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Santo Inácio de Loyola pisando o heresiarca rebelde, fundador da seita protestante nomeada de luterana - Igreja de São Nicolau em Praga - República Tcheca |
“Quando se despeja água
limpa e clara em uma vasilha suja, que cheira mal, ou quando se põe vinho em
uma pipa cujo interior está azedado por outro vinho que aí antes se depositara,
a água límpida e o vinho bom adquirem facilmente o mau cheiro e o azedume dos
recipientes”
Nossas melhores ações são ordinariamente manchadas e corrompidas
pelo fundo de maldade que há em nós. Quando se despeja água limpa e clara em
uma vasilha suja, que cheira mal, ou quando se põe vinho em uma pipa cujo
interior está azedado por outro vinho que aí antes se depositara, a água
límpida e o vinho bom adquirem facilmente o mau cheiro e o azedume dos
recipientes. Do mesmo modo, quando Deus põe no vaso de nossa alma, corrompido
pelo pecado original e pelo pecado atual, suas graças e orvalhos celestiais ou
o vinho delicioso de seu amor, estes dons divinos ficam ordinariamente
estragados ou manchados pelo mau germe e mau fundo que o pecado deixou em nós;
nossas ações, até as mais sublimes virtudes, disto se ressentem. É, portanto,
de grande importância, para adquirir a perfeição, que só se consegue pela união
com Jesus Cristo, despojar-nos de tudo que de mau existe em nós. Do contrário,
Nosso Senhor, que é infinitamente puro e odeia infinitamente a menor mancha na
alma, nos repelirá e de modo algum se unirá a nós.
Para despojar-nos de nós mesmos, é preciso conhecer primeiramente e bem, pela
luz do Espírito Santo, nosso fundo de maldade, nossa incapacidade para todo
bem, nossa fraqueza em todas as coisas, nossa inconstância em todo tempo, nossa
indignidade de toda graça e nossa iniquidade em todo lugar. O pecado de nossos
primeiros pais nos estragou completamente, nos azedou, inchou e corrompeu, como
o fermento azeda, incha e corrompe a massa em que é posto. Os pecados atuais
que cometemos, sejam mortais ou veniais, perdoados que estejam, aumentam em nós
a concupiscência, a fraqueza, a inconstância e a corrupção, deixando maus
traços em nossa alma.
Nosso
corpo é tão corrompido, que o Espírito Santo (Rom 6, 6; Sl 50, 7) o chama corpo
do pecado, concebido no pecado, nutrido no pecado, e só apto para o pecado,
corpo sujeito a mil e mil males, que se corrompe sempre mais cada dia, e que só
engendra a doença, os vermes, a corrupção.
Nossa
alma, unida ao corpo, tornou-se tão carnal, que é chamada carne: “Toda a carne
tinha corrompido o seu caminho” (Gn 6, 12). Toda a nossa herança é orgulho e
cegueira no espírito, endurecimento no coração, fraqueza e inconstância na alma,
concupiscência, paixões revoltadas e doenças no corpo. Somos, naturalmente,
mais orgulhosos que os pavões, mais apegados à terra que os sapos, mais feios
que os bodes, mais invejosos que as serpentes, mais glutões que os porcos, mais
coléricos que os tigres e mais preguiçosos que as tartarugas; mais fracos que
os caniços, e mais inconstantes do que um catavento. Tudo que temos em nosso
íntimo é nada e pecado, e só merecemos a ira de Deus e o inferno eterno.
Depois disto, por que admirar-se de ter Nosso Senhor dito que quem quisesse
segui-lo devia renunciar a si mesmo e odiar a própria alma; que aquele que
amasse sua alma a perderia e quem a odiasse se salvaria? (Jo 12, 25). A
Sabedoria infinita, que não dá ordens sem motivo, só ordena que nos odiemos porque
somos grandemente dignos de ódio: só Deus é digno de amor, enquanto nada há
mais digno de ódio do que nós.
Em segundo lugar, para despojar-nos de nós mesmos, é preciso que todos os dias
morramos para nós, isto é, importa renunciarmos às operações das faculdades da
alma e dos sentidos do corpo, precisamos ver como se não víssemos, ouvir como
se não ouvíssemos, servir-nos das coisas deste mundo como se não o fizéssemos
(cf. 1Cor 7, 29-31), o que São Paulo chama morrer todos os dias: “Quotidie morior” (1Cor 15, 31). “Se o
grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica só, e não produz fruto
apreciável: Nizi granum frumenti cadens
in terram mortuum fuerit, ipsum solum manet” (Jo 12, 24-25). Se não
morrermos a nós mesmos, e se as mais santas devoções não nos levarem a esta
morte necessária e fecunda, não produziremos fruto que valha, nossas devoções
serão inúteis, todas as nossas obras de justiça ficarão manchadas por nosso
amor-próprio e nossa própria vontade, e Deus abominará os maiores sacrifícios e
as melhores ações que possamos fazer. Na hora da nossa morte, teremos as mãos
vazias de virtudes e méritos, e não brilhará em nós a menor centelha do puro
amor, que só é comunicado às almas mortas a si mesmas, almas cuja vida está
oculta com Jesus Cristo em Deus (Col 3, 3).
Em terceiro lugar, é preciso escolher entre todas as devoções à Santíssima
Virgem, a que nos leva com mais certeza a este aniquilamento do próprio eu.
Esta será a devoção melhor e mais santificante, pois é mister reconhecer que
nem tudo que luz é ouro, nem tudo que é doce é mel, e nem tudo que é fácil de
fazer e praticar é o mais santificante. Do mesmo modo que a natureza tem
segredos para fazer em pouco tempo, sem muitos gastos e com facilidade, certas
operações naturais, há segredos, na ordem da graça, pelos quais se fazem, em
pouco tempo, com doçura e facilidade, operações sobrenaturais, como
despojar-nos de nós mesmos, encher-nos de Deus, e tornar-nos perfeitos.
A
prática que quero revelar é um desses segredos da graça, desconhecido da maior
parte dos cristãos, conhecidos de poucos devotos, praticado e apreciado por um
número bem diminuto. Antes de abordar esta prática, apresento uma quarta
verdade que é consequência da terceira.
São
Luís Maria Grignion de Monfort - Tratado
da Verdadeira Devoção À Santíssima Virgem
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