Plinio Maria Solimeo
No dia 16
de julho, há 750 anos, o mais extraordinário penhor de salvação jamais dado ao
homem — o Escapulário do Carmo — era entregue a São Simão Stock. Por isso, os
carmelitanos declararam 2001 “Ano Mariano” para toda a Ordem.
Certo dia, que já vai longe, andando pelas ruas de Roma,
encontraram-se três insignes homens de Deus. Um era Frei Domingos de Gusmão,
que recrutava membros para a Ordem que fundara, a dosPregadores, mais
tarde conhecida como dos “dominicanos”. Outro era o Irmão Francisco de Assis, o Poverello, que havia pouco
reunira alguns homens para servir ao que chamava aDama Pobreza. O
terceiro, Frei Ângelo, tinha vindo de longe, do Monte Carmelo, na Palestina,
chamado a Roma como grande pregador que era.
Os três, iluminados pelo Divino Espírito Santo, reconheceram-se
mutuamente, e no decurso da conversa fizeram muitas profecias. Santo Ângelo,
por exemplo, predisse os estigmas que seriam concedidos por Deus a São
Francisco. E São Domingos profetizou: “Um
dia, Irmão Ângelo, a Santíssima Virgem dará à tua Ordem do Carmo uma devoção
que será conhecida pelo nome de Escapulário Castanho, e dará à minha Ordem dos
Pregadores uma devoção que se chamará Rosário. E um dia Ela salvará
o mundo por meio do Rosário e do Escapulário”.
No lugar desse encontro construiu-se uma capela, que existe até
hoje em Roma1.
Em sua edição de maio último, Catolicismo já tratou extensamente
da importância e dos benefícios do santo Rosário, tão insistentemente
recomendado por Nossa Senhora em Fátima para a salvação do nosso mundo afundado
no pecado. O tema do Escapulário foi também largamente exposto em nossa edição de
fevereiro de 1999 —Escapulário do Carmo: tábua de salvação oferecida por
Maria Santíssima. Porém, em virtude da grande data que agora comemoramos,
e da suma importância do Escapulário, relembraremos alguns pontos básicos desse
precioso e maternal dom da Virgem Santíssima, concedido à humanidade.
Mãe
e esplendor do Carmelo
Foi no celebrado Monte Carmelo, no litoral palestino, que o Profeta de fogo, Santo Elias,
viu a nuvenzinha que, num período de grande seca, prenunciava a chuva redentora
que cairia sobre a terra ressequida. Por uma intuição sobrenatural, soube que
essa simples nuvem, com forma de uma pegada humana, simbolizava aquela mulher
bendita, predita depois pelo Profeta Isaías (“Eis que uma virgem conceberá
e dará à luz um filho”), que seria a Mãe do Redentor. Do seu seio virginal
sairia Aquele que, lavando com seu sangue a terra ressequida pelo pecado,
abriria aos homens a vida da graça.
Dos seguidores de Elias e seus continuadores, de acordo com a
tradição, nasceu a Ordem do Carmo, da qual Maria Santíssima é a Mãe e esplendor, segundo as
palavras também de Isaías “A glória do Líbano lhe será dada, o esplendor do
Carmelo e de Saron” (Is 35, 2).
Da Palestina, os eremitas do Monte Carmelo passaram para a Europa,
radicando-se em vários países, entre eles a Inglaterra, onde vivia São Simão
Stock.
São
Simão Stock: nobre e santo
Simão nasceu no ano de 1165 no castelo de Harford, no condado de
Kent, Inglaterra, em atenção às preces de seus piedosos pais, que uniam a mais
alta nobreza à virtude. Alguns escritores julgam mesmo que tinham parentesco
com a família real.
Sua mãe consagrou-o à Santíssima Virgem desde antes de nascer. Em
reconhecimento a Ela pelo feliz parto, e para pedir sua especial proteção para
o filhinho, a jovem mãe, antes de o amamentar, oferecia-o à Virgem, rezando de
joelhos uma Ave-Maria. Bela atitude de uma senhora altamente nobre!
O menino aprendeu a ler com pouquíssima idade. A exemplo de seus
pais, começou a rezar o Pequeno Ofício da Santíssima Virgem, e logo também o
Saltério. Esse verdadeiro pequeno gênio, aos sete anos de idade iniciou o
estudo das Belas Artes no Colégio de Oxford, com tanto sucesso que surpreendeu
os professores. Foi também nessa época admitido à Mesa Eucarística, e consagrou
sua virgindade à Santíssima Virgem.
Perseguido pela inveja do irmão mais velho, e atendendo a uma voz
interior que lhe inspirava o desejo de abandonar o mundo, deixou o lar paterno
aos 12 anos, encontrando refúgio numa floresta onde viveu inteiramente isolado
durante 20 anos, em oração e penitência.
A
Ordem Carmelitana
Nossa Senhora revelou-lhe então seu desejo de que ele se juntasse
a certos monges que viriam do Monte Carmelo, na Palestina, à Inglaterra, “sobretudo
porque aqueles religiosos estavam consagrados de um modo especial à Mãe de Deus”.
Simão saiu de sua solidão e, obedecendo também a uma ordem do Céu, estudou
teologia, recebendo as sagradas ordens. Dedicou-se à pregação, até que
finalmente chegaram dois frades carmelitas no ano de 1213. Ele pôde então
receber o hábito da Ordem, em Aylesford.
Em 1215, tendo chegado aos ouvidos de São Brocardo, Geral latino
do Carmo, a fama das virtudes de Simão, quis tê-lo como coadjutor na direção da
Ordem; em 1226, nomeou-o Vigário-Geral de todas as províncias européias.
São Simão teve que enfrentar uma verdadeira tormenta contra os
carmelitas na Europa, suscitada pelo demônio através de homens ditos zelosos
pelas leis da Igreja, os quais queriam a todo custo suprimir a Ordem sob vários
pretextos. Mas o Sumo Pontífice, mediante uma bula, declarou legítima e
conforme aos decretos de Latrão a existência legal da Ordem dos Carmelitas, e a
autorizou a continuar suas fundações na Europa.
São Simão participou do Capítulo Geral da Ordem na Terra Santa, em
1237. Em um novo Capítulo, em 1245, foi eleito 6° Prior-Geral dos Carmelitas.
A Grande Promessa: não irás para o fogo do
inferno
Se a bula papal aplacara momentaneamente o furor dos inimigos do
Carmelo, não o fizera cessar de todo. Depois de um período de calmaria, as
perseguições recomeçaram com mais intensidade.
Carente de auxílio humano, São Simão recorria à Virgem Santíssima
com toda a amargura de seu coração, pedindo-Lhe que fosse propícia à sua Ordem,
tão provada, e que desse um sinal de sua aliança com ela.
Na manhã do dia 16 de julho de 1251, suplicava com maior empenho à
Mãe do Carmelo sua proteção, recitando a bela oração por ele composta,Flos
Carmeli2. Segundo ele próprio relatou ao Pe. Pedro Swayngton, seu
secretário e confessor, de repente “a Virgem me apareceu em grande cortejo,
e, tendo na mão o hábito da Ordem, disse-me:
“‘Recebe, diletíssimo filho, este Escapulário de tua Ordem
como sinal distintivo e a marca do privilégio que eu obtive para ti e para
todos os filhos do Carmelo; é um sinal de salvação, uma salvaguarda
nos perigos, aliança de paz e de uma proteção sempiterna. Quem morrer revestido com ele será
preservado do fogo eterno’” 3.
Essa graça especialíssima foi imediatamente difundida nos lugares
onde os carmelitas estavam estabelecidos, e autenticada por muitos milagres
que, ocorrendo por toda parte, fizeram calar os adversários dosIrmãos da
Santíssima Virgem do Monte Carmelo.
São Simão atingiu extrema velhice e altíssima santidade, operando
inúmeros milagres, tendo também obtido o dom das línguas; entregou sua alma a
Deus em 16 de maio de 1265.
Privilégio
Sabatino: livre do Purgatório no primeiro sábado após a morte
Além dessa graça específica da salvação eterna, ligada ao
Escapulário, Nossa Senhora concedeu outra, que ficou conhecida como privilégio sabatino. No
século seguinte, apareceu Ela ao Papa João XXII, a 3 de março de 1322,
comunicando àqueles que usarem seu Escapulário: “Eu, sua Mãe, baixarei
graciosamente ao purgatório no sábado seguinte à sua morte, e os lavarei
daquelas penas e os levarei ao monte santo da vida eterna” 4.
Quais são, então, as promessas específicas de Nossa Senhora?
1º. Quem morrer com o Escapulário não padecerá o fogo do
inferno.
Que desejava Nossa Senhora dizer com estas palavras?— Em primeiro lugar, ao fazer a sua
promessa, Maria não quer dizer que uma pessoa que morra em pecado mortal se
salvará. A morte em pecado mortal e a condenação são uma e a mesma coisa. A
promessa de Maria traduz-se, sem dúvida, por estas outras palavras: “Quem morrer
revestido do Escapulário, não morrerá em pecado mortal”.
Para tornar isto claro, a Igreja insere, muitas vezes, a palavra “piamente” na promessa: “aquele que morrer piamente não
padecerá do fogo do inferno” 5.
2º. Nossa Senhora livrará do Purgatório quem portar seu Escapulário,
no primeiro sábado após sua morte.
Embora freqüentemente se interprete este privilégio ao pé da
letra, isto é, que a pessoa será livre do Purgatório no primeiro sábado após
sua morte, “tudo que a
Igreja, para explicar estas palavras, tem dito oficialmente em várias ocasiões,
é que aqueles que cumprem as condições do Privilégio Sabatino serão, por
intercessão de Nossa Senhora, libertos do Purgatório pouco tempo depois da
morte, e especialmente no sábado” 6.
De qualquer modo, se formos fiéis em observar as palavras da
Virgem Santíssima, Ela será muito mais fiel em observar as suas, como nos
mostra o seguinte exemplo:
Durante umas missões, tocado pela graça divina, certo jovem deixou
a má vida e recebeu o Escapulário. Tempos depois recaiu nos costumes
desregrados, e de mau tornou-se pior. Mas, apesar disso, conservou o santo
Escapulário.
A Virgem Santíssima, sempre Mãe, atingiu-o com grave enfermidade.
Durante ela, o jovem viu-se em sonhos diante do justíssimo tribunal de Deus,
que devido às suas perfídias e má vida, o condenou à eterna danação.
Em vão o infeliz alegou ao Sumo Juiz que portava o Escapulário de
sua Mãe Santíssima.
— E onde estão
os costumes que correspondem a esse Escapulário? — perguntou-lhe Este.
Sem saber o que responder, o desditoso voltou-se então para Nossa
Senhora.
— Eu não posso
desfazer o que meu Filho já fez —
respondeu-lhe Ela.
— Mas, Senhora! — exclamou o jovem— Serei outro.
— Tu me
prometes?
— Sim.
— Pois
então vive.
Nesse momento o doente despertou, apavorado com o que vira e
ouvira, fazendo votos de portar doravante mais seriamente o Escapulário de
Maria. Com efeito, sarou e entrou para a Ordem dos Premonstratenses. Depois de
vida edificante, entregou sua alma a Deus. Assim narram as crônicas dessa
Ordem7.
O
Escapulário e Fátima
Tem o Escapulário alguma relação com Fátima?
Sim. Após a última aparição de Nossa Senhora na Cova da Iria,
surgiram aos olhos dos três videntes diversas cenas. Na primeira, ao lado de
São José e tendo o Menino Jesus ao colo, Ela apareceu como Nossa Senhora do
Rosário. Em seguida, junto a Nosso Senhor acabrunhado de dores a caminho do
Calvário, surgiu como Nossa Senhora das Dores. Finalmente, gloriosa, coroada
como Rainha do Céu e da Terra, a Santíssima Virgem apareceu como Nossa Senhora
do Carmo, tendo o Escapulário à mão.
— Que pensa da
razão por que Nossa Senhora apareceu com o Escapulário nesta última visão?
— perguntaram a Lúcia em 1950.
— É que Nossa
Senhora quer que todos usem o Escapulário — respondeu ela.
“E é por este motivo que o Rosário e o Escapulário, os dois
sacramentais marianos mais privilegiados, mais universais, mais antigos e mais
valiosos, adquirem hoje uma importância maior do que em nenhuma passada época
da História” 8.
___________
Notas:
1. Cfr. John Haffert, Maria na sua promessa do
Escapulário, Edições Carmelo, Aveiro, Portugal, 1967, pp. 265-266.
2. Em latim, diz essa bela oração: “Flos
Carmeli, Vitis florigera, Splendor Coeli, Virgo puerpera, Singularis; Mater
mitis, sede viri nescia. Carmelitis da privilegia, Stella maris! (Flor do Carmelo, vide
florífera, Esplendor do Céu, Virgem incomparável, Singular! Ó Mãe amável e
sempre virgem, dai aos Carmelitas os privilégios de vossa proteção, Estrela do
Mar!).
3. Les
Petits Bollandistes, Bloud et Barral, Paris, 1882, p. 592.
4. Pe. Simón Ma. Besalduch, OCD, Enciclopedia del Escapulario del
Carmen, Luis Gili Editor, Librería
Cat. Barcelona.
5. John
Haffert, op. cit., p. 34.
6. Id.
ib., p. 112.
7. Enciclopedia
del Escapulario, p. 167.
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