“Todo o mundo tem direito a saber tudo”. Este é um slogan mentiroso para um século de mentira.
ALEXANDER SOLJENÍTSIN
A liberdade não se desviou subitamente para o mal. A evolução foi se fazendo progressivamente. Segundo parece, o ponto de partida foi a benévola concepção humanista segundo a qual o homem, senhor do mundo, não leva em si gérmen algum de maldade, e tudo o que de viciado aparece em nossa existência é simplesmente fruto de sistemas sociais errôneos que devem ser corrigidos. Olhai, há algo que é deveras estranho: o Ocidente, aonde as condições sociais são melhores, tem uma criminalidade indiscutivelmente elevada e nitidamente mais forte que a sociedade soviética, com toda sua miséria e sua ausência de leis...
A imprensa (emprego a palavra “imprensa” para designar todos os meios massivos de comunicação) goza, naturalmente, também ela, da maior liberdade. Mas como usa esta liberdade? Já o sabemos: guardando-se bem de transgredir os marcos jurídicos, mas sem nenhuma verdadeira responsabilidade moral, se falsifica os fatos e deforma as proporções. Por acaso o jornalista e seu jornal são verdadeiramente responsáveis diante de seus leitores ou diante da história? Quando, por exemplo, ao publicar uma informação falsa ou ao tirar conclusões errôneas, enganaram a opinião pública ou fizeram que o próprio Estado desse um passo em falso, por acaso os vimos reconhecer publicamente sua culpa? Não, evidentemente, porque isso iria contra a venda… Você pode apostar que agora, com renova altivez, escreverá o contrário do que afirmou antes.
A necessidade de dar uma informação imediata com firmeza obriga a preencher os espaços em branco com conjecturas, a fazer eco de rumores e suposições que logo não serão desmentidos e permanecerão, portanto, na memória dos leitores. Todos os dias, quantos juízos apressados, temerários, presunçosos e falazes, que obscurecem o cérebro dos ouvintes, e ali se fixam! A imprensa tem o poder de falsificar a opinião publica, e também de pervertê-la. Vemos assim como coroa aos terroristas com os audazes lauréis de Eróstrato, como revela assuntos secretos ainda quando pertencentes à defesa nacional, como viola impudicamente a vida privada das celebridades ao grito de: “Todo o mundo tem direito a saber tudo”. Este é um slogan mentiroso para um século de mentira. Porque acima deste direito há outro, hoje perdido: o direito que o homem tem a não saber, o direito a que não encham sua alma criada por Deus com fofocas, falatórios e futilidades. Aquele que verdadeiramente trabalha e cuja vida está bem ocupada, não precisa para nada desta onda superabundante de informações embrutecedoras.
A imprensa é o lugar privilegiado aonde se manifesta esta precipitação e esta superficialidade que são a enfermidade do século XX. Foi proibida de ir ao coração dos problemas; não está ai para isso, senão para oferecer formulas sensacionalistas.
E, com tudo isso, a imprensa se converteu na força mais poderosa dos Estados ocidentais, mais poderosa que os poderes executivo, legislativo e judiciário. Vejamos: em virtude de que lei foi escolhida e a quem presta conta de sua atividade? No Leste comunista, um jornalista é abertamente nomeado pelo Estado, como todo funcionário. Mas, que eleitores decidiram que os jornalistas ocidentais tenham uma posição tão preponderante? Por quanto tempo a ocupam e quais são seus poderes?
Acrescentemos por fim uma peculiaridade inesperada para um homem que vem do Leste totalitário, aonde a imprensa está estritamente unificada: se se toma em conjunto a imprensa ocidental, observamos como também nela as simpatias se dirigem em bloco para o mesmo lado (para onde sopra o vento do século), juízos afirmados dentro de certos limites aceitos por todos, talvez também interesses corporativos comuns. Tudo isto tem por resultado não a competência senão certa unificação. A liberdade sem freios é para a própria imprensa, não para os leitores: uma opinião só será apresentada com certo relevo e ressonância se não está em demasiada contradição com as ideias próprias do jornal e com essa tendência geral da imprensa.
O Ocidente, que não possui censura, opera, contudo, uma seleção minuciosa separando as ideias que estão em voga daquelas que não estão, e se é certo que estas últimas não padeçam de qualquer ilegalidade ou proibição, não podem expressar-se verdadeiramente nem na imprensa periódica, nem nos livros, nem no ensino universitário. O espírito de vossos investigadores é muito livre, juridicamente falando, mas está totalmente cercado pela moda. Sem que haja, como no Leste, violência aberta, está seleção feita pela moda, esta necessidade de conformar tudo à modelos standard impede que os pensadores mais originais aportem sua contribuição à vida pública e provoca a aparição de um perigoso espírito gregário que obstaculiza o verdadeiro progresso. Desde que estou nos Estados Unidos, recebi cartas de pessoas notavelmente inteligentes, como a que mandou o professor de um “college” perdido no fundo de uma província, cujas ideias poderiam ajudar muito a rejuvenescer e salvar seu país, mas que os Estados Unidos não podem ouvir porque os meios de comunicação se negam a interessar-se por ele. Assim é que os preconceitos vão se enraizando na multidão, assim é como um país vai ficando cego, enfermidade tão perigosa em nosso dinâmico século.
Olhai a ilusão que tem tanta gente que imagina compreender a atual situação do mundo. Essa ilusão forma ao redor de suas cabeças uma couraça tão dura que nenhuma das vozes que chegam dos dezessete países do Leste europeu e da Ásia Oriental consegue atravessá-lo, na espera de que o inevitável porrete dos acontecimentos o faça voar em pedaços.
Alexander SOLJENITSIN. El suicidio de Occidente, Ediciones Mikael, 1983.
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