Santo
Anselmo de Cantuária (1033 - 1109).
Proslógio
- o argumento ontológico de Santo Anselmo.
Proêmio.
Santo Anselmo de Cantuária (1033 - 1109).
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Mal acabei de escrever um opúsculo [o Monológio], acendendo aos
pedidos de alguns irmãos, o qual servisse como exemplo de meditação sobre
os mistérios da fé para um homem que busca, em silêncio, descobrir, através da
razão, o que ignora, e dei-me conta de que essa obra era difícil de ser
entendida devido ao entrelaçamento das muitas argumentações. Então comecei a
pensar comigo mesmo se não seria possível encontrar um único argumento que, válido
em si e por si, sem nenhum outro,
permitisse demonstrar que Deus existe
verdadeiramente e que ele é o bem supremo, não necessitando de coisa alguma,
quando, ao contrário, todos os outros seres precisam dele para existirem e
serem bons. Um argumento suficiente, em suma, para oferecer provas adequadas
sobre aquilo que cremos acerca da substância divina.
Ao dirigir com zelo e freqüência o pensamento para esse fim, às
vezes parecia-me ter alcançado o objetivo;
outras, tinha a impressão que se me embaciava a mente. Por fim, desanimado,
procurei deixar de lado a tarefa, julgando impossível conseguir o que buscava.
Mas, por mais que me esforçasse por afugentar o propósito, porque me afastava
de outras ocupações profícuas, ele voltava a mim com insistência crescente. No
entanto, um dia, quando já estava cansado de resistir a essa perseguição
inoportuna, justamente no calor do conflito dos meus pensamentos, eis que se me
apresenta a idéia que já desesperara de encontrar. Acolhi-a com tanto
entusiasmo quanto empenho colocara em rechaçá-la.
Considerando que se ela fosse fixada por escrito poderia
constituir um prazer para quem a lesse, assim como deu a mim uma alegria imensa quando a encontrei, redigi este
opúsculo como uma pessoa que se esforçasse para elevar a sua mente até a
contemplação de Deus, a fim de compreender aquilo em que acredita.
Como nem este opúsculo nem outro recordado acima pareceram-me
dignos de serem chamados de livros, nem se me apresentavam tão importantes para
propor-lhes o nome do autor, e, entretanto, fazia-se necessário
atribuir-lhes um título que convidasse a lê-los todos aqueles em cujas mãos
caíssem, dei a cada um deles uma denominação: chamei o primeiro de Exemplo de Meditação sobre o
Fundamento Racional da Fé, e o segundo: A
Fé Buscando Apoiar-se na Razão.
Já muitos os tinham transcrito com esses títulos, quando varias
pessoas, entre elas o reverendíssimo arcebispo de Lyon, Hugo, legado
apostólico, que usou de sua autoridade, obrigaram-me a pôr, em cada um deles, o
meu nome. E para tornar a coisa mais fácil, intitulei um Monológio, isto é, Solilóquio,
e outro, Proslógio, ou
Meditação.
CAPÍTULO I
Exortação à contemplação de Deus
Eia, vamos homem! Foge por um pouco às tuas ocupações,
esconde-te dos teus pensamentos tumultuados, afasta as tuas graves preocupações
e deixa de lado as tuas trabalhosas inquietudes. Busca, por ma momento, a Deus,
e descansa um pouco nele. Entra no esconderijo da tua mente, aparta-te de tudo,
exceto de Deus e daquilo que pode levar-te a ele, e, fechada a porta,
procura-o. Abre a ele todo o teu coração e dize-lhe: “Quero teu rosto; busco
com ardor teu rosto, ó Senhor.”
Eis-me, ó Senhor meu Deus, ensina, agora, ao meu coração onde e
como procurar-te, onde e como encontrar-te. Senhor, se não estás aqui, na minha
mente; se estás ausente, onde poderei encontrar-te? Se tu estás por toda parte,
por que não te vejo aqui? Certamente habitas uma luz inacessível. Mas onde está
essa luz inacessível? E como chegar a ela? Quem me levará até lá e me
introduzirá nessa morada cheia de luz para que ali possa enxergar-te? Mas por
quais traços e por que aspecto conseguirei reconhecer-te? Nunca te vi, ó Senhor
meu Deus. Senhor, eu não conheço o teu rosto. Que fará, ó Senhor, que fará este
teu servo tão afastado de ti? Que fará este teu servo tão ansioso pelo teu amor
e, no entanto, lançado tão longe de ti? Anela ver-te, mas teu rosto está
demasiado longe dele. Deseja aproximar-se de ti, mas a tua habitação fica
inacessível. Arde pelo desejo de encontrar-te e não sabe onde moras. Suspira só
por ti e não conhece o teu rosto. O Senhor, tu és o meu Deus e o meu Senhor; e
nunca te vi. Tu me fizeste e resgataste, e tudo o que tenho de bom devo-o a ti.
No entanto, não te conheço ainda. Fui criado para ver-te e até agora não
consegui aquilo para que fui criado.
Oh! Quão miserável é a sorte do homem que perdeu aquilo por que
foi feito! Oh! Quão dura e cruel aquela queda, pela qual tantas coisas ele
perdeu! E que encontrou? Que teve em troca? Que lhe ficou? Perdeu a felicidade
para a qual foi criado e encontrou a miséria para a qual certamente não foi
feito. Afastou-se daquele sem o qual não há felicidade e ficou com aquilo que
é, por si, mísero e caduco. Antes o homem alimentava-se com o pão dos anjos e
agora, faminto, come o pão da dor, que sequer conhecia. Oh! Luto comum dos
homens, pranto universal dos filhos de Adão! Este tinha fartura de tudo e nós
morremos de fome. Ele era rico e nós somos mendigos. Ele tinha a felicidade e a
perdeu miseravelmente, e nós vivemos infelizes, tudo desejando e, indigentes,
ficamos e mãos vazias! Por que ele, desde que o podia facilmente, não nos
conservou um bem tão grande, cuja perda havia de nos acarretar tantas aflições?
Por que nos tirou a luz para que ficássemos nas trevas? Por que nos privou da
vida para nos condenar à morte? Miseráveis!, de onde fomos expulsos e para onde
fomos impelidos! De onde fomos arremessados e em que abismo fomos sepultados?
Passamos da pátria para o desterro, da visão de Deus para a nossa cegueira, da
alegria pela imortalidade para o horror da morte! Que mudança funesta! De tão
grande bem para tão grande mal! Perda lastimável, dor profunda, terrível fardo
de misérias.
Mas, ai de mim, que sou um dos miseráveis filhos de Eva afastados
de Deus! Que procurei empreender? O que consegui efetuar? Para onde procurava
ir? Aonde cheguei? A que aspirava? Por que suspiro? Procurava a felicidade e
eis me encontro na perturbação! Dirigia-me a Deus e incidi em mim mesmo.
Buscava o descanso no segredo da minha mente e encontro, em meu íntimo, apenas
tribulação e dor. Queria alegrar-me com toda a alegria da minha alma e vejo-me
obrigado a gemer com os gemidos do meu coração. Esperava a felicidade e nada
mais achei que a multiplicação dos suspiros!
E tu, Senhor, até quando, até quando, ó Senhor, ficarás
esquecido de nós? Até quando conservarás o teu rosto afastado de nós? Quando
iluminarás os nossos olhos e nos mostrarás o teu rosto? Quando reverterás a
nós? Olha para nós, ó Senhor; escuta-nos, ilumina os nossos olhos, mostra-te a
nós. Volta para junto de nós a fim de termos, novamente, a felicidade, pois,
sem ti, só há dores para nós. Tem piedade de nosso sofrimento e esforços para
chegar a ti, pois, sem ti, nada podemos. Convida-nos, ajuda-nos, Senhor;
rogo-te que o meu desespero não destrua este meu suspirar por ti, mas respire
dilatando meu coração na esperança. Rogo-te, ó Senhor, consoles o meu coração
amargurado pela desolação. Suplico-te, ó Senhor, não me deixes insatisfeito
após começar a tua procura com tanta fome de ti. Famélico, dirigi-me a ti; não
permitas que volte em jejum. Pobre e miserável que sou, fui em busca do rico e
do misericordioso: não permitas que retorne sem nada, e decepcionado. E se
suspiro antes de comer, faze com que eu tenha a comida após os suspiros. Ó
Senhor, encurvado como sou, nem posso ver senão a terra; ergue-me, pois, para
que possa fixar com os olhos o alto. As minhas iniqüidades elevaram-se por cima
da minha cabeça, rodeiam-me por toda parte e oprimem-me como um fardo pesado.
Livra-me delas, alivia-me desse peso para que não fique encerrado como num
poço. Seja-me permitido enxergar a tua luz embora de tão longe e desta
profundidade. Ensina-me como procurar-te e mostra-te a mim que te procuro;
pois, sequer posso procurar-te se não me ensinares a maneira, nem encontrar-te
se não te mostrares. Que eu possa procurar-te desejando-te, e desejar-te ao
procurar-te, e encontrar-te amando-te e amar-te ao encontrar-te.
Ó Senhor, reconheço, e rendo-te graças por ter criado em mim
esta tua imagem a fim de que, ao recordar-me de ti, eu pense em ti e te ame.
Mas, ela está tão apagada em minha mente por causa dos vícios, tão embaciada
pela névoa dos pecados, que não consegue alcançar o fim para o qual a fizeste,
caso tu não a renoves e a reformes. Não tento, ó Senhor, penetrar a tua
profundidade: de maneira alguma a minha inteligência amolda-se a ela, mas
desejo, ao menos, compreender a tua verdade, que o meu coração crê e ama. Com
efeito, não busco compreender para crer, mas creio para compreender.
Efetivamente creio, porque, se não cresse, não conseguiria compreender.
CAPÍTULO II
Que Deus existe verdadeiramente
Então, ó Senhor, tu que nos concedeste a razão em defesa da fé,
faze com que eu conheça, até quanto me é possível, que tu existes assim como
acreditamos, e que és aquilo que acreditamos. Cremos, pois, com firmeza, que tu
és um ser do qual não é possível pensar nada maior. Ou será que um ser assim
não existe porque “o insipiente disse, em seu coração: Deus não existe”? [Sl 13,1]
Porém, o insipiente, quando eu digo: “o ser do qual não se pode pensar nada
maior”, ouve o que digo e o compreende. Ora, aquilo que ele compreende se
encontra em sua inteligência, ainda que possa não compreender que existe
realmente. Na verdade, ter a idéia de um objeto qualquer na inteligência, e
compreender que existe realmente, são coisas distintas. Um pintor, por exemplo,
ao imaginar a obra que vai fazer, sem dúvida, a possui em sua inteligência;
porém, nada compreende da existência real da mesma, porque ainda não a
executou. Quando, ao contrário, a tiver pintado, não a possuirá apenas na
mente, mas também lhe compreenderá a existência, porque já a executou. O
insipiente há de convir igualmente que existe na sua inteligência “o ser do
qual não se pode pensar nada maior”, porque ouve e compreende essa frase; e
tudo aquilo que se compreende encontra-se na inteligência.
Mas “o ser do qual não é possível pensar nada maior” não pode
existir somente na inteligência. Se, pois, existisse apenas na inteligência,
poder-se-ia pensar que há outro ser existente também na realidade; e que seria
maior.
Se, portanto, “o ser do qual não é possível pensar nada maior”
existisse somente na inteligência, este mesmo ser, do qual não se pode pensar
nada maior, tornar-se-ia o ser do qual é possível, ao contrário, pensar algo
maior: o que, certamente, é absurdo.
Logo, “o ser do qual não se pode pensar nada maior” existe, sem
dúvida, na inteligência e na realidade.
CAPÍTULO III
Que não é possível pensar que Deus não
existe
O que acabamos de dizer é tão verdadeiro que nem é possível
sequer pensar que Deus não existe.
Com efeito, pode-se pensar na existência de um ser que não
admite ser pensado como não existente. Ora, aquilo quenão pode ser pensado como não existente, sem
dúvida, é maior que aquilo que pode ser pensado como não existente. Por
isso, “o ser do qual não é possível pensar nada maior”, se se admitisse ser
pensado como não existente, ele mesmo, que é “o ser do qual não é possível
pensar nada maior”, não seria “o ser do qual não é possível pensar nada maior”,
o que é ilógico.
Existe, portanto, verdadeiramente “o ser do qual não é possível
pensar nada maior”; e existe de tal forma, que nem sequer é admitido pensá-lo
como não existente. E esse ser, ó Senhor, nosso Deus, és tu.
Assim, tu existes, ó Senhor, meu Deus, e de tal forma existes
que nem é possível pensar-te não existente. E com razão. Se a mente humana
conseguisse conceber algo maior que tu, a criatura elevar-se-ia acima do
Criador e formularia um juízo acerca do Criador. Coisa extremamente absurda.
E, enquanto tudo, excluindo a ti, pode ser pensado como não
existente, tu és o único, ao contrário, que existes realmente, entre todas as
coisas, e em sumo grau. Então, por que o insipiente disse em seu coração: “Não
existe Deus”, quando é tão evidente, à razão humana, que tu existes com maior
certeza que todas as coisas? Justamente porque ele é insensato e carente de
raciocínio.
CAPÍTULO IV
Que o insipiente disse em seu coração
aquilo que é impossível pensar
Mas como o insipiente pôde dizer, em seu coração, aquilo que nem
sequer é possível pensar? Ou como pôde pensar aquilo em seu coração, quando
“dizer no coração” nada mais é do que pensar? Se, verdadeiramente, ele disse
isso em seu coração, na verdade, também, o pensou. Mas, na verdade, ele não
disse isso em seu coração, porque, justamente, não podia pensá-lo.
Com efeito, pode-se pensar, ou dizer no coração, uma coisa de
duas maneiras: pensando na palavra que expressa a coisa, ou compreendendo a
própria coisa. No primeiro sentido, é possível pensar que Deus não existe; no
segundo, não. Quem, por exemplo, compreende o que são a água e o fogo, sem
dúvida, não pode pensar que os dois elementos sejam realmente a mesma coisa.
Entretanto, se pensar apenas nas palavras água e fogo,
pode imaginar as duas coisas como idênticas. Assim, quem compreende o que Deus
é, certamente, não pode pensar que ele não existe, mas o poderia, se repetisse
na mente apenas a palavra Deus,
sem atribuir-lhe nenhum significado, ou significando coisa completamente
diferente.
Deus, porém, é “o ser do qual não é possível pensar nada maior”,
e quem compreende bem isso sem dúvida compreende, também, que Deus é um ser que
não pode encontrar-se no pensamento. Quem, portanto, compreende que Deus é
assim, não consegue sequer imaginar que ele não exista.
Obrigado, meu Deus. Agradeço-te, meu Deus, por ter-me permitido
ver, iluminado por ti, com a luz da razão, aquilo em que, antes, acreditava
pelo dom da fé que me deste. Assim, agora, encontro-me na condição em que, ainda
que não quisesse crer na tua existência, seria obrigado a admitir racionalmente
que tu existes.
CAPÍTULO V
Que Deus é tudo aquilo que é melhor que
exista do que não exista, e que é o único existente por si mesmo, tendo feito
todas as outras coisas do nada
Portanto, o que és tu, ó Senhor, Deus meu, tu de quem não é
possível pensar nada maior? Mas, quem poderia ser, senão aquele que – supremo
entre todas as coisas, único existente por si mesmo – criou tudo do nada?
Com efeito, o que não é tudo isso é inferior àquilo que o
pensamento pode compreender no seu mais alto grau. Mas isto não pode ser
pensado de ti.
Que tipo de bem poderia faltar, então, ao bem supremo, donde
deriva toda espécie de bem? És, portanto, justo, verdadeiro, feliz e tudo
aquilo que é de melhor que exista do que não exista. De fato, é melhor ser
justo do que não ser justo, ser feliz do que não ser feliz.
CAPÍTULO VI
Como Deus é sensível embora não seja
corpo
Sem dúvida, é melhor ser sensível, onipotente, misericordioso,
impassível do que não sê-lo. E tu és tudo isso. Mas, poderás ser sensível sem
ser corpo? Onipotente sem poder tudo? Simultaneamente misericordioso e
impassível? Com efeito, se apenas os corpos são sensíveis porque os sentidos
estendem-se pelo corpo e encontram-se dentro do corpo, como poderá acontecer
que sejas sensível tu, que não és corpo e, sim, Espírito supremo, o que é
melhor do que ser corpo?
A coisa explica-se porque sentir é conhecer, ou tendência ao
conhecer, e aquele que sente conhece segundo a propriedade dos sentidos, como,
por exemplo, as cores pela vista, os sabores pelo gosto, etc. Não é, portanto,
errado dizer que quem, de alguma maneira, conhece, sente.
Portanto, ó Senhor, embora não sejas corpo, és, todavia,
sumamente sensível, do mesmo modo que conheces profundamente todas as coisas;
não, porém, segundo a pura sensação corpórea do ser animal.
CAPÍTULO VII
Como é onipotente embora muitas coisas
lhe sejam impossíveis
Mas como poderás ser onipotente se tu não podes tudo? Como
poderás ser onipotente desde que não é possível a ti nem morrer, nem mentir,
nem fazer com que o verdadeiro se transforme em falso? Salvo se poder fazer
coisas desta espécie não é potência, mas verdadeira impotência, pois, quem pode
fazer coisas assim, tem a possibilidade de fazer, evidentemente, coisas
funestas e contrárias ao dever e, quanto mais tiver poder para fazê-las, tanto
mais o mal e a perversidade adquirem força sobre ele e tanto menos ele consegue
resistir-lhes. Quem tem, portanto, semelhante faculdade não possui o poder, mas
o não-poder. De fato, acontece dizermos que uma pessoa “pode” não porque, na
realidade, tenha poder, mas para significar que o seu não-poder permite a
outros ter poder sobre ela, usando, assim, impropriamente o verbo poder, como
muitas vezes, ao falarmos, empregamos expressões impróprias, e dizemos, por
exemplo, “ser” por “não-ser”, e “fazer” em lugar de “não fazer” ou “nada
fazer”. Por isso, acontece que, a uma pessoa que nega alguma coisa,
respondemos: “Sim, como tu dizes”, quando deveríamos ter dito: “Não; justamente
como falas”. Da mesma maneira dizemos: “Esse homem senta-se como faz aquele”,
ou: “Esse descansa como faz aquele outro”, e, no entanto, por sentar-se,
entendemos não fazer uma coisa e, por descansar, não fazer nada. Desta maneira,
quando se diz de alguém que tem o poder de fazer ou sofrer algo, pernicioso
para ele ou que não deve fazer, a palavra poder,
na verdade, significa impotência, porque quanto maior ele possui desse tipo de
poder, tanto mais poderosas se tornarão sobre ele a adversidade e a
perversidade, e ele, mais fraco contra elas.
Portanto, Senhor meu Deus, tu és onipotente no sentido mais
verdadeiro e próprio, pois nada tu podes por impotência e nada há que possa
prevalecer contra ti.
CAPÍTULO VIII
Como é misericordioso e impassível
Mas, ainda, como poderás tu, Senhor, ser ao mesmo tempo
misericordioso e impassível? Com efeito, se és impassível, não podes
compadecer-te; e se não te compadeces, não tens coração misericordioso para com
o miserável, coisa em que consiste ser misericordioso. E se não és
misericordioso, de onde vem tenta consolação a nós, miseráveis?
Mas será que tu és misericordioso, ó Senhor, e não
misericordioso, ao mesmo tempo? Misericordioso para conosco e impassível para
contigo mesmo? Realmente, és misericordioso por compadecer-te dos nossos
sofrimentos, não por experimentá-los. De fato, quando tu diriges os teus olhos
para nós, os miseráveis, percebemos o efeito da tua misericórdia e tu,
entretanto, não experimentas o efeito da compaixão.
Assim, tu és misericordioso porque salvas os miseráveis e
perdoas aos pecadores, mas não és misericordioso no sentido em que tu possas
ser afetado por alguma espécie de compaixão.
CAPÍTULO IX
Como, embora absoluta e soberanamente
justo, ele perdoa aos pecadores e tem misericórdia deles com justiça
Mas se tu és absoluta e soberanamente justo, ó Senhor, como
podes perdoar aos maus? Como podes tu, suma e plenamente justo, cometer uma
injustiça? Mas que tipo de justiça é, pois, essa de conceder a vida eterna a
quem, ao contrário, merece a morte eterna? Por que, então, ó Deus bom – bom
para os bons e para os maus –, por que salvas os maus, se isto não é justo? E
tu não podes cometer injustiça! Será que isso fica para nós oculto na luz
inacessível que tu habitas, pois a tua bondade é para nós incompreensível?
Realmente no profundíssimo segredo da tua bondade é que se
encontra a nascente donde mana o rio da tua misericórdia. Apesar de tu seres
absoluta e supremamente justo, também és benigno com os maus, justamente porque
és total e supremamente bom. Serias, pois, menos justo, se não fosses benigno
com os maus. De fato, é assaz mais justo aquele que é bom para com os bons e
com os maus do que aquele que é bom apenas com os bons. E aquele que é bom,
punindo e perdoando aos maus, é melhor que quem os pune apenas.
És, portanto, certamente misericordioso porque és total e
supremamente bom. E como é evidente, por outra parte, o motivo por que tu
distribuis o bem aos bons e o castigo aos maus, no entanto, torna-se para nós
estranho e surpreendente que tu, completa e supremamente justo, sem precisar de
nada, concedas os teus bens igualmente aos maus e aos ruins.
Oh! a imensidão da tua bondade, Senhor! Vemos donde brota a tua
misericórdia, mas nossa visão não consegue ir mais além! Enxergamos donde mana
o rio e não conseguimos divisar a nascente. Tu és, pois, misericordioso para
com os pecadores devido à plenitude da tua bondade, todavia, permanece, para
nós, escondida, na profundez da tua bondade, a razão por que és misericordioso.
Quando tu distribuis o prêmio aos bons e o castigo aos maus,
parece que tu estás seguindo a lei da justiça; porém, quando dispensas aos maus
os teus bens, porque assim o exige a tua suprema bondade, torna-se estranho que
um ser, sumamente justo, como és tu, possa ter desejado isso. Oh! misericórdia,
com que abundante suavidade e com que suave abundância chegas até nós. Oh!
imensa bondade de Deus, com que grande amor os pecadores devem amar-te!
Com efeito, tu, Deus, salvas os justos com justiça e liberas os
pecadores ainda quando a justiça os condena. Uns devem a sua salvação aos seus
merecimentos, e outros a conseguem apesar das suas faltas. É porque nos
primeiros tu reconheces o bem que lhes doaste e nos segundos perdoas o mal que
odeias. Ó bondade imensa, que tanto excedes toda inteligência, faze com que
recaia sobre mim a tua misericórdia, que procede de tão imensa riqueza! Que
penetre em mim o que emana de ti: que a tua clemência me perdoe; e não te
vingues segundo a justiça!
Embora, portanto, seja difícil compreender como a tua misericórdia
possa separar-se da tua justiça, vemo-nos, todavia, obrigados a crer que o que
emana da tua bondade nunca conflita com a justiça, que nunca se separa da tua
bondade, mas com ela está sempre unida. Então, se tu és misericordioso porque
és sumamente bom, e és sumamente bom porque sumamente justo, deve-se admitir
que és verdadeiramente misericordioso porque és sumamente justo.
Ajuda-me, ó Deus, justo e misericordioso. Ajuda-me, pois busco a
tua luz. Ajuda-me para que compreenda plenamente aquilo que digo.
Tu és verdadeiramente misericordioso porque és justo. Então a
tua misericórdia nasce da tua justiça? Ou será por causa da tua própria justiça
que perdoas aos pecadores? Se for assim, ó Senhor, ensina-me como isso possa
acontecer. Ou será, talvez, pelo fato de que é justo que tu sejas tão bom até o
ponto de que não possas ser concebido melhor e, também, justo que operes com um
poder tão grande para que não possas ser pensado mais poderoso? Haveria algo
mais justo que isso? Certamente isso não aconteceria se a tua bondade
consistisse apenas em premiar e não, ainda, em perdoar, e se tu tornasse bons
somente os bons e não, também, os maus. É, pois, por este motivo que és justo
que perdoes aos pecadores e que tornes bons também os maus.
Finalmente: aquilo que é feito sem seguir a justiça não deve ser
feito; e o que não deve ser feito [se for feito] é contra a justiça. Se tu,
portanto, te compadecesses dos maus, contra a justiça, é claro que não o devias
fazer; e se tu não devesses ter misericórdia deles [e se a tivesses], tu serias
misericordioso injustamente.
Ora, um raciocínio dessa espécie é falso; porém, é licito crer
que tu te compadeças dos maus sem ferir a justiça.
CAPÍTULO X
Como castiga com justiça e como, com
justiça também, perdoa aos maus
Entretanto, é justo, também, que tu castigues os maus. Haverá,
pois, algo mais justo do que os bons receberem o bem e os maus o castigo? Como,
então, pode ser justo ao mesmo tempo que tu castigues os maus e lhes perdoes?
Ou será que, sob certo aspecto, tu castigas os maus com justiça e, sob outro,
lhes perdoas, igualmente, com justiça? Com efeito, é justo que tu castigues os
maus, pois o mereceram; mas é, também, justo que lhes perdoes, não em virtude
dos méritos, que não têm, e, sim, porque isso condiz com a tua bondade. Ao
perdoares aos maus, tu és justo em relação a ti mesmo, não a nós, assim como és
misericordioso em relação a nós, e não a ti.
Com efeito, ao salvar-nos, quando, com toda justiça, poderias
nos condenar, és misericordioso, não porque tu experimentas um afeto, coisa
esta estranha à tua natureza, mas para que nós percebamos o efeito da tua
bondade. Da mesma maneira és justo não porque tu tenhas obrigações para conosco
por alguma dívida, mas porque tu operas em virtude daquilo que é condizente com
a tua bondade suprema.
Desta forma, portanto, não há contradição em dizer que tu
castigas e perdoas sempre com justiça.
CAPÍTULO XI
Como “todos os caminhos do Senhor são
misericórdia e verdade”, e como “o Senhor é justo em todos os seus caminhos”
E não seria justo, inclusive, em relação a ti, ó Senhor, que tu
punisses os maus? Entretanto, é justo que tu sejas assim para que ninguém possa
pensar num ser mais justo do que tu. Seria, porém, possível isso se tu
concedesses a recompensa apenas aos bons e desses o castigo aos maus?
Contudo, é mais justo aquele que retribui aos bons e aos maus, e
não somente aos bons, segundo os seus méritos. Portanto, tu és justo conforme a
tua natureza, ó Deus justo e benigno, tanto ao castigar como ao perdoar.
Realmente, pois, todos os
caminhos do Senhor são misericórdia e verdade [Sl 24,10] e, igualmente, o Senhor é justo em todos os seus
caminhos [Sl 144,11]. Não há
discordância certamente entre estas duas verdades, porque não é justo que sejam
salvos os que tu queres punir, e não é justo que sejam condenados aqueles aos
quais queres perdoar. Justo é somente aquilo que tu queres, e injusto, aquilo
que tu não queres. É desta maneira, pois, que da tua justiça nasce a tua
misericórdia, porque é justo que tu sejas de tal forma bom que, ainda quando
perdoas, sejas bom. Por isso, sem dúvida, aquele que é sumamente justo pode
querer o bem ainda para os maus.
Entretanto, se é possível compreender que tu possas querer
salvar os maus, fica incompreensível que, entre seres igualmente maus, tu, pela
tua suprema bondade, salves alguns e não outros, e, pela tua suprema justiça,
castigues alguns e não outros.
Assim, portanto, tu és verdadeiramente sensível, onipotente,
misericordioso e impassível como, também, és vivente, sábio, bom, feliz e eterno;
em suma, tudo o que é melhor que exista do que não exista.
CAPÍTULO XII
Que Deus é a própria vida que vive, e
que se pode dizer outro tanto dos seus atributos
Mas tudo aquilo que tu és, certamente, és não por outro e, sim,
por ti mesmo. Tu és, portanto, a vida mesma pela qual vives, a sabedoria pela
qual és sábio, a bondade pela qual és bom para com os bons e os maus. E assim
por diante.
CAPÍTULO XIII
Como somente ele é ilimitado e eterno,
embora haja outros espíritos que são ilimitados e eternos
Tudo aquilo que de alguma maneira está circunscrito pelo espaço
e pelo tempo, sem dúvida, é menor que aquilo que não está submetido a nenhuma
lei espacial e temporal. Como, porém, não há nada maior que tu, nenhum lugar ou
tempo te circunscreve, porque estás por toda parte e sempre. Somente de ti é
possível afirmar, de verdade, que és sem limites e eterno. Por que, então, há
outros espíritos que são ditos ilimitados e eternos?
Na realidade, somente tu és eterno, porque, único entre todos,
assim como não tiveste começo, também não terás fim. Mas como é possível que tu
sejas o único a não ter limites? Talvez isto aconteça porque todo espírito
criado, se comparado a ti, é limitado e, ao contrário, se comparado com o corpo
é ilimitado? Com efeito, limitado é aquele ser que, em se encontrando completo
num lugar, não pode contemporaneamente encontrar-se em outro; o que é próprio
dos corpos. Ilimitado, ao invés, é aquele ser que, contemporaneamente,
encontra-se, completo, por toda parte; e isto é próprio somente de ti. Limitado
a ilimitado, ao mesmo tempo, é aquele ser que, embora se encontre completo num
lugar, pode, contemporaneamente, encontrar-se completo em outro, porém, não por
toda parte; e isto é próprio dos espíritos criados. Com efeito, se a alma não
estivesse inteira em cada uma das partes do corpo, não sentiria, inteira, as
impressões que recebe em cada uma delas.
Conseqüentemente, tu és, ó Senhor, o único ser ilimitado e
eterno, embora haja outros espíritos também eternos e ilimitados.
CAPÍTULO XIV
Como e por que Deus é visto e não é
visto por aqueles que o buscam
Ó minha alma, encontraste o que procuravas? Buscavas a Deus e
encontraste que ele é o ser supremo do qual não é possível pensar nada melhor;
que ele é a própria vida, é luz, sabedoria, bondade, felicidade eterna e
eternidade feliz e que se encontra por toda parte e sempre.
Com efeito, se não encontraste ao teu Deus, como pode ser Deus
este ser que encontraste? E como consegui entender, com tanta certeza e
clareza, que aquele Ser é mesmo Deus? E, se verdadeiramente o encontraste. Por
que não sentes dentro de ti então que o encontraste? Por que, ó Senhor, a minha
alma não sente a tua presença, se te encontrou?
Ou será que ela não encontrou realmente a ti, ao descobrir que
existe um Ser que é luz e verdade? Mas, como poderia ela compreender isso, a
não ser pela tua luz e a tua verdade? Se, porém, viu a luz e a verdade, viu a
ti; e, se não viu a ti, não viu nem a luz nem a verdade. Ou será que não eram a
luz e a verdade o que viu e, portanto, ainda não viu a ti porque apenas
entreviu a ti, de maneira limitada e não como és?
Ó Senhor, meu Deus, tu que me fizeste e me remiste, dize à minha
alma, que anela por ti, o que tu és, caso não sejas aquilo que ela viu, a fim
de que possa enxergar, claramente, aquilo que deseja com tanto ardor. Ela
esforça-se para ver ainda mais, entretanto, não consegue vislumbrar nada, além
do que já viu, a não ser trevas. Ou melhor: ela não vê trevas, pois em ti não
há trevas, mas apercebe-se de que não pode ver mais além, por causa das suas
próprias trevas.
Mas por que, ó Senhor, por que o olho da alma está embaciado?
Por que está fraco e está obscurecido pelo teu esplendor? Sim, o seu olho está
cegado por causa das suas próprias trevas e ofuscado pela tua luz. Cega-o seu
curto alcance, e perde-se na tua imensidão; está encerrado em limites estritos,
subjugado pela tua grandeza ilimitada. Oh! quão grande é esta luz donde
desponta e brilha toda a verdade, que resplandece aos olhos de alma dotada de
razão! Quão imensa esta verdade em que se encontra tudo o que é verdadeiro, e,
fora dela, não há senão o nada e a mentira! Quão imensa é ela, que, com um só
olhar, enxerga todas as coisas existentes, assim como o princípio, o poder e a
maneira com que tudo foi feito do nada! Que pureza, que simplicidade, que
limpidez, que brilho se encontram nela! Muito mais do que a criatura possa
compreender.
CAPÍTULO XV
Que ele é bastante maior que aquilo que
se pode pensar
Portanto, ó Senhor, tu não és apenas aquilo de que não é
possível pensar nada maior, mas és, também, tão grande que superas a nossa
possibilidade de pensar-te.
Com efeito, supondo que fosse possível pensar que existe um ser
dessa espécie, se tu não fosses esse ser, poder-se-ia pensar uma coisa maior
que tu; o que é impossível.
CAPÍTULO XVI
Que a luz em que habita é inacessível
É realmente inacessível a luz em que habitas, ó Senhor, e não há
ninguém, exceto tu, que possa penetrá-la bastante para contemplar-te com
clareza. Eu não vejo, sem dúvida, por causa do seu brilho, demasiado para os
meus olhos, e, todavia, o que consigo ver, vejo-o através dela, da mesma
maneira que o olho fraco do nosso corpo vê tudo aquilo que vê pela luz do sol,
que, no entanto, não pode contemplar diretamente. A minha inteligência não
consegue alcançar essa luz, porque difunde um esplendor demasiadamente vivo e
que não tolera. O olho da minha alma não pode fitá-la por muito tempo, nem
sustentar tão grande luminosidade: é, pois, ofuscado pela sua reverberação,
vencido pela sua vastidão, turvado pela sua imensidade, confundido pela sua
intensidade.
Ó luz suprema e inacessível; ó verdade profunda e
bem-aventurada, como estás distante de mim, embora eu esteja tão perto de ti!
Quão afastada te encontras do meu olhar, quando eu estou continuamente presente
ao teu! Tu estás presente, inteira, por toda parte e eu não te vejo! Movo-me em
ti, estou em ti e não posso chegar até ti. Tu estás em mim, em torno de mim e
eu não te sinto.
CAPÍTULO XVII
Que em Deus se encontram a harmonia, o
perfume, o sabor, a beleza, de maneira inefável e completamente própria
Tu, ó Senhor, te escondes da minha alma, encoberto pela tua luz
e a tua felicidade e, por isso, ela está mergulhada nas trevas e na sua
miséria.
Olha ao redor de si e não vê a tua beleza; escuta e não ouve a
tua harmonia; aspira e não percebe o teu perfume; tem paladar e não consegue
experimentar o sabor de ti. Toca e não percebe a suavidade da tua substância.
Sem dúvida, Ó Senhor meu Deus, tu tens todas essas qualidades de
uma maneira inefável, e as doaste às tuas criaturas sob forma sensível; porém,
os sentidos da minha alma endureceram, entibiaram e obstruíram-se pela
languidez inveterada do pecado.
CAPÍTULO XVIII
Como nem em Deus nem na sua eternidade,
que é ele mesmo, há partes
Eis um novo motivo de perturbação; eis-me, de novo, na tristeza
e no luto, eu que procuro a alegria e a felicidade! Já a minha alma pensava
estar saciada e, de novo, eis que estou mergulhado na extrema miséria! Já
estava prestes a saciar-me e eis que me sinto mais faminto que antes. Procurava
elevar-me até a luz de Deus e eis-me caído, de novo, nas minhas trevas. Na
verdade não caí nelas agora, porque já estava envolvido por elas. Sem dúvida,
caíra nelas ainda antes que minha mãe me concebesse. Certamente fui concebido
nelas e nasci enfaixado por elas. Todos nós, sem duvida, caímos com Adão. Nele,
todos pecamos; nele perdemos aquilo que ele recebeu com tanta facilidade e,
todavia, perdeu com grande desgraça, sua e nossa; justamente aquilo que agora
não encontramos mais, apesar das nossas buscas. Com efeito, quando o
procuramos, não o encontramos e, se o encontramos, percebemos que não é aquilo
que procurávamos.
Ajuda-me, bom Deus! Ó
Senhor, busquei o teu rosto; permite que o encontre, ó Senhor; não afaste de
mim o teu rosto[Sl 26,13 e 14]. Tira-me do abismo em que estou e eleva-me a
ti. Purifica, cura, aguça, ilumina o olho da minha alma para que possa,
finalmente, contemplar-te. Que a minha alma possa reunir todas as suas forças e
que, com o ardor da sua inteligência, se dirija a ti, meu Senhor.
Quem és, ó Senhor, quem és? Como o meu coração poderá
compreender-te? Não resta dúvida que és a vida, a sabedoria, a verdade, a
bondade, a felicidade, a eternidade e tudo aquilo que constitui o verdadeiro
bem. Mas esses atributos são numerosos e a minha angusta inteligência não pode
captá-los todos em um único ato de pensamento para receber deleite deles, de
uma só vez.
Mas como podes, ó Senhor, ser todas essas coisas? Ou elas,
quiçá, são partes de ti, ou cada uma já é tudo aquilo que tu és? Mas aquilo que
tem partes não é uno, e sim, composto e distinto de si mesmo e pode-se
fracionar, ou na realidade ou pelo ato do pensamento. Porém isso não se pode
afirmar de ti, que és o ser do qual não se pode pensar nenhuma coisa melhor.
Não existem, portanto, partes em ti, ó Senhor. Tu não és múltiplo; és uno e
idêntico a ti e de maneira alguma há diferenças em ti. Aliás, tu és a unidade
absoluta, aquela que nem o pensamento consegue fracionar. Por isso, a vida, a
sabedoria e todas as outras qualidades não são, em ti, partes, mas todas formam
uma unidade indivisível, e cada uma delas é o que tu és e, ao mesmo tempo, o
que são as outras todas.
Portanto, tu não tens partes, e a tua eternidade – pois se
identifica contigo – não é parte de ti, nem da tua eternidade.
Tu estás inteiro por toda parte e a tua eternidade é inteira e
imperecível.
CAPÍTULO XIX
Que Deus não está em lugar nenhum, nem
no tempo: e tudo está em Deus
Mas se tu, por tua eternidade, foste, és e serás, e se ter sido
não é vir-a-ser, de que maneira a tua eternidade pode existir sempre inteira?
Ou, quiçá, nada da tua eternidade tenha passado de modo a não existir mais, nem
algo haja que está para formar-se, como se ainda não tivesse existência?
Portanto, não existe ontem, nem existe hoje, nem existirás
amanhã, porque ontem, hoje e amanhã tu existes;
mas não se deve dizer “ontem, hoje e amanhã” e, sim, simplesmente: existes; e fora de qualquer
tempo. Ontem, hoje, amanhã só existem no tempo e tu, ao contrário, embora nada
haja sem ti, tu não estás, entretanto, em lugar e tempo nenhum; e tudo
encontra-se em ti, pois nada pode abranger-te e todavia, tu abranges todas as
coisas.
CAPÍTULO XX
Que Deus existe antes e depois de todas
as coisas, ainda que sejam eternas
Tu, portanto, preenches e abranges todas as coisas existentes,
pois tu existes antes e depois delas. Existes antes, porque, antes que elas
existissem, tu já eras. Mas, como pode ser que tu existas “depois” de todas as
coisas? Como poderás existir “depois” daquelas coisas que não terão fim? Talvez
isso aconteça porque elas não podem existir sem ti, e tu não serias minimamente
diminuído se todas as coisas voltassem de novo ao nada? Ou será que tu és
posterior a elas porque é possível pensar delas que terão um fim, enquanto de
ti não é possível sequer imaginar isso?
Com efeito, nesse sentido, todas as coisas, de alguma maneira,
têm fim; mas tu, nem desta maneira. E certamente aquilo que não tem fim existe
ainda depois daquele que, de alguma maneira, termina. Ou será porque tu superas
todas as realidades, ainda que eternas, pelo fato de que a tua eternidade e a
delas são sempre e inteiramente presentes para ti, quando, ao contrário, elas,
em sua eternidade, não possuem ainda aquilo que está para vir, nem aquilo que
já passou? Certamente tu existirás sempre depois delas porque tu estás sempre
presente nelas e porque está sempre presente diante de ti aquilo a que elas
ainda não conseguiram chegar.
CAPÍTULO XXI
Se essa eternidade é aquilo que
expressamos com as palavras “século do século” ou “séculos dos séculos”
E será que essa eternidade é aquilo que denominamos “século do
século” ou “séculos do séculos”?
Com efeito, assim como o século, na sucessão do tempo, contém
todas as coisas temporais, assim a tua eternidade contém todos os séculos da
sucessão do tempo. E ela é chamada de “século” devido à sua unidade
indivisível, e “séculos” porque a sua imensidade é interminável.
Embora tu, ó Senhor, sejas tão grande que tudo está repleto de
ti e tudo está em ti, todavia, tu estás de tal maneira fora do espaço que não
há em ti nem meio, nem metade, nem parte alguma.
CAPÍTULO XXII
Que somente Deus é o que é; e ele é
aquele que é
Somente tu, ó Senhor, és aquilo que és, e somente tu és aquele
que és. Com efeito, o ser que não é o mesmo em sua totalidade e em suas partes,
ou que está sujeito nalgum ponto a variações, esse, certamente, não é aquilo
que é. Assim, também, todas as coisas que tiveram início, porque antes não
existiam, podem ser pensadas como não existentes, e se não forem mantidas na
existência por meio de outro, voltam ao nada. E tudo aquilo, cujo passado não
existe mais e cujo futuro ainda não é, não existe em sentido próprio e
absoluto. Tu, ao contrário, és verdadeiramente aquilo que és porque tudo aquilo
que tu és, ainda que apenas uma vez e de alguma maneira, continuas sendo completamente
e sempre. Tu existes verdadeira e simplesmente porque não tens passado nem
futuro, mas unicamente presente e não se pode supor, sequer por um momento, que
tu não existas. Tu és a vida, a luz, a sabedoria, a felicidade, a eternidade e
tantos outros bens parecidos; e, entretanto, não és senão um bem único e
supremo, completamente suficiente para ti próprio, sem carecer de nada, quando
todas as demais coisas, ao contrário, precisam de ti por causa daquela parte de
existência e de perfeição de que gozam.
CAPÍTULO XXIII
Que esse Bem é, ao mesmo tempo, e
igualmente, o Pai, o Filho e o Espírito Santo, e que necessariamente, os três
são uma unidade que é total e sumamente o bem
Esse Bem supremo és tu, Deus Pai; e esse Bem supremo é o teu
Verbo, isto é, o teu Filho, porque no Verbo, por meio do qual tu expressas a ti
mesmo, não pode haver senão aquilo que tu és; nem o Verbo pode ser maior ou
menor do que tu, porque o teu Verbo é verdadeiro como tu. Ele é, de fato, a
mesma verdade como tu és, a qual outra coisa não é senão tu mesmo.
Tu és tão simples que de ti não pode nascer outra coisa que não
seja aquilo que tu és: o amor, uno em si e comum a ti e a teu Filho, isto é, o
Espírito Santo, que procede de um e de outro. Com efeito, esse amor não é
inferior nem a ti nem a teu Filho, porque tu amas a este Filho e a ti, tanto
como ele a ti e a si mesmo, porquanto tu és ele e ele é tu. Nem de ti nem dele
provém algo diferente dele e de ti.
Da simplicidade suprema não pode proceder nada que seja
diferente daquilo que é o princípio donde procede. Assim, tudo o que é cada um,
o mesmo é, completa e simultaneamente, a Trindade – Pai, Filho e Espírito Santo
–, porque cada um deles outra coisa não é senão a unidade sumamente simples e a
simplicidade sumamente una, que não pode nem multiplicar-se nem ser uma coisa
ou outra. Aliás, há apenas um
único ser necessário, e é aquele necessariamente uno, no qual encontra-se
todo o bem, ou melhor: ele é o bem completo, o único, o bem total e exclusivo.
CAPÍTULO XXIV
Hipóteses acerca da natureza e grandeza
desse Bem supremo
Vamos, minha alma, aguça e eleva toda a tua inteligência e
pensa, com todas as tuas forças, qual e quão grande seja esse Bem.
Se, pois, todos os bens são agradáveis, imagina e considera quão
agradável será este que encerra a causa da alegria de todos os outros bens. Não
uma alegria qualitativamente igual àquela que nós experimentamos com as coisas
criadas, mas tão diferente quanto imensamente diferente é o Criador da
criatura. Se a vida criada já é uma alegria, quão agradável não será a vida
criadora? Se a conservação da vida já foi feita agradável, quanto mais não o
será aquela vida que é o princípio de toda conservação? Se é agradável o
conhecimento das coisas que foram criadas, quão agradável não será então a
sabedoria que criou todas as coisas do nada? Em suma, se as alegrias
dispensadas pelas coisas criadas são muitas e grandes, qual e quão grande não
haverá de ser a alegria existente naquele que é a causa de todas as coisas
agradáveis?
CAPÍTULO XXV
Quais e quão grandes bens estão
reservados aos que fruem de Deus
Oh! aquele que fruirá desse bem! O que estará ou não reservado
para ele? Certamente haverá para ele tudo o que Deus quiser e nada haverá de
tudo o que Deus não quiser. Haverá, ali, sem dúvida, os bens do corpo e da
alma; os que o olho nunca viu,
o ouvido nunca ouviu, nem o coração humano nunca imaginou [1 Cor 2,9]. Por que, então, ó homem
miserável, vagueias aqui e acolá à procura do bem para o teu corpo e a tua
alma? Ama aquele único bem em que se encontram todos os bens e estarás
satisfeito. Deseja aquele bem sumamente simples, que contém todos os bens, e
será o suficiente. O que estás a amar, ó minha carne; o que estás a desejar, ó
minha alma? Somente ali, nele, é que se encontra o que vós amais e tudo o que
desejais. Se amais a beleza, então, deveis saber que os justos resplandecerão como o sol [Mt 13,43]; se desejais a rapidez ou a
força ou a liberdade do corpo de maneira que nada a ele possa opor-se, sabei
que os justos serão
semelhantes aos anjos e Deus [Mt
22,30], porque depois de
semeado o corpo animal, surgirá o corpo espiritual [1 Cor 15,44], certamente pelo poder
divino e não pela natureza. Se procurais uma vida longa e cheia de saúde, é
nele que se encontra a eternidade sadia e a sanidade eterna, porque os justos viverão eternamente [Sab 5,15] e, também, porque a saúde vem aos justos do Senhor [Sl 36,39]. Se quereis ser saciados,
eles serão saciados quando
aparecer a glória do Senhor [Sl
16,17]; se procurais a ebriedade, estarão
embriagados com a abundância da casa do Senhor [Sl 35,9]. Se sois atraídos pela
música, ali [nos céus] encontram-se os coros dos anjos cantando sem fim a Deus.
Se cobiçais o prazer – o prazer puro, não o imundo –, ó Senhor, tu lhes saciarás a sede
com torrente dos teus prazeres [Sl
35,9]; se a sabedoria, será revelada aos justos a própria sabedoria de Deus; se
a amizade, os justos amarão a Deus mais que a si mesmos, e cada um deles amará
aos outros como a si mesmo, e Deus os amará mais do que eles possam amar a si
mesmo, porque eles amarão a Ele e a si e amar-se-ão entre si mesmos mas por
meio dEle, quando, ao contrário, Ele amará a si mesmo e a eles por meio de si
mesmo. Se é a concórdia que vós buscais, os justos terão todos uma só vontade,
porque, ali, não haverá outra vontade a não ser a de Deus; se o poder, eles
terão uma vontade onipotente como a de Deus porque, assim como Deus pode o que
quer por si mesmo, assim eles poderão tudo o que quiserem, por meio dEle. E,
desde que eles hão de querer tudo o que Deus quer, Deus, portanto, quererá
aquilo que eles quiserem; e o que Ele quiser não poderá não ser. Se as honras e
as riquezas, Deus elevará os seus servos bons e fiéis acima de todas as coisas,
de forma a serem chamados, e o serão realmente, filhos de Deus [Rom 8,16] e deuses e se encontrarão
lá, onde estará o seu Filho; e, lá, eles serão os herdeiros de Deus e co-herdeiros
de Cristo [Rom 8,17]. Se
desejais a verdadeira segurança, eles ficarão plenamente seguros de que nunca
lhes faltará, de modo algum, a felicidade, porque terão a certeza de que,
espontaneamente, não abandonarão a Deus, e Deus, que os ama, não poderá
abandonar a eles, que o amam. E nada existe de mais poderoso do que Deus, que
possa afastá-los dEle contra a vontade deles e a de Deus. Oh! como há de ser
grande e agradável essa alegria, lá onde se encontra tão grande Bem! Ó coração
humano, ó coração pobre, atribulado, inquieto, como hás de sentir-te feliz se
possuíres, em abundância, desses bens! Sonda o teu âmago, para ver se cabe nele
a alegria de tanta felicidade.
E, certamente, se algum outro irmão, a quem tiveres amado como a
ti mesmo, fruir da mesma felicidade, a tua alegria dobrará, porque não fruirás
menos da dele que da tua. E se houver dois ou três ou muitos compartilhando da
mesma alegria, e a eles tiveres amado como a ti mesmo, desfrutarás da alegria
de cada um como da tua.
Portanto, nesse perfeito amor, entre inumeráveis anjos e homens,
onde ninguém ama aos outros menos do que a si mesmo, cada um fruirá da alegria
de todos os outros não menos que da sua própria.
Mas, se o coração de um homem mal está capacitado a receber a
alegria de apenas uma felicidade tão grande, como poderá ter espaço para
abrigar a alegria de tantas e tão grandes felicidades? E desde que, quanto mais
se ama a outrem mais sente-se prazer pela sua felicidade; e como nesta
felicidade perfeita cada um amará a Deus infinitamente mais que a si mesmo, e
aos outros, então cada um desfrutará mais, e sem comparação, da felicidade de
Deus do que da sua própria e daquela dos outros.
Se os justos amarão a Deus com todo o seu coração, com toda a
sua mente e com toda a sua alma, e, no entanto, o coração, a mente e a alma não
são suficientes para um amor tão sublime, eles, sem dúvida, serão felizes com
todo o seu coração, com toda a sua mente e a sua alma, porém, não com a
capacidade apropriada à plenitude de tanta felicidade.
CAPÍTULO XXVI
Acaso será essa a “alegria plena” que o
Senhor prometeu?
Deus meu e meu Senhor, esperança minha e gáudio do meu coração,
dize à minha alma se esta é a alegria de que nos falas através do teu Filho: Pedi e recebereis de maneira que a
vossa alegria seja plena [Jo
16,24], pois eu encontrei uma alegria plena e mais que plena. Pleno o coração,
plena a mente, plena a alma, pleno completamente o homem dessa alegria, e já
outra alegria haverá ainda para ele, sem medida. Essa alegria, portanto, não
caberá inteira naqueles que a desfrutam, mas estes caberão inteiramente nela.
Dize, ó Senhor, dize ao teu servo, na intimidade do seu coração,
se é essa a alegria que receberão aqueles teus servos que entrarão no gáudio do
Senhor.
Mas essa alegria, de que fruirão certamente os teus eleitos, nem o olho a viu, nem o ouvido a
ouviu, nem jamais penetrou no coração humano [Is 64,4; 1 Cor 2,9]. Portanto, eu
ainda não disse nem pensei suficientemente, ó Senhor, quão imensa será a
felicidade desses bem-aventurados. Sem dúvida eles desfrutarão de tanta
felicidade igual ao seu amor; e o seu amor será tanto como o seu conhecimento.
Mas em que medida, então, te conhecerão, ó Senhor, e te amarão? Certamente nem olho viu, nem ouvido ouviu, nem
penetrou no coração do homem em
que medida te conhecerão e te amarão, naquela vida futura.
Ó Deus, rogo-te que permitas que te conheça, te ame, e possa
assim fruir da tua felicidade. E se não posso tê-la plenamente durante esta
vida, ao menos consiga avançar, cada dia mais, em direção a ela, de modo a
alcançá-la plenamente. Que o conhecimento de ti cresça, durante a minha vida,
de forma a fazer-se pleno na outra. Que o meu amor para contigo aumente cada vez
mais até chegar à plenitude na vida futura e que, aqui, e minha alegria seja
tão grande, na esperança, a fim de que possa ser total ali, na realidade. Ó
senhor, tu por meio do teu Filho nos ordenas, aliás nos exortas, a pedir, e
prometes que seremos atendidos, e que a
nossa alegria será plena. Peço-te aconselhar-me por meio desse nosso
admirável conselheiro [Jesus Cristo] para que eu receba o que nos prometes
através da tua verdade: que a minha alegria venha a ser completa. Deus da
verdade, suplico-te, possa eu fruir dessa alegria completa. Que a minha mente,
de agora em diante, só pense nisso; que a minha boca só fale nisso; que o meu
coração só ame isso; que a minha alma só anele por isso; que a minha carne só
tenha sede disso; que o meu ser inteiro só deseje isso até o momento em que
perceba em mim a alegria do meu Senhor, que é Uno e Trino, bendito por todos os
séculos. Assim seja.
LIVRO EM FAVOR DE UM INSIPIENTE
Objeção de Gaunilo, monge de Marmoutier,
contra o Proslógio, de Anselmo
1. Para quem, por acaso, duvide ou negue que existe uma
“natureza da qual não é possível pensar nada maior”, argumenta-se [por parte de
Anselmo] que: primeiro, demonstra-se que essa natureza existe pelo fato de que
quem duvida dela ou a nega já a tem na sua inteligência, pois, ao ouvir-lhe
pronunciar o nome, consegue compreender o sentido daquilo que lhe é afirmado.
Em segundo lugar [o autor sustenta que] pelo fato de que quem nega consegue
compreender o que lhe foi dito, necessariamente essa natureza não se encontra
apenas na inteligência, mas também na realidade; e demonstra-se isso afirmando
que existir na inteligência e na realidade é muito mais do que existir só na
inteligência, e se o ser, do qual não se pode pensar nada maior, se encontrasse
apenas na inteligência, seria menor que aquele que existe na inteligência e na
realidade, e, desta maneira, o ser, pensado como o maior de todas as coisas,
seria pelo menos menor do que uma e não seria o maior de todos os seres, o que
é contraditório. Assim, [se deduz que] esse ser, maior que todos e que já foi
demonstrado existir na inteligência, é necessário que exista não apenas na
inteligência mas, também, na realidade; caso contrário, não poderia ser o maior
de todos.
2. A isso pode-se responder: se algo está na minha inteligência
somente porque compreendo as palavras que o expressam, então não seria
possível, também, afirmar o mesmo a respeito das coisas falsas ou absolutamente
inexistentes, isto é, que se encontram na minha inteligência, porque, ao ouvir
alguém falar nelas, eu as compreenderia?
O raciocínio [de Anselmo] parece-me válido, se porém, já tenho a
certeza de que aquele “ser do qual não se pode pensar nada maior” existe no meu
pensamento não da maneira com que é possível existir, também, as coisas falsas
ou duvidosas. Neste caso, todavia, não devo dizer que, depois de ouvir aquela
frase, eu penso, ou tenho na inteligência esse ser porque compreendo as
palavras que o expressam, mas que o compreendo, ou o tenho na inteligência
porque isto é, eu não poderia pensá-lo de outro modo a não ser compreendendo,
vale dizer, tendo ciência certa de que ele existe realmente.
Se fosse assim [como diz Anselmo], em primeiro lugar, não
haveria na inteligência dois momentos, um quando se compreende a idéia do
objeto, e outro, a sua existência, como acontece com uma pintura, que primeiro
se encontra na mente do pintor e sucessivamente na obra realizada.
Em segundo lugar, é bastante difícil acreditar que, ao se ouvir
pronunciar aquela frase, não seja possível pensar que esse ser não existe, quando
é possível ainda pensar que Deus não existe. Com efeito, se não fosse possível
pensar que Deus não existe, então, para que serve toda essa tua discussão ou
argumentação dirigida justamente contra quem nega ou duvida que haja essa
natureza superior?
Em terceiro lugar, deve ser demonstrado, com um argumento
irrefutável, que esse ser é tal espécie que, logo venha a ser pensado,
imediatamente a inteligência percebe-lhe a existência. A afirmação de que ele
já se encontra no intelecto, quando ouço as palavras que o expressam, não
satisfaz, porque na minha inteligência pode haver todas as coisas incertas,
duvidosas e falsas que alguém queira afirmar e eu possa compreender, ao
ouvi-las nomear. Há mais: enganado, como muitas vezes acontece, eu poderia
chegar a prestar fé nessas coisas; é justamente nisto que eu não acredito.
3. Disso decorre que o exemplo do pintor, que tem já na mente a
pintura que irá fazer, não se ajusta convenientemente a este argumento.
A pintura, com efeito, antes de ser executada, está na própria
arte do pintor [N. do T.: a palavra arte aqui e nas frases sucessivas equivale
a intuição (artística).]
e, como tal, ela é “algo” que faz parte da sua inteligência. Por isso, Santo
Agostinho diz: “Quando um artífice está para construir uma arca, ele a tem
primeiro na sua arte. E, enquanto a arca já realizada, como obra, não é vida,
aquela que se encontra ainda na arte é vida porque vive da vida da alma do
artífice, na qual se acham todas as intuições, antes de serem realizadas”. Mas,
por qual outro motivo essas coisas haveriam de ser vida na alma vivente do
artífice, se não porque são ciência, isto é, inteligência da sua própria alma?
Feita exceção daquelas coisas que pertencem à mesma natureza da mente, das
demais a inteligência apreende a verdade ou ouvindo-a expressar pelas palavras
de alguém ou por meio da sua reflexão. Mas não resta dúvida que, em ambos os
casos, uma coisa é a verdade conhecida e outra coisa é a inteligência que a
conhece. Por esta razão, ainda que fosse verdade a existência de alguma coisa
acima da qual não é possível pensar nada maior, todavia, ela, ouvida e
conhecida, não seria, no que diz respeito à inteligência, aquilo que é a
pintura, ainda não realizada, para a inteligência do pintor.
4. A isso deve-se acrescentar o que foi dito acima, isto é, que
esse ser, o maior entre todos os que se possam pensar – e, por isso, afirma-se,
não ser nada mais do que Deus –, eu não consigo pensá-lo ou tê-lo na
inteligência, ao ouvir seu nome, nem como algo referível a uma espécie ou a um
gênero, nem, ainda, posso saber o que esse Deus é em si e por si. Por isso, não
resta dúvida que eu posso também supor que ele não exista. De fato, nem conheço
Deus em si nem posso deduzir a sua existência de algo que se pareça com ele,
visto tu afirmares que não há nada que possa ser-lhe parecido.
Se eu ouvisse, pois, falar num homem que não conheço e cuja
existência também ignoro, certamente conseguiria concebê-lo como real por meio
da noção especial e geral de homem que me permite saber como é um homem. Todavia,
devido à mentira de quem ouço falar, o homem imaginado por mim, na verdade,
poderia não existir, embora o tenha pensado, segundo uma imagem verdadeira,
ainda que não fosse a daquele homem, individualmente, e, sim, de um homem em
geral.
Por conseguinte, quando ouço pronunciar a palavra Deus ou a frase o ser maior que todos, poderia
conceber na inteligência e no pensamento esse ser da mesma maneira falsa como
aconteceu-me a respeito daquele homem. Naquele caso, porém, consegui pensar num
homem verdadeiro devido a uma noção real que eu possuía. Aqui, no entanto,
posso pensar em Deus somente através de uma palavra. Mas com esta conotação
apenas é muito difícil, se não impossível, inferir a verdade. Quando alguém
pensa através de uma conotação verbal, não dirige o seu pensamento para a
palavra em si, que, sem dúvida, é verdadeira enquanto som de letras e de
sílabas, mas para o significado da palavra que ouviu. Neste caso, porém, o
significado é compreendido não como seria por alguém que já conhece o que se sói
significar com essa palavra, isto é, um ser verdadeiro e existente não só no
pensamento; mas como o seria por aquele que não conhece o objeto e pensa
segundo a impressão recebida pela sua inteligência ao ouvir a palavra, e se
esforça para representar a si mesmo o significado daquilo que ouviu. E seria
realmente maravilhoso se o conseguisse.
Portanto, de nenhuma outra maneira, afora essa, pode certamente
encontrar-se na minha inteligência esse ser, quando ouço e compreendo alguém
que diz: “o ser maior entre todos os seres que se possam pensar”. [N. do T.:
note-se que Gaunilo não repete com exatidão o conceito de Anselmo. Este fala no
ser do qual não se pode pensar
nada maior, quando Gaunilo não presta atenção à negativa colocada por
Anselmo e afirma “o ser maior entre todos os
que se possam pensar”. A rigor, Gaunilo coloca em dúvida até a
possibilidade de pensar o ser maior, porque, ao formular a frase, usa o
subjuntivo (modo da dúvida, em latim), quando Anselmo usa o indicativo (modo da
certeza).]
Isto era o que tinha a responder à afirmativa de que tal
natureza suprema existe realmente na minha inteligência.
5. A respeito da asserção de que esse ser se encontra não apenas
na inteligência, mas também, e necessariamente, na realidade, porque se não se
encontrasse na realidade qualquer outro que existisse na realidade seria maior
do que ele e, assim, não seria aquele ser maior que todos que já foi
demonstrado existir na inteligência, respondo: se se quer dizer que ele existe
na inteligência da mesma maneira que existe qualquer outra coisa suposta
verdadeira, então não nego que se encontre também na minha inteligência. Mas,
como de forma nenhuma é possível deduzir disso que ele se encontre também na
realidade, eu sequer concedo que ele exista na minha inteligência, a menos que
se demonstre isso com um argumento verdadeiramente irrefutável.
Quando, ainda, ele [Anselmo] afirma que se não existisse na
realidade não seria, por tal motivo, o ser maior de todos, não apresenta um
argumento suficiente para o interlocutor. Eu, pois, não apenas não concebo, mas
nego, ou coloco em dúvida, que exista efetivamente esse ser supremo na
inteligência e na realidade; e não lhe concedo existência maior – supondo
poder-se chamar de existência – que aquela que lhe confere o esforço feito pela
minha mente ao procurar representar-se uma coisa que conhece apenas através de
uma palavra que ouviu.
Como será possível, portanto, demonstrar-me que esse ser existe
de verdade pelo fato de ser a maior de todas as coisas, quando eu nego a sua
existência, ou pelo menos duvido muito, e afirmo que não se encontra na minha
inteligência nem no meu pensamento, nem sequer como todas as coisas duvidosas e
incertas?
É, pois, para mim necessário ter primeiramente a certeza,
mediante elementos seguros, de que ele existe nalguma parte da realidade e,
assim, ficará claro que subsiste, também em si mesmo, pelo fato de ser o maior
de todos os seres.
6. Alguns afirmam, por exemplo, que há uma ilha num ponto
qualquer do oceano e que pela dificuldade, ou melhor, a impossibilidade de
achá-la, pois não existe, denominam de Perdida.
Contam-se dela mil maravilhas, mais do que se narra a respeito da Ilhas Afortunadas: que, devido
à sua inestimável fertilidade, ela está repleta de todas as riquezas e delícias
e que, apesar de não haver lá nem proprietário nem habitantes, supera, em
fartura de produtos, todas as terras habitadas pelos homens.
Venha qualquer pessoa dizer-me que tudo isso existe e eu
compreenderei facilmente, pois as suas palavras não apresentam para mim nenhuma
dificuldade. Mas se, ainda, essa pessoa quisesse acrescentar, como
conseqüência: tu não podes duvidar mais que essa ilha, a melhor de todas que há
na terra, exista de verdade nalguma parte, porque conseguiste formar uma idéia
clara da mesma na tua inteligência; e, como é melhor que uma coisa exista na
inteligência e na realidade do que apenas na inteligência, ela necessariamente
existe, porque, se não existisse, qualquer outra terra existente na realidade
seria melhor do que ela, e assim ela, que tu pensas a melhor da todas, não
seria mais a melhor. Se, digo, essa pessoa presumisse, com semelhante
raciocínio, que eu devesse admitir a existência real daquela ilha, acreditaria
que estivesse brincando, ou não saberia distinguir qual de nós dois eu deveria
julgar mais estulto: se a mim, que prestei fé nas suas palavras, ou se a ela,
caso estivesse convencida de ter colocado sobre bases sólidas a existência da
ilha sem primeiro constatar se essa superioridade é, verdadeiramente e sem
sombra de dúvida, real, de modo que não suscite na minha inteligência um
conceito falso e incerto.
7. O insipiente poderá responder tudo isso, pois, àquele que lhe
afirma que o ser maior que todos os seres não pode existir apenas no
pensamento, sem outra demonstração de que não poderia ser o maior de todos se
existisse somente no pensamento. O insipiente poderia dar essa mesma resposta e
acrescentar: -- Quando, por acaso, eu afirmei que esse ser, maior que todos,
existe, de modo que, com base nisso, se deva demonstrar-me a realidade da sua
existência até o ponto em que sequer é possível pensar que não existe?
Por esse motivo, antes de mais nada, deve-se provar a existência
de uma natureza superior, isto é, de uma natureza que é a maior e a melhor de
todas as existentes, com um argumento tão sólido, que permita, a partir daí,
comprovar e deduzir todas as outras perfeições que é necessário atribuir-lhe,
enquanto é o maior e melhor de todos os seres. Ainda: ao invés de dizer que não
se pode pensar que esse ser supremo não existe, é
melhor dizer que não se pode compreender que não exista ou, também, que não
pode não existir. Com efeito, segundo o verdadeiro significado do verbo compreender, as coisas falsas
não podem ser compreendidas,
mas podem ser pensadas, assim como o insipiente pensou que Deus não existe.
Eu tenho a máxima certeza que existo e, todavia, sei que posso
não existir. Mas, desse ser supremo que é Deus, eu compreendo, sem dúvida, que
existe e que não pode não existir. Entretanto, não sei se posso pensar que eu
não existo enquanto possuo a máxima certeza que existo. Mas se posso: por que
não poderia pensar que, também, não existem todas as outras coisas, de cuja
existência tenho igual certeza como da minha? E se não posso, então não será
uma propriedade única de Deus não poder ser pensado como não existente.
8. Os outros argumentos do opúsculo [o Proslógio] estão expostos
com tanta verdade e magnífica beleza, com tanta utilidade e uma fragrância de
profundo, piedoso e santo afeto que, de maneira nenhuma, devem ser desprezados
por causa desse argumento inicial, escrito com intenção louvável, mas
demonstrado com pouca força. Eles, ao contrário, devem ser fortalecidos com uma
argumentação mais robusta e aceitos todos com grande veneração e louvor.
RESPOSTA DE ANSELMO A GAUNILO
Como as minhas palavras foram contestadas, não pelo insipiente
contra o qual argumentei no meu opúsculo [o Proslógio], e, sim, por um homem
que não é um insipiente, mas um católico, que toma a defesa do insipiente, será
bastante para mim responder ao católico.
1. Quem quer que tu sejas, que colocas na boca do insipiente
essas argumentações, sustentas que, se há na inteligência um ser do qual não é
possível pensar nada maior, ele não existe ali de maneira que obrigue a admitir
a sua realidade, e que, quando afirmo que é necessário que uma coisa exista
verdadeiramente desde que concebida pelo pensamento como superior a tudo, esta
demonstração – dizes – não é legítima, como não seria igualmente legítimo se se
concluísse que aquela Ilha
Perdida existe de verdade só
porque quem ouve a sua descrição tem a idéia dela na mente.
Ora, eu respondo: se “o ser do qual não se pode pensar nada
maior” não é compreendido pela inteligência ou concebido pelo pensamento, e não
existe nem na inteligência nem no pensamento, então Deus não é o ser do qual
não é possível pensar nada maior, ou não pensá-lo e, portanto, não existe nem
na inteligência nem no pensamento. Para demonstrar quanto isso seja falso, uso
como argumento, que não admite réplicas, a tua fé e a tua consciência. Portanto,
verdadeiramente é possível compreender e pensar e ter na inteligência e no
pensamento, “o ser do qual não se pode pensar nada maior”. Por isso, ou os
argumentos com que tu te esforças em provar o contrário não são verdadeiros, ou
as conclusões a que acreditas chegar são falsas.
A respeito do que tu opinas, que do fato de que se pode pensar
algo acima do qual não é possível pensar nada maior não decorre que esse algo
se encontre na inteligência; e que, pelo motivo de encontrar-se na
inteligência, não é possível concluir que, necessariamente, exista na
realidade, eu insisto em dizer, com toda certeza, que, se é possível pensá-lo,
é necessário que ele exista. Com efeito, “o ser do qual não se pode pensar nada
maior” não admite ser pensado como existente a não ser sem princípio, quando,
ao contrário, tudo aquilo que pensamos como existente porque teve início admite
ser pensado como existente ou não. Conseqüentemente, “o ser do qual não se pode
pensar nada maior” não pode ser pensado existente e não existente. Assim, se é
possível pensá-lo como existente, é necessário que exista.
Mais: se é possível pensá-lo, é necessário que exista. Quem,
pois, nega ou duvida que exista um ser acima do qual não é possível pensar nada
maior, não nega ou duvida, porém, que, se existisse, não poderia não existir
tanto na realidade como na inteligência, caso contrário não seria “o ser do
qual não é possível pensar nada maior”. Mas aquilo que permite ser pensado como
existente e não existe, se existisse, poderia não existir ou na realidade ou na
inteligência. É por isso que “o ser do qual não se pode pensar nada maior”, se
é possível concebê-lo pelo pensamento, é impossível que não exista.
Mas vamos supor que ele efetivamente não exista, apesar de poder
ser concebido pelo pensamento. Tudo aquilo, porém, que pode se pensado e não
existe realmente, se viesse a existir, sem dúvida não seria “o ser acima do
qual não se pode pensar nada maior”. Portanto, se “o ser acima do qual não se
pode pensar nada maior” viesse a existir, não seria mais “o ser do qual não se
pode pensar nada maior”, o que é absurdo. Logo, é falso que não exista
realmente “o ser acima do qual não se pode pensar nada maior”, se ele pode ser
pensado. Aliás, ele existirá com maior certeza ainda, se é possível pensá-lo e
tê-lo na inteligência.
E direi mais ainda. Não há dúvida que aquilo que não existe em
nenhum lugar ou tempo determinados, se bem que exista em um lugar ou tempo
quaisquer, pode ser pensado todavia como não existente em nenhum lugar e em
nenhum tempo, da mesma maneira pela qual não se encontra num lugar e tempo
determinados. Com efeito, aquilo que não existia ontem e não existe hoje pode
compreender-se que não tenha existido nunca, como compreende-se que não existia
ontem; e aquilo que não existe aqui e existe alhures pode ser pensado como não
existente em nenhuma parte, por não se encontrar aqui. Fato semelhante acontece
com uma coisa, cujas diferentes partes não se encontrem todas no mesmo lugar ou
não existam no mesmo tempo: as partes e a coisa, em seu conjunto, podem ser
pensadas como não existentes em nenhum lugar e nenhum tempo. Com efeito, não
obstante se diga que o tempo existe sempre e o universo por toda parte,
entretanto, o tempo não existe inteiro sempre, nem o universo existe inteiro
por toda parte. E, como várias partes do tempo não existem ainda quando já
existem as outras, assim podemos pensar que nunca existem; e, como as
diferentes partes do universo não se encontram onde estão as outras, também
podemos pensar que não existem em lugar nenhum. Tudo aquilo, em suma, que é
composto de partes pode ser decomposto pelo pensamento e concebido como não
existente. Por conseguinte, aquilo que não existe inteiro por toda parte e
sempre, ainda que exista, admite ser pensado como não existente. Entretanto, “o
ser do qual não se pode pensar nada maior”, se existe, não pode ser pensado
como não existente: caso contrário, se existe, não é “o ser do qual não é
possível pensar nada maior”. E isto é contraditório. Portanto, ele não existe
inteiro num lugar ou tempo determinados, mas existe inteiro por toda parte e
sempre.
Como, então, tu consegues afirmar que não se pode nem pensar nem
compreender, nem ter na inteligência e no pensamento o ser do qual é-nos dado
compreender tantas propriedades? Pois bem, se não fosse possível pensá-lo e
compreendê-lo, também não conseguiríamos compreender essas propriedades. E se,
depois, dizes que não é possível ter na inteligência aquilo que não se pode
conceber ou compreender por completo, então podes acrescentar também que a
pessoa que não consegue fixar os olhos na luz puríssima do sol não vê a luz do
dia, que outra coisa não é senão a luz do sol.
Claro está, portanto, que podemos compreender e ter na
inteligência “o ser do qual não se pode pensar nada maior”, porque
compreendemos tantas das suas propriedades.
2. Na minha argumentação, que tu contestas, eu disse que o
insipiente, ao ouvir as palavras “o ser do qual não se pode pensar nada maior”,
compreende aquilo que ouve.
Ora, quem não compreende aquilo que é expressado na língua por ele
conhecia é um obtuso ou um deficiente.
Depois acrescentei que se ele compreende esse ser, este se
encontra em sua inteligência. Ou será que não se encontra em nenhuma
inteligência aquilo que foi demonstrado existir, necessariamente, na realidade?
Mas tu dizes que, não obstante se encontre na inteligência, não
se encontra nela como conseqüência de ter sido compreendido. Olha, porém, que
se é compreendido, encontra-se na inteligência. Com efeito, assim como aquilo
que é pensado, é pensado pelo pensamento e, pelo fato de que é pensado, existe
no pensamento assim, também, aquilo que é compreendido, é compreendido pela
inteligência e, pelo fato de que é compreendido, existe na inteligência. Haverá
coisa mais clara do que esta?
Afirmei, ainda, que se se encontra só na inteligência, pode,
também, ser pensado como existente na realidade; e que isto é coisa maior do
que encontrar-se só na inteligência.
Depois, concluí que, se existe apenas na inteligência, é, por
isso, um ser acima do qual pode-se pensar algo maior. Haverá conseqüência mais
lógica do que esta?
Ou será que, por encontrar-se apenas na inteligência, então não
é possível pensar que existe, também, na realidade? Se, porém, é possível, quem
o pensa assim não pensa, acaso, um ser maior que aquele que se encontra só na
inteligência? E, portanto, não decorre logicamente que “o ser do qual não se
pode pensar nada maior”, se existisse apenas na inteligência, seria, justamente
por isso, um ser acima do qual é possível pensar uma coisa maior? Mas, com
certeza, nenhuma pessoa dotada de inteligência pode afirmar que “o ser do qual
não se pode pensar nada maior” é o mesmo ser do qual se pode pensar alguma
coisa superior. Ora, não decorre, portanto, disto, que esse ser do qual não se
pode pensar nada maior, se existe na inteligência, não se encontra apenas na
inteligência?
De fato, se existisse somente na inteligência, ele mesmo seria o
ser do qual poder-se-ia pensar outro maior, o que é absurdo.
3. Mas tu dizes que esta minha maneira de argumentar equivale
àquela de um homem que, depois de descrever uma ilha do oceano que supera em
fertilidade todas as terras e, pela dificuldade, ou melhor, a impossibilidade
de encontrá-la, pois não existe, é chamada Ilha
Perdida, afirmasse que não é possível duvidar da sua existência real,
porque quem ouve compreende facilmente a sua descrição pelas palavras.
Em toda confiança respondo-te que se alguém consegue
encontrar-me um ser – excetuando “aquele do qual não se pode pensar nada maior”
– existente na realidade ou apenas no pensamento, ao qual seja possível aplicar
congruentemente a minha argumentação, eu encontrarei com certeza a Ilha Perdida e a entregarei a essa pessoa, de modo
que nunca mais há de perdê-la. Contudo, parece estar já claro que não é
possível pensar como não existente “o ser do qual não é dado pensar nada
maior”, porque a sua existência alicerça-se numa razão segura e verdadeira. Se
assim não fosse, não existiria de maneira nenhuma [isto é: nem na
inteligência].
Finalmente, se alguém afirmasse que pensa que esse ser não existe,
responder-lhe-ia que, ao pensar assim, ele ou está ou não está pensando no ser do qual não se pode conceber
coisa maior. Se não está, evidentemente, não pensa que não existe aquilo
que, de maneira nenhuma, pensa. Mas, se, ao contrário, pensa nele, não resta
dúvida que pensa algo, cuja não existência é impossível conceber. Com efeito,
se fosse admitido conceber que esse ser pode não existir, seria lícito, então,
deduzir que ele tem princípio e fim, o que é absurdo. Quem, portanto, pensa num
ser dessa espécie, pensa algo que não é possível conceber como não existente.
Aliás, quem pensa esse ser, na verdade, não pensa que ele não existe, porque,
caso contrário, pensaria aquilo que não pode ser pensado.
Conseqüentemente, o ser acima do qual não é possível pensar nada
maior não pode ser pensado como não existente.
4. A respeito daquilo que objetas que, quando se afirma que esse
ser supremo não pode ser pensado como não existente, seria melhor dizer que
“não pode ser compreendido como não existente” ou, também, “que não pode não
existir”, eu insisto que se deve dizer que “não pode ser pensado”. Se, pois, eu
tivesse afirmado que o ser supremo não pode compreender-se que não exista, tu que, devido ao
sentido próprio do verbo, sustentas que as coisas falsas não podem ser
compreendidas, terias objetado que nada daquilo que existe pode ser
compreendido como não existente, porque é falso que aquilo que existe não
exista; e terias concluído que, por este motivo, não seria uma propriedade
exclusiva de Deus não poder ser concebido como não existente. Evidentemente se
alguma das coisas que existem com certeza fosse possível ser compreendida como
não existente, também todas as outras que existem com igual certeza, poderiam
ser compreendidas como não existentes.
Mas, essa objeção, se refletirmos bem, não é valida a respeito
do pensar. Com efeito,
embora nenhuma das coisas existentes se possa pensar como não existente,
entretanto, todas, excetuando o ser supremo, admitem ser pensadas como não
existentes. Pois, sem dúvida, podem ser pensadas como não existentes todas ou
separadamente aquelas coisas que têm princípio e fim ou que constam de partes,
e tudo aquilo que, como já disse, não se encontra completo num determinado
lugar ou tempo. Mas o ser que não possui nem princípio nem fim, que não é
composto de partes e que o pensamento encontra completamente inteiro por toda
parte e sempre, não admite ser pensado como não existente.
Hás de saber, portanto, que tu podes pensar de ti mesmo que não
existes, apesar de saberes certissimamente que existes, e eu estranhar que tu
tenhas afirmado não sabê-lo com certeza.
Com efeito, nós imaginamos que não existem muitas das coisas que
sabemos existir e, ao contrário, pensamos como existentes muitas outras que
sabemos que não existem, embora não acreditando, mas fingindo acreditar que
sejam assim como as pensamos. Podemos, pois, pensar que uma coisa não existe,
quando sabemos que existe, porque é possível formular esse pensamento ao mesmo
tempo que conhecemos a existência dela; e, no entanto, não podemos pensar,
simultaneamente, que uma coisa não existe quando existe, porque não é possível
pensar que uma coisa exista e não exista ao mesmo tempo. Quem distinguir desta
maneira as duas proposições contidas na minha exposição compreenderá que de
nenhuma coisa ele pode pensar que não existe, quando sabe que existe e que, ao
mesmo tempo, de todas as coisas, excetuando o ser do qual não se pode pensar
nada maior, pode pensar que não existem, ainda quando sabe que existem. É,
portanto, próprio de Deus não poder ser pensado como não existente, e, todavia,
muitas coisas não podem ser pensadas não existentes quando existem.
A respeito da maneira com que se pode dizer que é dado pensar
que Deus não existe, creio tê-lo exposto suficientemente nesse mesmo opúsculo
[Proslógio, cap. 3].
5. No que diz respeito às demais objeções que me apresentas em
defesa do insipiente, até para uma pessoa de poucos conhecimentos seria fácil
rebatê-las. Por isso, tinha tomado a resolução de não responder. Mas, como
estive sabendo que, segundo alguns que as leram, elas apresentam um certo valor
contra a minha posição, as comentarei brevemente.
Em primeiro lugar, tu repetes freqüentemente que eu afirmo:
“aquilo que é maior que todas as coisas” encontra-se na inteligência e que,
portanto, se existe na inteligência, existe também na realidade, porque, do
contrário, ele não seria “o ser maior que todas as coisas”.
Mas uma afirmação dessa espécie não se encontra em parte nenhuma
dos meus escritos e das minhas palavras. Com efeito, para provar que esse ser
existe na realidade, não é a mesma coisa argumentar dizendo “o ser maior que
todas as coisas” e “o ser do qual não se pode pensar nada maior”.
Se, pois, alguém afirmasse que “o ser do qual não se pode pensar nada maior”
não existe e que pode não existir e que pode não existir na realidade, seria
fácil refutá-lo. Efetivamente, aquilo que não existe pode não vir a existir; e
o que pode não existir pode ser pensado como não existente; porém, aquilo que
pode ser pensado como não existente – se existe – não é “o ser do qual não se
pode pensar nada maior”, que – se não existe, e viesse a existir – certamente
não seria “o ser do qual não se pode pensar nada maior”. Mas não se pode dizer
que “o ser do qual não se pode pensar nada maior”, se existe, não é “o ser do
qual não se pode pensar nada maior”, ou que, se viesse a existir, não seria “o
ser do qual não se pode pensar nada maior”. Está claro, pois, que ele não
apenas existe, mas que não pode não existir e que não pode ser pensado como não
existente; o contrário – se existe –, não é aquilo que se diz que é, e – se
viesse a existir –, não seria aquilo que se diz que seria [isto é, “o ser do
qual não se pode pensar nada maior”].
Não é fácil, entretanto, afirmar o mesmo acerca do “ser maior
que todas as coisas”. Com efeito, não é tão evidente que aquilo que é possível
ser pensado como não existente não é “o ser maior que todas as coisas”, como,
ao contrário, isto evidencia-se no caso do “ser do qual não se pode pensar nada
maior”. Nem é tão claro assim que “o ser maior que todas as coisas”, se existe,
ou viesse a existir, não seria senão “o ser do qual não se pode pensar algo maior”, como isto é certo no caso do
“ser do qual não se pode pensar nada maior”.
De fato, se alguém afirmasse que existe um ser maior que todos
os outros e acrescentasse que este admite, todavia, ser pensado como não
existente, e que é possível pensar algo – ainda que inexistente – maior do que
ele, acaso seria possível argumentar contra essa pessoa que, neste caso, não se
trata do “ser maior que todas as coisas existentes” com a mesma evidência e
clareza com que se argumentaria para “o ser do qual não se pode pensar nada
maior”? Como se vê, não basta argumentar na base do “ser maior que todas as
coisas”; é necessário usar outro argumento. Mas para “o ser do qual não se pode
pensar nada maior”, a dedução é clara e suficiente por si. Portanto, se não é
possível argumentar partindo do “ser maior que todas as coisas”, e, no entanto,
é possível fazê-lo sem recorrer a outros elementos, quando se trata do “ser do
qual não se pode pensar nada maior”, tu me redargüiste injustamente por ter
dito aquilo que, realmente, não disse, já que as minhas palavras são bastante
diferentes daquelas que me atribuíste.
Se, depois, fosse possível também argumentar na base do “ser
maior que todas as coisas”, não devias ter-me censurado porque afirmei uma
coisa que se pode demonstrar. E digo mais: quem conhece a força da argumentação
contida no “ser do qual não se pode pensar nada maior” compreende facilmente
que é possível também esta segunda argumentação. De fato, “o ser do qual não se
pode pensar nada maior” só pode ser entendido como o único maior entre todas as
coisas. Conseqüentemente, assim como “o ser do qual não se pode pensar nada
maior” é compreendido por nós e se encontra em nossa inteligência e, portanto,
a sua existência é real, assim “o ser maior que todas as coisas” é, igualmente,
compreendido pela nossa inteligência, encontra-se nela e, necessariamente,
existe pelo mesmo motivo.
Observa bem se tens razão de comparar-me àquele insensato que
acredita na existência da Ilha
Perdida, só porque ouviu e compreendeu as palavras de quem descreveu.
6. A respeito ainda daquilo que me objetas, que as coisas falsas
e duvidosas podem, também, ser compreendidas e encontrar-se na inteligência do
mesmo modo que “o ser do qual não se pode pensar nada maior”, admira-me que
possas ter pensado isso de mim, quando desejava apenas oferecer provas certas
sobre uma coisa problemática, e era suficiente, para mim, mostrar primeiro que
esse ser, superior a tudo, é compreendido pela inteligência e se encontra nela
de alguma maneira; e, depois, examinar se se encontra nela somente como as
coisas falsas ou, realmente, como as coisas verdadeiras.
Com efeito, se as coisas falsas e duvidosas são compreendidas
pela inteligência e se encontram nela porque, ao serem enunciadas, aquele que
as ouve compreende aquele que as fala, nada impede então que o ser enunciado
por mim seja compreendido pela inteligência e se encontre nela. Como, porém,
conciliar estas tuas asserções: que as coisas falsas, quaisquer que sejam,
quando alguém as enuncia diante de ti, tu as compreendes, e que, no entanto,
aquilo que não é pensado e não se encontra na inteligência, tal como as coisas
falsas, não é pensado e não se encontra na inteligência porque não se pode
pensá-lo nem compreendê-lo senão tendo ciência de que existe na realidade? Como
conciliar, repito, que as coisas falsas compreendem-se e que compreender é
saber com ciência que um determinado ser existe?
Não sou eu quem deve responder; a ti pertence resolver a
dificuldade.
Ainda. Se as coisas falsas são, de certa maneira, concebidas, e
esta definição vale para todas as inteligências, não devias repreender-me
porque afirmei que “o ser do qual não se pode pensar nada maior” é compreendido
e existe na inteligência antes ainda que se tenha certeza de sua existência na
realidade.
7. Ainda. Confesso que custo a acreditar que tu possas dizer que
é possível pensar como não existente esse ser, ao ouvi-lo enunciar, pelo fato
de que também Deus pode ser pensado não existir.
A isto poderiam responder, em meu lugar, até pessoas que possuem
um conhecimento mínimo da arte de disputar e argumentar.
Acaso é lógico que alguém negue aquilo que compreende, pelo fato
de que afirma existir o que, justamente, nega porque não o compreende? Mas se
se chega a negar o que é compreendido, de alguma maneira, identificando-o com
aquilo que não se compreende de maneira nenhuma, então não é mais fácil
demonstrar o que é duvidoso com referência a um objeto que existe em algumas
inteligências do que com referência a um objeto que não existe em nenhuma?
É incrível que alguém que compreende, de alguma maneira, “o ser
do qual não se pode pensar nada maior” o negue, quando ouve enunciá-lo, porque
nega a Deus, palavra cujo significado e conteúdo não consegue compreender de
maneira nenhuma.
Mas se se nega aquilo que não se compreende de maneira nenhuma,
então não continua sendo certo que é mais fácil demonstrar o que é compreendido
de alguma maneira do que aquilo que não conseguimos compreender de nenhuma?
Querendo demonstrar a existência de Deus a um insensato, não
raciocinei, portanto, erradamente ao usar o argumento do “ser do qual não se
pode pensar nada maior”, porque ele poderia compreender este ser, de alguma
maneira, enquanto não compreenderia de nenhuma maneira Deus.
8. Na verdade, a objeção com que te esforças tanto para
demonstrar-me que “o ser do qual não se pode pensar nada maior” não é como a
pintura antes de ser realizada na inteligência do artista, não resulta em nada.
Não citei, pois, o exemplo da pintura não realizada para
sustentar que assim era o ser do qual estava tratando, mas para exemplificar
que pode existir algo na inteligência, sem que, por isso, se
compreenda que existe na realidade.
Igualmente, quando dizes que – ao ouvi-lo enunciar – não
consegues pensar e ter na inteligência “o ser do qual não se pode pensar nada
maior” nem como uma coisa da qual conheces a espécie ou gênero, nem por meio de
outra semelhança a ele, é evidente que é tudo o contrário. Com efeito, como
todo bem, enquanto bem, parece-se com um bem maior, e como dos bens menores
remonta-se aos maiores, está claro para qualquer inteligência racional que
podemos remontar ao “ser do qual não se pode pensar nada maior”, partindo das
coisas acima das quais é possível pensar algo maior. De fato, quem, por
exemplo, não conseguiria pensar, ao menos, que – existindo um ser, ou bem, que
tem princípio e fim –, embora não acredite em sua existência real, melhor do que
ele é o bem que, se tem princípio, não tem fim? E que, melhor que este, é o bem
que não possui nem princípio nem fim, apesar de mudar, fluindo sempre do
passado para o futuro através do presente, e possa ou não possa existir? E que,
melhor ainda que este terceiro, é todavia aquele ser que, de maneira nenhuma,
precisa ou é obrigado a mudar ou alterar-se?
Ou será que não é possível imaginar um ser como o último? Ou,
quiçá, possa-se pensar algo ainda maior do que ele? Ou será que um ser como
este não se encontra entre aqueles dos quais é permitido conceber sempre algo
maior, até chegar ao “ser do qual não se pode pensar nada maior”? Há, portanto,
um elemento do qual é permitido remontar ao “ser do qual não se pode pensar
nada maior”.
É fácil confutar, pois, o insipiente que não admite a autoridade
das Sagradas Escrituras, caso negue poder-se chegar ao “ser do qual não se pode
pensar nada maior”, partindo de dados reais. Mas se, a negar isso, é um
católico, lembre-se, então, que “as coisas invisíveis de Deus, a sua virtude
eterna e a sua divindade podem ser compreendidas através do conhecimento das
coisas criadas do universo” [Rom. 1,20].
9. Mas, ainda que fosse certo que não é possível pensar e
compreender “o ser do qual não se pode pensar nada maior”, certamente não
seria, porém, falso que este mesmo ser pode ser pensado e compreendido.
Com efeito, assim como nada impede que se pronuncie a palavra inefável, apesar de não
podermos expressar o que se designa com inefável e, como é possível pensar uma coisa
enunciada como impensável,
embora esta qualificação convenha só a uma coisa que realmente não pode ser
pensada; assim, quando se diz: o
ser do qual não se pode pensar nada maior, não resta dúvida que esta
expressão pode ser pensada e compreendida, ainda que não possa ser pensado e
compreendido o ser do qual é impossível pensar algo maior. Portanto, supondo
que haja alguém tão estulto que negue a existência do “ser do qual não se pode
pensar nada maior”, ele, porém, não poderá chegar à impudência de sustentar que
não pensa e não compreende aquilo que está dizendo. Se houvesse alguém que
afirmasse coisa semelhante, deveríamos rechaçar não apenas as suas palavras,
mas também a ele pessoalmente.
Quem, pois, nega a existência do “ser do qual não se pode pensar
nada maior” compreende e pensa, sem dúvida, a negação que enuncia. E não pode
compreendê-la ou pensá-la sem os elementos que a compõem, um dos quais é “o ser
do qual não se pode pensar nada maior”. Assim, quem nega esse ser pensa e
compreende o sentido das palavras: não
se pode pensar nada maior.
É evidente, porém, que, de maneira semelhante, é possível pensar
e conceber aquilo que não pode não existir. Ora, quem pensa aquilo que não pode não existir concebe, na verdade, coisa
maior do que quem pensa aquilo que pode não existir. Conseqüentemente, quando
se pensa “o ser do qual não se pode pensar nada maior” e, ao mesmo tempo,
pensa-se que ele pode não existir, não está sendo pensado o ser do qual não se pode pensar
nada maior, porque é impossível pensar e não pensar ao mesmo tempo, uma
mesma coisa. Por isso, quem pensa “o ser do qual não se pode pensar nada maior”
não pensa um ser que pode não existir, mas o ser que não pode não existir. É necessário, portanto,
que o ser que ele pensa exista, porque tudo aquilo que pode não existir não é
aquilo que ele pensa.
10. Concluindo, julgo que no opúsculo citado mostrei, não com
provas fracas, mas com uma argumentação sólida e válida, que existe realmente
“o ser do qual não se pode pensar nada maior”. E não há nenhuma objeção que
possa debilitar a sua firmeza.
Ao contrário. É tão grande a força significativa que essa
expressão carrega dentro de si que, logo ao ser pronunciada, compreende-se e
pensa-se verdadeiramente “o ser do qual não se pode pensar nada maior”, e
deduz-se necessariamente a sua existência e obriga a crer que se trata de algo
referente à natureza divina. De fato, a respeito da substância divina, nós
cremos dever-lhe atribuir tudo aquilo que é absolutamente melhor ser do que não
ser, como, por exemplo, ser eterno do que não eterno, ser bom do que não ser
bom, ser, aliás, a própria bondade do que não sê-lo. Ora, o ser do qual não se pode pensar
nada maior não pode não ser
todas estas coisas.
É necessário, portando, concluir que, com a propriedade o ser do qual não se pode pensar
nada maior, alcançamos a essência divina.
Agradeço-te, por fim, pela tua benignidade, tanto ao repreender
como ao elogiar o meu opúsculo. E, como acolheste com tão grandes louvores as
partes que te pareceram dignas de consideração, é evidente que, ao criticar as
que julgaste fracas, o fizeste com espírito benevolente e não com malevolência.
Fonte: http://patristicabrasil.blogspot.com.br
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