eficaz.
41. Voltando-nos, pois, para os chefes do Sillon, com a confiança de um pai que fala a seus filhos, pedimo-lhes para o seu bem, para o bem da Igreja e da França, vos cedam o lugar. Medimos, certamente, a extensão do sacrifício que lhes solicitamos, mas os sabemos assaz generosos para o realizar, e, antecipadamente, em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, de quem somos o indigno representante, os abençoamos . Quanto aos membros do Sillon, queremos que se agrupem por dioceses para trabalhar, sob a direção de seus bispos respectivos, pela regeneração cristã e católica do povo, ao mesmo tempo pela melhoria de sua sorte. Estes grupos diocesanos serão, por ora, independentes uns dos outros; e, a fim de tornar bem claro que romperam com os erros do passado, tomarão o nome de Sillons Católicos, e cada um de seus membros acrescentará a seu título de sillonista o mesmo qualificativo de católico. Não será preciso dizer que todo sillonista católico ficará livre, aliás, de guardar suas preferências políticas, depuradas de tudo o que não esteja inteiramente conforme, nesta matéria, com a doutrina da Igreja. E assim, Veneráveis Irmãos, se houver grupos que se recusem a submeter-se a estas condições, devereis considerá-los por isso mesmo como se recusassem a submeter-se à vossa direção; e, então, dever-se-á examinar se eles se confinam na política ou na economia pura, ou se perseveram nos antigos erros. No primeiro caso, está claro que já não vos devereis ocupar mais deles do que do comum dos fiéis; no segundo, devereis agir em conseqüência, com prudência mas com firmeza. Os padres deverão manter-se totalmente alheios aos grupos dissidentes e se contentarão com prestar o socorro do santo ministério individualmente a seus membros, aplicando-lhes, no tribunal da Penitência, as regras comuns de moral relativamente à doutrina e à conduta. Quanto aos grupos católicos, os padres e os seminaristas, sempre favorecendo-os e os secundando, abster-se-ão de se inscreverem como membros, porque é conveniente que a milícia sacerdotal fique acima das associações leigas, mesmo as mais úteis e animadas do melhor espírito.
42. Tais são as medidas práticas pelas quais julgamos necessário sancionar esta carta sobre o Sillon e os sillonistas.Que o Senhor haja por bem, nós o rogamos no fundo da alma, fazer com que estes homens e estes jovens compreendam as graves razões que a ditaram, e lhes dê a docilidade de coração, com a coragem de provar, em face da Igreja, a sinceridade de seu fervor católico; e a vós, Veneráveis Irmãos, que vos inspire para com eles, pois que eles são doravante vossos, os sentimentos de uma afeição toda paternal.
É com esta esperança, e para obter estes resultados tão desejáveis, que vos concedemos, de todo o coração, assim como a vosso clero e a vosso povo, a Benção Apostólica.

- Dado em Roma, junto a S. Pedro, em 25 de Agosto de 1910, oitavo ano de Nosso Pontificado.

Pio X, papa.

21/09/2012

SÃO MATEUS, APÓSTOLO E EVANGELISTA


Banhada pelas águas do lago Genezaré, cortada pelas principais estradas do país, sede das casas comerciais as mais importantes, era Cafarnaum,  uma das cidades mais florescentes da Palestina. No tempo de Jesus Cristo a Palestina era província romana, e onerosos eram os impostos e direitos aduaneiros que pesavam sobre os judeus.  A cobrança destas contribuições obrigatórias, era feita geralmente por rendeiros públicos, homens conhecidamente especuladores, verdadeiros esfoladores e sanguessugas do povo, e por isto todos mal vistos e odiados. Já o apelido de Publicano, isto é, pecador público, excomungado, que se lhes dava, não deixava dúvida sobre a má fama de que tais homens gozavam.
                                                                      
Rendeiro de Cafarnaum era Levi, filho de Alfeu, que mais tarde mudou o nome em Mateus, dom de Deus. Cafarnaum era a cidade pela qual Jesus Cristo mostrava grande simpatia, tanto que os santos Evangelhos a chamam sua cidade. Na sinagoga ou na praia do lago, doutrinou frequentemente e curou muitos doentes.
                                                                      
Foi numa dessas ocasiões que Jesus, tendo pregado na praia, passou perto do telonio de Levi, parou e disse a este: "Segue-me". Levi levantou-se imediatamente, abandonou o rendoso negócio, mudou de nome e de vida. Não é provável que esta mudança tão radical tenha sido fruto de um entusiasmo espontâneo. É antes, de se supor, que Levi tenha tomado essa resolução devido ao que vira e ouvira, de modo que o convite positivo do divino Mestre lhe tenha posto termo às últimas dúvidas sobre a orientação da sua vida futura. Diz São Jerônimo que Levi,  vendo Nosso Senhor, ficou atraído pela divina majestade que fulgurava nos olhos de Jesus Cristo. Converteu-se Levi, diz Beda o Venerável,  porque aquele que o chamou pela palavra, lhe dispôs o coração pela graça divina.
                                                                      
Mateus deu em seguida um grande banquete de despedida aos amigos e colegas, e convidou também Jesus e os discípulos. Os fariseus e escribas que, com olhos de lince observavam todos os gestos do Mestre, vendo que este aceitara o convite, acusaram-no dizendo: "Este homem anda com publicanos e pecadores e banqueteia-se com eles!". Também os discípulos de Jesus tiveram de ouvir repreensões: "Como é que o vosso Mestre se senta à mesa com os pecadores?".  Jesus, porém, respondeu-lhes:  "Não são os sãos, mas sim os doentes, que necessitam do médico. Não vim para chamar os justos, senão os pecadores".  Daí em diante Mateus foi um dos discípulos mais dedicados ao divino Mestre, e seguiu-o por toda a parte. 
                                                                      
Logo depois da Ascensão de Jesus Cristo e da vinda do Espírito Santo, Mateus, junto com os outros Apóstolos, pregou o Santo Evangelho nas províncias da Palestina e, com os demais Apóstolos, julgou-se feliz em poder sofrer injúria por amor de Jesus. Foi São Mateus entre os Apóstolos o primeiro que escreveu um relatório da vida e morte de Jesus Cristo, dando a este livro o título de "Evangelho", que significa: "boa nova". Este Evangelho era escrito em sírio-caldaico, para o uso dos primeiros cristãos da Palestina. São Bartolomeu levou consigo uma cópia para as Índias.
                                                                      
Quando os Apóstolos se espalharam por todo o mundo, São Mateus dirigiu-se para a Arábia e Pérsia, onde sofreu cruéis perseguições pelos sacerdotes indígenas. São Clemente de Alexandria diz que São Mateus era homem de mortificação e penitência, e alimentava-se só de ervas, raízes e frutas. Sofreu maus tratos na cidade de Mirmene.
                                                                      
Os pagãos arrancaram-lhe os olhos e, preso com algemas, esperou no cárcere o dia em que devia ser sacrificado aos deuses, por ocasião da grande festa idólatra. Deus, porém,  não abandonou seu servo;  mandou-lhe um Anjo que lhe curou a vista e o libertou da prisão. São Mateus seguiu então para a Etiópia. Também lá o demônio quis tolher-lhe os passos.  Dois feiticeiros de grande fama opuseram-se-lhe,  mas São Mateus venceu-os pela força esmagadora dos argumentos e pelos milagres que fazia, em nome de Jesus Cristo.  Removido este obstáculo,  o povo aceitou a religião de Deus humanado.
                                                                      
Foi por intermédio do eunuco da rainha Candace, o mesmo a quem São Felipe batizou, que São Mateus obteve entrada no palácio real. Lá havIa grande luto pela morte do jovem príncipe herdeiro Eufranon.  São Mateus, tendo sido chamado ao palácio, fez o defunto ressurgir, milagre este que encheu a todos de admiração.  O rei, em sinal de alegria e gratidão, mandou arautos por todo o país deitarem pregão da seguinte ordem: "Súditos! Vinde todos à capital ver um Deus, que apareceu entre nós, em forma humana!".
                                                                      
Afluíram aos milhares os súditos de todas as partes do reino, trazendo perfumes e incenso, para serem oferecidos ao Deus que tinha aparecido.  Mateus, porém,  esclareceu-os dizendo:  "Eu não sou Deus, como julgais que seja, mas servo de Jesus Cristo, Filho de Deus vivo;  foi em seu nome que fiz o filho de vosso rei ressuscitar; foi Ele que me enviou a vós, para vos pregar sua doutrina e vos trazer sua graça e salvação".  Essas palavras tiveram bom acolhimento e a maior parte do povo converteu-se à religião de Jesus Cristo.  A Igreja da Etiópia chegou a ser uma das mais florescentes dos tempos apostólicos. O rei Egipo e família eram cristãos fervorosíssimos, tanto que Efigênia, a filha mais velha, fez voto de castidade perpétua e a seu exemplo, muitas filhas das famílias mais ilustres consagraram-se a Deus, numa vida de perfeição cristã.
                                                                      
Pela morte do rei subiu ao trono seu sobrinho Hírtaco, o qual, para estabelecer o governo sobre bases mais sólidas, pediu a Efigênia em casamento. Esta recusou, alegando o voto feito a Deus. Hírtaco, não se conformando com esta resposta, exigiu que São Mateus fizesse valer a autoridade de Bispo, para que se realizasse o enlace desejado. São Mateus declarou ao príncipe não ter competência Para envolver-se no caso. 
                                                                      
Vendo-se assim, profundamente contrariado nos seus planos, Hírtaco deu ordem aos soldados de fazer desaparecer o Apóstolo. Esta ordem foi executada na igreja onde São Mateus celebrava a Missa. Pondo de lado o respeito devido ao lugar e à pessoa do santo Apóstolo, os sicários do rei mataram-no no próprio altar. 
                                                                      
O corpo do Santo Mártir foi por muito tempo objeto de grata veneração do povo cristão da capital. No ano de 930, foi transportado para Salerno, na Itália, onde São Mateus até hoje é festejado como padroeiro da cidade e do bispado. relíquias para a cidade.


REFLEXÕES
São Mateus, dos Apóstolos talvez o mais inteligente, o mais rico, antes de sua vocação não era santo. Pelo contrário, das acusações que os judeus levantavam contra Nosso Senhor, era esta uma das mais graves: "Ele come com os pecadores", aludindo ao gabeleiro. No entanto a prontidão com que seguiu o convite, a ordem do divino Mestre, não foi menor que a dos outros Apóstolos, que apenas deixaram umas redes velhas, quando a resolução de Mateus exigiu o sacrifício dum bom emprego, de uma avultada fortuna. A São Mateus devemos o belíssimo Evangelho, que tantos e tantos episódios da vida de Jesus Cristo nos relata. A São Mateus é devida a transmissão dos mais belos discursos do divino Mestre. São Mateus, de publicano e de Pecador, tornou-se grande amigo, Apóstolo do Salvador, e glorioso é o trono que possui no reino de Deus. Estes traços da vida de São Mateus são muito de molde a animar os pobres pecadores que, conscientes de sua miséria, facilmente se entregam ao desânimo, senão ao desespero. Deus não quer a perdição de ninguém. Também o pecador mais monstruoso tem acesso ao trono da misericórdia divina, desde que se resolva a quebrar as cadeias do pecado, a fazer penitência e a entregar-se a Deus. Se é grande a maldade dos homens, maior é a Misericórdia divina, que acolhe benignamente a todos que se lhe dirigem, tendo o coração contrito e humilhado.   
*  *  *  *  *  *  *  *  *
Referências:  

Biografia e Reflexões - Na luz Perpétua,  5ª.  ed., Pe. João Batista Lehmann, Editora Lar Católico - Juiz de Fora - Minas  Gerais,  1959.



Santo Antônio do Egito (Santo Antão) - Sentenças Diversas


"A obra pela qual o homem pode agradar a Deus é a lei e a obra da caridade. Ela é a boa vontade, que perfeitissimamente agrada a Deus. Cumpre-a aquele que incessantemente louva a Deus com pensamentos puros, que produzem a memória de Deus e a memória dos bens que Ele nos prometeu, e que em nós cumpriu por obras, e de sua grandeza. Da memória destas coisas se origina no homem aquele amor perpétuo que nos foi prescrito: "Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, e com toda a tua força". Está também escrito: "Como a corça que suspira pelas águas da torrente, assim minha alma suspira por vós, ó Senhor". Assim é necessário que cumpramos para com o Senhor esta obra e esta lei, para que em nós se cumpra aquela sentença do Apóstolo: "Quem poderá separar-nos do amor de Cristo? Certamente nem as tribulações, nem as tristezas, nem a fome, nem a nudez, nem as angústias, nem a espada, nem o fogo"."

"Antes de tudo o mais, orai ininterruptamente sem jamais desanimar, e dai graças a Deus diante de tudo o que vos acontecer."

"Meus queridos filhos, por que vos nomear com vossos nomes terrestres e efêmeros? Vós sois filhos de Israel por nascimento, e é esta natureza espiritual que saúdo em vós."

"Caríssimos, não descuidemos de nossa salvação. Sabei que se alguém se entrega a Deus de todo o coração, Deus tem piedade dele e lhe concede o Espírito de conversão."

"Sabemos que desde as origens do mundo, os que encontraram na Lei da Aliança o caminho do seu Criador foram acompanhados por sua bondade, sua graça e seu Espírito. Mas os homens, incapazes de exercerem sua inteligência segundo o estado da criação original, inteiramente privados de razão, sujeitaram-se à criatura em vez de servir ao Criador. "

"Mas nossa natureza permanecia imortal."

"O Criador de todas as coisas, em seu infatigável amor, desejava visitar- nos em nossas enfermidades e em nossa dissipação. Então, por nos amar tanto, Ele humilhou-se e revestindo a imagem de servo, fêz-se obediente até à morte. Nossas iniqüidades foram as suas humilhações e suas chagas, nossa cura. Ele nos reuniu de todos os lugares, ressuscitando nossas almas, perdoando nossos pecados, ensinando-nos que somos membros uns dos outros."

"Eu vos suplico, irmãos, penetrai-vos bem da maravilhosa economia da salvação."

"Todo ser dotado de inteligência espiritual, aquele para quem veio o Senhor, deve tomar consciência de sua própria natureza, isto é, deve conhecer-se a si mesmo."

"Aquele que houver negligenciado seu progresso espiritual e não houver consagrado todas as suas forças a essa obra deve saber com certeza que a vinda do Senhor será para ele o dia de sua condenação."

"Suplico-vos, irmãos muito amados, não negligencieis a obra de vossa salvação. Está próximo o tempo em que aparecerão à luz do dia as obras de cada um."

"Seja-vos dado tomar bem consciência da graça que Ele vos deu. Não é a primeira vez que Deus visita as suas criaturas. Ele as conduz desde as origens do mundo e, de geração em geração, mantém cada uma desperta pelos acontecimentos de sua graça. Não negligenciemos, pois, chamar a Deus dia e noite. Fazei violência à ternura de Deus. Do céu Ele vos enviará Aquele cujo ensinamento vos permitirá conhecer o que é bom para vós."

"Filhos, é na morte que habitamos. Nossa morada é a cela de um prisioneiro. As cadeias da morte nos prendem."

"Não concedais sono a vossos olhos, nem deixeis que vossas pálpebras dormitem."

"Oferecei-vos a Deus como vítimas muito puras, e fixai-o com o olhar, pois ninguém, como diz o Apóstolo, se não for puro, pode contemplar a Deus. "

"Filhos, é certo que nossa enfermidade e nossa humilhação são dor para os santos e causa das lágrimas e gemidos que oferecem por nós diante do Criador do Universo."

"Deus ama para sempre suas criaturas que, imortais por essência, não desaparecem com o corpo. Ele viu a natureza espiritual precipitar-se no abismo e aí encontrar a morte perfeita e total. Em sua bondade, Deus visitou sua criatura por meio de Moisés. Esse Moisés quiz curar essa profunda ferida e levar-nos à comunhão original, porém não conseguiu e partiu. Depois dele vieram os profetas, puseram-se a construir sobre os fundamentos deixados por Moisés, mas, sem chegar a curar a chaga profunda da família humana, reconheceram sua incapacidade. Uma súplica foi então elevada à bondade do Pai em relação a seu Filho Único, pois nenhuma criatura seria capaz de curar a profunda ferida do homem. Ele tomou sobre si esta missão; nossas iniquidades produziram suas humilhações; suas chagas, nossa cura. Ele nos reuniu de um extremo a outro do universo, ressuscitou nosso espírito da terra e nos ensinou que somos membros uns dos outros."

"Tomai cuidado, filhos, que não se realize para nós a palavra de Paulo: que tenhamos "apenas a aparência exterior da obra de Deus renegando o seu poder"."

"Que corram lágrimas diante de Deus e que todos digam: "Que retribuirei ao Senhor pelo bem que Ele me fêz?"."

"Compreendei bem o que vos digo e declaro: Se cada um de vós não chega a odiar o que é da ordem dos bens terrestres e a isso não renunciar de todo coração, assim como a todas as atividades que daí dependem, se não chega a elevar as mãos e o coração ao Céu para o Pai de todos nós, não é para si a salvação. Mas se fazeis o que acabo de dizer, Deus vos enviará um fogo invisível, que consumirá vossas impurezas e devolverá vosso espírito à sua pureza original. O Espírito Santo habitará em vós, Jesus permanecerá junto de nós e poderemos adorar a Deus como é devido."

"Enquanto quisermos viver em paz com as coisas do mundo, seremos os inimigos de Deus, de seus anjos e santos."

"Desde agora eu vos suplico, caríssimos, em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo, não descuideis de vossa salvação; que esta vida tão curta não vos valha a desgraça para vossa vida eterna; que o cuidado com um corpo perecível não oculte o Reino da luz inefável."

"Meu coração se espanta e minha alma se aterroriza, pois nós mergulhamos no prazer como gente embriagada de vinho, porque nos deixamos distrair por nossos desejos, deixamos reinar em nós a vontade própria e recusamos elevar nossos olhos para o céu buscando a glória celeste."

"A todos os meus irmãos muito amados, a todos vós que vos preparais para vos aproximardes do Senhor, saúdo n’Ele, irmãos caríssimos, vossa natureza espiritual."

"Como são grandes, meus filhos, essa felicidade que vos coube e essa graça concedida a vossa geração. Por causa d’Aquele que vos visitou, convém que não cedais à fadiga do combate até aquela hora em que vos possais oferecer a Deus como vítimas de uma grande pureza, pureza sem a qual não existe herança celeste."

"É muito importante que vos interrogueis acerca da natureza espiritual, na qual não há mais nem homem nem mulher, mas somente uma essência imortal que tem um começo e jamais terá fim. Será uma obrigação para vós conhecê-la, e como decaiu totalmente a esse ponto de tamanha humilhação e imensa confusão, num trânsito que não poupou a nenhum de vós. Sendo imortal por essência, foi por causa dela que Deus, vendo-a infeccionada por uma praga irremediável e que, além disso, aumentava prodigiosamente, decidiu em sua clemência visitar suas criaturas."

"Eu desejaria, pois, que bem o soubésseis, meus queridos filhos no Senhor, que por causa de nossa loucura, Ele tomou a libré da loucura; por causa de nossa morte, Ele tomou e libré de um mortal; e por nós sofreu tanto. Não concedais, pois, caríssimos no Senhor, sono a vossos olhos, nem deixeis que vossas pálpebras dormitem, mas suplicai e fazei violência à bondade de Deus para que Ele venha em nosso socorro e possamos preparar-nos para consolar Jesus por ocasião de sua vinda."

"Quero que saibais, filhos, quanto sofro por vós quando vejo a profunda decadência que a todos nós ameaça, e quando considero essa solicitude dos santos por nós e as orações que eles fazem continuamente subir, em nossa intenção, a Deus seu Criador. Somos criaturas racionais e nos comportamos irracionalmente, ignorando as múltiplas maquinações do diabo, que percebeu que procuramos tomar consciência de nossa queda e procuramos o meio de escapar às obras más de que ele é cúmplice."

"Que Deus abra os olhos de vosso coração para que percebais os múltiplos malefícios secretos, lançados todos os dias sobre nós no decorrer do tempo. Faço votos que Deus vos dê um coração clarividente e um espírito de discernimento a fim de vos apresentardes a Ele como uma vítima pura e sem mancha."

"Tomai este corpo de que estais revestidos, fazei dele um altar, e sobre este altar colocai vossos pensamentos, e sob o olhar do Senhor, abandonai todo mau desígnio, elevai as mãos de vosso coração a Deus, (é o que faz o Espírito quando está operando), e pedi-lhe que vos conceda este belo fogo invisível que sobre vós descerá do Céu e consumirá o altar e suas oferendas."

"Grande é a vossa felicidade por terdes tomado consciência de vossa miséria e por terdes fortalecido em vós essa invisível essência que não passa com o corpo."

"Persuadi-vos bem que vosso ingresso e vosso progresso na obra de Deus não são obra humana, mas intervenção do poder divino que não cessa de vos assistir."

"Empenhai-vos sempre em oferecer-vos a vós mesmos como vítimas a Deus, e acolhei com fervor a força que vos ajuda para tanto."

"Se vos falo neste tom insistente é porque somos todas criaturas de uma essência que teve um começo mas não terá fim. Aquele que se conhece verdadeiramente não terá dúvida alguma sobre sua essência imortal."

"Guardai também isso bem presente ao espírito, meus queridos filhos no Senhor, santos filhos de Israel por vosso nascimento. Estai sempre prontos a vos aproximardes do Senhor como vítimas puras, dessa pureza que ninguém pode herdar a não ser que a pratique desde este mundo. "

"Sede, pois, vigilantes, caros filhos, não permitais que vossos olhos durmam nem que vossas pálpebras dormitem, mas clamai dia e noite a vosso Criador para que vossos pensamentos se firmem no Cristo."

"Na verdade, filhos, acontece que habitamos na própria morada do ladrão e é pelas cadeias da morte que nela estamos presos. Este estado de negligência, de queda, de exclusão da santidade faz não só a nossa perda, mas também o sofrimento dos anjos e dos santos de Cristo, pois nunca lhes demos ainda algum motivo de paz."

"Que também se abram os ouvidos de vosso coração para que tomeis consciência de vossa miséria. Que aquele que toma consciência de sua vergonha logo se ponha a buscar a glória à qual é chamado; que aquele que compreende a sua morte espiritual bem depressa reencontre o gosto da vida eterna."

"Foi em consequência de nossos inúmeros pecados, de nossas funestas revoltas, de nossas paixões sensuais que a Lei da Promessa se atenuou e as faculdades de nossa alma se enfraqueceram. Por causa da morte a que fomos precipitados, tornou-se a nós impossível atender a nosso verdadeiro título de glória: nossa natureza espiritual."

"No Senhor eu vos suplico, caros filhos, deixai-vos penetrar bem pelo que vos escrevo. Voltai vossa alma para vosso Criador. Perguntai a vós mesmos o que seria possível retribuir ao Senhor por todas estas graças. É tão grande a sua bondade que Ele quis que o próprio Sol se ponha a nosso serviço nesta habitação de trevas, assim como a Lua e as estrelas, para sustentar fisicamente um ser cuja fraqueza o condenaria a perecer. Não sofreram por nós os patriarcas? Não nos dispensaram os sacerdotes os seus ensinamentos? Não combatiam por nós os juízes e reis? Não foram mortos por nós os profetas? Não sofreram os Apóstolos perseguição por nós? E não morreu por todos nós o Filho bem amado? Agora é a nossa vez de nos dispormos a ir ao nosso Criador pelo caminho da pureza."

"Filhos caríssimos no Senhor, queirais permanecer prontos a vos oferecerdes a vós mesmos como vítimas de toda pureza."

"Nosso Criador, em sua bondade, quis reconduzir-nos a nosso estado original que jamais deveria ter desaparecido. Ele não se poupou, mas visitou suas criaturas para salvá-las todas. Nossas iniquidades causaram sua humilhação, mas por suas chagas fomos curados. Se, pois, o homem dotado de razão quer preparar para si uma absolvição por ocasião da vinda do Senhor, é preciso que ele se examine e se interrogue sobre o que poderia retribuir a Deus por todos os bens d’Ele recebidos."

"Também eu, o mais miserável de todos, que estou escrevendo esta carta, desperto de meu sono de morte, passei o mais luminoso dos dias que me foram concedidos na terra a me perguntar, com pranto e lágrimas, com que poderia retribuir ao Senhor por tudo o que Ele me fez."

"Meus caríssimos no Senhor, a vós que sois co-herdeiros dos santos, rogo que desperteis em vosso coração o temor de Deus. Preparemo-nos, pois, santamente, e purifiquemos nosso espírito para sermos puros a receber o batismo de Jesus e a nos oferecermos como vítimas agradáveis a Deus. O Espírito Consolador, recebido no Batismo, nos conduzirá a nosso estado original."

"Verdadeiramente nada nos faltou em tudo o que Ele empreendeu por nossa miséria. Deu-nos anjos como servidores, a seus profetas ordenou que nos instruíssem por seus oráculos, a seus apóstolos prescreveu que nos evangelizassem. Mais ainda, pediu a seu Filho único que tomasse, por nossa causa, a condição de escravo."

"O homem dotado de razão que se prepara para a libertação que lhe trará a vinda de Jesus deve conhecer o que é segundo a sua natureza espiritual. Deus não veio somente uma vez visitar suas criaturas. Desde a origem, a Lei da Aliança encaminhou muitos para o Criador e ensinou-lhes como adorar a Deus convenientemente. Mas a extensão do mal, o peso do corpo, as paixões perversas tornaram impotente a Lei da Aliança e deficientes os sentidos interiores. Impossível recobrar o estado da criação primeira. Por isso é que Deus, em sua bondade, proporcionou-lhes aprender, pela Lei escrita, como adorar o Pai. O Criador constatou que a chaga se envenenava e que era necessário recorrer a um médico; Jesus, já criador dos homens, vem ainda curá-los. Ele se entregou por todos nós; nossos pecados causaram a sua humilhação; suas chagas, nossa cura. Peço-vos, caros amigos no Senhor, considerai este escrito como um mandamento do Senhor. Compete-nos agora trabalharmos em nossa libertação, graças à sua vinda; compreendei bem o que sois, para vos dispordes a vos oferecerdes como vítimas agradáveis a Deus. Preparai- vos, porque ainda temos intercessores para suplicar a Deus que ponha em nosso coração aquele fogo na terra espalhado por Jesus."

"Caros irmãos, chamados a partilhar da herança dos santos, agora estais próximos de todas as virtudes. Todas elas vos pertencem se não vos embaraçais na vida carnal, mas permaneceis transparentes diante de Deus. É a pessoas capazes de me compreender que escrevo, a pessoas em condições de se conhecerem a si mesmos. Quem se conhece, tem a obrigação de adorar a Deus como convém."

"Digo-vos, em verdade, caros filhos, que esta palavra de salvação e de liberdade está longe de se ter esgotado. Entrar no detalhe do assunto seria preparar um longo discurso, e está escrito: "Dá um pouco ao sábio e ele se tornará ainda mais sábio". Breves palavras bastam para nos consolar. Uma vez que o espírito as apreendeu, não há necessidade das palavras frequentemente ambíguas de nossa boca."

Tradução: Célia Mariana F. F. da Silva

18/09/2012

LAMENTABILI SINE EXITU da Sagrada Inquisição Romana e Universal sobre as proposições modernistas condenadas pela Igreja


Decreto - LAMENTABILI SINE EXITU
da Sagrada Inquisição Romana e Universal
sobre as proposições modernistas condenadas pela Igreja

INTRODUÇÃO
Com êxito verdadeiramente lamentável, a nossa idade, desmandando-se no indagar as razões supremas das coisas, vai não raras vezes atrás de novidades por tal forma, que deixa de parte o que é como herança do gênero humano, para se precipitar em erros gravíssimos. Erros esses que serão muito mais perniciosos, quando se trata das ciências sagradas, ou da interpretação da Sagrada Escritura, ou dos principais mistérios da fé.
E é para lamentar profundamente que também entre os católicos se encontrem não poucos escritos que, ultrapassando os limites demarcados pelos santos Padres e pela própria Santa Igreja, a pretexto de mais elevados conhecimentos e em nome de considerações históricas, procuram esse progresso dos dogmas, que, na realidade, não é senão a sua corruptela.
Para impedir que esses erros, que todos os dias se vão difundindo entre os fiéis, criem raízes em seus corações e corrompam a sinceridade de sua fé, aprouve a nosso Santíssimo Padre por divina providência Papa Pio X que, por ofício desta Sagrada Inquisição Romana e Universal, fossem notados e condenados os principais dentre esses erros.
Por isso, depois de diligentíssimo exame e do parecer prévio dos Reverendos Senhores Consultores, os Eminentíssimos e Reverendíssimos Senhores Cardeais, Inquisidores Gerais em matéria de fé e de costumes, julgaram que deviam ser condenadas e proscritas, como de fato ficam condenadas e proscritas as seguintes proposições.

I. AUTORIDADE DAS DECISÕES DOUTRINAIS DA IGREJA
1. A lei eclesiástica, que manda submeter à prévia censura os livros que tratem das Divinas Escrituras, não se estende aos cultores da crítica e da exegese científica dos Livros do Antigo e do Novo Testamento.
2. A interpretação dada pela Igreja aos Livros Sagrados, conquanto se não deva desprezar, está todavia sujeita a mais apurado juízo e a correção dos exegetas.
3. Pela sentenças e censuras eclesiásticas fulminadas contra a exegese livre e mais adiantada, pode se concluir que a fé proposta pela Igreja está em contradição com a história e que os dogmas católicos não podem realmente harmonizar-se com as verdadeiras origens da religião cristã.
4. O magistério da Igreja não pode determinar o sentido genuíno das Sagradas Escrituras, nem mesmo por meio de definições dogmáticas.
5. Visto que no depósito da fé se contêm somente as verdades reveladas, não compete a Igreja, sob nenhum respeito, proferir juízo sobre as asserções das ciências humanas.
6. Na definição de verdades, a Igreja discente e a docente colaboram de tal modo, que nada mais resta à Igreja docente senão sancionar as conjecturas comuns da discente.
7. A Igreja, quando proscreve erros, não pode de maneira nenhuma exigir que os fiéis aceitem seus juízos com assentimento interno.
8. Devem ser considerados imunes de toda culpa os que nenhum caso fazem das condenações proferidas pela Sagrada Congregação do Índice, ou pelas outras Sagradas Congregações Romanas.

II. SAGRADA ESCRITUORA
9. Demasiada simplicidade ou ignorância revelam os que crêem que Deus é verdadeiramente o autor das Sagradas Escrituras.
10. A inspiração do livros do Antigo Testamento consistiu em terem os escritores israelitas ensinado doutrinas religiosas sob um aspecto peculiar, desconhecido ou pouco conhecido dos pagãos.
11. A inspiração divina não se estende a toda Sagrada Escritura a ponto de preservar de todo erro todas e cada uma de suas partes.
12. O exegeta, se quiser aplicar-se com proveito aos estudos bíblicos, deve antes de tudo abstrair de qualquer opinião preconcebida sobre a origem sobrenatural da Sagrada Escritura e interpretá-la do mesmo modo que os outros documentos meramente humanos.
13. Foram os próprios Evangelistas e os cristãos da segunda e terceira geração, que artificiosamente elaboraram as parábolas evangélicas e assim deram a razão do pouco fruto da pregação de Cristo entre os judeus.
14. Em diversas narrações, os Evangelistas referiram não tanto o que era verdade, quanto o que, embora falso, julgaram ser mais proveitoso a seus leitores.
15. Os Evangelhos sofreram continuas adições e correções até que fosse estabelecido e constituído o cânon definitivo; portanto, da doutrina cristã não subsiste neles senão um vestígio vago e incerto.
16. As narrações de São João não são propriamente história, são uma contemplação mística do Evangelho; os discursos contidos em seu Evangelho são meditações teológicas sobre o mistério da salvação, destituídas de verdade histórica.
17. O quarto Evangelho exagerou os milagres não só para que eles parecessem mais extraordinários, como também para que se tornassem mais aptos para revelar a obra e a glória do Verbo Encarnado.
18. É certo que João reivindica para si o caráter de testemunha de Cristo; na realidade, porém, ele foi apenas uma excelente testemunha da vida cristã, ou da vida de Cristo na Igreja, nos fins do primeiro século.
19. Os exegetas heterodoxos interpretaram o verdadeiro sentido das Escrituras com mais fidelidade que os exegetas católicos.

III.FILOSOFIA RELIGIOSA DA NOVA ESCOLA
20. A revelação não podia consistir em outra coisa, senão em ter o homem adquirido consciência de sua relação para com Deus.
21. A revelação, que constitui o objeto da fé católica, não se completou com os Apóstolos.
22. Os dogmas que a Igreja apresenta como revelados não são verdades caídas do Céu; são uma certa interpretação de fatos religiosos que a inteligência humana logrou alcançar à custa de laboriosos esforços.
23. Pode existir e realmente existe oposição entre os fatos relatados na Sagrada Escritura e os dogmas da Igreja que nele se baseiam; de modo que o crítico pode rejeitar, como falsos, fatos que a Igreja crê como certíssimos.
24. Não deve ser condenado o exegeta que estabelece premissas, das quais se segue que os dogmas são historicamente falsos ou duvidosos, contanto que ele não negue diretamente os mesmos dogmas.
25. O assentimento da fé, em última análise, baseia-se num acervo de probabilidades.
26. Os dogmas da fé devem ser considerados somente segundo o sentido prático, isto é, como norma de proceder e não como norma de crer.

IV. CRISTOLOGIA DE LOISY
27. A divindade de Jesus Cristo não se prova pelos Evangelhos; é um dogma que a consciência cristã derivou da noção do Messias.
28. Jesus, quando exercia seu ministério, não falava com o intuito de ensinar que era o Messias, nem os seus milagres tinham por fim demostrá-lo.
29. Pode conceder-se que Cristo, tal como história o representa, é muito inferior ao Cristo, objeto da fé.
30. O nome de Filho de Deus, em todos os textos evangélicos, equivale somente ao nome de Messias; não significa, porém, que Cristo seja Filho verdadeiro e natural de Deus.
31. A doutrina sobre Cristo, que ensinada por S. Paulo, S. João e pelos Concílios de Nicéia, de Éfeso e de Calcedônia, não é a ensinada por Jesus; é a que a consciência cristã ideou a respeito de Jesus.
32. O sentido natural dos textos evangélicos é inconciliável com o que ensinam os nossos teólogos sobre a consciência e ciência infalível de Jesus Cristo.
33. É evidente para quem se não deixa levar por preconceitos que, ou Jesus professou o erro acerca do próximo advento do Messias, ou não tem autenticidade a maior parte de sua doutrina, contida nos Evangelhos Sinóticos.
34. O crítico não pode atribuir a Cristo uma ciência inteiramente ilimitada senão na hipótese, inconcebível historicamente e que repugna ao senso moral, isto é, de ter Cristo, possuído como homem a ciência de Deus, e no entanto, não ter querido comunicar a seus discípulos e à posteridade o conhecimento de tantas coisas.
35. Nem sempre Cristo teve consciência de sua dignidade messiânica.
36. A ressurreição do Salvador não é propriamente um fato de ordem histórica, mas de ordem meramente sobrenatural que não foi demostrado, nem é demonstrável, e que a consciência cristã insensivelmente deduziu de outros fatos.
37. A fé na ressurreição de Cristo consistia a princípio não tanto no próprio fato da ressurreição quanto na vida imortal de Cristo junto de Deus.
38. A doutrina sobre a morte expiatória de Cristo não é evangélica, mas somente paulina (de S. Paulo).

V. ORIGEM DOS SACRAMENTOS
39. As opiniões de que se achavam imbuídos os Padres de Trento, sobre a origem dos sacramentos, e que sem dúvida influíram em seus Cânones dogmáticos, estão muito distantes das que hoje sustentam os investigadores históricos do cristianismo.
40. Os sacramentos tiveram sua origem dos Apóstolos e seus sucessores que, por inspiração e impulso das circunstâncias e dos acontecimentos, interpretaram alguma idéia e intenção de Cristo.
41. Os sacramentos têm por fim único despertar na mente do homem a idéia da presença sempre benéfica do Criador.
42. A comunidade cristã introduziu a necessidade do batismo, adotando-o como um rito necessário e anexando-lhe as obrigações da profissão cristã.
43. A prática de conferir o batismo às crianças foi uma evolução disciplinar, que concorreu como uma das causas para que este sacramento se desdobrasse em dois, a saber: Batismo e Penitência.
44. Nada há que prove que o rito do sacramento da Confirmação tivesse sido usado pelos Apóstolos; ao contrário, a distinção formal do dois sacramentos, Batismo e Confirmação, não tem nenhuma relação com a história do cristianismo primitivo.
45. Nem tudo o que narra S. Paulo sobre a instituição da Eucaristia (1 Cor. 11, 23-25), pode ser aceito historicamente.
46. Não existia na Igreja primitiva o conceito do cristão pecador cristiano reconciliado pela autoridade da Igreja, mas só muito lentamente ela se afez a este conceito. Além disso, ainda mesmo depois que a Penitência foi reconhecida como uma instituição da Igreja, não se lhe chamava sacramento, porque seria tido como um sacramento infamante.
47. As palavras do Senhor: Recebei o Espírito Santo; os pecados que perdoardes, serão perdoados, e os que retiverdes serão retidos (João, 20, 22. 23), não se referem ao sacramento da Penitência, por mais que o tenham querido os Padres de Trento.
48. S. Tiago, em sua carta (5, 14. 15) não intentou promulgar nenhum sacramento de Cristo, mas de recomendar um pio costume; e se nesse costume ele vê talvez algum meio de graça, não o toma com o rigor com que o tomaram os teólogos que determinaram a noção e o número dos sacramentos.
49. A Ceia Cristã, assumindo pouco e pouco a índole de cerimônia litúrgica, foi causa de que aqueles que tinham por costume presidi-la adquirissem o caráter sacerdotal.
50. Os anciãos, que exerciam o ministério da vigilância, nas assembléias cristãs, correspondia ou oficio de vigiar, foram instituídos pelos Apóstolos como presbíteros ou bispos para atender à organização necessária das crescentes comunidades, mas não propriamente para perpetuar a missão e poder dos Apóstolos.
51. O Matrimônio só muito tarde pôde tornar-se na Igreja sacramento da nova lei; pois, para que o matrimônio fosse considerado sacramento era necessário que precedesse uma completa explicação teológica sobre a doutrina da graça e dos sacramentos.

VI. NOVA TEORIA SOBRE A IGREJA
52. Cristo não pensou constituir a Igreja como uma sociedade destinada a durar na terra por uma longa série de séculos; além disso, na mente de Cristo, o reino dos céus juntamente com o fim do mundo já deveria ter chegado.
53. A constituição orgânica da Igreja não é imutável; a sociedade cristã assim como a sociedade humana, está submetida a uma perpétua evolução.
54. Os dogmas, os sacramentos e a hierarquia, tanto em sua noção quanto em sua realidade, não passam de interpretações e evoluções do pensamento cristão que, por meio de incrementos externos, desenvolveram e aperfeiçoaram um pequeno germe que existia em estado latente no Evangelho.
55. Simão Pedro verdadeiramente nunca supôs que Cristo lhe confiara o primado na Igreja.
56. A Igreja Romana não por disposição da divina providência, mas em virtude de circunstâncias meramente políticas, tornou-se a cabeça de todas as Igrejas.

VII. EVOLUCIONISMO ABSOLUTO E ILIMITADO
57. A Igreja mostra-se inimiga dos progressos das ciências naturais e teológicas.
58. A verdade não é mais imutável que o homem, pois que evolui com ele, nele e por ele.
59. Cristo não ensinou um determinado corpo de doutrina, aplicável a todos os tempos e a todos os homens; inaugurou em vez certo movimento religioso que se adapta, ou que deve ser adaptado aos diversos tempos e lugares.
60. A doutrina cristã, em seu princípio, foi judaica; mas, por sucessivas evoluções tornou-se primeiro paulina, depois joânica, e finalmente helênica e universal.
61. Pode-se dizer, sem paradoxo que nenhum capítulo da Escritura, desde o primeiro do Génesis até o último do Apocalipse, contém doutrina inteiramente idêntica à que sobre o mesmo ponto ensina Igreja; e por conseguinte nenhum capítulo da Escritura tem o mesmo sentido para o crítico e para o teólogo.
62. Os principais artígos do Símbolo dos Apóstolos não tinham a mesma significação entre os os cristãos dos primeros tempos do que a que tem entre os cristãos de nossos dias.
63. A Igreja se mostra incapaz de defender eficazmente a moral evangélica, porque adere obstinadamente a doutrinas imutávels que não podem conciliar-se com o progresso moderno.
64. O progresso das ciências exige que se reformem os conceitos da doutrina cristã sobre Deus, sobre a Criação, sobre a Revelação, sobre a Pessoa do Verbo Encarnado e sobre a Redenção.
65. O catolicismo atual não pode conciliar-se com a verdadeira ciência, a não ser que se transforme num cristianismo sem dogmas, isto é, num protestantismo amplo e liberal.

- 03 de julho de 1907.
E na quinta-feira imediata, dia 4 do mesmo mês e ano, tendo-se feito de tudo isto minuciosa relação a nosso Ssmo. Padre o Papa Pio X, Sua Santidade aprovou e confirmou o Decreto dos Eminentíssimos Padres e mandou que todas e cada uma das proposições acima referidas fossem tidas por todos como condenadas e proscritas.

PEDRO PALOMBELLI
Notário da Santa Inquisição Romana e Universal