No alvorecer do dia 13 de outubro de 1884, enquanto fazia a sua ação de graças, Leão XIII viu o diabo sendo desacorrentado no nosso mundo contemporâneo. Como age hoje em dia o anjo caído para atrair as almas? É o que veremos no presente artigo.
Por modo de ausência
Um espião invisível é bem mais poderoso do que um inimigo
descoberto. Eis a razão do demônio gostar de ser esquecido: quanto menos se
fala dele, menos é notado e denunciado, tornando-se mais poderoso e satisfeito.
Pois, desse modo, os homens não se previnem.
É o que ocorreu no fim do século XX. O diabo se esconde por
detrás de todos os erros que promovem o homem. Poderíamos pensar, inicialmente,
no ceticismo. Realmente, o racionalismo e, sobretudo, o cientificismo, são
engenhosos esconderijos para o príncipe deste mundo. O cientismo
particularmente, que busca demonstrar tudo por meio da ciência moderna
postulando a inutilidade de Deus, o poderio do homem e, portanto, a ausência do
demônio. Auguste Comte o formulou muito bem, ele, que chegou a inventar a
religião cientista, na qual o gênero humano seria o sacerdote da natureza.
Infelizmente, a igreja conciliar tomou a frente desse
mecanismo diabólico. O ecumenismo, cujo fundamento é a relativização de toda
verdade, tem por sucedâneo uma tamanha tolerância que tudo se torna verdadeiro
desde que os homens assim o pretendam. O mal não existe mais, as forças
diabólicas não têm razão de ser. Como disse recentemente o Papa Francisco a
propósito do vírus universal: o homem agrediu a natureza e ela lhe deu o troco
com esta doença.
Exit Deus da vida do homem. Exit portanto o demônio, que reina melhor quanto
mais escondido está.
Por modo de sugestão
O fato de ser ignorado não significa que ele não age, muito
ao contrário. E seu modo de agir é velho como o mundo. Desde Eva e até o final
dos tempos, a estratégia é a mesma. A tentação passa pelos sentidos exteriores,
penetra a imaginação para excitá-la antes de se propagar mais profundamente na
alma, com o intuito de arrancar da vontade o consentimento.
O ponto de partida não é difícil de se conhecer: são as três
concupiscências. O amor dos prazeres sensuais e grosseiros, a posse imoderada
de riquezas e bens desse mundo, o desejo de poder e o orgulho, tais são,
infelizmente, as tristes engrenagens de toda alma humana manchada pelo pecado
original. Não há nada de novo, a tática é sempre a mesma, mas funciona.
No tocante ao católico que combate e faz sacrifícios, o
demônio percebe logo que as sugestões grosseiras tem menos influência. É por
isso que, antes de tentá-lo no sentidos, obceca a imaginação ao ponto de
perturbar a sua inteligência. Ele quer que o vejamos por toda parte, que sua
presença assombre a tal ponto a alma que o pobre católico creia que atua de
modo universal em todos os acontecimentos da sua vida. Essa obsessão engendra a
necessidade impulsiva de falar do diabo a todo tempo, chegando ao ponto de
pedir um exorcismo. Sugestão terrível e diabólica que nos faz pensar no gato
que brinca sem parar com uma bola de meia.
Por modo de temor
Para além da sugestão a se mostrar por toda parte, o diabo
concentra a alma do infeliz homem. Então, a alma vive no temor, enxerga pecado
em tudo, dá à vida humana um aspecto pessimista e sombrio, em seguida engendra
o descorajamento interior.
Nisso, o demônio é fortíssimo. Ele insiste em uma verdade
essencial: é preciso combater o pecado e não abandonar a nossa alma no mal.
Mas, insiste a tal ponto nessa verdade, que nos faz esquecer o correlativo
necessário e redentor: a luta contra o pecado passa primeiro pelo amor de Deus.
Assim, a alma humana, ao invés de se entregar à confiança e à esperança
teologal, fecha-se num temor desmedido do demônio.
O mundo moderno que tanto escraviza os homens estimula o
medo nas almas humanas. O demônio se aproveita desse temor onipotente, aguça-o
para afastar as almas de Deus. O medo do demônio domina a alma e faz com
que se dê ao demônio demasiada importância. Quanto mais nos ocupamos dele e nos
concentramos na sua presença, mais nos esquecemos de que a alma é feita para Deus
e que, pela graça divina, ela está nas mãos do seu Criador.
Por modo divino
Finalmente, excetuando-se os católicos que conhecem o
demônio, obcecam-se por ele e caem nas suas redes, há ainda outros homens que o
conhecem bem. Infelizmente, não são católicos. Estes votam-lhe um verdadeiro
culto.
Essa é a vitória mais terrível do demônio, na qual toma o
lugar de Deus para ser honrado. Pense-se nos sacrifícios humanos, bem mais
numerosos do que parece. Pensem nas missas negras e comércios de crianças para
cumprir esses ritos. Pense-se finalmente como os príncipes da igreja conciliar
se entregam agora ao jogo do globalismo e da maçonaria, tornando o príncipe
desse mundo mestre do universo inteiro.
Um brilho sublime de
esperança
Em vista desse quadro, haveria motivo para se desesperar ou,
ao menos, para desanimar. Mas isso seria esquecer duas coisas:
A primeira, que nós não pertencemos àquela raça de fariseus
que procuravam a felicidade aqui embaixo. Os sequazes de Satanás podem fazer o
que querem, mas não podem nos fechar o Céu. Antes, é o Céu que se fecha para
eles.
A segunda é a palavra de Nosso Senhor aos seus apóstolos:
“tende confiança, eu venci o mundo”, subentende-se aqui o império de Satanás. E
acrescenta: “Eu estarei convosco todos os dias, até ao fim do mundo”.
Se Nosso Senhor está conosco, quem será contra nós?
(Tradução: Permanência. Le Chardonnet,
nov/2020)
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