Seja por sempre e em todas partes conhecido, adorado, bendito, amado, servido e glorificado o diviníssimo Coração de Jesus e o Imaculado Coração de Maria.

Nota do blog Salve Regina: “Nós aderimos de todo o coração e com toda a nossa alma à Roma católica, guardiã da fé católica e das tradições necessárias para a manutenção dessa fé, à Roma eterna, mestra de sabedoria e de verdade. Pelo contrário, negamo-nos e sempre nos temos negado a seguir a Roma de tendência neomodernista e neoprotestante que se manifestou claramente no Concílio Vaticano II, e depois do Concílio em todas as reformas que dele surgiram.” Mons. Marcel Lefebvre

Pax Domini sit semper tecum

Item 4º do Juramento Anti-modernista São PIO X: "Eu sinceramente mantenho que a Doutrina da Fé nos foi trazida desde os Apóstolos pelos Padres ortodoxos com exatamente o mesmo significado e sempre com o mesmo propósito. Assim sendo, eu rejeito inteiramente a falsa representação herética de que os dogmas evoluem e se modificam de um significado para outro diferente do que a Igreja antes manteve. Condeno também todo erro segundo o qual, no lugar do divino Depósito que foi confiado à esposa de Cristo para que ela o guardasse, há apenas uma invenção filosófica ou produto de consciência humana que foi gradualmente desenvolvida pelo esforço humano e continuará a se desenvolver indefinidamente" - JURAMENTO ANTI-MODERNISTA

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Eu conservo a MISSA TRADICIONAL, aquela que foi codificada, não fabricada, por São Pio V no século XVI, conforme um costume multissecular. Eu recuso, portanto, o ORDO MISSAE de Paulo VI”. - Declaração do Pe. Camel.

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Ao negar a celebração da Missa Tradicional ou ao obstruir e a discriminar, comportam-se como um administrador infiel e caprichoso que, contrariamente às instruções do pai da casa - tem a despensa trancada ou como uma madrasta má que dá às crianças uma dose deficiente. É possível que esses clérigos tenham medo do grande poder da verdade que irradia da celebração da Missa Tradicional. Pode comparar-se a Missa Tradicional a um leão: soltem-no e ele defender-se-á sozinho”. - D. Athanasius Schneider

"Os inimigos declarados de Deus e da Igreja devem ser difamados tanto quanto se possa (desde que não se falte à verdade), sendo obra de caridade gritar: Eis o lobo!, quando está entre o rebanho, ou em qualquer lugar onde seja encontrado".- São Francisco de Sales

“E eu lhes digo que o protestantismo não é cristianismo puro, nem cristianismo de espécie alguma; é pseudocristianismo, um cristianismo falso. Nem sequer tem os protestantes direito de se chamarem cristãos”. - Padre Amando Adriano Lochu

"MALDITOS os cristãos que suportam sem indignação que seu adorável SALVADOR seja posto lado a lado com Buda e Maomé em não sei que panteão de falsos deuses". - Padre Emmanuel

“O conteúdo das publicações são de inteira responsabilidade de seus autores indicados nas matérias ou nas citações das referidas fontes de origem, não significando, pelos administradores do blog, a inteira adesão das ideias expressas.”

14/09/2012

O PASTOR DE HERMAS - III PARTE

manuscrito do Pastor de Hermas

O PASTOR DE HERMAS - III PARTE
O PASTOR
Autor: Hermas
Tradução: Ivo Storniolo/Euclides M. Balancim
Fonte: Site “Ictis”

Esta obra foi escrita em meados do segundo século por Hermas, entre 142 e 155 d.C.
Foi um dos escritos mais considerados da antiguidade cristã; por muito tempo, tida como inspirada, inclusive alguns a colocavam no Cânon do NT. As frequentes referências que se encontram dela em várias obras do período patrístico, demonstram a alta estima em que era tida. A obra era muito usada no cristianismo primitivo para instruir aqueles que acabavam de entrar na Igreja e queriam ser instruídos na piedade, como podemos comprovar no início do século IV no testemunho de Eusébio (HE, III,3:6).
Após larga difusão, especialmente, no Oriente, nas Igrejas gregas, inspirado para uns, apenas útil para todos e até mesmo recusado por outros, o Pastor foi, definitivamente, colocado entre os apócrifos após o Concílio Ecumênico de Hipona em 393, onde a Igreja definiu o catálogo bíblico.
Trata-se de uma obra longa, com 114 capítulos dispostos em 3 partes: 5 visões, 12 mandamentos e 10 Parábolas.
A preocupação central de Hermas não é doutrinário-dogmática, mas moral. Seu argumento principal é a necessidade de penitência indo ao encontro da misericórida divina. O leitor notará que o conceito de penitência, isto é, meios de santificação do homem, corresponde aos Sacramentos da Igreja. A Eclesiologia em Hermas, domina a idéia de que a Igreja é uma instituição necessária para a salvação. Quanto a Cristo, Hermas não emprega nenhuma vez, ao longo de sua obra, os termos Jesus Cristo, ou Logos. Chama-o de Salvador, Filho de Deus e Senhor. A Cristologia de Hermas suscitou dificuldades, pois segundo sua obra, há duas pessoas em Deus: Deus Pai e Deus-Espírito-Filho.

O PASTOR DE HERMAS

PARÁBOLAS

PRIMEIRA PARÁBOLA
CAPÍTULO 50
Ele me disse: "Vós, servos de Deus, sabeis que habitais em terra estrangeira. De fato, vossa cidade acha-se longe desta cidade. Portanto, se conheceis vossa cidade, aquela que deveis habitar, por que correis assim atrás de campos, instalações luxuosas, palácios e mansões inúteis? Quem procura tais coisas nesta cidade não espera retornar à sua própria cidade. Insensato, vacilante, homem infeliz! Ignoras que tudo isso é estrangeiro e está em poder de outro? De fato, o dono desta cidade dirá: 'Não quero que habites na minha cidade. Vai embora daqui, porque não obedeces às minhas leis'. Então, tu, que possuis campos, casas e muitos bens, ao ser expulso por ele, o que farás com teu campo, tua casa e tudo o que te resta do que acumulaste? Porque o dono desta cidade te diz justamente: 'Ou obedeces às minhas leis, ou sais do meu país'. Portanto, o que farás, tu que segues a lei da tua cidade? Por causa de teus campos e do resto de teus bens, renegarás tua lei e andarás de acordo com a lei dessa cidade? Atenção! É perigoso renegar tua lei, porque, se queres retornar à tua cidade, temo que não te acolham mais, por teres renegado a lei de tua cidade, e assim sejas excluído dela. Vigia, portanto. Visto que moras em terra estrangeira, não reserves para ti senão o estritamente necessário, e estejas pronto. Desse modo, quando o dono dessa cidade quiser te expulsar, porque te opões às suas leis, sairás da sua cidade, chegarás à tua, e aí viverás conforme tua lei, sem prejuízo e com alegria. Atenção, vós que servis ao Senhor e o tendes no coração. Praticai as obras de Deus, lembrando-vos de seus mandamentos e das promessas que ele vos fez. Crede que ele as manterá, se seus mandamentos forem observados. Em lugar de campos, resgatai os oprimidos, conforme cada um puder; visitai as viúvas e os órfãos, e não os desprezeis. Gastai vossas riquezas e todos os vossos bens, que recebestes de Deus, nesses campos e casas. De fato, o Senhor vos enriqueceu, para que presteis a ele tais serviços. E melhor adquirir esses campos, bens e casas, que reencontrarás em tua cidade, quando aí retornares. Esse investimento é nobre e alegre, não produz tristeza, nem medo, mas alegria. Não procureis o investimento dos pagãos, perigoso para os servos de Deus. Fazei vossos próprios investimentos, com os quais podeis alegrar-vos. Não cometais fraude, não toqueis nos bens de outros, nem os desejeis, porque é mau desejar os bens alheios. Realiza tua tarefa, e serás salvo."

SEGUNDA PARÁBOLA
CAPÍTULO 51
Caminhava eu para o meu campo e, observando um olmeiro e uma videira, refletia sobre essas árvores e seus frutos. Então o Pastor me apareceu e disse: "O que pensas sobre o olmeiro e a videira?" Eu respondi: "Senhor, penso que eles se completam perfeitamente." Ele disse: "Essas duas árvores existem para servir de modelo aos servos de Deus." Eu pedi: "Desejaria saber o modelo que podem oferecer essas árvores das quais falas." Ele perguntou: "Vês o olmeiro e a videira?" Respondi: "Sim, senhor." Ele continuou: "A videira produz frutos, mas o olmeiro é estéril. Entretanto, se essa videira não se prende ao olmeiro, fica estendida no chão e não produzirá frutos. Os frutos que produzir apodrecerão, se ela não estiver suspensa no olmeiro. Vês, portanto, que o olmeiro também dá muitos frutos, não menos que a videira, e até mais." Eu perguntei: "Por que mais, Senhor?" Ele respondeu: "Porque a videira suspensa no olmeiro dá muitos frutos belos, ao passo que estendida no chão só produz frutos podres e poucos. Essa parábola vale para os servos de Deus, o pobre e o rico." Eu perguntei: "Senhor, como assim? Explica-me." Ele respondeu: "Escuta. O rico tem muitos bens, mas aos olhos do Senhor ele é pobre, porque se distrai com suas riquezas. A oração e a confissão ao Senhor não lhe são importantes e, se ele as faz, são breves, fracas e sem nenhum poder. Contudo, se o rico se volta para o pobre e atende às suas necessidades, crendo que o bem que ele fez ao pobre poderá encontrar sua retribuição junto a Deus (porque o pobre é rico por sua oração e confissão, e sua oração tem grande poder junto de Deus), então o rico atende sem hesitação às necessidades do pobre. Assim, o pobre, socorrido pelo rico, reza por ele e agradece a Deus pelo seu benfeitor; este, por sua vez, redobra o zelo para com o pobre, para que não lhe falte nada na vida, pois sabe que a oração do pobre é bem acolhida e rica junto a Deus. Desse modo, ambos cumprem sua tarefa: o pobre o faz mediante sua oração, que é sua riqueza recebida do Senhor. Ele a devolve ao Senhor na intenção daquele que o ajuda. E o rico, sem hesitação, dá ao pobre a riqueza que recebeu do Senhor. Essa é uma ação nobre e bem acolhida por Deus, porque o rico compreendeu perfeitamente o sentido da sua riqueza e partilhou com o pobre os dons do Senhor, cumprindo assim, convenientemente, a sua tarefa. Para os homens, o olmeiro parece não produzir fruto. Eles não ignoram e não compreendem que, se vier seca, o olmeiro, que conserva água, nutre a videira, e esta, continuamente provida de água, produz o duplo de frutos, para ela mesma e para o olmeiro. Da mesma forma, os pobres, rezando ao Senhor para os ricos, asseguram pleno desenvolvimento às riquezas deles. Por sua vez, os ricos, atendendo às necessidades dos pobres, dão satisfação à sua alma. Portanto, ambos participam da ação justa. Quem age assim não será abandonado por Deus, mas será inscrito no livro dos viventes. Felizes os que possuem e compreendem que o Senhor preserva suas riquezas, pois aquele que o compreende poderá também prestar bons serviços."

TERCEIRA PARÁBOLA
CAPÍTULO 52
Ele me mostrou muitas árvores sem folhas, que me pareciam mortas, e eram todas semelhantes. E me perguntou: "Vês essas árvores?" Respondi: "Sim, senhor, eu as vejo: são semelhantes e mortas." Ele continuou: "Essas árvores que vês são os habitantes deste mundo." Eu perguntei: "Senhor, então por que são semelhantes e mortas?" Ele respondeu: "Porque os justos e os pecadores não se distinguem neste mundo, mas são semelhantes. De fato, para os justos este mundo é inverno, e eles não se distinguem, pois nele habitam juntamente com os pecadores. No inverno, despojadas de suas folhas, as árvores são semelhantes, e não se distingue quais estão mortas e quais vivas. Da mesma forma, os justos e os pecadores não se distinguem neste mundo; são todos semelhantes."

QUARTA PARÁBOLA
CAPÍTULO 53
De novo, ele me mostrou muitas árvores, umas verdes e outras secas. E me disse: "Vês essas árvores?" Respondi: "Sim, senhor, eu as vejo: umas estão verdes e outras secas." Ele continuou: "As árvores verdes são os justos, que habitarão no mundo que está para chegar. De fato, o mundo que está para chegar será verão para os justos e inverno para os pecadores. Portanto, quando brilhar a misericórdia do Senhor os servos de Deus poderão ser distinguidos e serão visíveis para todos. No verão, os frutos de cada árvore aparecem e se pode saber de que espécie são. Do mesmo modo, naquele mundo os frutos dos justos serão manifestos e se saberá que todos eles são vigorosos. Entretanto, naquele mundo, os pagãos e os pecadores, as árvores secas que viste, serão encontrados secos e mortos, e serão queimados, como madeira morta, patenteando-se assim que durante a vida deles sua conduta foi má. De fato, os pecadores serão queimados, porque pecaram e não fizeram penitência; os pagãos serão queimados porque não conheceram o seu Criador. Portanto, leva frutos em ti mesmo, para que, naquele verão, teu fruto seja conhecido. Evita muitas ocupações e não cometas nenhum pecado. Os que se carregam de muitas ocupações cometem também muitos pecados. São absorvidos por seus negócios e não servem mais em nada ao Senhor. Como poderia o homem assim pedir algo ao Senhor e ser atendido, se ele não serve ao Senhor? Os que o servem, receberão o que pedem, mas os que não o servem, não receberão absolutamente nada. Aquele que tem apenas uma ocupação, pode também servir ao Senhor; o seu pensamento não se corromperá longe do Senhor, mas o servirá, conservando pensamento puro. Se assim fizeres, poderás levar frutos para o mundo que está para chegar. Qualquer um que fizer isso, levará frutos."

QUINTA PARÁBOLA
CAPÍTULO 54
Eu jejuava, sentado sobre um monte, e agradecia a Deus tudo o que ele fizera por mim. Então vi o Pastor sentado junto de mim, dizendo: "Por que vieste aqui tão cedo?" (Eu respondi): "Senhor, porque estou montando guarda." EIe perguntou: "Que quer dizer guarda?" Eu respondi: "Senhor, estou jejuando." Ele continuou: "E que jejum é esse que estás fazendo?" Eu respondi: "Senhor, eu jejuo por costume." Ele disse: "Não sabes jejuar para o Senhor, e esse jejum que fazes é sem valor." Eu perguntei: "Senhor, por que dizes isso?" Ele explicou: "Digo-te que não é jejum esse que imaginas fazer. Eu te ensinarei, porém, qual é o jejum agradável e perfeito para o Senhor." Eu disse: "Sim, senhor. Tu me farás feliz, se eu puder conhecer o jejum que agrada a Deus." Então ele explicou: "Escuta. Deus não deseja esse jejum vazio. Com efeito, jejuando desse modo para Deus, não farás nada para a justiça. Jejua do seguinte modo: Não faças nada de mau em tua vida e serve ao Senhor de coração puro; observa seus mandamentos, andando conforme seus preceitos, e que nenhum desejo mau entre em teu coração, e crê em Deus. Se fizeres isso e o temeres, abstendo-te de toda obra má, viverás em Deus. Se cumprires essas coisas, farás um jejum grande e agradável ao Senhor."

CAPÍTULO 55
Escuta a parábola sobre o jejum. Um homem possuía um campo e muitos escravos, e mandou plantar uma vinha numa parte do campo. Ele escolheu um servo muito fiel e estimado, chamou-o e lhe disse: "Toma conta desta vinha que plantei e, durante minha ausência, coloca as estacas. Não faças mais nada na vinha. Observa esta minha ordem e serás livre na minha casa." Então o senhor do escravo saiu de viagem. Depois que partiu, o escravo tomou conta e estaqueou. Tendo terminado de estaquear, viu que a vinha estava cheia de mato. Então refletiu e disse: "Já executei a ordem do senhor. Agora capinarei a vinha, pois capinada ficará mais bela e, não sendo sufocada pelo mato, produzirá mais fruto. Decidido, capinou a vinha e arrancou todo o mato que havia nela. Sem o mato que a sufocava, a vinha ficou mais bela e florescente. Depois de certo tempo, o senhor do campo e do servo voltou. Foi até à vinha e, vendo que estava muito bem estaqueada, capinada, o mato extirpado e que as videiras floresciam, ficou muito satisfeito com o trabalho do escravo. Chamou então seu filho amado, que era o herdeiro, e seus amigos conselheiros. Disse-lhes o que ordenara ao escravo e tudo o que ele vira executado. Eles se alegraram com o escravo, por causa do testemunho que o patrão dera dele. Então o patrão lhe disse: "Prometi a liberdade a esse escravo, se ele executasse a ordem que lhe dera. Ele não só executou a ordem, mas fez bom trabalho na vinha, e isso me agradou muito. Portanto, como recompensa do trabalho que ele realizou, quero que seja herdeiro junto com meu filho, porque teve uma boa idéia e, ao invés de descartá-la, a realizou." O filho do senhor aprovou a intenção de designar o escravo como seu co-herdeiro. Alguns dias mais tarde, o patrão dava um banquete e enviou muita comida do banquete ao escravo. Este aceitou a comida que o senhor lhe enviara, reteve o suficiente para si e distribuiu o resto a seus companheiros de escravidão. Os companheiros o receberam, se alegraram e começaram a rezar para que ele, que os tratara tão bem, recebesse ainda mais favores do senhor. "O senhor soube de tudo o que acontecera e de novo se alegrou muito com a conduta do escravo. Chamou novamente os amigos e o filho e contou-lhes a respeito da atitude do servo quanto à comida recebida. E eles concordaram mais ainda que o servo se tornasse herdeiro juntamente com o filho do senhor."

CAPÍTULO 56
Eu lhe disse: "Senhor, não compreendo essas parábolas, nem as poderei entender, se não me explicares." EIe respondeu: "Vou te explicar tudo, e, te esclarecerei tudo que eu falar. Guarda os mandamentos do Senhor, e lhe serás agradável e contado entre os que observam seus mandamentos. Se fizeres algo de bom, além do mandamento de Deus, conseguirás glória maior e serás glorificado junto a Deus, mais do que deverias ser. Portanto, se, observando os mandamentos de Deus, acrescentares essas boas obras, te alegrarás, se as observares conforme a minha ordem." Eu lhe disse: "Senhor, observarei tudo o que me indicares, pois sei que estás comigo." Ele me respondeu: "Estarei contigo, pois tens esse desejo de fazer o bem, e estarei com todos os que têm o mesmo desejo. Se os mandamentos do Senhor são observados, teu jejum é muito bom. Eis como observarás o jejum que queres praticar: Antes de tudo, guarda-te de toda palavra má, de todo desejo mau, e purifica teu coração de todas as coisas vãs deste mundo. Se observares isso, teu jejum será perfeito. E jejuarás do seguinte modo: depois de cumprir o que foi escrito, no dia em que jejuares, não tomarás nada, a não ser pão e água. Calcularás o preço dos alimentos que poderias comer nesse dia e o porás à parte para dar a uma viúva, a um órfão ou necessitado e, desse modo, te tornarás humilde. Graças a essa humildade, quem tiver recebido ficará saciado e rogará ao Senhor por ti. Se jejuares como te ordenei, teu sacrifício será aceito por Deus, teu jejum será anotado, e o serviço, assim realizado, será bom, alegre e bem acolhido pelo Senhor. Observarás isso com teus filhos e toda a tua família. Desse modo, serás feliz, e todos os que ouvirem esses preceitos e os observarem, serão felizes e receberão do Senhor as coisas que pedirem."

CAPÍTULO 57
Eu lhe pedi insistentemente que me explicasse o sentido simbólico do campo, do senhor, da vinha, do escravo que estaqueara a vinha, do filho e dos amigos conselheiros, pois compreendera que tudo isso era uma parábola. Ele me respondeu: "És muito ousado em tuas perguntas! De modo algum deves perguntar, pois, se alguma coisa se deve explicar a ti, será explicada." Eu lhe disse: "Senhor, tudo o que me mostrares sem explicar, será inútil que eu veja, pois não compreenderei o que significa. Da mesma forma, se me contas parábolas sem explicá-las, terei ouvido em vão alguma coisa de ti." De novo, ele me respondeu, dizendo: "Todo servo de Deus que tem o Senhor em seu coração, pode lhe pedir a compreensão e obtê-la. Ele poderá, então, explicar qualquer parábola e, graças ao Senhor, tudo o que for dito em parábolas será compreensível para ele. Os indolentes e preguiçosos para a oração, porém, vacilam em pedir ao Senhor. O Senhor é misericordioso e atende todos os que lhe pedem sem hesitação. Tu, porém, que foste fortificado pelo anjo glorioso e dele recebeste essa oração, e não és preguiçoso, por que não pedes a compreensão? Tu a receberás." Eu repliquei: "Senhor, tendo a ti comigo, tenho necessidade de te pedir e perguntar. Com efeito, tu me mostras tudo e falas comigo. Se eu visse ou ouvisse essas coisas sem ti, pediria ao Senhor que as explicasse a mim".

CAPÍTULO 58
Ele continuou: "Já te disse, e não faz muito, que és esperto e ousado para pedir explicação das parábolas. Como és tão perseverante, vou te explicar o sentido simbólico do campo e de tudo o mais que o acompanha, para que possas explicá-lo a todos. Escuta, portanto, e compreende. O campo é este mundo, e o dono do campo é aquele que criou todas as coisas, que as organizou e lhes deu força. O filho é o Espírito Santo, e o escravo é o Filho de Deus. As videiras são o povo, que ele mesmo plantou. As estacas são os santos anjos do Senhor, que protegem o seu povo. O mato arrancado da vinha são as iniqüidades dos servos de Deus. A comida do banquete que ele enviou ao escravo são os mandamentos que ele deu por meio de seu filho. Os amigos e conselheiros, são os primeiros santos anjos criados. A viagem do senhor é o tempo que resta para a sua parusia." Eu lhe perguntei: "Senhor, tudo isso é grande, admirável e glorioso. Como poderei, Senhor, compreender essas coisas por mim mesmo? Nenhum outro homem, ainda que fosse muito inteligente, poderia compreendê-las. Explica-me ainda, Senhor, o que vou perguntar." Ele disse: "Se desejas alguma explicação, podes pedi-la." Eu perguntei: "Senhor, por que o Filho de Deus aparece na parábola sob forma de escravo?"

CAPÍTULO 59
Ele respondeu: "Escuta. O Filho de Deus não aparece sob a forma de escravo, mas com grande poder e soberania." Eu disse: "Como, senhor? Não compreendo." Ele continuou: "Porque Deus plantou a vinha, isto é, criou o seu povo e o entregou a seu Filho, e o Filho estabeleceu os anjos sobre eles para guardá-los individualmente. Ele próprio purificou os pecados deles, trabalhando muito e suportando muitas fadigas, pois ninguém pode capinar uma vinha sem trabalho e fadiga. Ele, portanto, tendo purificado os pecados do povo, ensinou os caminhos da vida, dando-lhes a lei, que recebera de seu Pai. Observa que ele é o senhor do povo, porque recebeu todo o poder do seu Pai. Escuta por que o Senhor nomeou seu Filho conselheiro e os anjos gloriosos para decidir a herança que deveria ser dada ao escravo. Deus fez habitar na carne que ele havia escolhido o Espírito Santo preexistente, que criou todas as coisas. Essa carne, em que o Espírito Santo habitou, serviu muito bem ao Espírito, andando no caminho da santidade e pureza, sem macular em nada o Espírito. Ela se portou digna e santamente, participou dos trabalhos do Espírito e colaborou com ele em todas as coisas. Comportou-se com firmeza e coragem e, por isso, Deus a escolheu como companheira do Espírito Santo. Com efeito, a conduta dessa carne agradou a Deus, pois ela não se maculou na terra, enquanto possuía o Espírito Santo. Ele tomou então o Filho e os anjos gloriosos por conselheiros, para que essa carne, que tinha servido ao Espírito irrepreensivelmente, obtivesse um lugar de repouso e não parecesse ter perdido a recompensa pelo seu serviço. Toda carne em que o Espírito Santo habitou e que for encontrada pura e sem mancha, receberá sua recompensa. Aí tens a explicação dessa parábola."

CAPÍTULO 60
Eu disse: "Senhor, fiquei contente em ouvir a explicação." Ele disse: "Escuta agora. Guarda tua carne pura e sem mancha; para que o espírito, que nela habita, dê testemunho em favor dela e assim seja justificada. Cuida para que nunca entre em teu coração a idéia de que tua carne é perecível. E cuidado para não abusar dela com alguma impureza. Se manchas tua carne, mancharás também o Espírito Santo. Portanto, se manchas tua carne, não viverás." Eu perguntei: "Senhor, se tiver havido alguma ignorância antes que essas palavras tivessem sido ouvidas, como se pode salvar o homem que manchou a sua carne?" Ele respondeu: "Quanto às ignorâncias anteriores, somente Deus pode conceder a cura, pois ele tem todo o poder. Agora, porém, estejas atento, e o Senhor, em sua grande misericórdia, as curará, se doravante não manchares nem tua carne, nem teu espírito, pois os dois vão juntos e não podem manchar-se um sem o outro. Portanto, conserva os dois puros, e viverás em Deus."

SEXTA PARÁBOLA
CAPÍTULO 61
Sentado em casa, eu glorificava ao Senhor por tudo que tinha visto, e meditava sobre os mandamentos, descobrindo que eles são bons, fortes, alegres, gloriosos e capazes de salvar a alma do homem. E dizia a mim mesmo: "Serei feliz, se caminhar conforme esses mandamentos, e qualquer um que andar nesse caminho também será feliz." Enquanto dizia isso a mim mesmo, de repente vi o pastor ao meu lado dizendo: "Por que duvidas a respeito dos mandamentos que te dei? Eles são bons. Não duvides em nada. Ao contrário, reveste-te da fé do Senhor e andarás em seus caminhos, porque eu te fortificarei neles. Esses mandamentos são úteis para os que farão penitência, porque, se não andarem nesse caminho, sua penitência será inútil. Vês, portanto, que fazeis penitência, rejeitai os males deste mundo, que vos aniquilam. Revestidos de toda a virtude de justiça, podereis observar os meus preceitos, mas não acrescenteis pecados aos vossos pecados. Se não acrescentardes mais pecados, cancelarei os vossos pecados passados. Caminhai, portanto, conforme os meus mandamentos, e vivereis em Deus. Todas essas coisas vos foram ditas por mim." Depois de me dizer isso, ele acrescentou: "Vamos ao campo, e te mostrarei os pastores das ovelhas." Eu disse: "Vamos, Senhor." Fomos para uma planície, e ele me mostrou um jovem pastor, vestido com roupa amarela. Apascentava numerosas ovelhas, as quais viviam de modo voluptuoso e dissoluto, saltando alegremente de cá para lá. O pastor também estava muito satisfeito com seu rebanho; sua fisionomia era alegre, e ele andava de um lado para o outro, no meio das ovelhas. Vi também outras ovelhas juntas, dissolutas e voluptuosas; mas estas não saltavam.

CAPÍTULO 62
Então ele me perguntou: "Vês esse pastor?" Eu respondi: "Vejo, senhor." Ele continuou: "E o anjo da volúpia e do erro. Ele aniquila as almas dos servos de Deus que são vazios, desviando-os da verdade e enganando-os com maus desejos, nos quais eles morrem. De fato, eles esquecem os mandamentos do Deus vivo e caminham nos enganos e volúpias vãs, e são destruídos por esse anjo: alguns morrem, outros se corrompem." Eu lhe disse: "Senhor, não sei o que é essa morte e essa corrupção." Ele respondeu: "Escuta. Todas as ovelhas que viste muito alegres e saltitantes são os que se separaram definitivamente de Deus e se entregaram às paixões deste mundo. Para eles não há mais penitência para a vida, porque, além de tudo, blasfemaram contra o nome do Senhor. Para eles, portanto, resta apenas a morte. Aquelas que viste, pastando no mesmo lugar sem saltitar, são os que se entregaram às volúpias e aos enganos, mas sem blasfemar contra o Senhor. Corromperam-se longe da verdade. Para eles, portanto, existe esperança de penitência, a fim de que possam viver. A corrupção conserva ainda alguma esperança de restauração, ao passo que a morte implica em perdição eterna." Avançamos um pouco, e ele me mostrou um pastor de porte alto e de aspecto selvagem, vestido com pele branca de cabra, com bornal nas costas, e na mão um cajado rude e cheio de nós e um grande chicote. Seu olhar era tão severo que me infundiu medo. Assim era o seu olhar! Esse pastor recebia do pastor jovem as ovelhas dissolutas e voluptuosas, mas que não saltitavam. Ele as impelia para lugar escarpado, cheio de espinhos e cardos, e as ovelhas não conseguiam livrar-se dos espinhos e dos cardos, pois ficavam emaranhadas neles. Pastavam presas, entre os espinhos e cardos, e sofriam muito, açoitadas pelo pastor, o qual as fazia andar de cá para lá, sem lhes dar descanso, e elas jamais se tranqüilizavam.

CAPÍTULO 63
Ao vê-Ias assim flageladas e atormentadas, fiquei triste por elas, porque assim torturadas não tinham nenhum tipo de trégua. Então perguntei ao pastor que conversava comigo: "Senhor, quem é esse pastor tão cruel e severo, que não tem nenhuma piedade dessas ovelhas?" Ele respondeu: "Esse é o anjo do castigo. Ele é justo, mas foi encarregado do castigo. Ele recebe aqueles que vagueiam longe de Deus e que seguiram o caminho dos desejos e enganos deste mundo. Ele os pune conforme cada um merece, com castigos terríveis e variados." Eu pedi: "Senhor, eu desejaria saber quais são esses diversos castigos." Ele continuou: "Escuta quais são as diversas provações e castigos. As provações são as da vida. Alguns são castigados com prejuízos, outros pela indigência outros por doenças diversas, outros por alguma insegurança e outros ainda são injuriados por pessoas indignas e têm que sofrer muitas outras calamidades. De fato, incertos em suas intenções, muitos se lançam a muitas coisas, mas em nada conseguem sucesso. Dizem que não são felizes em seus negócios e não lhes entra no coração que cometeram ações más; ao contrário, acusam o Senhor. Quando são atribulados por essas provações, são entregues a mim para uma boa reeducação. Eles se reforçam na fé do Senhor e o servem, de coração puro, pelo resto de seus dias. Quando fazem penitência, as obras más que praticaram lhes entram no coração e então eles glorificam a Deus, porque é juiz justo e porque cada um sofreu justamente por suas próprias ações. Doravante, eles servem ao Senhor de coração puro e têm sucesso em tudo o que fazem, pois recebem do Senhor tudo o que pedem. Então eles glorificam ao Senhor, por terem sido entregues a mim, e já não sofrem mal nenhum".

CAPÍTULO 64
Eu lhe disse: "Senhor, explica-me ainda esse ponto." Ele perguntou: "O que procuras ainda?" Eu continuei: "Senhor, os voluptuosos e transviados são atormentados por tanto tempo quanto aquele em que foram voluptuosos e transviados?" Ele respondeu: "São atormentados durante tempo igual." Observei: "Senhor, são atormentados por pouquíssimo tempo. Com efeito, seria preciso que as pessoas que vivem assim na volúpia e se esquecem de Deus, fossem torturadas por tempo sete vezes maior." Ele me disse: "Insensato! Não conheces a força do tormento." Eu respondi: "Senhor, se eu conhecesse, não pediria explicação." Ele continuou: "Escuta qual é a força de uma e outra coisa. O tempo da volúpia e do engano é de uma hora; mas uma hora de tormento tem a força de trinta dias. Passando um dia na volúpia e no engano, e um dia nos tormentos, esse dia de tormento vale por um ano inteiro. A pessoa é atormentada por tantos anos quantos dias passou na volúpia. Vês, portanto, que o tempo da volúpia e do engano é mínimo, mas o do castigo e do tormento é longo."

CAPÍTULO 65
Eu disse: "Senhor, não compreendi inteiramente os tempos do engano, da volúpia e do tormento. Explica-me com mais clareza." Ele respondeu: "Tua insensatez é insistente e não queres purificar teu coração e servir a Deus. Cuidado para que o tempo não se cumpra e sejas encontrado insensato. Ouve, portanto, para compreender o que desejas. Aquele que vive um dia na volúpia e no engano, fazendo o que quer, reveste-se de muita insensatez e não percebe a ação que faz. No dia seguinte, esquece o que fez no dia anterior. A volúpia e o engano não têm memória, por causa da insensatez de que se revestem. Quando, porém, o castigo e o tormento se ligam ao homem por um dia, é durante um ano todo que ele é castigado e atormentado, pois o castigo e o tormento têm grande memória. Atormentado e castigado durante um ano inteiro, ele se lembra então da volúpia e do engano, e reconhece que é por causa deles que sofre esses males. Todo homem que vive na volúpia e no engano é assim atormentado, porque, possuindo a vida, ele se entregara à morte." Eu perguntei: "Senhor, quais são as volúpias perniciosas?" Ele respondeu: "Tudo o que o homem faz com prazer, é volúpia. Assim o colérico, fazendo aquilo que é conforme a sua paixão, é voluptuoso. O mesmo acontece com o adúltero, o bêbado, o maledicente, o mentiroso, realizando aquilo que é conforme à sua própria doença, se entrega por esse ato à volúpia. Todas essas volúpias são más para os servos de Deus. Portanto, é por causa desses enganos que sofrem aqueles que são castigados e atormentados. Contudo, há também volúpias que salvam os homens, pois muitos experimentam volúpia em fazer o bem: são impulsionados pelo próprio prazer. Essa é volúpia proveitosa para os servos de Deus e traz vida para o homem. As volúpias perniciosas, de que falamos antes, só lhe trazem tormentos e castigos. Caso se obstinem e não se arrependam, acarretam a morte para si mesmos."

SÉTIMA PARÁBOLA
CAPÍTULO 66
Poucos dias depois, vi o pastor na mesma planície onde tinha visto também os pastores, e ele me perguntou: "O que procuras ainda?" Respondi: "Senhor, estou aqui a fim de te pedir que mandes o pastor justiceiro sair da minha casa, pois ele me atribula muito." Ele disse: "É preciso que sejas atribulado. Com efeito, foi assim que o anjo glorioso ordenou a respeito de ti. Ele quer que sejas provado." Perguntei: "Senhor, o que fiz de tão mau, para ser entregue a esse anjo?" Ele respondeu: "Escuta. Teus pecados são numerosos, mas não tanto para que sejas entregue a esse anjo. Todavia, tua família cometeu grandes pecados e iniqüidades, e o anjo glorioso ficou irritado com as obras deles e, por isso, ordenou que sejas atribulado por algum tempo. Dessa forma, eles farão penitência e se purificarão de todo desejo deste mundo. Quando se tiverem arrependido e purificado, o anjo do castigo se afastará." Perguntei-lhe: "Senhor, se foram eles que fizeram essas coisas para irritar o anjo glorioso, que fiz eu? Ele respondeu: "E que não há outro modo para que eles sejam atribulados, se tu, chefe da família, não sofreres tribulação. Porque sendo tu atribulado, eles forçosamente o serão também, mas, se tiveres prosperidade, nenhuma tribulação poderá atingi-los." Eu repliquei: "Senhor, eles já fizeram penitência de todo o coração." Ele respondeu: "Eu sei muito bem que eles fizeram penitência do fundo do coração. Você pensa que os pecados daqueles que fazem penitência são imediatamente remidos? De modo algum. E preciso que aquele que fez penitência prove sua própria alma, se humilhe profundamente em tudo o que faz e passe por muitas e variadas tribulações. Se ele suportar as tribulações que lhe sobrevierem, aquele que tudo criou e fortaleceu terá compaixão dele e lhe concederá a cura. Isso acontecerá seguramente, se ele vir puro de toda coisa má o coração do penitente. E, portanto, proveitoso a ti e à tua família passar agora por tribulações. Mas, por que estou falando tanto? Tens que passar por tribulações, conforme ordenou esse anjo do Senhor que te confiou a mim. Agradece ao Senhor por julgar-te digno de te mostrar previamente a tribulação. Dessa forma, conhecendo-a de antemão, tu a suportarás valorosamente." Eu lhe pedi: "Senhor, fica comigo, e eu poderei suportar qualquer tribulação." Ele respondeu: "Eu estarei contigo, e pedirei ao anjo justiceiro para te atribular mais suavemente. Todavia, serás atribulado por pouco tempo, e depois serás restabelecido em teu lugar. Continua, porém, a te humilhar e a servir ao Senhor de coração puro - tu, teus filhos e tua família - e anda conforme os meus mandamentos que te dei. Desse modo, tua penitência poderá ser firme e pura. Se observares isso com tua família, toda tribulação se afastará de ti. E a tribulação também se afastará de todos os que andarem conforme os meus mandamentos."

OITAVA PARÁBOLA
CAPÍTULO 67
Ele me mostrou um grande salgueiro, que cobria planícies e montanhas, e ao abrigo do salgueiro tinham-se recolhido todos os que são chamados pelo nome do Senhor. Debaixo do salgueiro, estava de pé o anjo glorioso do Senhor, com enorme estatura. Tinha uma grande foice, e cortava ramos do salgueiro e as dava à multidão abrigada debaixo do salgueiro. Os ramos que entregava eram pequenos, com cerca de meio metro. Depois de todos terem recebido seu ramo, o anjo deixou a foice, e a árvore estava inteira, da mesma forma como eu a vira. Eu me admirava e dizia a mim mesmo: "Como é possível que, depois de tantos ramos cortados, a árvore esteja inteira?" O pastor me disse: "Não te admires que essa árvore permaneça inteira, depois que tantos ramos foram cortados. Espera e, depois de ver tudo, te será explicado o que significa isso." O anjo que entregara os ramos à multidão, pediu-os de novo. Pedia-os na ordem segundo a qual eles os haviam recebido, e cada um entregava seu ramo. O anjo do Senhor os tomava e os examinava. De alguns, ele recebia ramos secos e roídos como por vermes, e aos que entregavam tais ramos o anjo dizia que formassem um grupo à parte. Outros entregavam ramos secos, mas não roídos por vermes. Também a estes o anjo dizia que formassem um grupo separado. Outros os entregavam meio secos, e também estes formavam um grupo separado. Outros entregavam seus ramos meio secos e fendidos, e também estes formavam um grupo separado. Outros entregavam seus ramos verdes e fendidos, e também estes formavam um grupo separado. Outros entregavam ramos com metade seca e metade verde, e também esses formavam um grupo separado. Outros devolviam seus ramos, dois terços verdes e secos no resto, e também estes formavam um grupo separado. Outros entregavam seus ramos, dois terços secos, e verdes no resto, e também estes formavam um grupo separado. Outros entregavam seus ramos quase completamente verdes; apenas uma pequena parte dos seus ramos estava seca, bem na ponta, mas estavam fendidos. E também estes formavam um grupo separado. Os ramos de alguns outros tinham apenas uma pequena ponta verde e o resto estava seco, e também estes formavam um grupo separado. Outros vinham com os ramos verdes, como os tinham recebido do anjo. A maior parte da multidão entregava ramos assim, e o anjo alegrava-se muito com isso. E também estes formavam um grupo separado. Outros entregavam seus ramos verdes com brotos novos, e também estes formavam um grupo separado, e o anjo ficava muito alegre com eles. Outros entregavam seus ramos verdes e com brotos, os quais traziam uma espécie de fruto. Os homens, cujos ramos foram encontrados assim, estavam muito alegres. Também o anjo se alegrava com eles, e igualmente o pastor estava muito alegre com eles.

CAPÍTULO 68
O anjo do Senhor ordenou que trouxessem coroas, e foram trazidas coroas que pareciam feitas de palmas. Então coroou os homens que haviam entregue os ramos que tinham brotos e uma espécie de fruto, e enviou-os para a torre. Também enviou para a torre aqueles que haviam entregue os ramos com brotos, mas sem fruto, dando-lhes um selo. Todos os que iam para a torre vestiam roupas brancas como a neve. Enviou também aqueles que tinham entregue os ramos verdes como os haviam recebido, dando-lhes roupas brancas e o selo. Ao terminar isso, o anjo disse ao pastor: "Eu também vou. Conduze tu para dentro das muralhas os que são dignos de habitar aí. Examina com cuidado seus ramos, e depois os conduze. Examina cuidadosamente. Atenção para que ninguém te escape, pois, se alguém escapar, eu mesmo julgarei junto ao altar." Dito isso ao pastor, foi embora. Depois que o anjo saiu, o pastor me disse: "Tomemos os ramos de todos e os plantemos, para ver se alguns dentre eles viverão." Eu lhe perguntei: "Senhor, como esses ramos secos viverão?" Ele me respondeu: "Esta árvore é salgueiro, e é cheia de vida por natureza. Plantando esses ramos, muitos deles viverão, se receberem um pouco de umidade. Por isso, procurarei água para regá-los. Se algum deles viver, eu me alegrarei com ele; se não viver, não terei sido negligente." O pastor me ordenou que os chamasse conforme estavam agrupados. Eles vieram, grupo por grupo, e entregaram seus ramos ao pastor. O pastor os tomou e, por grupo, os replantou; depois de plantados, jogou tanta água neles, de modo que os ramos não apareciam sobre a água. Depois de regar os ramos, disse-me: "Vamos embora. Dentro de poucos dias, voltaremos para examinar todos esses ramos, pois aquele que criou esta árvore deseja que vivam todos aqueles que receberam um ramo dela. Quanto a mim, espero que, encontrando umidade e regados com água, a maioria desses ramos viverá."

CAPÍTULO 69
Eu lhe disse: "Senhor, faze-me compreender o que é essa árvore, pois não entendo como ela, aparada de tantos ramos, continua inteira, sem parecer em nada que foi aparada. É isso que eu não entendo." Ele me respondeu: "Escuta. Essa grande árvore que cobre planícies, montanhas e toda a terra, é a lei de Deus dada ao mundo inteiro, e essa lei é o Filho de Deus anunciado até os confins da terra. Os povos que se encontram debaixo da árvore são aqueles que ouviram o anúncio e creram. O anjo grande e glorioso é Miguel, que tem o poder sobre esse povo e o governa. É ele que dá a lei e grava no coração daqueles que crêem. Ele examina, portanto, se aqueles a quem deu a lei, a observaram bem. Vês muitos ramos inúteis. Reconhecerás entre eles os que não observaram a lei, e verás a morada de cada um." Perguntei-lhe: "Senhor, por que o anjo enviou alguns para a torre e deixou para ti os outros?" Ele respondeu: "Todos aqueles que transgrediram a lei que receberam dele foram deixados em meu poder para fazerem penitência. Todos os outros que se alegraram na lei e a observaram, ele os tem em seu próprio poder." Perguntei: "Senhor, quem são aqueles que foram coroados e se dirigiram para a torre?" Ele me respondeu: "Esses coroados são os que lutaram contra o diabo e o venceram; eles sofreram pela lei. Os outros que entregaram seus ramos verdes com brotos novos, mas sem fruto, foram atribulados por causa da lei, sem entretanto serem torturados por ela, mas não a renegaram. Os que entregaram os ramos verdes como os haviam recebido, são santos e justos. Caminharam muito de coração puro, observando os mandamentos do Senhor. Conhecerás o resto, quando eu examinar os ramos plantados e regados."

CAPÍTULO 70
Alguns dias depois, voltamos a esse lugar e o pastor sentou-se no lugar do anjo grande, e eu fiquei ao seu lado. Então ele me disse: "Cinge-te com uma toalha e serve-me.” Eu me cingi com uma toalha limpa, feita de saco. Vendo-me cingido e pronto para servi-lo, ele me disse: "Chama os homens cujos ramos foram plantados, na mesma ordem em que cada um o devolveu." Fui até à planície, chamei a todos, e todos os grupos se apresentaram. O pastor lhes disse: "Cada um arranque seu próprio ramo e o traga a mim." Os primeiros a devolvê-los foram aqueles cujos ramos estavam secos e corroídos. Como estavam secos e corroídos, ele mandou que fossem colocados à parte. Em seguida, os devolveram os que tinham os ramos secos, mas não corroídos. Alguns deles os devolveram verdes, e outros, secos e corroídos como por vermes. Aos que os devolveram verdes, o pastor mandou formar um grupo separado; aos que os devolveram secos e corroídos, ele mandou que os colocassem com os primeiros. Depois, os devolveram os que os tinham recebido metade secos e fendidos, e muitos deles os devolveram verdes e sem fendas; alguns, verdes com brotos novos e frutos nesses brotos, como os tinham aqueles que foram coroados para a torre. Alguns os devolveram secos e carcomidos; outros, secos mas não carcomidos; outros ainda, tais como estavam antes: meio secos e fendidos. E o pastor mandou que eles se separassem, cada um em seu grupo respectivo, e os outros restantes, à parte.

CAPÍTULO 71
Em seguida, os devolveram os que tinham recebido os ramos verdes, mas fendidos. Todos esses os devolveram verdes e tomaram lugar em seu próprio grupo. O pastor alegrou-se com estes, pois todos se tinham transformado e livrado de suas fendas. Também os devolveram aqueles que os haviam recebido metade verdes e metade secos. Os ramos de alguns foram encontrados inteiramente verdes; de outros, metade verdes; de outros, secos e carcomidos; e de outros ainda, verdes com brotos novos. Todos esses foram mandados para seus respectivos grupos. Em seguida, os devolveram aqueles que os tinham recebido com dois terços verdes e um terço seco. Muitos deles os devolveram verdes; muitos outros, metade secos; e outros, secos e carcomidos. Todos esses foram mandados cada um para seu próprio grupo. Em seguida, os devolveram aqueles que tinham recebido ramos secos em dois terços e verdes no resto. Muitos deles os devolveram metade secos; alguns, secos e carcomidos; e alguns ainda, metade secos e fendidos. Muito poucos os devolveram verdes. E todos esses tomaram lugar em seus respectivos grupos. Em seguida, os devolveram aqueles que tinham recebido ramos verdes, mas com mínima parte seca e fendida. Desses, alguns os devolveram verdes; e alguns, verdes com brotos novos. Também esses se foram para seus respectivos grupos. Em seguida, os devolveram aqueles que tinham recebido com mínima parte verde e todo o resto seco. Os ramos destes, em sua maior parte, foram encontrados verdes, com brotos novos e com frutos neles; e outros, inteiramente verdes. O pastor se alegrou muito com esses ramos, por tê-los encontrado assim. E também esses se foram, cada um para seu próprio grupo.

CAPÍTULO 72
Depois de examinar os ramos de todos, o pastor me falou: "Eu lhe disse que esta árvore é cheia de vida. Vês quantos fizeram penitência e foram salvos?" Eu respondi: "Vejo, senhor." Ele continuou: "Isso é para que saibas que a misericórdia de Deus é grande e gloriosa, e como ele deu um espírito àqueles que eram dignos de fazer Penitência." Perguntei: "Senhor, então, por que nem todos fizeram penitência?" Ele respondeu: "O Senhor concedeu a penitência àqueles cujo coração ele viu que estava pronto para se purificar e que haviam de servi-lo de todo o coração. Contudo, àqueles nos quais viu a perfídia e a maldade e que iriam arrepender-se apenas hipocritamente, ele não concedeu a penitência, para que não blasfemassem novamente sua lei." Eu lhe pedi: "Senhor, explica-me quem é cada um daqueles que te devolveram os ramos, e a morada que lhes cabe. Desse modo, após terem ouvido, aqueles que acreditaram e receberam o selo, mas que o quebraram e não o preservaram inteiro, reconhecerão suas obras, farão penitência e receberão de ti um selo. Assim glorificarão o Senhor, por ter usado piedade com eles e te haver enviado para renovar seus espíritos." Ele explicou: "Escuta. Aqueles cujos ramos foram encontrados secos e carcomidos por vermes, são os apóstatas e traidores da Igreja que, com seus pecados, blasfemaram o Senhor e que ainda se envergonharam do nome do Senhor invocado sobre eles. Tais indivíduos estão definitivamente mortos para Deus. Vês que nenhum deles fez penitência, embora tenham ouvido as palavras que lhes transmitiste, sob minha ordem. A vida, portanto, foi tirada desses homens. Aqueles que devolveram os ramos secos, mas não apodrecidos, estão próximos dos anteriores: eram hipócritas que introduziam ensinamentos errados, que desviavam os servos de Deus e sobretudo os pecadores, não lhes permitindo fazer penitência, mas persuadindo-os com ensinamentos loucos. Todavia, esses têm esperança de fazer penitência. Vês que muitos dentre eles já fizeram penitência, desde quando lhes falaste sobre os meus preceitos. Outros ainda farão penitência, e todos aqueles que não fizerem penitência, já perderam a vida. Aqueles que fizeram penitência tornando-se bons, têm sua morada nas primeiras muralhas; alguns subiram à torre. Vês, portanto, que a penitência dos pecadores traz vida, e a impenitência, traz morte."

CAPÍTULO 73
Escuta também sobre aqueles que devolveram os ramos metade secos e fendidos. Aqueles cujos ramos estavam somente secos pela metade, são os que duvidam; não estão nem vivos nem mortos. Os que os tinham secos pela metade e fendidos, são os que duvidam e murmuram, e que nunca estão em paz entre si, mas sempre em discórdia. Também esses ainda têm possibilidade de fazer penitência. Vês que alguns deles já fizeram penitência e ainda há esperança de penitência para eles. Todos os que dentre eles fizeram penitência, têm sua morada na torre. Aqueles, porém, que se arrependerem demasiadamente tarde, habitarão nos muros; aqueles que não fizerem penitência, persistindo em suas ações, certamente morrerão. Aqueles que devolveram ramos verdes, mas fendidos, sempre foram fiéis e bons, mas têm entre si inveja pelos primeiros lugares e por alguma honraria. Todos eles são loucos em rivalizarem entre si pelos primeiros lugares. Todavia, depois de terem ouvido meus mandamentos, como eram bons, eles se purificaram e logo fizeram penitência. A morada deles foi na torre. Contudo, se um deles voltar novamente à discórdia, será expulso da torre e perderá a própria vida. A vida pertence a todos os que observam os mandamentos do Senhor. Ora, nesses mandamentos nada se diz de primeiros lugares, nem de alguma honraria, mas fala-se da paciência e humildade do homem. Nessas pessoas, portanto, está a vida do Senhor; nos que provocam discórdia e violam a lei, está a morte."

CAPÍTULO 74
"Aqueles que devolveram seus ramos metade verdes e metade secos, são os que estavam imersos em seus negócios e não se juntavam aos santos. Por isso, metade neles estava viva, e metade estava morta. Todavia, depois de terem ouvido meus mandamentos, fizeram penitência e foram morar na torre. Alguns outros se afastaram definitivamente, e não têm possibilidade de fazer penitência. Com efeito, por causa de seus negócios, eles blasfemaram o Senhor e o renegaram. Portanto, perderam a vida, por causa da maldade que praticaram. Muitos dentre eles são vacilantes; esses ainda têm possibilidade de fazer penitência, se logo se arrependerem, e sua morada será na torre. Se levarem demasiado tempo para fazerem penitência, irão morar nas muralhas; se não fizerem penitência, também eles já terão perdido a vida. Aqueles que devolveram os ramos dois terços verdes e no resto secos, são aqueles que renegaram de diversas formas. Muitos deles fizeram penitência e foram morar na torre. Outros se afastaram definitivamente de Deus; esses perderam definitivamente a vida. Alguns deles duvidaram e provocaram discórdia; estes ainda têm possibilidade de fazer penitência, se a fizerem logo, sem persistir em seus prazeres. Mas, se eles se obstinarem em suas ações, estarão trabalhando para a própria morte."

CAPÍTULO 75
"Aqueles que devolveram ramos com dois terços secos e no resto verdes, são os que foram fiéis, mas que se enriqueceram e adquiriram honra entre os pagãos. Revestiram-se de grande orgulho, tornaram-se arrogantes, abandonaram a verdade e se separaram dos justos. Ao contrário, conviveram com os pagãos, e esse caminho lhes pareceu mais agradável. Eles não se afastaram de Deus, permaneceram na fé, mas não praticaram as obras da fé. Muitos deles fizeram penitência e tiveram sua morada na torre. Outros, convivendo inteiramente com os pagãos e arrastados pelas suas glórias vãs junto aos pagãos, afastaram-se de Deus e praticaram as obras dos pagãos; esses foram contados como pagãos. Outros entre eles ficaram na dúvida, porque não esperavam mais ser salvos, por causa das ações que haviam praticado. Outros ainda, não só duvidaram, mas fomentaram divisões entre si. Para esses indivíduos e para aqueles que permaneceram na dúvida por causa de suas ações, ainda há possibilidade de penitência. Mas a sua penitência deve ser rápida, para que a morada deles seja dentro da torre. Para os que não fazem penitência, mas permanecem nos seus prazeres, a morte está próxima."

CAPÍTULO 76
"Os que devolveram ramos verdes, mas com a ponta seca e fendida, são os que sempre foram bons, fiéis e gloriosos junto de Deus, mas pecaram um pouco, por leve concupiscência e leves rancores mútuos. Depois de ouvirem minhas palavras, a maioria deles arrependeu-se logo, e tiveram sua morada na torre. Alguns duvidaram, e outros, por causa de sua dúvida, promoveram maiores divisões. Estes ainda têm esperança de penitência, pois sempre foram bons; é difícil que um deles morra. Aqueles que devolveram seus ramos secos e com uma pequenina parte verde, são os que apenas creram, mas praticaram as obras da iniqüidade. Nunca se afastaram de Deus, levaram com alegria o Nome, e receberam com alegria os servos de Deus em sua casa. Ouvindo o anúncio desta penitência, arrependeram-se sem hesitação e praticam toda a virtude da justiça. Alguns até sofrem e são atribulados com alegria, pois conhecem as ações que praticaram. A morada de todos esses será na torre."

CAPÍTULO 77
Quando terminou de explicar acerca de todos os ramos, o pastor me disse: "Vai e dize a todos que façam penitência, e viverão em Deus. De fato, o Senhor teve compaixão, e me enviou para oferecer a ocasião de penitência a todos, embora alguns, por causa de suas obras, sejam indignos da salvação. O Senhor, porém, é paciente e quer que o chamado feito pelo Filho não seja invalidado." Eu lhe disse: "Senhor, espero que, depois de ouvir essas coisas, todos farão penitência. Estou persuadido de que cada um, conhecendo suas ações e temendo a Deus, faça penitência." Ele me respondeu: "Todos os que se arrependerem do fundo do coração, se purificarem dos pecados anteriormente assinalados e não acrescentarem mais nada a seus pecados, receberão do Senhor a cura de seus pecados passados, se não duvidarem a respeito desses mandamentos; então eles viverão em Deus. Todos aqueles, porém, que aumentarem seus pecados e caminharem nas paixões deste mundo, se condenarão à morte. Quanto a ti, caminha segundo os meus mandamentos e viverás em Deus. Do mesmo modo, aquele que andar no caminho dos mandamentos e os praticar retamente, viverá em Deus." Depois de meter mostrado tudo isso, ele me disse: "O resto, eu te explicarei dentro de poucos dias."

NONA PARÁBOLA
CAPÍTULO 78
Depois que escrevi os mandamentos e as parábolas do pastor, anjo da penitência, ele veio a mim e disse: "Quero te mostrar tudo o que te mostrou o Espírito Santo, que te falou na figura da Igreja. Esse Espírito é o Filho de Deus. Estavas muito fraco na carne e, por isso, não te foi revelado por meio de anjo. Contudo, quando ficaste fortalecido pelo Espírito e tu mesmo tiveste a força para poderes ver um anjo, então te foi revelada, por meio da Igreja, a construção da torre. Viste bem e santamente, qual uma virgem, todas as coisas. Agora, graças a um anjo, vês por meio do próprio Espírito. E preciso que compreendas tudo, por meu intermédio, de modo mais preciso. O anjo glorioso me conferiu a missão de habitar em tua casa, para que vejas tudo com coragem, e não mais com apreensão, como antes." Então me transportou para a Arcádia, sobre um monte de forma cônica. Fez-me sentar no topo da montanha, e me mostrou uma grande planície e, ao redor da planície, outras doze montanhas, cada uma com aspecto diferente. A primeira era negra como fuligem; a segunda, seca e sem vegetação; a terceira, cheia de espinhos e cardos; a quarta, com vegetação meio seca, verde na parte de cima e seca junto às raízes; quando o sol brilhava, parte da vegetação secava. A quinta montanha era muito rochosa, mas tinha vegetação verde. A sexta montanha estava cheia de fendas, algumas pequenas, outras grandes; nas fendas havia vegetação, mas não era muito verdejante: parecia antes estar murcha. A sétima montanha tinha vegetação cheia de viço e a montanha toda era exuberante; todas as espécies de rebanhos e aves se alimentavam sobre a montanha e, quanto mais os rebanhos e aves comiam, tanto mais a vegetação brotava da montanha. A oitava montanha estava cheia de fontes, e todas as espécies da criação do Senhor vinham beber nessas fontes da montanha. A nona montanha não tinha água nenhuma, e estava completamente deserta; havia nela animais selvagens e répteis mortíferos, que provocam a morte dos homens. Na décima montanha havia árvores gigantes e estava coberta de sombras; debaixo das sombras estavam deitadas muitas ovelhas, que repousavam e ruminavam. A décima primeira montanha era coberta de árvores, as quais eram frutíferas e carregadas de frutas de toda espécie, e quem as via, desejava comê-las. A décima segunda montanha era inteiramente branca; seu aspecto era muito exuberante, e a montanha em si mesma era belíssima.

CAPÍTULO 79
No meio da planície, ele me mostrou uma grande rocha branca que se erguia da planície. Era mais alta que as montanhas, e quadrada, de modo a conter o mundo inteiro. A rocha era antiga, e havia nela uma porta escavada, que parecia ter sido escavada recentemente. Resplandecia mais do que o sol, e eu me maravilhava com tal esplendor. Ao redor da porta estavam doze virgens. As quatro que havia nos cantos me pareciam mais gloriosas, mas as outras o eram também. As virgens estavam nos quatro lados da porta, duas a duas, à meia distância das quatro primeiras. Vestiam túnica de linho, belamente cingidas, com o ombro direito descoberto, como para transportar algum peso. Estavam prontas, alegres e animadas. Vendo isso, fiquei admirado pelas coisas grandes e gloriosas que via. Além disso, fiquei perplexo com essas virgens, que eram delicadas, mas que se comportavam virilmente, como se devessem sustentar todo o céu. Então o pastor me disse: "Em que estás pensando, preocupando-te e causando tristeza a ti mesmo? As coisas que não consegues compreender, não as trates como se fosses inteligente. Pede antes ao Senhor que te dê inteligência para compreender essas coisas. Não podes ver o que está atrás de ti, mas vês o que está diante de ti; não te atormentes pelo que não podes ver. Procura dominar as coisas que vês, e não te angusties com o resto. Explicarei tudo o que te vou mostrar. Vê, portanto, o resto."

CAPÍTULO 80
Então vi que haviam chegado seis homens altos, gloriosos e de aspecto semelhante. Chamaram uma multidão de homens. Estes recém-chegados eram de grande estatura, muito belos e fortes. Os seis homens lhes deram ordens de construir uma torre sobre a rocha. Os homens que vieram construir a torre fizeram então grande tumulto, correndo de cá para lá ao redor da porta. As virgens que estavam ao redor da porta diziam aos homens que apressassem a construção da torre. Elas estendiam as mãos, como se devessem receber alguma coisa dos homens. Os seis homens ordenaram que subissem pedras de um abismo e se colocassem na construção da torre. Então subiram dez pedras quadradas e brilhantes, não lavradas. Os seis homens chamaram as virgens e lhes disseram que carregassem todas as pedras que haviam de entrar na construção da torre, que as passassem através da porta, e entregassem aos homens que iriam construir a torre. As virgens então carregaram sobre si, mutuamente, as dez primeiras pedras que haviam subido do abismo, e as transportaram juntas, pedra por pedra.

CAPÍTULO 81
Elas carregavam as pedras na mesma ordem em que estavam ao redor da porta: as virgens que pareciam vigorosas, se colocavam nos ângulos da pedra; as outras se colocavam dos lados. E assim carregavam todas as pedras, passando pela porta, conforme lhes fora ordenado, e as entregavam aos homens na torre, os quais recebiam as pedras e construíam. A torre era construída sobre a grande rocha e em cima da porta. As dez pedras foram então ajustadas e cobriram toda a rocha, tornando-se, desse modo, o alicerce da construção da torre. A rocha e a porta suportavam toda a torre. Depois das dez pedras, subiram do abismo outras vinte e cinco. Elas também foram ajustadas à construção, carregadas pelas virgens como as anteriores. Depois, subiram trinta e cinco pedras, que foram igualmente ajustadas à torre. A seguir, subiram outras quarenta pedras, e todas foram também empregadas na construção da torre. Desse modo, formaram-se quatro camadas no alicerce da torre. Pararam então de subir do abismo, e os construtores descansaram um pouco. Depois, os seis homens ordenaram à multidão numerosa que trouxesse pedras das montanhas, a fim de construir a torre. Eram trazidas de todas as montanhas, de cores variadas, lavradas pelos homens, e entregues às virgens, as quais as transportavam pela porta e as entregavam para a construção da torre. Quando essas pedras de cores diferentes eram colocadas na construção, tornavam-se igualmente brancas, mudando as cores precedentes. Algumas pedras eram entregues aos homens para a construção, mas não se tornavam brilhantes; continuavam tais como eram antes, pois não tinham sido entregues pelas virgens, nem tinham passado pela porta. Tais pedras, portanto, destoavam na construção da torre. Os seis homens viram que essas pedras destoavam na construção, e ordenaram que fossem retiradas, levadas para baixo, para o lugar de onde tinham sido transportadas. Então disseram aos homens que transportavam as pedras: "De modo nenhum, não entregueis vós mesmos pedras aos construtores. Colocai-as perto da torre, para que as virgens, fazendo-as passar pela porta, as entreguem para a construção. Com efeito, se elas não passarem a porta pelas mãos das virgens, não poderão mudar suas cores. Portanto, não vos afadigueis em vão."

CAPÍTULO 82
Terminou naquele dia o trabalho de construção, mas a torre não ficou concluída. Devia-se retomar a construção, mas houve uma pausa. Os seis homens mandaram que todos os construtores se retirassem um pouco e descansassem; às virgens, porém, ordenaram que não se afastassem da torre. Parecia-me que as virgens foram deixadas aí para guardá-la. Depois que todos se retiraram para descansar, eu perguntei ao pastor: "Senhor, por que não foi terminada a construção da torre?" Ele respondeu: "A torre não pode ser terminada enquanto o seu proprietário não vier examinar a construção, para trocar as pedras que estiverem corroídas. A torre foi construída segunda a vontade dele." Eu então pedi: "Senhor, desejaria saber o que significa a construção da torre e a rocha, a porta, as montanhas, as virgens e as pedras que subiram do abismo, porque não foram lavradas, mas entraram na construção tais quais eram. Também desejaria saber por que primeiro foram postas no alicerce dez pedras, depois vinte e cinco, trinta e cinco, e quarenta. E também o que significam as pedras que entraram na construção e depois foram logo retiradas e recolocadas em seu lugar. Senhor, tranqüiliza a minha alma sobre tudo isso, e explica-me tudo." Ele respondeu: "Se tua curiosidade não for considerada vã, conhecerás tudo. Daqui a poucos dias voltaremos aqui, e verás o resto do que acontecerá a esta torre, e saberás completamente todas as parábolas." Poucos dias depois, voltamos ao lugar onde estivéramos sentados, e ele me disse: "Vamos até à torre, pois o proprietário virá examiná-la." Então fomos até à torre, e perto dela não havia absolutamente ninguém, exceto as virgens. O pastor perguntou às virgens se o proprietário da torre estava aí, e elas responderam que ele chegaria para examinar a construção.

CAPÍTULO 83
Eis que pouco depois vejo um cortejo de muitos homens chegando, e no meio deles um homem tão alto que ultrapassava a torre. Os seis homens que trabalharam na construção caminhavam com ele à direita e à esquerda, e todos os que trabalharam na construção estavam com ele, e muitos outros, gloriosos, ao seu redor. As virgens que guardavam a torre correram ao seu encontro, o beijaram e começaram a caminhar com ele ao redor da torre. Esse homem examinava minuciosamente a construção, a ponto de apalpar pedra por pedra; com um bastão na mão, batia em cada uma das pedras da construção. À medida que batia nelas, algumas ficavam negras como fuligem; outras, corroídas, ou fendidas, ou mutiladas, ou nem brancas nem negras; outras, desiguais, já não se harmonizavam com as demais pedras; e outras ainda, cheias de manchas. Tais foram as variedades de pedras achadas inúteis para a construção. E ele ordenou retirá-las todas da torre, colocá-las junto dela e trazer outras para substituí-Ias. Os construtores lhe perguntaram de qual montanha ele queria que tirassem as pedras para colocar no lugar das outras. Ele ordenou que fossem tiradas, não das montanhas, mas de uma planície vizinha. Cavou-se então a planície e foram encontradas pedras brilhantes, quadradas, e algumas redondas. Todas as pedras encontradas nessa planície foram trazidas, e as virgens as transportaram através da porta. As pedras quadradas foram lavradas e colocadas no lugar das que tinham sido tiradas; as redondas não foram colocadas na construção, porque eram duras, e o trabalho de lavrá-las era lento. Foram colocadas perto da torre, pois deviam ser lavradas para serem colocadas na construção, já que eram muito brilhantes.

CAPÍTULO 84
Terminando isso, o homem glorioso e senhor de toda a torre chamou o pastor e lhe entregou todas as pedras que se achavam perto da torre e que foram tiradas da construção, e lhe disse: "Limpa cuidadosamente todas essas pedras, e emprega na construção da torre as que se ajustam às outras; as que não se ajustarem, atira-as para longe da torre." Depois de ordenar isso ao pastor, foi embora, acompanhado de todos os que tinham vindo com ele; as virgens, porém, permaneceram ao redor da torre, para guardá-la. Eu perguntei ao pastor: "Como podem essas pedras, que foram rejeitadas como indignas, voltar à construção da torre?" Ele me respondeu: "Vês estas pedras?" Eu disse: "Sim, senhor, estou vendo." Ele continuou: "Lavrarei a maior parte delas e as empregarei na construção, e elas se ajustarão às outras." Eu perguntei: "Senhor, como poderão, depois de esquadradas, preencher o mesmo lugar?" Ele me respondeu: "As que forem achadas pequenas serão colocadas no interior da construção; as maiores serão colocadas no lado externo e sustentarão as outras." Dito isso, continuou: "Vamos embora. Dentro de dois dias voltaremos, limparemos essas pedras e as colocaremos na construção. E preciso limpar tudo ao redor da torre, pois, se o proprietário vier de improviso e encontrar tudo sujo ao redor da torre, ficará irritado. Nesse caso, essas pedras não entrariam na construção da torre, e aos olhos do proprietário eu pareceria negligente." Dois dias depois, voltamos à torre e ele me disse: "Examinemos todas as pedras e vejamos quais delas podem entrar na construção." Eu respondi: "Sim, senhor, vamos examiná-las".

CAPÍTULO 85
Para começar, examinamos primeiro as pedras negras. Da forma como foram retiradas da torre, assim as encontramos. O pastor ordenou que fossem levadas embora da torre e colocadas à parte. Depois, examinou as corroídas. Pegou muitas delas, lavrou-as e ordenou que as virgens as levantassem e as colocassem na construção. As virgens as levantaram e as colocaram no interior da construção da torre. Ele ordenou então que as restantes fossem colocadas com as pretas, pois elas também foram encontradas pretas. Em seguida, examinou as fendidas. Lavrou muitas e mandou que as virgens as levassem para a construção. Puseram-nas, porém, no lado externo, pois eram mais sólidas. As outras, como tinham muitas fendas, não puderam ser lavradas e, por isso, foram excluídas da construção da torre. Examinou depois as mutiladas. Entre elas se encontraram muitas pedras pretas, e algumas com grandes fendas, e ele mandou que também essas fossem colocadas com as rejeitadas. Quanto às restantes, ele as limpou, lavrou e mandou colocar na construção. As virgens as levantaram e as ajustaram no meio da construção, pois eram muito fracas. Depois, examinou as meio brancas e meio pretas, e muitas delas foram encontradas pretas. Mandou que também essas fossem levantadas e colocadas junto com as que tinham sido rejeitadas. Todas as outras foram levantadas pelas virgens. Como eram brancas, foram ajustadas à construção pelas próprias virgens. Foram postas no lado externo da muralha, pois foram encontradas sólidas, de modo que podiam sustentar as que eram colocadas no meio. Nada foi cortado delas. Em seguida, examinou as que eram duras e ásperas, e algumas delas foram rejeitadas; não era possível lavra-las, porque eram muito duras. As outras foram lavradas, levantadas pelas virgens, e ajustadas no interior da construção da torre, pois eram mais fracas. Em seguida, ele examinou as que tinham manchas, e delas poucas ficaram pretas e foram rejeitadas com as outras. As que restaram foram encontradas brilhantes e sólidas, ajustadas pelas virgens à construção; foram colocadas no lado externo, porque eram resistentes.

CAPÍTULO 86
Em seguida, ele foi examinar as pedras brancas e redondas, e me disse: "Que faremos com essas pedras?" Eu respondi: "Que sei eu, senhor?" (Ele continuou:) "Não tens nenhuma idéia sobre isso?" Eu respondi: "Senhor, não conheço esse ofício, não sou talhador de pedras, nem consigo entender nada." Ele continuou: "Não vês que elas são redondas e que, se eu quiser deixá-las quadradas, será preciso cortar bastante? Contudo, é preciso que algumas delas entrem na construção." Eu perguntei: "Senhor, se é necessário, por que te preocupas? Por que não escolhes para a construção aquelas que preferes e as ajustas na construção?" Ele escolheu as maiores e mais brilhantes delas, e as lavrou. As virgens as levantaram e as ajustaram no lado externo da construção. As restantes foram levantadas e colocadas na planície, de onde tinham sido tiradas. Não foram, porém, reprovadas. Ele me disse: "Porque resta ainda um pouco da torre para construir, e o proprietário dela quer de todo modo que essas pedras sejam ajustadas à construção, pois são muito brilhantes." Então ele chamou doze mulheres muito belas, vestidas de preto e cingidas, com os ombros descobertos e os cabelos soltos. Elas me pareceram selvagens, e o pastor ordenou que levantassem as pedras rejeitadas da construção e as levassem para as montanhas de onde tinham sido tiradas. EIas as levantaram, alegres, e transportaram todas e as puseram no lugar de onde haviam sido tiradas. Quando todas as pedras foram retiradas, e não restou nenhuma pedra ao redor da torre, o pastor me disse: "Percorramos ao redor da torre, para ver se não há nenhum defeito." Dei a volta com ele. Vendo que a torre era bela em sua construção, o pastor ficou muito contente. Com efeito, a torre era tão bem construída, que eu experimentei o desejo de habitá-la, pois ela era construída como se fosse uma pedra única, sem a mínima juntura. A pedra parecia ter sido cortada da rocha, pois me parecia formar um único bloco.

CAPÍTULO 87
Andando com ele, eu estava contente de ver coisas tão boas. E o pastor me disse: "Vai me buscar cal e cacos para igualar as formas das pedras que foram levantadas e empregadas na construção. E preciso que todo o contorno da torre fique igualado." Fiz conforme ele ordenou e lhe trouxe tudo. Ele pediu: "Ajuda-me, para que a obra fique logo terminada." Então ele igualou as formas das pedras que entraram na construção; depois mandou varrer e limpar ao redor da torre. As virgens pegaram vassouras e varreram, tirando toda a sujeira da torre, e espalharam água. Então o lugar da torre ficou alegre e muito belo. O pastor me disse: "Tudo foi lavado. Se o proprietário vier examinar a torre, não terá nada a nos reprovar." Dito isso, queria ir embora. Eu, porém, o segurei pelo bornal e comecei a conjurá-lo, pelo Senhor, que me explicasse o que me mostrara. Ele me disse: "Ainda tenho coisas para fazer. Depois te explicarei tudo. Espera-me aqui até que eu volte." Eu lhe perguntei: "Senhor, que farei aqui sozinho?" Ele respondeu: "Não estás sozinho. As virgens estão contigo." Eu lhe pedi: "Recomenda-me então a elas." Então o pastor as chamou, e lhes disse: "Confio a vós este homem, até que eu volte." E foi embora. Fiquei sozinho com as virgens. Elas estavam muito contentes, e me trataram com muita atenção, principalmente as quatro mais gloriosas.

CAPÍTULO 88
As virgens me disseram: "O pastor não voltará aqui hoje." Eu perguntei: "Então, o que é que eu faço?" Elas responderam: "Espera-o até à tarde. Se ele vier, falará contigo; se não vier, ficarás até que ele volte." Eu lhes disse: "Vou esperá-lo até à tarde. Se não vier, voltarei para casa e retornarei amanhã de manhã." Elas responderam: "Foste confiado a nós. Portanto, não podes sair de perto de nós." Eu perguntei: "Onde ficarei?" Elas responderam: "Dormirás conosco, como irmão, e não como marido, pois tu és nosso irmão e, doravante, habitaremos contigo, porque te amamos muito." Eu fiquei envergonhado de permanecer com elas. Então, aquela que me parecia ser a primeira delas começou a beijar-me e abraçar-me. As outras, vendo-a abraçar-me, começaram também a beijar-me, a andar ao redor da torre e a brincar comigo. De minha parte, eu me senti rejuvenescido, e também comecei a brincar com elas. Umas formavam coros de danças, outras dançavam e outras cantavam. Eu fiquei em silêncio, passeava com elas ao redor da torre, e estava alegre com elas. Chegando a tarde, quis retirar-me para casa. Elas, porém, não me deixaram e me retiveram. Fiquei com elas à noite e dormi perto da torre. As virgens estenderam no chão suas túnicas de linho e me fizeram deitar no meio delas. E nada mais fizeram do que rezar. Eu comecei a rezar sem cessar com elas, e não menos que elas. As virgens se alegraram, vendo-me rezar assim. Permaneci aí com as virgens até à manhã seguinte, pela décima hora. Em seguida, o pastor chegou e perguntou: "Não lhe fizestes nenhuma insolência?" Elas responderam: "Pergunta a ele mesmo." Eu lhe respondi: "Senhor, estou muito contente de ter ficado com elas." Ele me perguntou: "O que você comeu?" Eu respondi: "Comi palavras do Senhor a noite inteira." Ele perguntou: "Elas te receberam bem?" Eu respondi: "Sim, senhor." EIe continuou: "Agora, o que queres ouvir em primeiro lugar?" Eu disse: "Senhor, quero ouvir na mesma ordem que me mostraste desde o começo. Peço-te, senhor, que me expliques à medida que eu for perguntando." Ele me disse: "Explicarei como quiseres e não esconderei de ti absolutamente nada."

CAPÍTULO 89
Eu perguntei: "Antes de tudo, explica-me o que representam a rocha e a porta." Ele me respondeu: "A rocha e a porta são o Filho de Deus." Eu continuei: "Como é que a rocha é antiga e a porta é recente?" Ele explicou: "Escuta, homem insensato, e compreende. O Filho de Deus nasceu antes de toda a criação, embora ele tenha sido o conselheiro de seu Pai para a criação. E por isso que a rocha é antiga." Eu lhe perguntei: "E por que a porta é nova, senhor?" Ele respondeu: "Por que ele se manifestou nos últimos dias da consumação. Aporta foi feita recentemente, para que os que devem salvar-se entrem por ela no Reino de Deus." Viste que as pedras que passaram pela porta foram utilizadas na construção da torre, mas as que não passaram por ela foram rejeitadas para seu antigo lugar?" Eu respondi: "Sim, senhor, eu vi." Ele continuou: "Da mesma forma, ninguém entrará no Reino de Deus, se não tiver recebido o seu nome santo. Se quiseres entrar numa cidade e ela for cercada de muralhas e só houver uma porta, poderias entrar nela sem ser pela única porta que tem?" Eu respondi: "Como poderia ser de outra maneira, senhor?" Ele continuou: "Da mesma forma que não poderias entrar na cidade a não ser pela sua porta, também o homem não pode entrar no Reino de Deus senão pelo nome de seu Filho amado. Viste a multidão que construía a torre?" Eu respondi: "Sim, senhor, eu vi." Ele continuou: "Todos eles são anjos gloriosos. E por meio deles que o Senhor foi cercado com muralha. A porta é o Filho de Deus. É a única entrada para o Senhor. Ninguém chegará até ele, senão por meio de seu Filho. Viste os seis homens e, no meio deles, um homem grande e glorioso, que andava ao redor da torre e que rejeitou como indignas as pedras da construção?" Eu disse: "Sim, senhor, eu vi." Ele explicou: "O homem glorioso é o Filho de Deus, e os outros seis são os anjos gloriosos que o escoltam, à sua direita e à sua esquerda. Sem ele, nenhum desses anjos gloriosos poderá entrar para junto de Deus. Quem não tiver recebido o nome dele, não entrará no Reino de Deus."

CAPÍTULO 90
Eu perguntei: "O que é a torre?" Ele disse: "A torre é a Igreja". (Eu perguntei:) "E quem são as virgens?" Ele respondeu: "São espíritos santos. Um homem não pode entrar de outra forma no Reino de Deus, se essas virgens não o revestirem com a própria veste delas. Se receberes apenas o nome, mas não a veste, nada adiantará, porque essas virgens são os poderes do Filho de Deus. Se levas o nome, mas não a força dele, é em vão que serás o portador do nome. As pedras que viste rejeitadas, são as pessoas que levaram o nome, mas não foram revestidas com as vestes das virgens." Eu perguntei: "Senhor, qual é a veste delas?" Ele, respondeu: "O próprio nome delas é sua veste. Aquele que leva o nome do Filho de Deus, deve levar também os nomes delas, porque o próprio Filho de Deus leva o nome dessas virgens. Todas as pedras que viste entrar na construção da torre, levadas pela mão delas, e aí permanecem, são pessoas revestidas com o poder dessas virgens. Por isso vês a torre formar um só bloco com a rocha. O mesmo acontece com os que acreditaram no Senhor por meio do seu Filho e, revestidos com esses espíritos, formarão um só espírito, um só corpo, e suas vestes terão uma só cor. Tais pessoas que portam o nome das virgens têm sua morada na torre." Eu perguntei: "Senhor, e as pedras que foram rejeitadas? Por que o foram? Elas tinham passado pela porta e foram colocadas na construção da torre pela mão das virgens." Ele respondeu: "Uma vez que te preocupas de tudo e pesquisas acuradamente, escuta o que se refere às pedras rejeitadas. Todos esses indivíduos receberam o nome do Filho de Deus e também o poder das virgens. Acolhendo esses espíritos, eles foram fortalecidos e se encontraram entre os servos de Deus. Tinham um só espírito, um só corpo e uma só veste, pois todos pensavam a mesma coisa e praticavam a justiça. Depois de certo tempo, porém, foram seduzidos pelas mulheres que viste vestidas de preto, com os ombros descobertos, cabelos soltos e belos. Vendo-as, eles as desejaram e se revestiram com o poder delas, rejeitando a veste e o poder das virgens. Esses foram rejeitados da casa de Deus e entregues a essas mulheres. Mas os que não se deixaram seduzir pela beleza delas, permaneceram na casa de Deus. Aí tens a explicação das pedras rejeitadas."

CAPÍTULO 91
Eu perguntei: "Senhor, se esses homens, mesmo que sejam assim, fizerem penitência, rejeitarem o desejo por essas mulheres e voltarem às virgens, andando conforme seus poderes e suas obras não entrarão na casa de Deus?" Ele respondeu: "Eles entrarão se renunciarem às obras dessas mulheres, assumirem o poder das virgens e andarem em suas obras. Houve uma pausa na construção, justamente para que eles pudessem, no caso de se arrependerem, entrar de novo na construção da torre. Caso não fizerem penitência, outros entrarão, e eles serão definitivamente rejeitados." Dei graças ao Senhor por todas essas coisas, por se ter compadecido de todos os que são chamados pelo nome dele, por nos ter enviado o anjo da penitência, a nós que pecamos contra ele; por ter concedido nova vida, a nós que já estávamos corrompidos e sem esperança de viver. Eu disse: "Agora, Senhor, explica-me por que a torre não está construída no chão, mas sobre a rocha e sobre a porta." Ele respondeu: "Ainda és idiota e insensato!" Eu repliquei: "Senhor, tenho necessidade de perguntar tudo, pois não consigo compreender absolutamente nada. Essas coisas são grandes, gloriosas e difíceis para os homens compreenderem." Ele explicou: "Escuta. O nome do Filho de Deus é grande, imenso e sustenta o mundo inteiro. Se toda a criação é sustentada pelo Filho de Deus, o que pensar então daqueles que foram chamados por ele, que levam o nome do Filho de Deus e andam conforme os seus mandamentos? Estás vendo, portanto, os que ele sustenta? São os que levam o seu nome de todo o coração. Por isso, ele se constituiu alicerce deles e, para ele é uma alegria sustentá-los, pois eles não se envergonham de levar o nome dele."

CAPÍTULO 92
Eu pedi: "Senhor, dize-me o nome das virgens e das mulheres trajadas de preto." Ele respondeu: "Escuta o nome das virgens mais fortes, que estão nos ângulos (da porta). A primeira é a Fé; a segunda, a Temperança; a terceira, a Força; a quarta, a Paciência. As outras, colocadas entre as primeiras, chamam-se: Simplicidade, Inocência, Castidade, Alegria, Verdade, Inteligência, Concórdia, Caridade. Aquele que leva esses nomes e também o nome do Filho de Deus, poderá entrar no Reino de Deus. Escuta também os nomes das mulheres trajadas de preto. Quatro delas são mais fortes: a primeira é a Incredulidade; a segunda, Intemperança; a terceira, Desobediência; a quarta, Engano. As que se seguem chamam-se: Tristeza, Maldade, Dissolução, Cólera, Falsidade, Insensatez, Maledicência e Ódio. O servo de Deus que leva esses nomes verá o Reino de Deus, mas nele não entrará." Eu perguntei: "Senhor, e as pedras que saíram do abismo e foram ajustadas à construção? Quem são elas?" Ele respondeu: "As dez primeiras, colocadas no alicerce, é a primeira geração; as vinte e cinco seguintes são a segunda geração de homens justos; as trinta e cinco seguintes são os profetas de Deus e seus servos; as quarenta são os apóstolos e doutores que anunciaram o Filho de Deus." Eu perguntei: "Senhor, por que as virgens passaram as pedras pela porta, para entregá-las aos construtores da torre?" EIe respondeu: "Porque eles foram os primeiros a levar esses espíritos e não se separaram uns dos outros; nem os espíritos se separaram dos homens; nem os homens, dos espíritos. Os espíritos permaneceram com eles até à morte. Se não levassem em si esses espíritos, tais homens não teriam sido úteis à construção da torre."

CAPÍTULO 93
Eu pedi: "Senhor, explica-me mais ainda." Ele respondeu: "O que procuras mais?" Eu continuei: "Senhor, por que as pedras tiveram que subir do fundo, para ser colocadas na construção da torre, embora tivessem esses espíritos?" Ele respondeu: "Era preciso que saíssem da água, para receber a vida. Elas não podiam entrar no Reino de Deus, senão deixando a mortalidade da vida anterior. Tais mortos receberam o selo do Filho de Deus e entraram no Reino de Deus. De fato, antes de levar o nome do Filho de Deus o homem está morto. Quando recebe o selo, deixa a morte e retoma a vida. O selo é a água: eles descem à água e daí saem vivos. Também a eles foi anunciado esse selo, e eles o usaram para entrar no Reino de Deus." Eu perguntei: "Senhor, por que as quarenta pedras também sobem com eles do abismo, visto que estas já haviam recebido o selo?" Ele respondeu". "Porque esses apóstolos e doutores que anunciaram o nome do Filho de Deus, adormecidos no poder e na fé do Filho de Deus, o anunciaram também àqueles que tinham morrido antes deles, e lhes deram o selo do anúncio. Desceram com eles à água e novamente subiram. Contudo, desceram vivos e subiram vivos, enquanto os que estavam mortos antes deles desceram mortos e subiram vivos. E graças a eles que estes últimos receberam o nome do Filho de Deus. Por isso, subiram com eles, foram ajustados à construção da torre, e colocados sem ser lavrados, porque morreram na justiça e na pureza. Apenas não tinham o selo. Agora tens a explicação dessas coisas." Eu respondi: "Sim, senhor."

CAPÍTULO 94
(Eu perguntei): "Senhor, explica-me agora a respeito das montanhas. Por que são tão diferentes entre si e suas formas variadas?" Ele respondeu: "Escuta. Essas doze montanhas são as doze tribos, que habitam o mundo inteiro. O Filho de Deus lhes foi anunciado por meio dos apóstolos." (Eu pedi): "Porque as montanhas têm formas variadas entre si? Explica-me, senhor." Ele respondeu: "Escuta. Essas doze tribos que habitam o mundo inteiro são doze nações. Elas são diferentes no sentimento e no pensamento. Assim como são diversas as montanhas que vês, também o são as qualidades do pensamento e do sentimento das nações. Eu te explicarei, porém, o comportamento de cada uma em particular." Eu pedi: "Senhor, explica-me primeiramente porque, apesar da diversidade dessas montanhas, as pedras, quando colocadas na construção, se tornaram brilhantes e com a mesma cor branca, como as pedras que subiram do abismo." Ele me respondeu: "E porque todas as nações que habitam debaixo do céu, tendo ouvido e acreditado, foram chamadas com o nome do Filho de Deus. Depor de terem recebido o selo, tiveram todas um só sentimento e um só pensamento, uma só fé e uma só caridade. Com o nome levaram também os espíritos das virgens. Por isso, a construção da torre tornou-se de uma só cor, brilhante como o sol. Mas, depois de terem entrado para o mesmo lugar e terem formado um só corpo, alguns deles se contaminaram. Foram excluídos do povo dos justos e se tornaram como antes, ou talvez piores."

CAPÍTULO 95
Eu perguntei: "Senhor, como puderam tornar-se piores, depois de conhecer a Deus?" Ele respondeu: "Aquele que não conhece a Deus e pratica o mal, merece alguma punição por seu mal. Contudo, aquele que conhece a Deus não deve praticar o mal, e sim o bem. Se aquele que deve praticar o bem, pratica o mal, não te parece que comete erro maior do que aquele que não conhece a Deus? Por isso, aqueles que não conhecem a Deus e praticam o mal, são condenados à morte. Mas os que conhecem a Deus, que viram sua grandeza, e ainda praticam o mal, serão duplamente castigados, e morrerão para sempre. É desse modo que a Igreja de Deus será purificada. Viste essas pedras tiradas da torre, entregues aos espíritos maus e rejeitadas dela. Aqueles que tiverem sido purificados, formarão um só corpo. Desse modo, a torre, depois de purificada, ficou aparentemente como de uma só pedra. Igualmente acontecerá com a Igreja de Deus, depois que for purificada e forem expulsos os maus, os hipócritas, os blasfemadores, os vacilantes e os que tiverem praticado todo tipo de mal. Depois da exclusão deles, a Igreja de Deus será um só corpo, um só sentimento, um só pensamento, uma só fé, uma só caridade. Então, o Filho de Deus se alegrará e se regozijará com eles por ter encontrado puro o seu povo." Eu disse: "Senhor, tudo isso é grande e glorioso. Mas agora, Senhor, mostra-me o poder e a conduta de cada uma das montanhas, a fim de que cada alma fiel ao Senhor, ouvindo isso, glorifique o seu nome grande, admirável e glorioso." Ele respondeu: "Escuta a respeito da diversidade das montanhas e das doze nações."

CAPÍTULO 96
"Os fiéis que vieram da primeira montanha, a preta, são apóstatas, pessoas que blasfemaram contra o Senhor e traíram os servos de Deus. Para esses não há penitência, mas a morte; são pretos porque é geração sem lei. Os fiéis que vieram da segunda montanha, a seca, são hipócritas e mestres do mal. São semelhantes aos anteriores: não produziam nenhum fruto de justiça. Com efeito, assim como a montanha deles é infrutífera, tais homens possuem o nome, mas são vazios de fé, e neles não há nenhum fruto de verdade. A penitência é possível para eles, caso se arrependam logo; porém, se tardarem, a morte será o destino deles, junto aos primeiros." Eu perguntei: "Senhor, por que existe penitência para estes, enquanto para os primeiros não? Até certo ponto, as ações deles são semelhantes." Ele respondeu: "A penitência é possível para eles, porque não blasfemaram o seu Senhor, nem traíram os servos de Deus. Agiram hipocritamente pelo desejo do lucro, e cada um ensinou conforme os desejos dos homens pecadores. Por isso, sofrerão alguma pena. Para eles há possibilidade de penitência, porque não foram blasfemadores, nem traidores."

CAPÍTULO 97
"Os fiéis que vieram da terceira montanha, a coberta de espinhos e cardos, são estes: alguns deles são ricos e outros enredados em numerosos negócios. Os cardos simbolizam os ricos, e os espinhos são os que se enredaram em múltiplos negócios. Estes últimos, enredados em múltiplos negócios, não se ligam aos servos de Deus, mas se extraviam, afogados em seus negócios. Os ricos dificilmente se ligam aos servos de Deus, porque temem que alguém lhes peça alguma coisa e, por isso, dificilmente entrarão no Reino de Deus. Assim como é difícil andar descalço sobre os cardos, também-o é para eles entrar no Reino de Deus. Todavia, para todos esses existe possibilidade de penitência, com a condição de que seja logo, para recuperar nesses dias o que não fizeram no passado, e assim praticar alguma coisa boa. Se fizerem penitência e praticarem algo de bom, viverão em Deus; mas, se persistirem obstinados em suas obras, serão entregues àquelas mulheres que os matarão."

CAPÍTULO 98
"Os fiéis que vieram da quarta montanha, a que possui muita vegetação verde na ponta e seca perto das raízes, e alguma ressequida pelo sol, são os seguintes: alguns são vacilantes, outros têm o Senhor nos lábios, mas não no coração. Por isso, a base deles é seca e sem força; somente suas palavras são vivas, mas suas obras são mortas. Tais pessoas não estão vivas, nem mortas; são parecidas com os vacilantes, que não são nem verdes, nem secos, pois eles não vivem nem estão mortos. Assim como essa vegetação seca ao ver o sol, também os vacilantes, quando ouvem falar de perseguição, por causa de sua covardia, sacrificam aos ídolos e se envergonham do nome do seu Senhor. Eles, portanto, nem vivem, nem estão mortos. Contudo, também eles, se fizerem logo penitência, viverão; se não fizerem penitência, porém, já estão entregues às mulheres que lhes tirarão a vida."

CAPÍTULO 99
"Os fiéis que vieram da quinta montanha, que tinha vegetação verde e era pedregosa, são os seguintes: indóceis, arrogantes, cheios de si; querem saber tudo, mas não sabem nada. Por causa de sua presunção, a inteligência se afastou deles e a loucura insensata neles penetrou. Gabam-se de como se tivessem inteligência e desejam ser mestres, quando são apenas insensatos. Por causa desse orgulho, muitos, enaltecendo a si mesmos, acabaram se esvaziando. De fato, a presunção e a vaidade são um grande demônio. Muitos deles, foram rejeitados; alguns fizeram penitência, creram e, reconhecendo sua própria insensatez, submeteram-se aos que têm inteligência. Os outros também ainda podem fazer penitência, pois não eram maus, mas idiotas e insensatos. Se fizerem penitência, viverão em Deus; mas, se não fizerem penitência, habitarão com as mulheres que lhes fazem mal."

CAPÍTULO 100
"Os fiéis que vieram da sexta montanha, a que tem grandes e pequenas fendas e vegetação murcha nas fendas, são os seguintes: os que têm pequenas fendas são os que guardam algum rancor mútuo e, por causa de suas maledicências recíprocas, estão murchos na fé. Muitos deles, porém, fizeram penitência; outros a farão quando ouvirem os meus mandamentos, pois suas maledicências são pequenas e eles se arrependerão logo. Os que têm grandes fendas, obstinam-se na maledicência, tornam-se rancorosos e furiosos uns com os outros. Esses foram rejeitados para longe da torre e julgados indignos da sua construção. Tais homens dificilmente viverão. Deus nosso Senhor, que domina tudo e tem poder sobre toda a sua criação, não guarda rancor para com os que confessam seus pecados. Se ele é misericordioso, por que o homem, que é mortal e cheio de pecados, guarda rancor contra o homem, como se tivesse poder de destruí-lo ou salvá-lo? Eu, o anjo da penitência, vos digo: Vós que tendes essa tendência, afastai-a e fazei penitência. O Senhor curará vossos pecados passados, se vos purificardes desse demônio; caso contrário, sereis entregues a ele para a morte."

CAPÍTULO 101
"Os fiéis da sétima montanha, onde crescia vegetação verde e viçosa, e onde tudo era exuberante, todo tipo de rebanho e aves se alimentavam da vegetação dessa montanha, e cuja vegetação, quanto mais era cortada, mais abundante brotava, são os seguintes: aqueles que sempre foram simples, inocentes, felizes, sem rancor mútuo, sempre satisfeitos com os servos de Deus e revestidos com o santo espírito dessas virgens, sempre cheios de compaixão para com todos os homens e, graças a seus esforços, puderam socorrer a todos, sem altivez e sem hesitação. O Senhor, vendo sua simplicidade e candura, multiplicou o fruto do trabalho de suas mãos e os favoreceu em todas as ações. Eu, o anjo da penitência, digo a vós que assim sois: permanecei assim, e vossa descendência jamais será destruída. Com efeito, o Senhor vos experimentou e vos inscreveu no número dos nossos, e toda a vossa posteridade habitará com o Filho de Deus, pois recebestes do seu Espírito."

CAPÍTULO 102
"Os fiéis que vieram da oitava montanha, cheia de fontes, nas quais ia beber toda a criação do Senhor, são os seguintes: apóstolos e doutores que anunciaram no mundo inteiro e que ensinaram, com santidade e pureza, a palavra do Senhor. Não se deixaram de modo algum desviar por paixão má, mas sempre caminharam na justiça e na verdade, conforme o Espírito Santo que receberam. O lugar desses homens é ao lado dos anjos."

CAPÍTULO 103
"Os fiéis que vieram da nona montanha, repleta de répteis e feras que causam a morte do homem, são os seguintes: aqueles que têm manchas são diáconos que administraram mal a sua função, roubando a subsistência de viúvas e órfãos Enriqueceram-se com os recursos que receberam para socorrer. Se continuarem nessa ambição, já estão mortos e não têm mais nenhuma esperança de viver. Contudo, se fizerem penitência e desempenharem retamente seu ministério, poderão viver. Os que têm sarna são aqueles que renegaram seu Senhor e não se converteram a ele. Tornando-se áridos e solitários, não se vinculam aos servos de Deus, mas vivem isolados e perdem a vida. A vinha abandonada em alguma parte degenera por falta de cuidados; sufocada pelas ervas daninhas, com o tempo ela se torna selvagem, e seus frutos não são mais úteis para o seu dono. Da mesma forma, esses homens, abandonados a si mesmos, tornam-se selvagens e inúteis para o seu Senhor. Eles ainda podem fazer penitência, se não tiverem de coração renegado o Senhor; contudo, se alguém o tiver renegado de coração, não sei se poderá viver. O que digo não vale para o tempo presente, de modo que alguém o negue e faça penitência. Para aqueles que o renegaram no passado é que parece haver possibilidade de penitência. Portanto, se alguém quiser fazer penitência, que a faça logo, antes que a torre esteja terminada. Caso contrário, será morto pelas mulheres. Os mutilados são os espertos e maledicentes; eles são as feras que viste na montanha. Essas feras, com seu veneno, matam e destroem o homem. Da mesma forma, as palavras dessas pessoas envenenam o homem e o fazem morrer. Eles estão mutilados na fé, por causa da conduta que assumem. Alguns fizeram penitência e foram salvos; os outros, sendo como são, podem ser salvos, se se arrependerem. Se não fizerem penitência, morrerão vitimados pelas mulheres, das quais têm o poder."

CAPÍTULO 104
"Os fiéis que vieram da décima montanha, onde as arvores abrigavam ovelhas, são os seguintes: bispos e pessoas hospitaleiras, que sempre receberam com prazer os servos de Deus em sua casa, sem nenhuma hipocrisia. Os bispos, com seu ministério, continuamente protegeram os necessitados e as viúvas, e sempre levaram vida pura. Eles serão, por sua vez, protegidos pelo Senhor, para sempre. Os que assim agiram são gloriosos junto de Deus; seu lugar já é junto com os anjos, se perseverarem até o fim no serviço ao Senhor.

CAPÍTULO 105
"Os fiéis que vieram da décima primeira montanha, cujas árvores estavam cheias de frutos de várias espécies, são os seguintes: homens que sofreram por causa do nome do Filho de Deus, que sofreram corajosamente, de todo o coração, entregando a própria vida." Eu perguntei: "Senhor, por que todas essas árvores têm frutos e, algumas delas, frutos mais belos?" Ele respondeu: "Escuta. Todos aqueles que sofreram por causa do Nome são gloriosos junto de Deus. Os pecados de todos eles foram perdoados, porque sofreram por causa do nome do Filho de Deus. Escuta, porém, por que os frutos deles são variados, e alguns deles melhores. Aqueles que foram arrastados diante das autoridades, submetidos a interrogatórios e não renegaram, mas sofreram corajosamente, são muito mais gloriosos junto do Senhor, e o fruto deles é o melhor. Aqueles, porém, que tremeram e hesitaram e interrogavam no coração se renegariam ou confessariam, e sofreram, esses levam frutos inferiores, por lhes ter entrado essa intenção no coração. Com efeito, é má intenção um servo renegar seu próprio Senhor. Vigiai, portanto, vós que tendes essa intenção, para que ela não permaneça em vosso coração, e morrais para Deus. Vós que sofreis por causa do Nome deveis glorificar a Deus, por vos ter julgado dignos de levar seu nome e ser curados de todos os vossos pecados. Felicitai-vos, portanto, e crede também que realizastes grande obra, quando algum de vós sofrer por causa de Deus. O Senhor vos agracia com a vida, e vós não compreendeis. De fato, os vossos pecados se tornaram pesados, e se não sofrêsseis pelo nome do Senhor, estaríeis mortos para Deus por causa de vossos pecados. Digo isso a vós que hesitais em negar ou confessar. Confessai que tendes um Senhor, pois, se o negardes, sereis entregues à prisão. Se os pagãos punem o escravo que renega seu senhor, o que pensais que fará convosco o vosso Senhor, que tem poder sobre todas as coisas? Afastai esses desejos de vossos corações, a fim de viver eternamente para Deus."

CAPÍTULO 106
"Os fiéis que vieram da décima segunda montanha, a branca, são os seguintes: são como crianças pequeninas, em cujo coração não entra maldade nenhuma. Eles nem sequer sabem o que é o mal, e sempre permaneceram na inocência. Tais homens certamente habitarão no Reino de Deus, pois em nada violaram os mandamentos de Deus, mas perseveraram todos os dias de sua vida na inocência e no mesmo sentimento. Todos vós que assim perseverardes e fordes sem malícia, como crianças pequenas, sereis mais gloriosos do que todos os anteriores. Com efeito, todas as crianças são gloriosas diante de Deus e os primeiras diante dele. Felizes, portanto, sereis vós, se arrancardes de vós mesmos o mal e vos revestirdes da inocência, pois sereis os primeiros de todos a viver em Deus." Depois que ele terminou (de explicar) as parábolas a respeito das montanhas, eu lhe pedi: "Senhor, explica-me agora o que são as pedras tiradas da planície e colocadas no lugar das pedras que foram tiradas da torre, e também as pedras redondas que foram colocadas na construção, e aquelas que ainda são redondas."

CAPÍTULO 107
Ele respondeu: "Escuta também o sentido de todas essas coisas. As pedras tiradas da planície e que entraram na construção da torre, no lugar das pedras que foram tiradas, são as raízes dessa montanha branca .2Como os fiéis que vieram dessa montanha branca foram todos encontrados inocentes, o Senhor da torre mandou empregar, na construção da torre, pedras que vieram das raízes dessa montanha. De fato, ele sabia que se essas pedras entrassem na construção da torpe, elas permaneceriam brilhantes, e nenhuma delas escureceria. Se ele tivesse acrescentado pedras vindas de outras montanhas ter-lhe-ia sido necessário examinar e purificar a torre novamente. Estes, porém, foram encontrados brancos, tanto os que creram, como os que creriam, pois eles pertencem à mesma geração. Feliz essa geração, pois ela é inocente! Escuta agora o que se refere às pedras redondas e brilhantes. Elas vêm todas dessa montanha branca. Escuta, porém, por que foram encontradas redondas. Suas riquezas os obscureceram um pouco na verdade e os ofuscaram; porém, nunca se afastaram de Deus, nem saiu palavra má, de sua boca, mas sempre a eqüidade e a virtude da verdade. Vendo, pela mente deles, que poderiam servir à verdade permanecendo bons, o Senhor mandou cortar suas riquezas, sem as tirar de todo, para que pudessem fazer algum bem com o que lhes restava. Essas pessoas viverão em Deus, porque são de índole boa. E por isso que essas pedras foram cortadas ligeiramente, e depois colocadas na construção dessa torre."

CAPÍTULO 108
"Quanto às outras, que até agora se conservaram redondas e não foram ajustadas à construção, porque não tinham ainda recebido o selo, foram recolocadas em seu lugar; de fato, foram encontradas demasiadamente redondas. É preciso cortá-los deste século e da vaidade de suas riquezas, e então se adaptarão ao Reino de Deus. De fato, é necessário que eles entrem no Reino de Deus, pois o Senhor abençoou essa geração inocente. Dessa geração, ninguém perecerá. Pode ser que alguém deles, seduzido pelo diabo infame, cometa algum pecado e imediatamente recorra a seu Senhor. Eu, o anjo da penitência, vos julgo todos felizes. Sois inocentes como as crianças, pois vossa herança é boa e honrada diante de Deus. Digo a todos vós, que recebestes esse selo: sede simples, esquecei as ofensas, não permaneçais em vossa malícia ou na lembrança amarga das ofensas. Tende um só espírito, remediai e tirai de vós essas más divisões, a fim de que o Senhor das ovelhas se alegre com isso. Ele ficará contente, se encontrar todas as suas ovelhas, e nenhuma transviada. Ai, porém, dos pastores, se ele encontrar transviada alguma delas. Se os próprios pastores forem encontrados desviados, o que poderão dizer ao Senhor do rebanho? Poderão talvez dizer que foram desviados pelas ovelhas? Não se dará crédito a eles, pois é incrível que o pastor sofra alguma coisa por parte das ovelhas. Será mais gravemente punido por causa de sua mentira. Eu também sou pastor, e é preciso que eu preste rigorosamente conta de vós."

CAPÍTULO 109
"Curai-vos, portanto, enquanto a torre ainda está em construção. O Senhor habita nos homens que amam a paz, pois de fato a paz lhe é agradável, e ele se afasta para bem longe dos que brigam e dos que se perderam pela malícia. Devolvei-lhe, portanto, o espírito íntegro, como o recebestes. Se entregas ao lavadeiro uma roupa nova e intacta, esperas recebê-la de volta intacta. Se o lavadeiro te devolver a roupa rasgada, tu a receberás? Não te irritarás e o perseguirás com reprovação, dizendo: "Eu te entreguei uma roupa intacta. Por que a rasgaste, tornando-a inútil? Por causa do rasgão que nela fizeste, agora não pode ser mais usada." Não dirás tudo isso ao lavadeiro, por causa do rasgão que ele fez em tua roupa? Se ficas aborrecido assim com a tua roupa e te lamentas, por não tê-la recebido intacta, o que julgas que te fará o Senhor, que te deu espírito intacto, e tu o devolves completamente inútil, a ponto de não servir para mais nada ao teu Senhor? De fato, ele se tornou inútil, desde o dia em que o corrompeste. O Senhor desse espírito não te fará morrer por teres feito isso?" Eu respondi: "Certamente. Ele tratará assim todos aqueles que conservarem o rancor." Ele concluiu: "Não calceis nos pés a clemência dele, mas glorificai-o por ser tão paciente frente aos vossos pecados e por não ser semelhante a vós. Fazei, portanto, penitência útil para vós."

CAPÍTULO 110
Eu, o pastor, o anjo da penitência, mostrei e expliquei aos servos de Deus todas essas coisas, que estão acima escritas. Portanto, podereis viver se acreditardes e ouvirdes as minhas palavras, se caminhardes nelas e corrigirdes os vossos caminhos. No entanto, se permanecerdes na malícia e no rancor, não vivereis em Deus. Tudo o que devia dizer, eu vos disse. Então o pastor me disse: "Fizeste-me todas as perguntas?" Eu respondi: "Sim, senhor." (Então ele me perguntou:) "Por que não me perguntaste sobre a forma das pedras recolocadas na construção, das quais melhoramos as formas?" Eu respondi: "Senhor, eu esqueci." Ele explicou: "Escuta agora sobre elas. São aqueles que ouviram os meus mandamentos e fizeram penitência de todo o coração. Tendo visto que a penitência deles era boa e pura, e que podiam nela perseverar, o Senhor mandou apagar seus pecados anteriores. Aquelas formas eram os pecados deles, e foram igualadas, para que não aparecessem mais."

DÉCIMA PARÁBOLA
CAPÍTULO 111
Quando terminei de escrever este livro, o anjo que me confiara a esse pastor, veio à casa onde eu me encontrava, e sentou sobre o leito. O pastor apareceu de pé à direita. Então o anjo me chamou, e disse: "Eu te confiei a esse pastor a ti e à tua casa, para que fosses protegido por ele." Eu respondi: "Sim, senhor." Ele continuou: "Se queres, portanto, ser protegido de toda tribulação e violência, ter sucesso em toda boa obra e palavra, e ter toda a virtude da eqüidade, caminha nos seus mandamentos que te dei, e poderás dominar todo mal. Com efeito, se guardares os seus mandamentos, toda ambição e delícias deste mundo serão dominadas, e o sucesso te acompanhará em toda boa obra. Acolhe em ti a sua santidade e a sua modéstia e dize a todos que ele goza de grande honra e dignidade junto ao Senhor. Ele detém grande poder, e a sua função é forte. Somente a ele foi conferido o poder da penitência para o mundo inteiro. Não te parece poderoso? Mas vós desprezais a sua santidade e moderação, que ele tem para convosco."

CAPÍTULO 112
Eu disse: "Senhor, pergunta ao pastor se eu fiz alguma coisa errada desde que ele está em minha casa." O anjo respondeu: "(quanto a mim, sei que não fizeste nada de errado e que também não o farás. Eu te digo isso para que perseveres. O pastor disse-me que tem boa impressão de ti. Quanto a ti, transmitirás essas palavras aos outros, para que aqueles que fizeram ou estão para fazer penitência, tenham os mesmos sentimentos que tu. Dessa forma, o pastor falará bem deles para mim, e eu ao Senhor." Eu disse: "Senhor, de minha parte mostrarei a todo homem as grandezas do Senhor. E espero que todos os que outrora pecaram, ao ouvirem essas coisas, façam espontaneamente penitência, para recuperar a vida." Ele me disse: "Permanece nessa missão, realizando-a até o fim. Todos aqueles que praticam os mandamentos do pastor, terão vida e grande honra junto ao Senhor. Por outro lado, todos aqueles que não observam seus mandamentos, afastam-se da vida e desprezam o pastor. No entanto, o pastor, tem a sua honra junto de Deus. Todos aqueles que o desprezam e não observam seus mandamentos, se entregam à morte, e cada um deles se torna réu do seu próprio sangue. Digo-te mais uma vez: coloca-te a serviço desses mandamentos e terás o remédio para os seus pecados."

CAPÍTULO 113
"Eu te enviei essas virgens, para que habitem contigo; percebi que são afáveis contigo. Tu as tens como auxiliares, de modo que possas observar melhor os mandamentos do pastor. Não é possível observar esses mandamentos, sem essas virgens. Vejo, porém, que elas estão contigo de boa vontade; mas ordenei-lhes que de modo algum se afastem de tua casa. Apenas limpa bem a tua casa, pois elas habitarão com prazerem casa limpa. Elas são limpas e castas, ativas, e todas gozam de grande crédito junto ao Senhor. Portanto, se encontrarem tua casa limpa, permanecerão contigo. Se houver, porém, alguma coisa poluída, imediatamente elas deixarão tua casa, pois essas virgens não gostam de nenhum tipo de poluição." Eu lhe respondi: "Senhor, espero poder agradar-lhes, de modo que elas habitem sempre em minha casa de boa vontade. O pastor, a quem me confiaste, não se queixa de mim; elas também não se queixarão de mim." O anjo disse ao pastor: "Vejo que o servo de Deus quer viver, que guardará esses mandamentos, e instalará as virgens numa casa limpa." Tendo dito isso, confiou-me de novo ao pastor, chamou as virgens e lhes disse: "Como estou vendo que habitais com satisfação na casa desse homem, eu vo-lo recomendo, tanto a ele como à sua casa, para que não vos afasteis da casa dele". Elas, por sua vez, ouviram com prazer essas palavras.

CAPÍTULO 114
Em seguida, ele me disse: "Sê forte nesse ministério, mostra a todos os homens as grandezas do Senhor, e alcançarás a graça nesse ministério. Todo aquele que se comportar conforme esses mandamentos, viverá, e será feliz em sua vida. Por outro lado, quem os deixar à margem, não viverá, e será infeliz em sua vida. Dize a todos que não deixem de fazer tudo o que puderem praticar de bom, porque praticar boas obras é útil para eles. Digo também que é necessário arrancar da miséria todo homem. O necessitado e que sofre revezes em sua vida cotidiana está em grande tormento e angústia. Aquele, pois, que livrar uma pessoa da necessidade, adquire para si uma grande alegria. Com efeito, quem se encontra na miséria, sofre o mesmo tormento e as mesmas torturas que alguém que está na prisão. Muitos, não podendo suportar essas calamidades, se suicidam. Aquele, portanto, que conhece a miséria de tal homem e dela não o retira, comete grande pecado e se torna réu do sangue dele. Fazei, portanto, boas obras, todos vós que recebestes bens do Senhor, para que a construção da torre não termine, enquanto tardais em praticá-las. E por vossa causa que os trabalhos da construção foram interrompidos. Portanto, se não vos apressais em agir bem, a torre será terminada, e vós sereis excluídos dela." Quando ele terminou de falar comigo, o anjo se ergueu do leito e, tomando consigo o pastor e as virgens, retirou-se. Disse-me, porém, que me enviaria de novo o pastor e as virgens à minha casa.



12/09/2012

Um filósofo e um concílio


Pe. João Batista de A. Prado Ferraz Costa

É natural que no transcurso do cinquentenário do  Vaticano II se tornem mais acaloradas as discussões sobre a responsabilidade do concílio do “aggiornamento” pela  terrível crise que assola a Igreja nas últimas décadas.
Há diversas correntes de opinião que tentam dar uma interpretação do significado e das consequências do Vaticano II para a vida da Igreja e de toda a civilização ocidental. Compartilho da opinião daqueles teólogos  que dizem que o Vaticano II representa uma  ruptura com o magistério tradicional da Igreja, além de ter aberto um caminho para inovações posteriores que trazem vários problemas.
De fato, sem dizer que o Vaticano II contenha heresias – e creio que ninguém em são juízo o dirá -, cumpre reconhecer que a magna assembleia dos anos sessenta, adotando uma anfibologia propositada, causou uma catástrofe para Igreja. E tal anfibologia está justamente a indicar a ruptura com a tradição, pois que a Igreja jamais, ao longo da sua história, empregou semelhante estilo de linguagem na exposição de sua doutrina.
A meu ver, o que mais interessa na análise do Vaticano II é ver se as conclusões dele extraídas pelos chamados progressistas têm realmente um fundamento nas atas conciliares. E para tanto a leitura de uma página da história da filosofia moderna será de grande utilidade como uma comparação que ilustra muito bem o que ocorreu com o Vaticano II.
Quando se lê a história da evolução do pensamento de René Descartes, fica-se pasmo ante as terríveis conclusões tiradas pelos filósofos que meditaram a fundo sobre a sua obra e tiveram o mérito de ver aonde as aporias do autor do Discurso sobre o método desaguariam. Ninguém dirá, por exemplo, que Descartes defendia o panteísmo de Spinoza ou o ocasionalismo de Malebranche. Mas ninguém tampouco negará que em germe esses erros estavam encerrados em sua filosofia. Há bons autores que dizem que Descartes percebeu que o seu novo conceito de substância (realidade que, para existir, não necessita de nenhuma outra), acentuando o fundamento do ser da substância, ao contrário  do conceito tradicional de substância que expressa apenas um modo de ser  (realidade a cuja essência compete ser em si mesma e não em outra), tinha graves implicações metafísicas e tentou encontrar uma solução, mas foi em vão porque seu pensamento a respeito ficou contraditório. De maneira que Spinoza, ao dizer que entendia por substância “aquilo que é em si e se entende por si, isto é, aquilo cujo conceito não necessita do conceito de outra coisa do qual se tenha de formar”e ao identificar Deus com tal substância, nada mais fazia do que tirar uma conclusão lógica do pensamento de Descartes, o qual não foi impedido de chegar a tanto apenas por sua formação religiosa profundamente cristã. A propósito, discordo do juízo benévolo  do douto padre Leonel Franca sobre a relação entre o pensamento de Descartes e o pensamento de Spinoza. Este nada mais fez do que explicitar o que latente em Descartes.
Algo semelhante ocorreu com o pensamento de Malebranche, o pensador do ocasionalismo que nega a realidade das causas segundas, as quais reduz a meras ocasiões para o exercício da única causa que seria Deus. Ele, certamente, tinha em vista o mecanicismo de Descartes. Hoje, sabe-se que David Hume (o pensador que negou o princípio da causalidade dizendo que o que se chama causa não passa de sucessão constante) deve muito a Malebranche, o qual, é claro, não aprovaria sua doutrina da irracionalidade da religião.
Essa página da história da filosofia mostra-nos que as ideias têm uma dinâmica  própria, desenvolvem-se à margem da realidade e, depois, acabam tendo um enorme impacto sobre a cultura em geral, influenciando as mentalidades, moldando os comportamentos.
Ademais, é preciso ter presente que os modernistas, partindo da premissa da evolução do dogma e recusando o princípio de não contradição, têm sempre o afã de adaptar a religião ao dinamismo da vida. Dizem que a religião não pode ser estática mas deve evoluir ao sabor da experiência mística do povo de Deus. Dizem também que da leitura dos autores eclesiásticos mais antigos, anteriores ao Concílio de Nicéia, resulta irretorquível que a “verdade” evolui. Antes de Nicéia, o dogma trinitário não se entendia como depois do concílio, quer dizer, o Pai era considerado superior em dignidade ao Filho e ao Espírito Santo. De modo que os modernistas vão sempre fazer uma leitura do Vaticano II nesta perspectiva, vendo nele uma evolução em relação ao passado e um estágio a ser superado com o tempo por uma doutrina diferente.
Pois bem, assim como Descartes tentou conciliar o inconciliável e evitar as consequências lógicas de suas premissas, assim também o Vaticano II. Descartes, como se sabe, desprezava a tradição escolástica e queria reformar a filosofia por meio de um novo método. Sua reforma da filosofia foi, na verdade, uma revolução. Descartes não poderia negar sua responsabilidade se não tivesse morrido tão cedo e visto os desdobramentos de sua filosofia.
Ora, o Vaticano II quis promover um “aggiornamento” da Igreja inspirado principalmente nos teólogos da “nova teologia” condenada por Pio XII. Como Descartes, esses teólogos desprezavam a “esclerosada” escolástica e queriam um “retorno às origens”. O Vaticano II quis conciliar a Igreja com os falsos princípios do mundo liberal moderno sem ao mesmo tempo acolher as consequências de tais princípios. Quis adotar uma linguagem ambígua para favorecer uma conciliação de posições antagônicas dentro da Igreja. Quis afirmar o dogma católico e ao mesmo tempo agradar ao herege protestante. Quis afirmar que a Igreja Católica é a Igreja de Cristo mas quis também dizer que esta não está constituída apenas pela Igreja Católica. Logo será impossível impedir que os defensores da tese da ruptura doutrinária digam com razão que apenas tiram as consequências do concilio. Com efeito, não assiste razão aos modernistas quando dizem que a Humanae vitae representou um retrocesso, visto que o Vaticano II silenciara quanto à doutrina da hierarquia dos fins do matrimônio? Não está na lógica dos fatos a secularização da sociedade após o fim dos Estados confessionais desejado pelo Vaticano II? Além disso, o Vaticano II, ao designar a Igreja como Povo de Deus (um conceito em si legítimo mas insuficiente para expressar tão bem o mistério da Igreja como a imagem de corpo místico de Cristo)  induz a identificar a Igreja com a humanidade, e isto fica cada vez mais patente com os inomináveis  encontros inter-religiosos e edições ecumênicas da Bíblia. Como conciliar tudo isto com o magistério precedente que condena tais ideias e práticas? Paulo VI quis fazer uma missa polivalente que fosse palatável  tanto aos protestantes quanto aos católicos, conforme o testemunho de seu amigo Jean Guiton. Como conciliar isto com o axioma teológico Lex orandi, Lex credendi?
Conta-se que o cardeal Tisserant, que foi um dos corifeus do progressismo durante o Vaticano II, disse, angustiado, à beira da morte: “Humanamente a Igreja está morta”. É bem provável que o ilustre prelado reconhecesse nos estertores da morte os tristes desdobramentos das ideias avançadas que defendera durante o concílio.
Não é necessário dizer que a crise da Igreja nos últimos anos seja resultado lógico dos documentos do Vaticano II. Não é necessário tampouco dizer que há um rigoroso nexo causal entre o que diz o Vaticano II e a desolação que vivemos. Mesmo porque estabelecer com precisão as causas históricas de um fato, de uma época, é tarefa quase impossível. Basta dizer que um beijo do Corão, a recepção de um “sacramental” da deusa Shiva, as flores colocadas sobre a campa de Lutero em nome do papa, as corriqueiras “communicatio in sacris”, os deletérios casamentos mistos, hoje vistos como meios de “enriquecimento espiritual mútuo” e tantas outras misérias do nosso tempo estão na linha histórica do concílio e acham nele sua melhor explicação.
Anápolis, 28 de agosto de 2012.
Santo Agostinho, bispo e doutor.

São Dinis, o Areopagita (Pseudo-Dioníso) - Hierarquia Celeste


Hierarquia Celeste
São Dinis, o Areopagita (Pseudo-Dioníso)

Capítulo I.
A Luz irradia do Pai. A Luz saí d’Ele para nos iluminar com os Seus excelentes dons. Apenas Ela nos restabelece e nos eleva. É Ela que nos converte à unidade do Pai segundo as Sagradas Escrituras: "Porque Dele, por Ele e para Ele são todas as coisas..." (Rom 11: 36).
"Toda a dádiva excelente e todo o dom perfeito vêm do alto e descende do Pai das Luzes..." (Tg 1: 17).
É por isso que invocando Jesus, Luz do Pai, através do Qual temos acesso ao Pai, princípio de toda a Luz, elevemos nossos olhos tanto quanto pudermos até as iluminações provenientes das Sagradas Escrituras e iniciemos na medida das nossas forças, no conhecimento da hierarquia das inteligências celestes tal como nos revelam as próprias Escrituras: "(O Verbo) era a Luz verdadeira, que ilumina todo o homem que vem a este mundo" (Jo 1:9).
Os santos que primitivamente regularam os nossos ritos religiosos, organizaram a nossa hierarquia sagrada segundo o modelo das hierarquias celestes. Essas hierarquias encontram-se revestidas na sua descrição de uma variedade de figuras e formas materiais para que elevemos a nossa compreensão de forma analógica desses símbolos, às realidades espirituais, das quais esses símbolos são apenas imagens.
De fato, é para nós impossível a contemplação das hierarquias celestes sem utilizarmos meios materiais adequados a nossa natureza para nos guiarmos nessa contemplação. A beleza manifesta-se na harmonia das figuras, os aromas agradáveis representam a iluminação intelectual, a luz material representa a efusão de luz imaterial e a recepção da Santa Eucaristia manifesta a participação em Jesus.
A nossa própria hierarquia imita a hierarquia celeste o tanto quanto possível enquanto instituição humana, a fim de que ela entre em colegialidade com o sacerdócio angélico.

Capítulo II.
É necessário que elevemos a nossa compreensão a partir das alegorias com as quais as inteligências celestes nos são representadas nas Sagradas Escrituras, a fim de não deduzirmos como pensaria qualquer pessoa desprevenida, que as inteligências celestes têm vários pés e vários rostos, que elas se assemelham ao gado como os bois, que apresentam o aspecto selvagem do leão, o bico curvo da águia, ou ainda, que possuem asas e penas como as aves. Não devemos imaginá-las como rodas inflamadas girando no céu, como guerreiros a cavalos armados de lanças, nem sob outras formas que as Sagradas Escrituras nos transmitem através de uma variedade de símbolos reveladores.
Se os teólogos aplicaram essa imaginação poética às inteligências celestes foi porque tiveram em conta o caráter humano da nossa inteligência, a fim de nos proporcionarem um meio de elevação espiritual adaptado a nossa natureza.
Se aceitarmos essas alegorias como figurações de realidades que não podemos conhecer nem contemplar, julgaremos que as imagens usadas pelas Sagradas Escrituras para representar as inteligências celestes são inadequadas ao seu objetivo, que os nomes atribuídos aos anjos não correspondem senão muito parcialmente às realidades que sugerem. Contrapomos, que para materializar os anjos os teólogos deveriam ter utilizado imagens tanto quanto possível adequadas ao seu objeto, utilizando substâncias que consideramos como sendo as mais nobres, ao invés de ligar à essas realidades uma multiplicidade de figuras retiradas do que poderia ser considerado como pertencendo às mais baixas realidades terrestres. Assim, a alegoria seria mais rica de ensinamentos espirituais e não nos arriscaríamos a ofender a dignidade das potências divinas. Com efeito, não seríamos levados a imaginar que o céu está cheio de rebanhos de leões, manadas de cavalos, bandos de pássaros e de outros animais com essas alegorias inadequadas?
Mas se procurarmos a verdade estará claro para nós, que os autores Sagrados tiveram o cuidado providencial de simultaneamente dar expressão contida a tudo isso que os nossos contraditores consideram um ultraje às potências divinas e nos pouparão dos riscos de uma ligação excessiva a tudo que tais símbolos podem ter de baixo e vulgar.
Se é necessário dar figura ao desfigurado, dar forma ao que está sem forma, não é somente porque somos incapazes de contemplar diretamente essas realidades, mas porque convém às passagens místicas das Sagradas Escrituras ocultar sob a forma de enigmas, a santa e misteriosa unidade dessas inteligências que não pertencem a esse mundo. Porque nem todos são santos e como dizem as Sagradas Escrituras: "Mas nem em todos há a ciência..." (1Co 8:7).
Quanto ao caráter inadequado das imagens escriturísticas, é necessário responder a essa objeção afirmando que a revelação do sagrado se faz de dois modos: o primeiro modo procede por imagens adequadas ao seu objeto; o segundo modo pelo contrário passa pela inadequação das imagens que modela levada até à extrema inacreditibilidade, até o absurdo. É por isso que as Sagradas Escrituras se referem a Trindade sobreessencial com os nomes de Razão, Inteligência e Essência, manifestando assim o que convém atribuir a Deus de racionalidade e sabedoria: designando-A como Substância que subsiste por si própria, como causa verdadeira da existência de todos os seres, ou ainda, como Luz e Vida.
Essas designações são seguramente mais santas e parecem de algum modo superiores às imagens materiais. Mas na realidade elas são menos deficientes que as outras se se pretender significar toda a Verdade da própria Divindade que está para lá de toda a essência e de toda a vida e que não se caracteriza por nenhuma luz, da qual nenhuma razão e nenhuma inteligência pode dar uma imagem autêntica.
É por isso que também acontece de celebrar-se nas mesmas Escrituras a Trindade, representando-A de um modo que não é desse mundo, por imagens que não se Lhe assemelham de modo algum. Elas descrevem-Na como invisível, ilimitada e incompreensível, não procurando significar o que Ela é, mas o que Ela não é.
A meu ver, essa segunda maneira de celebrar a Santíssima Trindade Lhes convém melhor, porque seguindo a tradição sagrada nós temos razão em dizer que Ela não é nada do que são os outros seres, e nós ignoramos essa indefinível Sobreessência que não se pode pensar nem dizer.
Assim, as negações são verdadeiras no que concerne aos mistérios divinos, enquanto que toda afirmação pela positiva permanece inadequada. Convém mais ao caráter secreto d’Aquele que permanece em si próprio incomum, não revelar o invisível a não ser através de imagens sem semelhança com o seu objeto.
Portanto, longe de humilhar as legiões celestes as alegorias honram-nas, porque mostram até que ponto essas legiões que não pertencem a este mundo excluem toda a materialidade.
A utilização de figuras sagradas de natureza mais elevada nos induziria mais facilmente a erros, porque elas nos levariam a imaginar as essências celestes como figuras de ouro, ou como seres luminosos lançando raios, ou como seres de bela estatura revestidos de suntuosas vestes repletas de esplendor, ou sob todas as outras formas do mesmo gênero de que a teologia fez uso para representar as inteligências celestes: "O que falava comigo tinha uma cana de ouro de medir, para medir a cidade, as suas portas e o muro" (Apoc 21:15).
"Como estivessem olhando para o céu, quando Ele ia subindo, eis que se apresentaram junto deles dois personagens vestidos de branco..." (At 1:10). "E, fixando Nele os olhos todos os que estavam sentados no conselho, viram o Seu rosto como o rosto de um anjo" (At 6:15). "Passados quarenta anos, apareceu-lhe no deserto do Monte Sinai um anjo na chama de uma sarça que ardia" (At 7:30). "Porque um anjo do Senhor desceu do Céu, e, aproximando-se, revolveu a pedra e sentou sobre ela. O seu aspecto era como um relâmpago. A sua veste branca como a neve" (Mt 28:2-3).
Não importa qual imagem possa servir de ponto de partida para a bela contemplação, o que importa é que possamos nos apoiar em figurações materiais para aplicar a esses seres que são inteligíveis e inteligentes as metáforas sem semelhança com o objeto do qual falamos atrás, na condição de nunca esquecermos a grande diferença existente entre o comportamento dos seres inteligentes e o comportamento dos seres sensíveis (esses são privados de razão).
As alegorias sagradas são usadas pelos teólogos não somente para revelarem as ordens celestes, mas também para manifestarem os mistérios de Deus. Ainda que se refiram a Ele fazendo apelo às mais belas imagens como: Sol de Justiça; Estrela da Manhã (Apoc 22:16; Núm 24:17; 2Pdr 1:19), Luz Radiante (Jo 1:5) e apelo a símbolos de nível mediano como: Fogo que queima sem consumir (Êx 3:2), Água que conduz à plenitude da vida e de metáforas vulgares quando se fala por exemplo de Ungüento suave; Pedra Angular (Ef 2:20), mesmo assim as Sagradas Escrituras fazem ainda uso de figuras animais quando atribui a Deus qualidades do leão e da pantera ou quando apresenta-O como um leopardo ou como um urso que perdeu os seus filhos (Os 13:7).
Finalmente, o apelo à metáfora mais indigna de todas e que parece ser a mais inadequada: com efeito, não foi sob a forma de um vaso de terra que os admiráveis intérpretes dos ministérios divinos nos representaram?
Por tudo isso, vemos que nada há de absurdo, quando os teólogos representam igualmente as essências celestes por imagens inadequadas que não apresentam nenhuma semelhança com o seu modelo original. Talvez não tivéssemos procurado a interpretação espiritual minuciosa dessas santas realidades, se não tivéssemos perturbados pelo caráter disforme das imagens que nas Sagradas Escrituras representam os anjos.

Capítulo III.
Hierarquia é uma santa ordem, um saber e uma ação tão próxima quanto possível da forma divina elevada à imitação de Deus na medida das iluminações divinas. Na sua simplicidade, na sua bondade, na sua perfeição fundamental, na perfeição que convém a Deus, comunica a cada ser segundo o seu mérito uma parte da sua própria luz. Ela o aperfeiçoa através da iniciação divina, revestido da sua própria forma, de modo harmonioso e estável àqueles que ela aperfeiçoou.
A finalidade da hierarquia consiste em conferir às criaturas tanto quanto possível a semelhança divina para uní-las a Deus. Deus é para a hierarquia, com efeito, o mestre de todo o conhecimento e de toda a ação. Ela não cessa de contemplar a Sua divina bondade e dos seus seguidores ela faz imagens perfeitas de Deus. Tendo recebido a plenitude do Seu esplendor elas são capazes, seguindo os preceitos da Trindade, de transmitir essa luz até mesmo aos seres que lhe são hierarquicamente inferiores.
Assim, quando se fala de hierarquia, se entende por isso uma certa ordenação perfeitamente santa, imagem do esplendor divino, tendendo tanto quanto possível e sem sacrilégio assemelhar-se Àquele que é o seu próprio princípio. Para cada um dos membros da hierarquia a perfeição consiste em imitar a Deus o melhor que puder, tornando-se "cooperadores" Dele.
"Efetivamente, nós somos cooperadores de Deus..." (1Cor 3:9).
Se, por exemplo, a ordem hierárquica impõe a uns a função de receber a purificação e a outros a de purificar; a uns a de receber a iluminação e a outros a de iluminar; a uns a de receber o aperfeiçoamento e a outros a de aperfeiçoar; cada um imitará a Deus segundo o modo que convém a sua própria função.
Convém, que os purificados se libertem de toda a impureza e de toda a dissemelhança; que os iluminados recebam a plenitude da luz divina e que elevem a sua inteligência até atingirem a capacidade de contemplar; que os perfeitos tenham abandonado toda a imperfeição e tomem parte da perfeição dos iniciados; e que os iluminadores, com inteligências mais transparentes que as outras, difundam essa luz por todos os lados e por todos aqueles que forem dignos dela.
Assim, cada escalão da ordem hierárquica na medida de suas forças eleva-se para a cooperação divina e ao seu redor cada um revela essa cooperação às inteligências que amam a Deus, cumprindo na virtude e sob a ação da Graça o que a própria Divindade cumpre graças ao Seu caráter sobreessencial.

Capítulo IV.
Antes de mais nada, queremos afirmar em primeiro lugar que foi por bondade que a Divindade criou essa ordem hierarquia, porque Lhe pertence esse Bem totalmente transcendente a chamar todos os seres para entrarem em comunhão com Ela na medida da capacidade de cada um. É por isso que tudo que existe tem alguma relação com a Divindade, a Causa Universal, porque sem a participação n’Ela que é a essência e o princípio de todo o ser, nada existiria.
É, portanto, a esses seres que recebem de forma inicial e múltipla a participação divina e que revelam ao seu redor de modo original e múltiplo o mistério da Divindade, que é atribuído de forma louvável e sublime o título de seres angélicos — pois eles receberam em primeiro lugar a iluminação e é por intermédio deles que nos são transmitidas essas revelações que ultrapassam a todos nós. Como ensina a teologia, a Lei nos foi transmitida pelos anjos.
"Para que é então a Lei? Foi acrescentada por causa das transgressões, até que viesse a descendência, a quem tinha sido feita a promessa, e foi promulgada pelos anjos na mão de um mediador" (Gál 3:19).
Foram os anjos que guiaram os nossos veneráveis antepassados em direção às realidades divinas; tanto nos tempos que precederam a Lei, como no tempo da Lei; tanto na prescrição a eles de regras de conduta desviando-os de uma vida repleta de erros e de pecados, assim como na revelação da interpretação da santa hierarquia e das visões secretas dos mistérios que não são deste mundo; como também ainda na revelação das profecias divinas.
"Vós, que recebestes a Lei por ministério dos anjos e não a guardastes" (At 7:53). "Este viu claramente numa visão, cerca da hora de Noa, que um anjo de Deus se apresentava diante dele e lhe dizia: Cornélio" (At 10:3).
Se argumentar-se que Deus manifestou-Se sem intermediários a algum santo, que se saiba que nunca ninguém O viu e nem jamais O verá, porque essa verdade provem claramente das Sagradas Escrituras e é a própria substância de Deus naquilo que tem de mais secreto.
"Ninguém jamais viu a Deus; o Unigênito, que está no seio do Pai, Ele mesmo é que O deu a conhecer" (Jo 1:18). "...Que é o Único que possui a imortalidade e que habita numa Luz inacessível, O qual não foi nem pode ser visto por nenhum homem, ao qual seja dada honra e império sempiterno. Amém" (1Tim 6:16).
Seguramente, Deus apareceu a certos homens piedosos segundo o modo que convinha a Sua divindade, revelando-Se por visões adaptadas à medida dos visionários. A santa teologia tem razão ao chamar visão divina ― Teofania ― a essa espιcie de apariηão, na qual se reflete a semelhança divina segundo o modo que convém à figuração do infigurável, isto é, elevando espiritualmente os visionários para as realidades divinas. Com efeito, através dessa visão os visionários recebem a plenitude da iluminação divina e uma certa iniciação sagrada em relação aos mistérios de Deus. Os nossos ilustres antepassados não foram iniciados através dessas visões, senão por intermédio das potências celestes.
Há de se cogitar, que a tradição escriturística afirma que os mandamentos da Lei foram transmitidos diretamente por Deus a Moisés. Certamente! Mas se as Sagradas Escrituras assim se exprimem é para que não ignoremos que essas prescrições são a própria imagem da Lei divina e sagrada. A teologia ensina sabiamente que essas prescrições vieram até nós por intermédio dos anjos, para que a ordem instituída pelo Divino Legislador nos ensine que é por intermédio de seres hierarquicamente superiores que se elevam espiritualmente para o Divino aqueles que Lhe são inferiores.
"Porque, se a palavra anunciada pelos anjos ficou firme, e toda a prevaricação e desobediência recebeu a justa retribuição que merecia..." (Hebr 2:2).
Mesmo ao que concerne ao mistério divino do amor de Jesus pelos homens foram os anjos que em primeiro lugar receberam a iniciação. E foi por intermédio deles que esse conhecimento desceu até nós.
Foi assim que o divino Gabriel ensinou ao grande sacerdote Zacarias que o filho que iria ter contra toda a sua esperança, mas pela graça de Deus, seria o profeta da obra divino-humana, através do qual Jesus operaria para bem do mundo e para a sua salvação.
Igualmente o arcanjo Gabriel ensinou à Santíssima Virgem Maria que nela se cumpriria o mistério da Encarnação. Um outro anjo instruiu José sobre a verdade dos acontecimentos e sobre o cumprimento das promessas divinas feitas a Davi. Foi um anjo que difundiu a boa nova aos pastores, que eram de algum modo homens purificados pela vida tranqüila que levavam e afastados das multidões, ao mesmo tempo que os exércitos celestes transmitiam a toda a terra o célebre cântico de glorificação "Glória a Deus nas alturas, paz na terra aos homens a quem Ele ama".
Por intermédio dos anjos José foi avisado que ele deveria partir para o Egito e assim novamente quando de seu regresso a Judéia. Não falou também Jesus a nós como um mensageiro quando Ele nos comunicava a vontade do Pai?

Capítulo V.
Importa agora procurar a razão pela qual os teólogos chamam anjos a todas as essências celestes indistintamente, enquanto reservam o termo angélico mais propriamente à ordem mais baixa que é subordinada às legiões dos Arcanjos, dos Principados, das Potestades, das Dominações, essências das quais a tradição revela e as Escrituras reconhecem como superiores.
Ora, nós afirmamos que em toda a ordenação sagrada as ordens superiores possuem todas as iluminações das ordens inferiores, sem que essas últimas participem nos privilégios das que lhe são superiores. É por isso que os teólogos chamam de anjos os escalões mais altos e mais santos das essências celestes, porque eles são reveladores da iluminação divina.
Quando fazemos referências à ordem inferior não seria adequado designar os seus membros de Principados, Tronos ou Serafins, porque eles não participam de modo algum das capacidades das essências celestes que possuem um nível superior. O que podemos afirmar é que se todos os anjos recebem um nome comum isto se sucede também pelo fato das potências celestes possuírem em comum o poder de permanecerem em harmonia com Deus e de entrarem em comunhão com a luz que vem de Deus.

Capítulo VI.
Quais e quantas são as ordens desses seres que vivem no Céu? Como é que cada hierarquia recebe a sua consagração ou o seu aperfeiçoamento? Afirmo que apenas o Princípio Divino poderia responder exatamente a essas questões. Mas os seres angélicos não ignoram nem as qualidades que lhes são próprias, nem a hierarquia sagrada que os rege e que não pertence a este mundo.
É impossível conhecermos os segredos das inteligências que vivem no céu, a menos que Deus nos revele por intermédio dessas mesmas inteligências, as quais não ignoram a sua própria natureza. Portanto, não faremos nada de nossa própria autoria e nos contentaremos em expor na medida dos nossos conhecimentos essas visões angélicas, tal como os santos teólogos as contemplam e tal como eles a nós revelaram.
Os seres angélicos dividem-se em três ordens e possuem nove nomes.
A primeira ordem rodeia a Deus de modo permanente e está unida a Ele constantemente. Ela está em primeiro lugar e não possui qualquer mediação: são os Tronos santíssimos e os batalhões notáveis por seus números de olhos e de asas que recebem os nomes de Querubins e Serafins. Eles têm uma proximidade de Deus superior a todos os outros. Essa ordem de três batalhões formam uma só e constitui a primeira hierarquia de nível igual.
A segunda ordem compõe-se de Virtudes, Dominações e Potestades constituindo a segunda hierarquia.
A terceira ordem constitui a última hierarquia celeste. É a ordem dos Anjos, Arcanjos e Principados.

Capítulo VII.
Todos os nomes atribuídos às inteligências celestes designam capacidades para eles receberem a semelhança divina.
Querubim em hebraico significa "aquele que arde". Significa também "massa de conhecimento e efusão de sabedoria".
A primeira hierarquia é a mais sublime de todas e graças a sua proximidade com Deus recebe primeiro que as outras as aparições Dele e os seus nomes revelam o modo como se ligam a Ele.
Os Serafins têm como qualidades especiais o movimento perpétuo em torno dos segredos divinos, o calor, a profundidade, o ardor dum constante movimento que não conhece diminuição, o poder de elevarem eficazmente as suas semelhanças aos que lhes são inferiores, comunicando-lhes o mesmo ardor a mesma chama e o mesmo calor. Eles têm o poder de purificarem a evidente e indestrutível aptidão para conservarem a sua própria luz, o seu poder de iluminação e a faculdade de abolirem todas as trevas.
Os Querubins designam aptidões a conhecerem e a contemplarem a Deus, a receberem os mais altos dons da Sua Luz, a contemplarem na sua potência primordial o esplendor divino, a acolherem em si a plenitude dos dons que transmitem sabedoria e a comunicá-los em seguida às essências inferiores graças a expansão da própria sabedoria que lhes foi transmitida.
Os Tronos, sublimes e luminosos, indicam a ausência total de qualquer concessão aos bens inferiores e a tendência contínua para os cumes, que sublinha bem o fato de eles nada terem em comum com o que lhes está abaixo. Eles indicam a sua infalível aversão a toda indignidade, a grande concentração de toda a sua capacidade para se manterem constante e firmemente perto do Altíssimo, a capacidade de receberem indiferentemente todas as visitações da Divindade, o privilégio que têm de servirem de assento a Deus e o seus zelos em se abrirem aos dons de Deus.
Essa é a explicação de seus nomes na medida do que nos é possível revelar aos homens.
Resta-nos dizer o que entendemos pela suas hierarquias. Que o objetivo de toda hierarquia é imitar constantemente a Deus; que toda a função hierárquica consiste em acolher e transmitir a pureza sem mistura da luz divina e da sabedoria, como já o dissemos.
Agora proponho-me a mostrar o que as Escrituras revelam das suas hierarquias.
Esses seres angélicos constituem uma só hierarquia inteiramente homogênea. Devemos pensar que eles são puros não apenas por estarem livres de todo o pecado e de tudo o que é profano, mas porque eles ignoram toda a imaginação material; porque estão acima de toda a fraqueza; porque a sua sublime pureza ultrapassa a de quaisquer outras inteligências angélicas; porque conservam sem qualquer perda ou corrupção a estabilidade perpétua do poder que possuem de estarem em harmonia com Deus.
Eles são igualmente contemplativos. Não porque contemplem intelectualmente símbolos nem porque se elevem espiritualmente através de santas alegorias, mas porque recebem em toda a plenitude o saber de uma Luz superior através da contemplação desse Ser Sobreessencial e triplamente luminoso, que está na origem e no princípio de toda a beleza. Eles têm igualmente o mérito de entrarem em comunhão com Jesus através de uma verdadeira proximidade, pois tomam parte no conhecimento de Suas operações divinas, uma vez que lhes foi dada no mais alto grau a capacidade de imitarem a Deus. Eles entram em contato tanto quanto lhes é possível com as virtudes, pelas quais Ele exerce a Sua ação divina face aos homens e manifesta o Seu amor por eles.
Eles são perfeitos não pela iluminação de uma sabedoria que lhes permitiria analisar a variedade dos santos mistérios, mas pela plenitude duma deificação, pela ciência superior que possuem na qualidade de mensageiros das operações divinas. É diretamente de Deus que eles recebem a iniciação sagrada e é graças a esse poder de se elevarem diretamente até Deus, que eles devem a superioridade sobre todos os outros seres.
Os teólogos mostram claramente que as ordens inferiores das essências celestes aprendem de seus superiores tudo o que lhes concernem às operações divinas, enquanto que a ordem mais elevada é iniciada por Deus. Eles nos revelam, que certos anjos são iniciados por aqueles que possuem um nível mais elevado que o seu e que aprendem através desses, que Deus é o Senhor das potências celestes, o Rei da Glória, que sob a forma humana subiu aos céus. Outros recebem de Jesus Cristo a sua iniciação sem intermediários, recebendo d’Ele antes de todos os outros a revelação da obra redentora que Ele levou a cabo por amor aos homens.
"Eu sou (responderá Ele) O que falo a justiça, e venho para defender e salvar" (Is 63:1).
Assim é, tanto quanto eu posso conhecer, essa primeira ordem das essências celestes, aquela que rodeia a Deus e que se situa na Sua vizinhança, aquela que envolve o Seu perpétuo conhecimento. Ela pode não somente contemplar, mas ainda receber iluminações e sustentar-se do maná divino.
Digna ao mais alto nível, de entrar em comunhão e em cooperação com Deus, essa primeira ordem assemelha-se tanto quanto pode à bondade dos poderes e das operações próprias a Deus.
É por isso que a teologia nos transmite os hinos que cantam esses anjos, onde se manifesta o caráter transcendente da sua sublime iluminação. Se ousarmos utilizar uma imagem terrena, eles se assemelham à voz de uma torrente tempestuosa quando gritam: "Bendita seja a glória do Senhor, que se vai do seu lugar" (Ez 3:12). Outros anjos entoam o hino célebre e venerável: "Santo, Santo, Santo, é o Senhor Deus dos exércitos, toda a terra está cheia da Sua glória" (Is 6:3).
Nessa primeira ordem das essências celestes estão os lugares divinos, onde segundo a expressão das Sagradas Escrituras a Divindade "repousa". Essa ordem ensina também aos outros anjos que a Divindade é una. Una em Três Pessoas e que Ela exerce a sua Providência benfeitora desde as essências que vivem no céu até as mais baixas criaturas terrenas, pois Ela é o Princípio e a Causa de toda a essência e é Ela que envolve o universo inteiro de modo sobreessencial num abraço irresistível.

Capítulo VIII.
Abordaremos agora a segunda ordem das inteligências celestes iniciando-nos no conhecimento das Dominações, Virtudes e Potestades.
Cada uma dessas denominações revela a forma própria de cada inteligência angélica de imitar e se configurar a Deus.
O nome das santas Dominações significa a elevação espiritual livre de qualquer compromisso terreno tal como convém a uma entidade incorruptível e verdadeiramente livre, tendendo com um firme vigor para o verdadeiro princípio de toda a Dominação, recebendo ela e os seus subordinados à medida das suas forças a semelhança do Senhor e participando do princípio constante e divino de toda a Dominação.
No que concerne às santas Potestades o seu nome indica uma certa vigorosidade corajosa em todos os atos pelos quais se configuram a Deus. Uma vigorosidade que exclui qualquer enfraquecimento de forças no recebimento das iluminações divinas que lhe é outorgada; uma vigorosidade que se eleva corajosamente até a imitação de Deus e que não abandona a ascensão à forma divina e cujo olhar permanece rigidamente direcionado para a fonte de toda a potestade Sobreessencial. Porque essa vigorosidade torna-se imagem da potestade, da qual ela assume a forma, ligando-se a ela com todas as suas forças para fazer descer sobre as essências inferiores o seu processo dinâmico e deificante.
O nome das Virtudes indica que ela tem o nível igual das Dominações e Potestades. Ela é disposta harmonicamente e sem confusão para receber os dons divinos. Ela indica ainda que o poder intelectual que lhe pertence é perfeitamente ordenado e que longe de abusar do seu poder ela se eleva harmoniosamente para as realidades divinas, conduzindo na sua bondade as essências inferiores e imitando tanto quanto pode a virtude fundamental, que é a fonte de toda a virtude sem deixar de difundí-la na medida de sua capacidade.
Eis como a segunda hierarquia das inteligências celestes manifesta a sua identidade com Deus. É assim que ela se purifica, se ilumina e se aperfeiçoa graças às iluminações divinas que lhe são transmitidas pelos membros da primeira ordem hierárquica.
Essa tradição, que se transmite regularmente de anjo a anjo, simbolizará a nós essa perfeição que vinda de longe, se confunde descendo progressivamente do primeiro ao segundo nível. Do mesmo modo, as evidentes perfeições das realidades divinas são mais perfeitas que as participações nas visões divinas que se fazem através de intermediários. Assim parece-me que a participação imediata das ordens angélicas que mais se aproximam de Deus é mais clara que a dos anjos cuja iniciação é mediata. É por isso que segundo os termos consagrados pela nossa tradução as primeiras inteligências iluminam e purificam as que têm um nível (hierárquico) inferior, de modo que essas últimas elevadas por intermédio da primeira até o princípio Universal e Sobreessencial tomem parte tanto quanto lhes é possível nas iluminações e nos aperfeiçoamentos operados por Aquele, que é o princípio de toda a perfeição.
A Lei Universal, pela qual as essências celestes da segunda ordem participam por intermédio das de primeira ordem nas iluminações divinas, é instituída pelo Princípio Divino.
Deus no Seu amor paternal pelos homens depois de ter corrigido Israel para convertê-lo e reconduzí-lo ao caminho da salvação, livrou-o em primeiro lugar da barbárie vingativa das nações, a fim de assegurar o aperfeiçoamento aos homens submetidos a Sua providência e praticou em seguida o ato de libertá-lo de seu cativeiro e de devolvê-lo a sua antiga felicidade. Como diz as Sagradas Escrituras segundo a visão de um de seus teólogos Zacarias (Zac 1:8-17), parece ter sido um anjo da primeira ordem, daqueles que vivem junto de Deus, que recebeu do próprio Deus as palavras consoladoras. Foi enviado ao encontro do primeiro um outro anjo pertencente aos níveis inferiores para receber e transmitir a iluminação e que uma vez iniciado na vontade divina, confiou ao teólogo a santa nova de que Jerusalém refloresceria e que multidões de homens a repovoariam.
Um outro teólogo Ezequiel declara que essa lei foi santamente instituída por Deus e que na Sua glória mais elevada do que qualquer outra, Ele comanda os Querubins.
"Estes são os mesmos animais que eu vi debaixo do Deus de Israel, junto do rio Cobar; e conheci que eram Querubins" (Ez 10:20).
Deus no Seu amor paternal pelos homens e querendo punir Israel para os ensinar ordenou por um ato de justiça que os inocentes fossem separados dos responsáveis. É o primeiro dos Querubins que segundo o texto sagrado recebe a santa ordem e se reveste de um manto que caí até os pés como símbolo da sua função sagrada. Em seguida, somente o Princípio Divino de toda a ordem prescreve ao primeiro dos anjos que o segredo da decisão divina seja transmitido àqueles anjos que usam armas destruidoras. Lhe é ordenado ainda que atravesse toda a cidade de Jerusalém e marque os inocentes nas suas frontes. Aos outros anjos Ele ordena: "Passai pelo meio da cidade, seguindo-o, e feri: não sejam compassivos os vossos olhos, nem tenhais compaixão alguma. O velho, o jovem e a donzela, o menino e as mulheres, matai todos, sem que nenhum escape; mas não mateis nenhum daqueles sobre quem virdes o tau; começai pelo Meu santuário. Começaram, pois pelos anciãos que estavam diante da casa do Senhor" (Ez 9:5-6).
E que dizer ainda daquele anjo que anunciou a Daniel: "Desde o princípio das tuas preces, foi dada esta ordem, e eu vim para ta descobrir, porque tu és um varão de desejos; toma, pois, bem sentido no que vou dizer-te e compreende a visão" (Dan 9:23).
Ou daquele que recebe o fogo do meio dos Querubins: "E (o Senhor) falou ao homem que estava vestido de roupas de linho, dizendo: Vai ao meio das rodas que estão debaixo dos Querubins, enche a tua mão de carvões ardentes, que estão entre os Querubins, e espalha-os sobre a cidade..." (Ez 10:2).
E ainda daquele que demonstra mais claramente a boa ordem que preside aos anjos: o Querubim que toma o fogo e o põe nas mãos daquele que estava vestido de roupas de linho (Ez 10:6-7).
Que dizer igualmente daquele que chamou o divino Gabriel e lhe disse: "Ouvi a voz dum homem no meio de Ulai, o qual gritou e disse: Gabriel, explica-lhe esta visão" (Dan 8:16).
Ou que dizer enfim de todos os outros exemplos fornecidos pelos santos teólogos?

Capítulo IX.
Falta-me contemplar a terceira ordem que termina a hierarquia angélica e que se compõe de Principados, Arcanjos e Anjos. Creio que em primeiro lugar é preciso explicar o sentido desses nomes sagrados.
O nome dos Principados celestes significa que eles possuem na ordem sagrada um princípio e uma hegemonia de forma divina; que eles possuem das potências de comando da mais alta conveniência o poder de se converterem inteiramente ao Princípio que está acima de todo o princípio e de conduzirem os outros para eles com uma autoridade primordial e de revelarem o Princípio Sobreessencial de toda a ordem pela harmonia do seu comando.
Os Santos Arcanjos têm o mesmo nível que os Principados celestes e formam uma única hierarquia juntamente com os Anjos.
A ordem dos Arcanjos, graças ao seu lugar intermediário na hierarquia, participa nos dois extremos uma vez que ela entra em comunhão com os Principados e com os Anjos. Em um dos extremos ela participa no sentido de sua conversão ao Princípio Sobreessencial e lhe confere a unidade graças aos poderes invisíveis da harmonização; no outro extremo ela participa no sentido de também pertencer ao nível dos intérpretes, recebendo hierarquicamente a iluminação por intermédio das potências do primeiro nível transmitida aos Anjos e por intermédio desses transmitida a nós na medida em que cada um possa recebê-la através dos segredos divinos.
Como já dissemos, os Anjos terminam e completam a regra das inteligências celestes, porque são eles que possuem entre elas o mais baixo grau da qualidade angélica e se nós os designamos por anjos é precisamente porque por seu intermédio se manifesta a sua hierarquia mais claramente aos nossos olhos.
A ordem superior (Tronos, Querubins e Serafins) mais próxima — pela sua dignidade — do Santuário Secreto inicia misteriosamente a segunda ordem, aquela que se compõe das Dominações, Potestades e Virtudes, que por outro lado comanda os Principados, Arcanjos e Anjos. A segunda ordem revela os mistérios menos secretamente que a primeira ordem mas menos abertamente que a última. A função reveladora pertence à ordem dos Principados, Arcanjos e Anjos. É ela que através dos graus da sua própria ordenação preside as hierarquias humanas, a fim de que se produzam de modo ordenado a elevação para Deus, a conversão, a comunhão, a união e ao mesmo tempo o movimento que provem de Deus que gratifica liberalmente todas as hierarquias e dons e as ilumina, fazendo com que essas hierarquias humanas entrem em comunhão com essa função reveladora. Daí resulta, que a teologia reserva aos Anjos o cuidado pela nossa hierarquia chamando a Miguel o arconte (magistrado da Grécia antiga) do povo judeu e aos outros anjos arcontes de outras nações, porque: "Quando o Altíssimo dividiu as nações, quando separou os filhos de Adão, fixou os limites dos povos segundo os números dos filhos de Israel" (Dt 32:8) (versão dos 70).
Se nos perguntarmos como é que apenas o povo judeu foi elevado às iluminações de origem divina? É necessário dizer que os anjos preencheram de justiça a sua função de vigilância e não é culpa deles se outras nações se envolveram no culto de falsos deuses. Foram essas nações, com efeito, que pelos seus próprios movimentos abandonaram a via da ascensão espiritual para o divino. Foi à medida do seu orgulho e da sua presunção que elas veneraram os ídolos que lhes pareciam divinos. O povo hebreu testemunha propriamente essa verdade, pois a ele sucedeu-se o mesmo acidente. Porque as Sagradas Escrituras dizem: "O meu povo calou-se, porque não teve ciência. Porque tu (ó sacerdote) rejeitaste a ciência, também Eu te rejeitarei a ti" (Os 4:6).
Nem a nossa vida é necessariamente determinada, nem a liberdade dos seres submetidos à Providência das luzes divinas priva essas luzes do seu poder de iluminação providencial. Mas é a suficiente assimilação das visões — e da sabedoria que por elas é transmitida — que impede toda a participação nos dons luminosos da bondade paternal e constitui obstáculo a sua difusão, na medida em que torna as comunicações desiguais, pequenas ou grandes, obscuras ou claras, enquanto que a Fonte Radiante permanece única e simples sempre idêntica a si própria e superabundante. É assim mesmo entre as outras nações, nações das quais nós nos elevamos para o oceano indefinido e generoso dessa Luz Divina, que difunde os Seus dons sobre todos os seres. É para o único Princípio Universal que os anjos encarregados de cuidar de cada nação elevaram todos aqueles que os quiseram seguir.
Lembremo-nos de Melquisedec que teve em si próprio um grande amor a Deus, do Deus Altíssimo e Verdadeiro. Os conhecedores da Sabedoria Divina não se contentaram em chamá-lo de amigo de Deus, mas chamaram-no de Sacerdote para indicar claramente aos homens sensatos que o seu papel não foi somente o de converter-se ao culto do verdadeiro Deus, mas ainda enquanto grande sacerdote teve a função de conduzir a outros na ascensão espiritual, a qual leva à Única e Verdadeira Divindade.
"E Melquisedec, rei de Salém, trazendo pão e vinho, porque era sacerdote do Deus Altíssimo" (Gên 14:18).
Não nos esqueçamos do faraó que aprendeu sob a forma de visão de um anjo dedicado ao cuidado dos egípcios (Gên 41:1-7), tal como do príncipe dos Babilônios que aprendeu através do seu anjo particular; a solicitude do poder universal (Dan 12). Ministros do verdadeiro Deus, os anjos foram instituídos como condutores dessas nações para interpretarem as visões enviadas por Deus sob a forma alegórica, por intermédio de homens cuja santidade era próxima a dos anjos como Daniel e José; porque no Universo há um só Princípio e uma só Providência. Não poderíamos imaginar que Deus partilhasse o governo do povo judeu com anjos ou falsos deuses. As expressões que nos poderiam fazer crer nisso, devem ser interpretadas segundo um sentido sagrado. Elas não significam que Deus tenha partilhado o governo da humanidade, mas sim que neste mundo em que a Providência universal do Altíssimo tinha confiado para a salvação de todos os povos com anjos encarregados de os conduzir a Ele, foi só Israel que converteu-se à Luz e confessou o verdadeiro Senhor. Por isso, para mostrar que Israel tinha se devotado ao culto do verdadeiro Deus as Sagradas Escrituras exprimem-se assim: "A porção, porém, do Senhor é o Seu povo" (Dt 32:9).
Mas para mostrar que um dos anjos foi designado para a função de conduzir esse povo à confissão d’Aquele que é o Princípio Único e Universal, a teologia relata igualmente que Miguel preside ao governo do povo judeu. "Mas Eu te anuciarei o que está expresso na Escritura da Verdade; e em todas estas coisas ninguém Me ajuda senão Miguel, que é o vosso príncipe" (Dan 10:21).
As Sagradas Escrituras nos ensinam assim de modo claro, que não existe mais do que uma só Providência para o universo inteiro. Providência sobreessencialmente, transcendente a toda a potência visível ou invisível. Na medida do possível, todos os anjos dedicados a cada nação elevam para essa Providência aqueles que os seguem de bom grado.

Capítulo X.
Concluamos, portanto, que a ordem mais antiga dentre as inteligências que envolvem Deus, iniciada nos mistérios pelas iluminações que lhe vêem do próprio Princípio de toda a iluminação, recebe purificação, iluminação e aperfeiçoamento graças ao Dom das iluminações mais secretas da Divindade.
Depois dessa e proporcionalmente a sua natureza vem a segunda ordem, depois a terceira e por último a hierarquia humana. Todas as ordens se elevam hierarquicamente para o Princípio fundamental de toda a harmonia. Elas são reveladoras e mensageiras das que as precedem. Deus as distinguiu segundo os modos de harmoniosa deificação que convém em particular a cada uma. Os teólogos dizem que os Serafins trocam mútuos clamores mostrando assim segundo creio e de modo claro, que os primeiros transmitem aos segundos conhecimentos teológicos. "Clamavam um para o outro e diziam: Santo, Santo, Santo é o Senhor Deus dos exércitos" (Is 6:3).

Capítulo XI.
Uma vez colocada essas questões convem considerar porque razão nos acostumamos a chamar igualmente "potências celestes" a todas as essências angélicas. Não podemos dizer como o fizemos para o termo Anjo, que a ordem das Santas Potestades é a última das ordens e que as essências superiores participam na iluminação das ordens inferiores e que essas últimas não tomam parte na iluminação das primeiras. Tal explicação não justificaria a extensão do nome de potestades celestes a todas as inteligências divinas dos Serafins, dos Tronos ou das Dominações em virtude do princípio segundo o qual as ordens inferiores não participam nas propriedades das superiores. Restariam os Anjos e antes deles os Arcanjos, os Principados e as Virtudes que os teólogos subordinam às Potestades e que recebem freqüentemente na linguagem comum o nome de potestades ou potências celestes ao mesmo título que os outros anjos.
Ao usar o nome de potestades para designar todas as essências não introduzimos nenhuma confusão nas propriedades de cada ordem. No seio de todas as inteligências divinas distinguimos com efeito três qualidades: a essência, a potência e o ato. Se nos ocorre designá-las indistintamente por essências ou potências celestes importa considerar que o fazemos por rodeio de palavras e não se trata de atribuir na totalidade às essências subordinadas a eminente propriedade das santas potestades. Como já foi dito, as ordens superiores possuem as propriedades das inferiores, porque somente uma parte das iluminações primordiais é transmitida às ordens inferiores à medida de suas capacidades.

Capítulo XII.
Vejamos um outro problema que é colocado a quem quer que se envolva no estudo escriturístico minucioso: Uma vez que as últimas ordens não participam inteiramente nas ordens superiores, porque é que os grandes sacerdotes da hierarquia humana recebem nas Sagradas Escrituras o título de anjos do Senhor Todo Poderoso?
"Porque os lábios dos sacerdotes serão os guardas da ciência; da sua boca se há de aprender a lei, porque ele é o anjo do Senhor dos exércitos" (Ml 2:7; cf.Apoc 2:1).
Creio que o uso desse termo não contradiz as definições dadas até o momento. Quando se diz que às inteligências da terceira ordem falta a inteira potência, integral e sublime que pertence às ordens mais antigas, entende-se que elas participam na medida de suas forças numa comunhão única e universal, harmoniosa e sintética. Assim é, por exemplo, que se a ordem dos Querubins participa numa sabedoria mais elevada, as legiões formadas de essências inferiores participam também na sabedoria, mas de forma mais parcial. A participação geral na sabedoria é a característica comum a todas as inteligências que vivem em conformidade com Deus.
O que não é comum é o caráter mais ou menos imediato e primordial dessa participação, grau que se define para cada essência na medida de suas próprias capacidades. Essa verdade pode ser aplicada sem risco a todas as inteligências divinas, porque assim como as primeiras ordens possuem as propriedades de suas subordinadas, também as últimas possuem as propriedades das suas superiores, não do mesmo modo, mas de modo inferior. Eu não vejo inconveniente que um grande sacerdote da hierarquia humana seja chamado de anjo pelos teólogos, porque ele participa segundo a sua própria capacidade no papel de intérprete dos anjos e na medida de suas possibilidades tende a imitar o seu poder revelador.
Notaremos, que a teologia concede o título de deuses às essências celestes e chama também "deuses" aos homens que se distinguem pelo seu amor a Deus e pela sua santidade: "Jacó pôs àquele lugar o nome de Fanuel, dizendo: Eu vi a Deus face a face, e a minha alma foi salva" (Gên 32:30). "E o Senhor disse a Moisés: Eis que Te constituí deus do faraó, e Arão, teu irmão, será teu profeta" (Êx 7:1). "Eu disse: Sois deuses" (Sl 81:6).
Ora, o mistério divino é transcendente; o seu caráter sobreessencial separa-o de todas as coisas e nenhum ser vivo merece em propriedade ser nomeado do mesmo modo. Toda a inteligência que tende integralmente ― no máximo da sua potência ― para a união com Deus e que se eleva incessantemente tanto quanto pode para as iluminações divinas imitando o próprio Deus, se isso se pode dizer à medida de suas forças, então merece bem o título de divina.

Capítulo XIII.
Prossigamos o nosso caminho e examinemos porque é que se diz que um dos teólogos recebeu a visita de um Serafim. Notemos que Serafim é um anjo da primeira ordem, das mais antigas essências celestes, o qual desce para purificar o profeta.
"Voou para mim um dos Serafins, o qual trazia na mão uma brasa viva, que tinha tomado do altar com uma tenaz" (Is 6:6).
Alguns intérpretes respondem que em virtude da definição já dada aos nomes que se atribuem em comum a todas as inteligências, as Sagradas Escrituras não afirmam que a inteligência que desce para purificar o teólogo pertence a essa ordem superior que se situa próxima a Deus, mas que se trata de um dos anjos que nos são designados a título de ministro sagrado encarregado da purificação do profeta. Seria um desses anjos que teria recebido por semelhança o nome de Serafim, em virtude da operação que realiza apagando pelo fogo os pecados que as Sagradas Escrituras enumeram e restabelecendo na obediência de Deus aquele que tinha sido purificado. Assim, segundo esse estudo minucioso, as Sagradas Escrituras falando simplesmente de Serafim não designam uma dessas inteligências que se situam nas proximidades de Deus, mas designam outras das potências purificadoras que nos são dedicadas.
Um outro estudioso oferece uma solução referente a isso para nos tirar desse embaraço. Esse grande mensageiro, que aparece ao teólogo para iniciá-lo nos segredos divinos, "relatou" a Deus e depois à hierarquia primordial a santidade da sua própria operação purificadora. O estudioso que assim falava, afirmava que a potência divina se difunde por todo lado e penetra todas as coisas de modo irresistível, permanecendo misteriosa não somente pela sua total e sobreessencial transcendência, mas ainda pelo mistério pelo qual envolve todas as suas operações providenciais. Portanto, está claro que a potência divina se revela a quem quer que seja dotado de inteligência e que esteja à medida de suas capacidades receptoras.
Tendo doado sua própria luz às essências mais antigas, ela usa em seguida o serviço dessas mesmas essências para transmitir essa mesma luz de modo harmonioso às essências de ordem inferior, segundo a aptidão visionária de cada ordem. Por outro lado, se preferirmos uma expressão mais clara com imagens mais adequadas temos: a difusão do raio solar atravessa mais facilmente a primeira matéria que é mais transparente que todas as outras. Através dessa matéria o seu próprio esplendor brilha de modo mais visível, mas quando se depara com matérias mais opacas a sua potência de difusão se obscurece, porque as matérias penetradas resistem pela sua própria natureza à passagem da efusão luminosa e esta resistência aumenta progressivamente ao ponto de quase impedir inteiramente a passagem do raio luminoso.
Pela mesma razão, o calor do fogo transmite-se melhor nos corpos que são mais aptos a recebê-lo e que pelo seu movimento interno de ascensão se aproximam mais da sua semelhança, mas logo que se aproxima de substâncias refratárias a sua chama permanece sem efeito ou pelo menos não deixa mais do que um ligeiro traço. O melhor ainda é dizer: o fogo não atua sobre substâncias que não têm afinidade com ele a não ser por intermédio de corpos já familiarizados, de modo a fazer o fogo chegar aos objetos inflamáveis e somente em seguida através deles aquecer a água ou outra substância rebelde à combustão.
É através dessa lei harmoniosa que rege toda a natureza, que o Princípio maravilhoso de toda a ordem visível e invisível manifesta originalmente por efusões benfeitoras a chama da sua própria luz às essências superiores, que por seu intermédio aquelas que vêm depois delas participam na luz divina. Com efeito, essas essências que confessam Deus em primeiro lugar e que tendem mais que todas as outras para a virtude divina, merecem ser as primeiras na imitação divina. São elas que na sua bondade distribuem generosamente às ordens inferiores esse esplendor que as penetra, que por sua vez as distribuem às outras subordinadas. É assim que gradativamente a que precede, distribui à seguinte a luz divina que ela própria recebeu, a qual se distribui providencialmente sobre todas as essências à medida das suas capacidades.

Capítulo XIV.
O que significam os números atribuídos tradicionalmente aos anjos.
Mas ainda é conveniente a meus sentidos refletir sobre essa tradição escriturística que atribui aos anjos os números de mil vezes mil e dez mil vezes dez mil (Daniel 7:10), retornando sobre eles mesmos e multiplicando por eles mesmos os números mais elevados que nós conhecemos, para nos revelar claramente que o número das legiões celestes para nós escapa de todas as medidas.
Tal é, com efeito, a multidão desses exércitos bem-aventurados que não são desse mundo, que ela ultrapassa a ordem débil e restrita de nossos sistemas de numeração material e que só pode ser conhecida e definida pela sua própria inteligência e sua própria ciência que não são desse mundo, mas que pertencem ao céu e que elas receberam como dom perfeitamente generoso da Tearquia, pois essa Tearquia conhece o infinito, Ela é a fonte de toda sabedoria, o princípio comum e supraessencial de toda existência, a causa que dá classificação de essência a todo ser, a potência que contem e o termo que abarca a totalidade do universo.
Duplo papel das essências celestes,

Capítulo XV.
Quais são as imagens figurativas das potências angélicas: o fogo, a forma humana, os olhos, o nariz, as orelhas, a boca, o tato, as pálpebras, as sobrancelhas, a flor da idade, os dentes, os ombros, os braços, as mãos, o coração, o peito, o dorso, os pés, as asas, a nudez, a vestimenta, os véus brilhantes, o manto sacerdotal, os cintos, os bastões, as lanças, os machados, as correntes, os ventos, as nuvens, o bronze, o âmbar, os coros, os aplausos, as nuanças das pedras coloridas, a forma de leão, aquela do boi e da águia, os cabelos, os mantos cavalares, os rios, os carros, as rodas e a alegria que se atribui aos anjos.
Continuando nossa reta eis o que nos resta dizer. O olho de nossa inteligência vai afrouxar, se você vê bem, o esforço pelo qual ele se ensaiava de maneira angélica nas mais altas visões. Nós vamos descer de novo aos planos da divisão e da multiplicidade para a diversidade polimórfica das figuras que os anjos assumem. Retornaremos em seguida aos nossos passos e subiremos das imagens para a simplicidade das essências celestes. Mas saiba primeiramente (Maurice de Gandillac acrescenta aqui: "somente isso") que as interpretações sagradas das imagens figurativas revelam às vezes que as mesmas ordens das essências celestes, tanto iniciam quanto são iniciadas, que aquelas da última ordem iniciam e que aquelas da primeira ordem são iniciadas e que elas possuem todas, como se diz, potências superiores, médias e inferiores, sem que portanto exegeses (estudos) desse gênero tenham nada de irracional. Com efeito, pretender que todas juntas, tais ordens sejam iniciadas por aquelas que as precedem e que essas últimas recebam delas a mesma iniciação, ou ainda, que as superiores iniciando as inferiores, sejam a seguir iniciadas por aquelas mesmas que elas iniciaram, seria o puro absurdo e a confusão total. Mas afirmando-se que as mesmas essências iniciam e são iniciadas nós não entendemos por essa afirmação, que elas iniciam as mesmas que as iniciaram: nós apenas queremos dizer que cada uma delas é iniciada por aquelas que as precedem e que ao mesmo tempo elas iniciam aquelas que a seguem.
Não há então nenhuma inconveniência em afirmar que as figurações sagradas que as Escrituras nos apresentam, podem se atribuir às vezes sem modificação, propriamente e verdadeiramente, às vezes às potências primeiras, às vezes às médias, às vezes às últimas. Por exemplo: o poder de se elevar ao alto por um movimento constante de conversão, aquele de executar em torno de si próprio uma indefectível revolução conservando suas próprias potências, o poder de participar na potência providencial comunicando-se processivamente com as ordens inferiores, tudo isso convem, sem mentir, a todas as essências celestes, a algumas todas as vezes (como se disse muitas vezes) de modo eminente e total, às outras de modo parcial e inferior.
É necessário que abordemos agora o problema colocado e que comecemos a elucidação das figuras, procurando o porquê da Teologia, como se pode constatar, situar as alegorias tiradas do fogo quase acima de todas as outras. Você notará, com efeito, que ela não só nos apresenta rodas de fogo ardente (Dan 7:9), mas ainda animais como brasas de fogo ardente (Ez 1:13) e homens com semelhança de fogo (Ez 1:27) (Maurice traz "brilhantes como de fogo"). Ela imagina em volta das essências celestes mãos cheias de brasas acesas (Ez 10:2) e rios de fogo (Dan 7:10). Ela afirma em outra passagem que os tronos são de chamas de fogo (Dan 7:9) e invoca a etmologia da palavra serafins para declarar que essas inteligências superiores são incandescentes e para lhes atribuir as propriedades e os atributos do fogo. No total, quer se trate da alta ou da baixa hierarquia, é sempre para as alegorias tiradas do fogo que vão suas preferências. Me parece que de fato, é a imagem do fogo que revela melhor o modo pelo qual as inteligências celestes se conformam a Deus. É por isso que os Santos Teólogos descrevem freqüentemente sob forma incandescente essa essência suprasubstancial que escapa a toda figuração e é essa forma que fornece mais de uma imagem visível daquilo que nós ousamos chamar de propriedade teárquica.
O fogo sensível é, por assim dizer, presente em toda parte e ilumina tudo sem se misturar com nada, permanecendo sempre totalmente separado. Ele brilha com um clarão total e permanece ao mesmo tempo secreto, pois em si ele permanece desconhecido fora de uma matéria que revele sua operação própria. Não se pode suportar o seu clarão nem contemplá-lo face a face, mas seu poder se estende por toda parte e de lá onde ele nasce ele tira tudo para si fazendo dominar (essas duas palavras faltam em Maurice) seu ato próprio. Por essa transmutação ele faz dom de si a qualquer um que se aproxime por pouco que seja: ele regenera os seres por seu calor vivificante (Maurice traz "por sua vivificação"), ele os clareia por suas brilhantes iluminações, mas em si, ele permanece puro e sem mistura. Ele tem o poder de decompor os corpos sem sofrer ele mesmo nenhuma alteração. Ele se agita vivamente. Ele vive nas alturas, ele escapa a toda atração terrestre, ele se move sem cessar, ele se move por si próprio e ele move os outros. Seu domínio se estende por toda a parte, mas ele não se deixa prender em lugar algum. Ele não precisa de ninguém. Ele se aumenta insensivelmente, manifestando sua grandeza em toda matéria que o acolhe. Ele é ativo, poderoso, invisível e presente por toda a parte. Negligenciado, ele parece que não existe. Mas, sob o efeito dessa fricção que é como uma oração, ele aparece bruscamente com todas as suas qualidades; logo se o ve tomar um voo irresistível e é sem perder nada de si que ele se comunica jubilosamente em torno de si. Encontraremos ainda, mais uma propriedade do fogo que se aplica como uma imagem sensível às operações da Tearquia. Os conhecedores da Sabedoria Divina o sabem bem já que atribuem figuras incandescentes às essências celestes, revelando assim que formas elas assumem e tanto quanto lhes é possível, a semelhança de Deus.
Mas eles usam também para os figurar alegorias antropomórficas, porque o homem possui uma inteligência; porque ele é capaz de olhar para o alto; porque ele se mantem firme e direito; porque sua natureza é aquela de um príncipe e de um chefe; porque se é verdade que no plano sensível os animais desprovidos de razão tem maiores poderes que os do homem, no entanto, é ele que domina todos pelo entendimento de sua potência intelectual, pela soberania de seu poder racional, pelo caráter naturalmente livre e independente da sua alma.
Quer me parecer ainda mais, que cada parte do corpo humano pode nos fornecer muitas imagens que se aplicam perfeitamente (essas seis últimas palavras faltam em Maurice) às potências celestes. Pode-se dizer que as faculdades visuais significam sua tendência a se elevar, em plena claridade, para as Luzes Divinas assim como a maneira pela qual elas recebem impassivelmente as iluminações teárquicas com toda simplicidade "ternamente", com flexibilidade, sem resistência, em um voo rápido e puro. O discernimento dos odores significa o poder de agarrar ao máximo as suaves emanações que ultrapassam a inteligência, de discernir da ciência segura seus contrários e deles fugir absolutamente. O ouvido significa o poder de participar na inspiração teárquica e dela tirar o saber que ela contem. O paladar significa a plenitude dos alimentos intelectuais e a arte de se abeberar (matar a sede) na fecundidade dos canais divinos; o tato, a arte de distinguir seguramente o útil do nocivo; as pálpebras e as sobrancelhas, o cuidado com o qual elas conservam as visões intelectuais de Deus; a adolescência e a juventude a constante floração das potências vitais; os dentes, a perfeição com a qual eles dividem o alimento que eles recebem, pois cada essência intelectual tendo recebido de uma essência mais divina, em dom, a intelecção unitiva, a divide e a multiplica providencialmente para elevar espiritualmente tanto quanto possa a essência inferior (daquela que ela é encarregada).
As espáduas (ombros), os braços e as mãos, representam o poder de fazer, de agir, de operar; o coração é o símbolo de uma vida conforme a Deus e que espalha em sua bondade sua própria potência vital sobre os seres submetidos a sua Providência; o peito revela a muralha inexpugnável (segura) ao abrigo da qual um coração generoso espalha seus dons vivificantes; o dorso (costa) figura a reunião de todas as potências que engenharam a vida; os pés, o caráter móvel e rápido desse curso perpétuo que os conduz para as realidades divinas. É por isso que as alegorias divinas colocam asas nos pés das santas inteligências, pois as asas significam uma rápida elevação espiritual, uma elevação celeste, uma progressão para o alto, uma ascensão que libera a alma de toda baixeza; A ligeireza das asas simbolizam a ausência de toda atração terrestre, o impulso total e puro, isento de todo peso, para os cimos; o corpo e os pés nús significam desembaraço, liberação, independência, purificação relativamente a toda suprafluidez exterior, assimilação máxima à divina simplicidade.
Mas como a sabedoria, toda junta una e variada, veste sua nudez e as representa como portadoras de equipamentos, é necessário explicar agora, tanto quanto pudermos, as santas vestimentas e os instrumentos sagrados que se atribuem às inteligências celestes.
Eu penso que a toga luminosa e incandescente significa a forma divina; segundo o simbolismo do fogo, essa potência de iluminação que elas extraem da morada celeste que lhes foi determinada e que é o próprio lugar da luz; enfim o caráter totalmente inteligível da iluminação delas e totalmente intelectual da visão delas. A toga pontifical significa o poder de se elevar espiritualmente até os espetáculos divinos e místicos e aí consagrar uma vida inteira. Os cinturões significam o cuidado com o qual elas conservam suas potências genéticas; o poder que elas tem de se recolher, de unificar suas potências mentais reentrando nelas mesmas, e se dobrando novamente harmoniosamente (Maurice traz "facilmente") sobre si no círculo indefectível (infalível) da própria identidade delas.
As varas representam o poder real, a soberanidade, a retitude com a qual elas conduzem todas as coisas a seu acabamento; as lanças e os machados, sua arte de discriminar o que é estrangeiro, a sutileza, a atividade e a eficácia de suas potências de análise; os equipamentos dos geometras e dos arquitetos, seu poder de fazer fundação, de edificar e de acabar, e em geral, tudo que concerne à elevação espiritual e a conversão providencial de seus subordinados. Acontece também às vezes, que os instrumentos com os quais os representamos simbolizam os julgamentos de Deus à respeito dos homens, uns representando as correções disciplinares ou os castigos merecidos, outros representando o socorro divino em circunstâncias difíceis "nos incêndios", o fim da disciplina ou o retorno a anterior felicidade, ou ainda o dom de novos benefícios, pequenos ou grandes, sensíveis ou intelectuais. Em suma, uma inteligência perspicaz não ficaria embaraçada em fazer corresponder os sinais visíveis às realidades invisíveis.
Acrescentemos, que os chamamos ventos, para mostrar a rapidez com a qual elas agitam por toda parte de maneira quase instantânea, o vai-e-vem do alto para baixo e de baixo para o alto, pelo que elas elevam suas subordinadas até o cimo mais alto e pelo que elas inclinam suas superiores a descer processivamente para se comunicarem com as essências inferiores e exercer a Providência delas para com essas últimas. Poder-se-ia dizer também que o nome de vento, que significa um espírito aéreo, revela a maneira pela qual as inteligências divinas vivem em conformidade com Deus; pois esse nome contem a imagem e a marca da atividade teárquica  graças a seu movimento natural e vivificante, graças a indomável impetuosidade de sua marcha adiante, graças ao mistério para nós incognoscível (desconhecido) dos princípios e dos fins de seu movimento: "não sabes, (diz a Escritura) donde vem, nem para onde vai" (Jo 3:8).
Mas, a Escritura as representa também sob a forma de nuvens (Ez 10:4) para significar assim que as santas inteligências contêm de um modo que não é daqui de baixo, a plenitude da luz secreta; que tendo recebido em primeira mão e sem orgulho excessivo a efusão primordial dessa luz, elas a transmitem a suas subordinadas em segunda mão e de modo generoso tanto quanto essas últimas possam receber; enfim elas possuem uma fecundidade que doa a vida e que faz crescer os seres e que os aperfeiçoa derramando sobre eles a chuva da inteligência, e chamando por chuvaradas fecundantes para partos vivificantes o seio que as recebeu.
Se a teologia atribui além disso às essências celestes a forma do cobre e do âmbar e aquela das pedras multicores (Ez 8:2; 40:3; Apoc 21:19-20), é porque o âmbar que reune em si as formas do ouro e da prata simboliza por sua vez a pureza incorruptível, inesgotável, indefectível (infalível) e intangível que pertencem ao ouro e o clarão luminoso, brilhante e celeste que pertencem à prata. Quanto ao cobre pelas razões que foram ditas ele lembra seja o ouro seja o fogo. E no que concerne às formas multicores das pedras crê-se que elas representam no branco, a luz; no vermelho, o fogo (1da pág.seg.) (essas quatro palavras faltam em Maurice); no amarelo, o ouro; no verde, o apogeu da juventude. Para cada espécie você encontrará assim um ensinamento espiritual na exegese simbólica das imagens que ela representa.
A figura do leão (Ez 1:10; Apoc 4:7) deve revelar esse esforço soberano, veemente, indomável, pelo qual as essências celestes imitam tanto quanto elas podem o mistério da inefável (encantadora) Tearquia, envolvendo intelectualmente os traços desse mistério, disfarçando-os modesta e misticamente sobre a via sobre a qual a iluminação divina as eleva.
A figura do boi (Ez 1:10; Apoc 4:7) marca a força e a potência, o poder de escavar sulcos intelectuais para receber as fecundas chuvas do céu, enquanto os chifres (essas 4 palavras faltam em Maurice) simbolizam a força conservadora e invencível.
A figura da águia (Ez 1:10; Apoc 4:7) indica a realeza, a tendência aos cumes, o voo rápido, a agilidade, a prontidão, a engenhosidade em descobrir os alimentos fortificantes, o vigor de um olhar estendido livremente, diretamente e sem desvio para a contemplação desses raios, dos quais a generosidade do Sol teárquico multiplica-os.
A figura do cavalo (Apoc 6:2-8) significa a obediência e a docilidade. Se eles são brancos, essa limpidez tão próxima quanto possível da luz divina; se eles são baios (castanho ou amarelo torrado), o caráter misterioso; se eles são de uma cor entre o branco, o amarelo e a camurça, o poder do fogo e sua eficácia; se eles são pretos com o dorso tendendo ao azul escuro e o baixo dorso tendendo ao branco, a síntese dos opostos e o poder de passar de um ao outro, essa adaptação dos superiores aos inferiores e dos inferiores aos superiores que nasce da conversão de uns e do cuidado providencial dos outros.
Se nós não tivéssemos o desígnio (intenção) de conservar nesse tratado proporções harmoniosas, nós poderíamos considerar cada parte dos animais que acabamos de citar, todos os detalhes de sua estrutura física e nós não estaríamos errados de aplicar esses detalhes às potências celestes segundo o procedimento das imagens diferentes. É assim que, para quem quer se elevar do sensível ao espiritual as faculdades irascíveis (iradas) desses animais ensinam essa virilidade da inteligência, da qual a cólera é o último eco; suas faculdades concuspiscentes (desejo de bens ou gozo material) ensinam o desejo amoroso que provam os anjos à volta de Deus; mais sinteticamente todas as sensações das bestas privadas de razão e a multiplicidade de suas partes ensinam as intelecções imateriais das essências celestes e suas potências sem diversidade. Mas para quem sabe raciocinar, esses exemplos bastam; dizendo melhor, a exegese de uma só dessas imagens paradoxais esclarece por analogia todos os símbolos do mesmo tipo.
É necessário examinar ainda o que significa a aplicação alegórica às essências celestes dos nomes de rios, de rodas e de carros (Dan 7:10; Ez 10:2; 2Rs 2:11). Os rios de fogo significam esses canais teárquicos que generosamente não cessam de escoar seus fluxos sobre as essências celestes e que conservam assim sua vivificante fecundidade. Os carros significam essa comunidade que se liga ao mesmo varão do carro essências de nível igual. Quanto às rodas aladas que avançam sem desvio nem inclinação, elas significam o poder de rolar de maneira reta, em linha reta sobre a via reta e sem desvio, graças a uma rotação perfeita que não pertence a esse mundo. Mas a alegoria sagrada das rodas da inteligência se presta ainda a uma outra exegese que corresponde a um outro ensinamento espiritual. Como diz, com efeito, o teólogo, deu-se a elas o nome de galga que em hebreu significa ao mesmo tempo revolução e revelação (Ez 10:13). Essas rodas inflamadas e que recebem a forma divina tem o poder de rolar sobre elas mesmas, porque elas se movem perpetuamente em torno do imutável bem; elas têm também o poder de revelar, pois elas iniciam nos mistérios; e elas elevam espiritualmente as inteligências de baixo, ao mesmo tempo que fazem descer as iluminações mais elevadas até as mais humildes.
Resta-nos explicar o que as Escrituras entendem quando elas falam da alegria das ordens celestes (Lc 15:10). Essas ordens, com efeito, não saberiam de maneira nenhuma sentir as volúpias apaixonadas que os homens conhecem. O que se quer dizer por conseqüência é que elas participam da alegria divina por ocasião do retorno de pecadores: elas experimentam uma felicidade calma e verdadeiramente divina, uma felicidade boa e sem inveja ao vigiar providencialmente e ao salvar aqueles que se convertem a Deus; uma alegria inefável (encantadora), a qual adveio com freqüência também a homens santos graças as visitações deificantes das iluminações divinas.
Tais são minhas explicações concernentes às alegorias sagradas. Se elas estão distantes de revelar exatamente as iluminações, elas ao menos economizarão, eu penso, a humilhação de nos prendermos ao caráter imaginativo desses símbolos. Mas se nos reprovassem o fato de não termos feito menção a todas as potências, a todos os atos, a todas as alegorias que as Escrituras contêm relativamente ao anjos, nós teríamos o direito de justificar algumas de nossas omissões reconhecendo que nós ignoramos a ciência das realidades que não são desse mundo e que para nos conduzir a essa ciência nos fizeram falta as luzes de um iniciador. Quanto a outras omissões concernentes a questões análogas àquelas que nos tratamos, elas se explicam pelo duplo cuidado de não estender nosso tratado para outras medidas e respeitar o nosso silêncio a respeito de mistérios que nos ultrapassam.