“Assim como o espinheiro está na mão do bêbado, assim está a parábola na boca dos ignorantes”
Orlando Fedeli
I –
Introdução
II –
A palavra de Deus exige elucidação, porque “a letra mata”
III – O
verbo ler na Sagrada Escritura
IV – Sentidos
das palavras e da Escritura
Tipos de palavras
Modos de empregar as palavras
Figuras de retórica
Gêneros literários
Sentido Histórico
Parábolas
Sentidos das Sagradas Escrituras
V – Conclusão
***
“A
glória de Deus está em encobrir a palavra,
e a glória dos Reis é investigar o discurso”
(Prov. XXV,2)
I – Introdução
Cada religião é conhecida por sua prática mais característica.
Assim, o Catolicismo tem na Missa seu ato essencial de culto a Deus. Os
espíritas têm como ação típica a invocação dos espíritos, para conhecer algo do
além, isto é, a necromancia, e os protestantes de todos os naipes são
conhecidos pela sua insistência na Bíblia, que eles leem e recomendam ler com
insistência, como se pela leitura se achasse a salvação.
O pressuposto desses protestantes – hoje, para
mascarar suas divisões, eles ocultam inicialmente o nome de sua seita, e se
dizem genérica e vagamente “evangélicos” – é que qualquer pessoa, por mais
desprovida de conhecimentos que seja, pode ler com fruto a Escritura, porque o
próprio Espírito Santo vai inspirar a ela o sentido verdadeiro do que está
escrito. A Bíblia seria, então, mais fácil de ser entendida do que um romance
de banca de jornal, ou que um gibi. Além disso, cada um poderia dar a
interpretação que desejasse, ou que julgasse ter entendido do texto sagrado. A
Sagrada Escritura não teria um significado objetivamente correto. Todas as
interpretações seriam sempre certas, ainda que fossem interpretações
contraditórias. É o que se chama de livre exame da Bíblia, princípio proclamado
por Lutero para destruir o poder do Papa.
O resultado desse livre exame da Escritura Sagrada
foi uma quase infinita multiplicação de seitas. Tal sistema instaurou uma
verdadeira Babel bíblica. Hoje, há milhares de seitas “evangélicas”, cada qual
dando uma interpretação diferente do texto sagrado, e todas se proclamando
verdadeiras.
No fundo, cada protestante é uma “igreja”, não
podendo, de fato, existir a Igreja de Cristo. O protestantismo se ergue contra
o poder infalível do Papa, e, para combatê-lo, proclama a infalibilidade
individual de cada “crente”.
Cada um deveria ler a Bíblia, e cada um teria um entendimento
diferente da Sagrada Escritura, negando-se, assim, que haja realmente um
sentido objetivamente verdadeiro e desejado por Deus. Nega-se, desse modo, que
haja “uma só fé”. Deus teria feito a Bíblia como uma “Obra Aberta”: ela teria
milhares de sentidos possíveis, todos possivelmente verdadeiros, mas nenhum
exclusivamente verdadeiro e único.
Daí o slogan protestante: “Leia a Bíblia”.
Ora, curioso é que a própria Bíblia não contenha
nenhum texto que diga: “Leia a Bíblia”. Isso é bem natural, porque ninguém pode
dar testemunho de si mesmo (Jo.V, 31). Nem nos dez mandamentos, dados por Deus
a Moisés, nem nas palavras de Cristo se acha a recomendação de que os cristãos
devessem ler a Bíblia.
Por que essa omissão? De onde, então, tiram os
protestantes, de todas as seitas e matizes, essa lei – ou recomendação – de que
todos devem ler a Sagrada Escritura?
Se fosse a leitura da Bíblia necessária para a
nossa salvação, certamente Nosso Senhor Jesus Cristo teria dito aos Apóstolos
que a lessem, e que ordenassem a todos sua leitura. Cristo teria ainda ordenado
que se distribuíssem Bíblias a todos. Nesse caso, Ele talvez tivesse dito: “Ide
e imprimi” em vez de “Ide, pois, e ensinai a todas as gentes…”
(Mt. XXVIII, 19). Ele não ordenou: “Leiam a Bíblia” e nem “Distribuam Bíblias a
todos os povos”. Nem mesmo afirmou: “Recomendem que todos os homens leiam a
Bíblia”.
E por que jamais disse isso? Evidentemente, os
livros – mesmo os sagrados – são escritos para serem lidos. Portanto, Deus fez
as Sagradas Escrituras para serem lidas. Mas lidas por quem? Por todos?
É claro que não. Se nem todos têm competência para
entender o que está nos livros comuns, e menos ainda nos livros especializados
e científicos, muito menos ainda terão para compreender os livros da Escritura
Sagrada, que são profundíssimos. Um leitor despreparado, ou sem conhecimento
conveniente, não vai entender o texto, ou vai entendê-lo erradamente, ficando
num estado pior do que o de ignorância. Porque pior que não saber, é entender
errado.
Por isso, Deus disse no Livro dos Provérbios:
“assim como um espinheiro está na mão de um bêbado, assim está a parábola na
boca do ignorante” (Prov. XXVI, 7).
Os livros sagrados devem, então, ser lidos só por
alguns? Por quem? Quem teria a missão de ler a Escritura e explicá-la aos
sábios e ao povo mais simples?
Antes de responder a essa questão, para efeito
didático, vejamos algumas citações que facilitarão a compreensão da resposta.
II – A palavra de Deus exige elucidação, porque “a
letra mata”
Das palavras dos Provérbios, que citamos em
epígrafe, se depreende que Deus “encobre” sua palavra. Encobre, isto é, em
latim “cela”, oculta, vela suas palavras. Ora, se Deus visa
salvar-nos por meio da Revelação, por que ocultar, encobrir o que Ele quer nos
comunicar?
Parece haver nisso uma contradição, porque o que se
quer conhecido não deve ser ocultado. Entretanto, Deus como que cobriu com um
véu suas palavras, envolvendo-as em mistério.
Também os Apóstolos ficaram intrigados pelo fato de
que Jesus só falava ao povo em parábolas e comparações, e perguntaram ao Divino
Mestre: “Por que razão lhes falas por meio de parábolas? Ele,
respondendo, disse-lhes: “Porque a vós é concedido conhecer os mistérios de
Reino dos céus, mas a eles não lhes é concedido. (…) Por isso lhes falo em
parábolas, porque, vendo, não veem, e ouvindo, não ouvem, nem entendem”. (
Mt, XIII, 10 e 13).
Cristo, Nosso Senhor e nosso Redentor, nos mostra
que a palavra de Deus, embora deva, em princípio, ser comunicada a todos, nem a
todos deve ser comunicada a qualquer hora. Alguns, por seus pecados e dureza de
coração, não devem recebê-la senão veladamente, pela parábola, para que não a
profanem, e nem lhes seja ela uma causa de acréscimo de culpa. Por isso,
também, é que Jesus nos disse:” Não deis aos cães o que é santo, nem lanceis
vossas pérolas aos porcos” (Mt, VII, 2).
Há, pois, pessoas que, por seus pecados, estão
reduzidas a tal estado, que a revelação, em vez de lhes fazer bem, lhes será
ocasião de novas culpas. Nesses casos – nos quais se prevê antes um desprezo
pelo que Deus revelou do que um acatamento pelo seu ensinamento – cabe muitas
vezes evitar comunicar o que é santo.
Portanto, nem a todos convém falar, a qualquer
hora, das coisas de Deus, nem dar-lhes nas mãos a Escritura Sagrada, quando é
previsível que irão debochar dela, ou deturpá-la. Quando se presume que isso
será o mais provável, deve-se salvar a pérola preciosa e não dá-la aos porcos.
Ou, pelo menos, esperar o tempo mais oportuno para falar. Por que…” há
tempo de calar e tempo de falar” (Ecles. III, 7).
Por essas razões, é que a sabedoria de Deus muitas
vezes encobre suas palavras. E a glória dos mestres autorizados consiste em
investigar o discurso de Deus, por meio da exegese de suas parábolas. O próprio
Cristo nos deu exemplo de como se deve fazer essa investigação, ao explicar aos
Apóstolos a parábola do semeador (Mt. XIII, 18-23).
A Sagrada Escritura foi, pois, dada para ser lida especialmente
por alguns que tenham autoridade ou sabedoria, e que, depois, devem ensiná-la
ao povo mais simples, que a deve ouvir.
Por isso, está dito no Eclesiástico: “O sábio
investigará a sabedoria de todos os antigos, e fará o seu estudo nos profetas.
Conservará no seu coração as instruções dos homens célebres, e penetrará também
nas subtilezas das parábolas. Indagará o sentido oculto dos provérbios, e
ocupar-se-á dos enigmas das parábolas (Sir.XXXIX, 1-3).
Não assim os iniciantes, não assim… Pois que está
dito por Deus: “Eles [os operários, que fazem trabalhos com as
mãos] não se assentarão na cadeira do juiz, e não entenderão as leis da
justiça; não ensinarão as regras da moral nem do direito, e não se acharão
ocupados na inteligência das parábolas” ( Sir. XXXVIII, 38).
Para os protestantes – sempre igualitários – todos
os homens são suficientemente sábios para ler e,
principalmente, para interpretar a Escritura, indo, assim, contra o que diz a
própria Escritura Sagrada.
Mas Jeremias os contesta dizendo: “Como dizeis vós:
Somos sábios, e a lei do Senhor está conosco? Verdadeiramente o estilete
mentiroso dos escribas gravou a mentira. Os sábios estão confundidos, aterrados
e presos, porque rejeitaram a palavra do Senhor e nenhuma sabedoria há neles”
(Jer. VIII, 8).
Voltaremos a esse verso misterioso sobre o estilete
mentiroso dos escribas que gravou a mentira… .
Dissemos que a investigação da palavra de Deus
exige uma certa sabedoria e uma certa autorização, e isso é dito também por São
Paulo, ao prevenir que “a letra mata”: “Deus nos fez idôneos ministros
do Novo Testamento, não pela letra, mas pelo espírito, porque a letra
mata, mas o espírito vivifica”(II Cor. III, 6).
Portanto, é a própria Bíblia que nos previne
que “a letra mata”.
Entretanto, os protestantes leem essa palavra e
confiam na letra.
Não compreendendo que “a letra mata”, os
que se dizem hoje “evangélicos” passam por cima de outro texto de São Paulo que
nos ensina: “Por isso Isaías diz: ‘Senhor, quem creu em
nossa pregação?’ (Is. LIII,1 e LII, 7) “Logo, a Fé é
pelo ouvido, e o ouvido pela palavra de Cristo” (Rom. X, 16-17).
São Paulo deduz dos termos usados por Isaías
– Diz e Pregação – que a Fé vem pelo
ouvido e não pela leitura, embora Isaías tivesse escrito
suas palavras, e não dito, ou pronunciado. O livro de Isaías devia, então, ser
ouvido pelo povo judeu, isto é, explicado por alguém idôneo, e não simplesmente
ser lido por todos.
Essa explicação é confirmada noutro passo das
Escrituras Sagradas, exatamente tratando da leitura de Isaías, nos Atos dos
Apóstolos, quando o Diácono Felipe é enviado por Deus a falar com
o eunuco da Rainha de Candace que, em viagem, lia a Sagrada Escritura: “Correndo
Felipe, ouviu que lia o Profeta Isaías e disse: ‘Compreendes o que lês? ’ Ele
disse: ‘Como o poderei (eu compreender) se não houver alguém que me
explique?” (At. VIII, 30-31).
Portanto, é a própria Bíblia quem nos diz que não é
possível compreendê-la, se não houver alguém que a explique!
A Religião verdadeira tem por princípio o Verbo de
Deus, isto é, a Palavra de Deus: “No princípio era o Verbo” (Jo. I, 1).
Se, no plano divino, o princípio está no Verbo, no plano humano, o princípio da
Fé é pelo ouvido, porque “a Fé vem pelo ouvido” (Rom. X,
16-17), e não pelo olho que lê. Pelo olho, vem a “letra que mata” (II
Cor. III,6).
Por todas essas razões, Cristo Nosso Senhor não
mandou ler a Bíblia, e sim ouvir o que Ele revelou na Bíblia, repetindo cinco
vezes, no Sermão da Montanha, o verbo ouvir e não o verbo ler: “Ouvistes o
que foi dito aos antigos: ‘Não matarás …’” (Mt. V, 21).
Ora, isso não “foi dito aos antigos”. Foi escrito.
Apesar de isso ter sido escrito e não dito, Jesus
Cristo, ao citar o livro de Moisés, diz ao povo: “Ouvistes” e
não “lestes”. E diz “ouvistes”, porque normalmente o povo judeu
ouvia a leitura da Escritura nas Sinagogas, onde era lida pelos Mestres: os
Rabis e Doutores da Lei.
Por cinco vezes, no Sermão da Montanha, Cristo
emprega a expressão “Ouvistes o que foi dito aos antigos”, em vez
de “lestes”, embora se referisse a um texto escrito (Cfr. Mt V, 21,
27, 33, 38 e 43). Essa insistência no uso do verbo ouvir e não do verbo ler é
significativa. Devemos ouvir, mais do que ler a palavra de Deus, porque a Fé
vem pelo ouvido, enquanto a letra mata. Cabe aos mestres idôneos e autorizados
ler e explicar ao povo o que está escrito. E esse foi também o exemplo deixado
por Jesus Cristo que, quando ia à Sinagoga, tomava o Rolo das Escrituras, lia
um trecho e o explicava ao povo, que ouvia e não lia: “Foi a Nazaré,
onde se tinha criado, e entrou na Sinagoga, segundo o seu costume, em dia de
sábado e levantou-se para fazer a leitura. Foi-lhe dado o livro do profeta
Isaías…” (Luc. IV 16-17).
O costume dos judeus era ir ouvir a leitura e a
explicação das Escrituras na Sinagoga, aos sábados.
Repetidamente, na Sagrada Escritura, Cristo diz que
se deve ouvir a palavra de Deus. Praticamente Ele não usa o
verbo ler. Só uma vez, no Apocalipse, aparece o verbo ler,
mas imediatamente seguido do verbo ouvir: “Bem aventurado
aquele que lê e aquele que ouve as palavras
dessa profecia, e observa as coisas que nela estão escritas,
porque o tempo está próximo” (Apoc. I, 3).
E por que teria sido usado aí, no Apocalipse, o
verbo ler?
Julgamos que, sendo o Apocalipse um livro
profético, o mais misterioso da Sagrada Escritura, Cristo usa nele o verbo ler
imediatamente seguido do verbo ouvir, porque seria extremamente
difícil captar e meditar as palavras desse livro apenas ouvindo. Cristo
acrescenta ainda o verbo observar ao ler, porque
não basta ler e ouvir se não se observar, isto é, se
não se puser em prática o que se leu ou ouviu. Esse excepcional uso do
verbo ler na Escritura não muda, porém, a regra geral com
relação à importância e preponderância única do verbo ouvir.
Aliás, para confirmar o que dissemos note-se que o
verbo ouvir aparece sistematicamente no final de cada carta do Apocalipse. Sete
vezes ali se utiliza a fórmula final: “Aquele que tem ouvidos, ouça o
que o Espírito diz às igrejas” (Apoc. II, 7; II, 11; II, 17; II, 29;
III, 6; III, 11; III, 22).
Embora seja cansativo multiplicar as citações, é
preciso repeti-las aos protestantes, pois não se está tratando com bons
entendedores, para os quais meia palavra basta. Está se tratando com maus
leitores, para os quais muitas letras não são suficientes.
Vejamos, então, uma primeira citação dos
Evangelhos: “Todo aquele que ouve minha palavra e crê
naquele que me enviou, tem a vida eterna.” (Jo. V,24).
Note-se: tem a vida eterna quem ouve,
não quem lê. Porque que não adianta ler, se não houver quem
explique (Cfr At. VIII, 30-31).
E mais: “Todo aquele, pois, que ouve essas
minhas palavras, e as observa, será semelhante ao homem prudente que edificou
sua casa sobre a rocha” (Mt. VII, 24).
Notem-se três coisas:
1) O uso do verbo ouvir e não do
verbo ler, que seria o preferido pelos “evangélicos”;
2) Não basta ouvir. É preciso ainda observar as
palavras de Deus. Não basta, então, a Fé. São necessárias as obras, pelas quais
se observa a palavra de Deus;
3) Quem ouve e observa as palavras de Cristo
constrói sua casa sabiamente sobre a rocha, sobre a pedra, isto é,
sobre Pedro.
E assim como Cristo não ordenou aos Apóstolos: “Ide
e imprimi e distribuí Bíblias”, assim também não disse: “Quem vos lê, a Mim
lê”. Pelo contrário, Cristo disse: “Quem vos ouve, a
Mim ouve” (Lc. X, 16).
Não se pense que no Antigo Testamento fosse
diferente, pois que no Livro da Sabedoria se pode encontrar a seguinte
regra: “Qui audet me, non confundetur” “Aquele que
me ouve, não será confundido” (Sir. XIV, 30).
No Livro do Eclesiástico (Sirac) também se pode ter
a confirmação do que dizemos: “Se inclinares teu ouvido,
receberás a doutrina, e se amas escutar, serás sábio” (Sir.
VI, 34).
Conclui-se, então, que é também pelo ouvido –
e não pela vista e pela leitura da letra – que se adquire a sabedoria. Pois, se
a Fé vem pelo ouvido, como poderia a Sabedoria vir pela vista e pela leitura?
E como poderia ser de outro modo, se Cristo é essa
mesma Sabedoria feita Homem?
Os protestantes gostam de se referir ao texto em
que Cristo fala de seus “irmãos”, isto é, de seus parentes, dizendo: “Minha
mãe e meus irmãos são aqueles que ouvem a palavra de Deus, e a praticam” (Jo.
VIII,21); e eles interpretam literalmente a palavra “irmãos” desse texto,
dizendo que Cristo teve, então, irmãos carnais. Deveriam também interpretar
literalmente o resto da frase, concluindo que eles (os protestantes) não são
“irmãos” de Jesus, porque eles não ouvem, mas leem as
palavras de Cristo.
Noutra ocasião disse Nosso Senhor: “Bem
aventurados os que ouvem a palavra de Deus e a põem em
prática” (Lc. XI,28).
Ao contar a parábola do semeador, Cristo conclui
solenemente dizendo: “E dizia: ‘Quem tem ouvidos para ouvir, ouça” (Mc.
IV, 9).
Aliás, nessa parábola do semeador, no Evangelho de
São Mateus, Cristo utiliza cinco vezes o verbo ouvir, e nenhuma vez
o verbo ler. Se Ele quisesse que fizéssemos o que fazem os
protestantes com a Bíblia, Ele bem facilmente poderia ter usado aí, pelo menos
uma vez, o verbo ler. Não usou, para que – exatamente – não
caíssemos no erro luterano de que é obrigatório ler a Bíblia para que nos
salvemos (Cfr Mt. XIII, 18, 19, 20, 22, 23).
Repetidamente, Cristo adverte aos judeus e a nós,
dizendo: “Se alguém tem ouvidos para ouvir,
ouça” (Mc. IV, 23).
Também São Paulo prefere o verbo ouvir ao verbo ler
– e poderia São Paulo ter uma preferência diferente daquela de Cristo? – pois
diz na I epístola a Timóteo: “… e fazendo isso, te salvarás a ti mesmo
e àqueles que te ouvirem” (I Tim. IV 23).
Já São João nos diz: “Quem conhece a Deus,
nos ouve, quem não é de Deus, não nos ouve. Nisso
distinguireis o espírito da verdade e o espírito do erro” (I Jo. IV,6).
Claríssimo, pois. Para distinguir quem busca a
verdade daquele que busca o erro, aí está a regra: quem tem o espírito do erro
não quer ouvir! Mas o protestante só quer ler.
Deus ordenou a Jeremias, o Profeta, que clamasse:
“Anunciai isso à casa de Jacó, e fazei-o ouvir em Judá,
dizendo: Ouve, povo insensato, que não tens coração; vós que
tendes olhos, não vedes; tendes ouvidos, não ouvis”
(Jer. V, 20-21). Isso se aplica tão perfeitamente aos hereges que parece até
ter sido dito diretamente para os que se dizem “evangélicos”, que leem mas
não entendem, e que se recusam a ouvir.
O livro de Jó expõe a mesma doutrina: “Eis que tudo
isso não é senão uma parte de suas obras, e, se apenas temos ouvido um
ligeiro murmúrio de sua voz, quem poderá compreender o trovão de sua grandeza”
(Job. XXVI, 14).
Se as obras da criação são para nós, agora, como
que um murmúrio da voz de Deus, que nos fala através delas – murmúrio, porque
na criação material vemos apenas vestígios de Deus, e nelas vemos a Deus
longinquamente – como poderemos compreender por nós mesmos – sem a orientação
da autoridade posta por Cristo, Pedro, aquele que tem as chaves do reino dos
Céus – como poderemos entender o trovão da voz de Deus na Sagrada Escritura?
III – O verbo ler na Sagrada Escritura
Vimos que, excepcionalmente, aparece na Sagrada
Escritura o verbo ler junto com uma recomendação laudatória no
Apocalipse (I, 3). Mas que, mesmo aí, esse verbo é imediatamente seguido do
verbo ouvir e do verbo observar.
Também noutras vezes em que é usado o verbo ler,
sempre ele é seguido de alguma observação restritiva.
Vimos a passagem muito notável dos Atos dos
Apóstolos (VIII, 30 -31), na qual se observa que não adianta ler,
se não houver quem explique o texto.
Quando os Reis magos foram até Herodes perguntar
onde nascera o Rei dos judeus, ele consultou os Príncipes dos Sacerdotes e os
Escribas sobre a questão. Estes disseram que “Estava escrito” (Mt, II,
5) que era em Belém. Os Príncipes dos sacerdotes e os Escribas sabiam bem o que
estava escrito: que era em Belém que nasceria o Messias. Mas não se abalaram
para ir até lá. Os magos, que não leram, foram adorar o Redentor em
Belém. Os escribas não foram porque não adianta ler sem
compreender.
Quando Cristo Deus entrou triunfante em Jerusalém
as crianças o aclamaram, o que desgostou aos fariseus, que exigiram dele que
fizesse calar as crianças. E Cristo, então, lhes disse, repreendendo-os: “Nunca lestes:
da boca das crianças e dos meninos de peito fizestes sair um perfeito louvor?” (Mt.
XXI, 16).
Com essas palavras Cristo lhes mostrava que, embora
tendo lido a Sagrada Escritura, isso de nada lhes tinha
valido, pois eles não inclinavam seu ouvido à Sabedoria.
São Paulo, repreendendo os Gálatas por se aterem às
práticas da lei judaica, lhes diz: “Dizei-me, vós, os que quereis estar debaixo
da lei, não lestes a lei?” (Gál. IV, 21). E, a seguir, lhes
demonstra que eles não haviam entendido as Escrituras.
A crítica aos que entendiam mal a Escritura é
repetida várias vezes nos Evangelhos, sempre utilizando a expressão “Não lestes”.
Assim, São Mateus nos conta que Jesus, respondendo
aos fariseus que criticavam os discípulos de Jesus por colher espigas no sábado
– o que era proibido pela letra da lei – disse-lhes: “Não lestes o
que fez Davi quando teve fome, e ele e os que com ele iam?” (Mt. XII,
3). “Não lestes na lei que aos sábados os sacerdotes no
templo violam o sábado e ficam sem culpa?” (Mt. XII, 5).
Contradizendo a leitura dos
fariseus sobre o direito de repúdio da mulher, Cristo lhes
disse: “Não lestes que quem criou o homem no princípio,
criou-os homem e mulher…” (Mt. XIX, 4).”Jesus disse-lhes: ‘Nunca lestes nas
escrituras: “A pedra que fora rejeitada, pelos que edificavam, tornou-se a
pedra angular (…)?”
Em todos esses textos, o verbo ler é
empregado contra os fariseus, mostrando que a simples leitura da
Bíblia não lhes foi levada em mérito e sim em agravamento de culpa.
Portanto, não basta ler a Bíblia.
Quando Cristo se refere à profecia de Daniel de que
um dia a “abominação da desolação” seria “posta no lugar santo”, Ele previne:
“Quem lê, entenda” (Mt, XXIV, 15). Esse “entenda” imediatamente
depois do verbo ler, mostra que não adiantava ler sem
entender. Quantos, hoje, que nem entendem um simples artigo de jornal, pretendem
entender a Sagrada Escritura! Mal leem e pior entendem!
Noutra ocasião, quando um Doutor da Lei veio
consultar a Jesus sobre o que deveria fazer para alcançar a vida eterna, Cristo
lhe perguntou: “O que está escrito na Lei? E como lês tu?”
(Lc. X, 26).
A interrogação “como lês tu?”
mostra que a leitura depende da compreensão. Portanto, a simples leitura da
Bíblia não é suficiente. Para alcançar a vida eterna duas coisas são
necessárias: compreender a Revelação e fazer o que se compreendeu que Deus
exige de nós. Portanto, só ler não adianta.
Os saduceus e fariseus – tais quais os
protestantes, hoje – liam as escrituras e isso de nada lhes adiantou. Pelo
contrário, aumentou-lhes a culpa.
Aos saduceus que vieram questionar Cristo sobre a
ressurreição, citando o texto da lei do sororato, Cristo respondeu: “Errais não
compreendendo as escrituras, nem o poder de Deus” (Mt. XXII, 29).
Em seguida, disse Jesus a esses mesmos saduceus: “E
acerca da ressurreição dos mortos, não tendes lido o que
Deus disse, falando convosco: Eu sou o Deus de Abraão, de
Isaac e de Jacó. Ora, Ele não é Deus dos mortos, mas dos vivos” (Mt XXII, 31).
Porque o texto estava no livro sagrado, Cristo
deveria ter dito que Deus havia escrito. Em vez disso, Ele usa os
verbos dizer e falar e não escrever. De
novo, fica claro que ler só, não adianta: é preciso bem
entender.
Os grandes leitores da Bíblia no tempo de Jesus
eram os fariseus. Como os protestantes, hoje, eles eram capazes de citar
capítulos e versículos dos livros sagrados que eles sabiam de memória, sem
jamais bem compreender o que haviam decorado. Foram os fariseus leitores da
Bíblia que não viram a luz e mataram o Filho de Deus. Diante da luz da verdade,
eles não viram a luz. Eles foram “cegos ao meio dia” (Deut. XXVIII, 29). Por
isso, Jesus os chamou de “cegos” (Mt XV, 14) e “guias de cegos” (Mt. XXIII,
16).
Foi acerca dos fariseus, leitores e
mestres da Bíblia, que profetizou Isaías, dizendo: “Surdos, ouvi, e vós, cegos,
abri os olhos para ver. Quem é cego, senão o meu servo (Israel)? E quem é
surdo, senão aquele a quem enviei os meus profetas? Quem é cego como o dileto,
e surdo como o servo do Senhor? Tu, que vês tantas coisas, não as observarás?
Tu, que tens os ouvidos abertos, não ouvirás?” (Is. XLII 18-20). Repare-se que,
nesse texto, Deus não repreende os judeus por não lerem a
Bíblia. Ler, eles liam. O mal é que não entendiam.
Eram leitores cegos. Como tantos outros, hoje. “Estultos e
cegos” (Mt. XXIII, 17).
Como castigo do orgulho com que os judeus liam os
livros sagrados, sem quererem ouvir a palavra de Deus, a
própria Sagrada Escritura diz: “Porque o Senhor espalhou sobre vós um espírito
de adormecimento, ele fechará os vossos olhos, cobrirá (com um véu) os vossos
profetas e príncipes, que têm visões. A visão de todos eles será para vós como
as palavras de um livro selado, que, quando o derem a um homem que sabe ler,
e lhes digam: ‘Lê esse livro’, ele responde: ‘Não posso, porque
está selado’. Dar-se-á a um homem que não sabe ler e se dirá:
‘Lê ‘; ele responderá: ‘Não sei ler” (Is. XXIX,
10-13).
Desse texto se deduz que não adianta querer ler um
livro selado. Ora, a Escritura é um livro selado, e suas chaves foram dadas a
Pedro. Quem não tem as chaves não pode abrir esse livro. E quem pretende
saber lê-lo sem ter as chaves ou sem saber ler, está
fazendo isso com o véu do adormecimento e da ilusão sobre os olhos.
Um homem que saiba ler deve ter a
humildade de não pretender fazer isso sem a autorização e a aprovação daquele
que tem as chaves. Só se deve ler a Bíblia com espírito de humildade, aceitando
o que o Papa ligou e desligou a respeito do texto sagrado.
Os fariseus – como os protestantes, hoje – eram
desses pretensiosos que julgavam saber ler, e por isso Deus os
castigou com a cegueira de seu próprio orgulho, pois que davam importância à
letra da Escritura, letra que mata, julgando estar em sua leitura a
salvação. Por isso, Nosso Senhor Jesus Cristo os advertiu, argumentando contra
eles: “Examinai as Escrituras, visto que julgais ter nelas a vida
eterna; elas são as que dão testemunho de Mim; e não quereis vir a Mim,
para terdes vida. (…) Moisés, em quem vós confiais, é que vos
acusa. Porque se vós crêsseis em Moisés, certamente creríeis em Mim; porque ele
escreveu de Mim. Porém, se vós não dais crédito aos seus escritos,
como haveis de dar crédito às minhas palavras?” (Jo. V, 39-40 e 45 a 47).
Essas frases de Jesus Cristo são extremamente
importantes para o tema que estamos analisando, e nelas sublinhamos as palavras
decisivas.
Em primeiro lugar, Cristo argumenta contra os
fariseus dizendo que eles acreditavam – como os protestantes, hoje – que das
Escrituras é que eles obteriam a vida eterna. Ora, a vida eterna só se obtém
por meio de Cristo, e não da “letra que mata” (II Cor. III,
6). Não é lendo a Bíblia que se alcança a vida eterna.
Em segundo lugar, note-se que Cristo, argumentando
ad hominem, diz: já que vós, fariseus, dizeis crer nas Escrituras, examinai-as
e nelas vereis que elas falam de Mim.
Finalmente, repare-se que Cristo diz que os
fariseus confiavam em Moisés, mas não davam crédito a seus escritos.
Portanto, é possível ler a Escritura sem crer nela.
Pois é assim também que fazem os protestantes de ontem e de hoje: dizem confiar
na Bíblia, mas recusam crer no que ela ensina.
Para forçar a Sagrada Escritura a concordar com
eles, os fariseus deturpavam o que ela dizia, acusando Cristo de violar a Lei.
O mesmo fizeram, depois, os primeiros hereges e a mesma coisa fazem hoje; e
farão no futuro, os hereges de amanhã. Por isso São Pedro escreveu, dos que
leem a Bíblia forçando interpretações falsas: “(…) os indoutos e inconstantes
adulteram [as palavras de São Paulo] (como também as outras Escrituras) para a
sua própria perdição” (II Pe. III,16).
Que os rabinos dos judeus liam as
Escrituras nas Sinagogas e não as entendiam, porque não davam crédito a seu
significado e sim apenas à letra, está registrado em várias passagens da
Bíblia. Assim: “Porque os habitantes de Jerusalém e os seus chefes, não
conhecendo esse [Cristo] nem as vozes dos Profetas, que cada sábado leem,
condenando – O, as cumpriram” (At. XIII, 27).
Portanto, os rabinos judeus liam as
escrituras mas não as entenderam, pois não reconheceram a Cristo Redentor. O
próprio Moisés, a quem os rabinos judeus diziam seguir e do qual liam com
cuidado os textos, até contando as letras – as letras que matam – profetizou
sobre eles ao dizer: “Eis que os filhos de Israel não me ouvem (Ex.
VI, 12).
Isso é confirmado noutra passagem que diz
praticamente a mesma coisa: “Porque Moisés, desde tempos antigos, tem em cada
cidade homens que pregam nas sinagogas, onde é lido todos os sábados” (At. XV,
21). Era lido e não era acreditado. Que adiantava, então, aos
rabinos e judeus lerem a Bíblia nas suas sinagogas? Que
adianta aos hereges lerem as letras da Escritura, se não as
entendem, e por isso morrem, mortos pela letra?
As Escrituras Sagradas eram lidas por
autoridades idôneas, muitas vezes estabelecidas diretamente por Deus, as quais
o povo devia ouvir, atendendo ao que era lido e explanado. Isso
pode ser confirmado por inúmeros textos da Bíblia. Citaremos, com risco de
sermos monótonos, alguns deles.
Em primeiro lugar, cabia aos sacerdotes e
anciãos ler a lei, para ensiná-la ao povo, que devia ouvir e
não ler: “Escreveu, pois, Moisés, esta lei, e a entregou aos
sacerdotes filhos de Levi, que levavam a arca da Aliança do Senhor, e a todos
os anciãos de Israel. E ordenou-lhes, dizendo: “todos os sete anos, no ano da
remissão, na solenidade dos tabernáculos, quando todos os filhos de Israel se
juntarem para aparecer diante do Senhor, teu Deus, no lugar que o Senhor tiver
escolhido, lerás as palavras desta lei diante de todo o povo,
o qual OUVIRÁ, estando congregado todo o povo num mesmo lugar,
tanto homens como mulheres, meninos e estrangeiros, que estão dentro de tuas
portas, para que, OUVINDO, aprendam e temam o Senhor vosso Deus, e
guardem e cumpram todas as palavras desta lei; e para que também seus filhos,
que agora ignoram, as possam ouvir, e temam o Senhor seu Deus
durante todos os dias que viverem na terra, da qual, passado o Jordão, ides
tomar posse” (Deut. XXXI, 9 – 13).
A passagem é claríssima. Não é o povo que
deve ler. O povo comum deve ouvir. É o contrário
do que querem os hereges protestantes: querem eles mesmos ler,
embora não sejam idôneos nem capazes.
No mesmo livro do Deuteronômio, há outra passagem
que dá direito e obrigação também ao Rei, para ler a
Escritura: “Depois que [o Rei] se tiver sentado no trono de seu reino,
escreverá para si num livro o Deuteronômio desta lei, recebendo o exemplar dos
sacerdotes, da tribo de Levi. Te-lo-á consigo e o lerá todos
os dias da sua vida, para que aprenda a temer o Senhor, seu Deus, e a guardar
as suas palavras e cerimônias que estão prescritas na lei” (Deut. XVII, 18-19).
O rei – e não qualquer um – tem direito e obrigação
de ler a lei, depois de recebê-la dos sacerdotes.
Já no Exôdo, Moisés fez o mesmo: leu a
lei para o povo que ouvia: “E tomando o livro da
Aliança [Moisés] o leu na presença do povo, o qual disse:
‘Faremos tudo o que o Senhor disse [e não escreveu]
e seremos obedientes (Ex. XXIV, 7).
Josué, quando recebeu a autoridade sobre o povo,
seguiu o mesmo costume: ele lia a lei. O povo a ouvia:
“E primeiramente Josué abençoou o povo de Israel. Depois disso, leu todas
as palavras da benção e da maldição e tudo o que estava escrito no livro da
lei” (Jos. VIII, 34). Josué leu porque era a autoridade
idônea. O povo apenas ouviu.
Quando foi encontrado o livro da lei, no tempo do
Rei Josias, ele reuniu o povo na casa do Senhor, “e, estando eles [membros do
povo] a ouvir na casa do Senhor, o Rei leu todas
as palavras do livro” (II Cr. XXXIV, 30).
Que era direito e dever dos Reis e Sacerdotes ler a
lei ao povo que ouvia, se constata na manutenção desse costume
através dos tempos. Também Esdras agiu assim: “O Sacerdote Esdras levou, pois,
a lei para diante da multidão dos homens e das mulheres. e de todos os que a
podiam entender, no primeiro dia do sétimo mês. Leu naquele
livro claramente, no meio da praça que fica diante da porta das águas, desde
manhã até o meio dia, na presença dos homens, das mulheres e dos sábios. Todo o
povo tinha os ouvidos atentos” (II Esd. VIII, 2-3).
No Eclesiástico (Sabedoria de Sirac) se pode
encontrar a seguinte lição: “Inclina o teu ouvido e recebe a
palavra da Sabedoria” (Sir. II 2). E ainda: “Se me ouvires,
receberás a instrução, e se fores amigo de ouvir serás sábio” (Sir. VI, 34). E
mais: “Apliquei um pouco o meu ouvido e logo a recebi [a
sabedoria]” (Sir. LI, 21).
Não é, portanto, a mera leitura da Bíblia que traz
a sabedoria.
Isaías não ensina diferentemente: “O Senhor deu-me
uma língua erudita, para eu saber sustentar com a palavra o que está cansado;
Ele me chama pela manhã, pela manhã chama aos meus ouvidos, para
que eu o ouça como a um mestre” (Is. L, 4-5). “Ouvi-me
com atenção, e comei o bom alimento e a vossa alma se deleitará com manjares
substanciosos. Inclinai o vosso ouvido e vinde a mim. Ouvi e
vossa alma viverá” (Is. LV, 2-3).
Repetimos: não está dito: “Lede e vossa
alma viverá”. E sim: “Ouvi e vossa alma viverá”.
Para o profeta Jeremias, Deus disse: “Vai e grita aos ouvidos de
Jerusalém” (Jer. II,2). Deus não mandou que Jeremias mandasse o povo ler a
profecia, nem que pusesse diante dos olhos a letra que mata, mas
que gritasse aos ouvidos do povo a sua palavra.
Por isso, logo depois, Jeremias recomenda: “Ouvi as palavras do
Senhor” (Jer. II, 4).
E ainda em outra passagem, Deus reitera ao profeta:
“E o Senhor me disse: Prega em alta voz todas
estas palavras, nas cidades de Judá e fora de Jerusalém, dizendo: ‘Ouvi as
palavras desta aliança e observai-as’. Ouvi a minha voz”. “E
não a ouviram, nem prestaram ouvidos, mas cada um
seguiu a depravação do seu coração maligno. E o Senhor me disse:
‘Uma conjuração se descobriu entre os varões de Judá e entre os moradores de
Jerusalém. Tornaram às suas antigas maldades de seus pais, que não
quiseram ouvir as minhas palavras” ( Jer. XI, 6-9).
E mais: “Porém, não ouviram, nem
inclinaram o seu ouvido, mas endureceram a sua cerviz, para não
me ouvirem, nem receberem a instrução. Apesar disso, se me ouvirdes…”
(Jer. XVII, 23-24). “… e vossos pais não me ouviram, nem inclinaram
o seu ouvido ( Jer. XXXIV,14). “Não ouviram, nem
inclinaram o seu ouvido para se converterem de suas maldades e
para não sacrificarem a deuses estranhos” (Jer. XLIV, 5).
Nos Atos dos Apóstolos está dito: “Vai a esse povo
e dize-lhes: ‘Com o ouvido ouvireis e não
entendereis, e, vendo, vereis e não distinguireis. Porque o coração desse povo
tornou-se insensível, e são duros dos ouvidos, e fecharam os seus
olhos para que não vejam com os olhos, e ouçam com os ouvidos e
entendam com o coração, e se convertam, e Eu os sare” (Atos, XXVIII, 26-28).
Como o protestante lê que “O ouvido do
sábio busca a doutrina” (Prov. XVIII, 15), e continua apenas lendo?
E como continua apenas lendo, se está
dito que “o ouvido virtuoso ouvirá a
Sabedoria” (Sir. III, 31), e não que “lerá” a sabedoria?
Dirão: “Esses são livros que não aceitamos como
inspirados”. Confessarão, assim, que são eles que determinam o que foi inspirado
ou não; que é sua opinião que vale, e não o que ensina a Igreja.
Mesmo assim, por que não compreendem que os Salmos,
que eles aceitam como inspirados, dizem a mesma doutrina? Nos salmos se pode
encontrar esta palavra: “Escuta, ó filho, vê e inclina o teu ouvido”
(Sl. XLIV, 5).
E mais: “Ouvi todos isso, ó nações,
estai atentos vós todos os que povoais a terra” (Sl XLVIII,2). “A minha boca
falará a sabedoria e a meditação de meu coração é sensata. Inclinarei à
parábola o meu ouvido…” (Sl. XLVIII 4-5).
Também o salmo LXXVII, 20 repete a mesma lição: “Escuta – não
diz lê – a minha lei, povo meu. Inclina os teus ouvidos às
palavras de minha boca”. A lei estava escrita; entretanto, Deus manda não que
se leia, mas que se ouça.
É monótono repetir tantas vezes a mesma coisa, mas
a teimosia exige a repetição. Por isso, foi também que Deus insistiu tanto no
uso do verbo ouvir e não do verbo ler.
Tendo demonstrando que os Salmos ensinam a mesma
coisa que os Provérbios, citaremos mais uma passagem desse livro: “Filho
meu, ouve meus discursos e inclina o teu ouvido às
minhas palavras” (Prov. IV, 20). “Inclina o teu ouvido, e ouve as
palavras da sabedoria, e aplica o coração às minhas palavras” (Prov. XXII, 17).
E mais uma vez: “Meu filho, atende à minha
sabedoria, e inclina o teu ouvido à minha prudência” (Prov. V,
1). O ensinamento é constante e invariável: deve-se ouvir. O
ensinamento que se repete não é: deve-se ler. Só os
protestantes insistem em não ouvir. Eles só pensam que sabem, e que
devem ler. Que todos sabem, e que todos devem ler. E exigem que
se leia, não que se ouça. A recomendação deles,
portanto, é contrária à de Deus.
Às palavras sábias e inspiradas que até aqui
reproduzimos, o protestante poderia responder: “Não ouvi a voz
dos que ensinavam, nem dei ouvidos aos mestres” (Prov. V, 13).
Nosso Senhor Jesus Cristo os previne, com as palavras do evangelho de São João,
de que são seus discípulos os que ouvem a voz do pastor, daquele que foi posto
pelo porteiro, pois ninguém pode se dar a si mesmo o título de pastor. Deve e
só pode recebê-lo do porteiro. E o porteiro tem que ter as chaves da porta,
para abrir e fechar. E as chaves foram dadas a Pedro. Portanto, quem não
reconhece a voz do pastor autorizado pelo porteiro, não pode se salvar: “Mas o
que entra pela porta é pastor das ovelhas. A este o porteiro abre e as
ovelhas ouvem a sua voz, ele as chamará pelo nome e as tirará
para fora” (Jo. X, 2).
Inúmeros outros textos poderiam ser citados
comprovando todos, esta mesma lição: nem todos devem ler a
Sagrada Escritura. Todos somos obrigados a ouvir o que Deus
nos ensinou por ela. E quem Deus encarregou de ensinar a Revelação? Cristo deu
a Pedro as chaves do Reino dos Céus (Cfr. Mt. XVI,13-20). É pois o papa,
sucessor de Pedro, quem tem o múnus de ensinar o que está contido na Revelação.
É o que diz Leão XIII, na encíclica Providentissimus
Deus: “É preciso observar que, se os escritos antigos são mais ou menos
difíceis de serem entendidos, para entender a Bíblia há, em acréscimo, ainda
outras razões particulares. Porque a linguagem bíblica é usada, sob inspiração
do Espírito Santo, para expressar muitas coisas que estão além do poder e do
alcance da razão; noutras palavras, os mistérios divinos e tudo o que está
relacionado com eles. Há, muitas vezes, em algumas passagens uma plena e
escondida profundidade de significado, que a letra expressa com dificuldade e
que as leis da interpretação gramatical dificilmente garantem. Mais ainda, o
próprio sentido literal frequentemente admite outros sentidos, adaptados para
ilustrar o dogma ou para confirmar a moral. Porque, é preciso reconhecer que a
Sagrada Escritura está envolta em uma certa obscuridade religiosa, e que nem
toda pessoa pode penetrar em seu interior sem um guia: Deus assim dispondo,
como ensinavam comumente os Santos Padres, para que os homens pudessem
investigar as Escrituras com mais ardor e seriedade, e para que, o que fosse
atingido com mais dificuldade calasse mais profundamente na mente e no coração;
e, mais que tudo, para que eles pudessem compreender que Deus entregou as
Sagradas Escrituras para a Igreja, e que lendo e fazendo uso de sua palavra,
eles deveriam seguir a Igreja como sua Guia e sua Mestra.
A necessidade de haver uma Guia e Mestra para
compreender a Sagrada Escritura decorre, então, do próprio modo como Deus a fez
redigir.
E por que Deus não fez os homens com capacidade de
lerem e entenderem a Sagrada Escritura sem necessitar de outro homem como
mestre e guia? Por que quer Deus que o homem aprenda pela boca de outro e
receba a Fé pelo ouvido? Não poderia Deus ter feito como os protestantes pensam
que Ele fez, inspirando cada um para que lesse a Escritura e dando ao leitor a
compreensão de seu sentido objetivo por inspiração divina direta?
Deus não fez assim porque Ele quer salvar os homens
por meio de homens. Por isso, Ele escolheu Apóstolos e Discípulos e lhes
ordenou: “Ide, pois, e ensinai a todos os povos, batizando-os em nome do Pai, e
do Filho, e do Espírito Santo” (Mat. XXVIII, 19).
Deus quis que alguns homens fossem meio de salvação
para outros para que os homens se amassem mutuamente, visto que ensinar a
verdade a um homem é praticar um ato de sumo amor por ele.
A posição protestante, que não admite nenhum homem
como intermediário como meio de ensinar a verdade, é contrária ao que revela a
própria Bíblia, que nos mostra que Deus incumbiu alguns de ensinarem outros, e
que a Fé vem pelo ouvido. A recusa de ter qualquer mestre é reveladora de um
profundo orgulho. E é uma atitude tão contrária à realidade que os mesmos que
não admitem que um homem ensine outro, vão de porta em porta ensinando a
outros que devem ler a Bíblia. E, depois, leem na Bíblia
que “A letra mata” (II Cor. III, 6).
IV – Sentidos das palavras e da Escritura
Erram também os protestantes ao supor que podem,
sozinhos, compreender os vários sentidos da Sagrada Escritura. Antes de
qualquer análise desses sentidos, porém, haver-se-ia que levantar um problema
preliminar: quais os livros que fazem parte da Bíblia? Os judeus tinham muitos
outros livros religiosos que, entretanto, não foram considerados inspirados por
Deus, e, por isso, nunca fizeram parte da lista dos livros da Sagrada
Escritura. Eram os chamados livros apócrifos. Também depois da ressureição de
Cristo e de sua Ascenção ao Céu surgiram muitos livros apócrifos que não foram
tidos como inspirados e nem foram incluídos no rol dos livros do Novo
Testamento.
IV-1 Tipos de palavras
Quem julgou quais livros fazem parte dos textos
inspirados por Deus? Essa é uma questão fundamental. De sua solução dependerá a
fé. Entre os antigos judeus, foi a tradição que estabeleceu os critérios de
inspiração. No Novo Testamento, foram a Tradição e a Igreja que determinaram
quais os livros inspirados por Deus e que devem fazer parte do cânon das
Escrituras.
Conhecidos quais os livros componentes da Bíblia,
há que tratar ainda de outros problemas de interpretação.
Não pretendemos fazer, neste simples artigo, uma
exposição exaustiva de exegese. Visamos apenas indicar certos problemas
existentes na leitura da Bíblia. Por isso, nos ateremos apenas a aludir a
alguns pontos mais importantes da exegese bíblica.
As palavras humanas são de três tipos diferentes.
Algumas palavras têm um só sentido: são as
palavras unívocas. Ex. copo, giz, vento, água.
Um segundo tipo de palavras é o daquelas que têm
vários sentidos diferentes, sem qualquer relação entre si: são as
palavras equívocas. Ex. manga, que tanto pode significar uma fruta
quanto uma parte do vestuário. Vela é um segundo exemplo de palavra equívoca,
porque pode significar um objeto para ser aceso e iluminar, ou uma tela para
captar o vento e mover um barco. E não há relação alguma entre vela de pavio e
vela de navio.
O terceiro tipo de palavras é o daquelas que têm
vários sentidos com alguma relação entre si. Essas são as chamadas
palavras análogas. Por exemplo, a palavra pé pode
ser usada para designar uma parte do corpo humano, uma parte de um animal, ou
ainda o pé de uma cadeira. É claro que essas três coisas designadas pela
palavra pé têm algo em comum que as torna semelhantes. Todas
sustentam algo. Mas é claro também que o pé de uma cadeira só é pé por analogia
ou semelhança com o pé humano: ambos dão sustentação, ao corpo do homem e à
cadeira. Pé é uma palavra análoga.
Ora, ao falarmos ou escrevermos, usamos os três
tipos de palavras, o que pode provocar enganos ou erros de interpretação do que
queremos dizer. Com as Sagradas Escrituras ocorre o mesmo: Deus usou os três
tipos de palavras, o que pode provocar erros de interpretação.
Tome-se, por exemplo, a palavra irmão. Se
a palavra irmão for tida como unívoca – significando filhos de um mesmo casal –
então, quando se lê que os irmãos de Jesus foram a seu encontro, se concluirá
que Nossa Senhora teve vários filhos, e que, portanto, não permaneceu virgem. E
essa é a interpretação seguida pelos pastores protestantes.
Ora, esses mesmos pastores, ao falarem a seus
correligionários na praça, se referem a eles como irmãos. Considerando,
eles, que a palavra irmão é unívoca, estarão dizendo que todos os que estão na
praça são seus irmãos carnais, e estarão afirmando que houve com os pais deles
um número enorme de adultérios. O pastor estaria ofendendo a todos, chamando-os
de filhos adulterinos. Evidentemente, isso é um absurdo.
Quando o pastor chama seus correligionários de
irmãos, ele está usando o termo em sentido análogo: ele quer dizer que todos os
correligionários são irmãos numa mesma crença, no caso, crença herética.
Portanto, o termo irmão é análogo, e não unívoco.
Irmãos de Jesus, então, não significa irmãos carnais. Na linguagem bíblica,
irmão quer dizer apenas parente. Por isso, Abraão chamava Lot de irmão (Gn.
XIII, 8) quando este era, na verdade, seu sobrinho (Gn. XII, 5).
O fato de haver nas Sagradas Escrituras termos
unívocos, análogos e equívocos pode provocar interpretações falsas, que
redundam até em heresia.
De que nos adiantaria termos a Bíblia se, não tendo
meio de distinguir o sentido das palavras – que variam conforme o seu tipo –
não a interpretaríamos segundo o sentido que Deus quis usar?
IV-2 Modos de empregar as palavras
Há ainda outra dificuldade proveniente dos vários
sentidos que pode ter uma palavra, conforme é empregada de modo relativo ou
absoluto.
Veja-se outro exemplo: a palavra odiar.
Essa palavra normalmente significa querer o mal,
isto é, a perda de um bem. Deus condena o ódio, e Cristo ordenou que amássemos
o nosso próximo como a nós mesmos, por amor de Deus. Entretanto, Cristo disse:
“Aquele que não odiar seu pai e sua mãe por minha causa, não pode ser meu
discípulo” (Luc. XIV, 26)
Isso parece, à primeira vista, ser o contrário do
que Deus ordenou no quarto mandamento do Decálogo: “Honra teu pai e tua mãe
para que tenhas uma vida dilatada sobre a terra que o Senhor teu Deus te dará”
(Ex. XX,12).
Evidentemente, Cristo não pode ter ordenado que se
odeie aos pais, nem pode ter posto o ódio aos pais como condição para ser seu
discípulo. Cristo empregou o verbo odiar em sentido relativo, e não em sentido
absoluto. Ele quis dizer que, havendo oposição entre o amor aos pais e o amor a
Deus, deve-se preferir o serviço de Deus e até abandonar os pais, se for
necessário, para servir a Deus, praticando com relação aos pais um ato de ódio
relativo. Entre o amor absoluto, que devemos somente a Deus, e o amor relativo
aos pais, devemos, caso seja necessária uma opção, preferir o amor a Deus.
IV-3 Figuras
de retórica
A Sagrada Escritura, como qualquer outro tipo de
texto, emprega as figuras de estilo próprias da linguagem humana: usa de
metáforas, comparações, hipérboles, sinédoques, etc.
Frequentemente, é impossível, portanto, tomar as
palavras em seu sentido próprio. Deve-se entendê-las figuradamente, de acordo
com o tipo de figura de retórica utilizada.
Assim, quando Cristo chama Herodes de “essa raposa”
(Luc. XIII, 32) seria absurdo entender o termo de modo literal e não
metafórico. Quando Ele chama os fariseus de “filhos do demônio” (Jo. VIII 44),
embora o demônio não possa de fato ter filhos de modo próprio – pois ele não
tem corpo nem capacidade de gerar filhos – ele pode ter “filhos” de modo
analógico. Portanto, a expressão “filhos do demônio” aplicada aos fariseus não
é propriamente uma metáfora, e sim uma outra forma de analogia.
IV-4 Gêneros
literários
A Sagrada Escritura contém livros de vários gêneros
literários diferentes. Lá, existem livros históricos, proféticos, hinos,
orações, textos jurídicos ou legais, livros sapienciais. Conforme o gênero
literário empregado, há um modo diverso de entender as palavras. O que é
contado num livro histórico são fatos realmente acontecidos. As imagens
empregadas nas profecias são figuras simbólicas de fatos futuros não
acontecidos. Assim, os animais da profecia de Daniel são símbolos de reinos que
haveriam de vir, e a própria Bíblia os explica assim (Dan. VII, 17).
IV-5 Sentido
Histórico
É importante compreender que as palavras podem ter
variações de significado conforme a época em que foram usadas. Hoje, a palavra
“formidável” significa coisa de grande valor, excelente, como quando se diz:
“Esse livro é formidável”. Entretanto, a palavra formidável, originalmente, queria
dizer “coisa que dá medo”. Esse significado desapareceu em nossos dias. Por
essa razão, deve-se conhecer o significado e o contexto histórico de um texto.
Cada autor emprega as palavras no sentido em que
eram usadas em sua época. É necessário, pois, conhecer o contexto histórico em
que viveu o autor de um livro sagrado.
IV-6 Parábolas
Nosso Senhor Jesus Cristo, para ensinar ao povo,
frequentemente empregava parábolas, que são pequenas histórias fictícias,
contendo ensinamentos doutrinários, morais e místicos.
O Evangelho contém inúmeras parábolas, a ponto de
São Marcos dizer: “Não lhes falava sem parábolas, porém tudo explicava em
particular a seus discípulos” (Mc. IV, 34).
Por que falar em parábolas? Por que, muitas vezes,
Nosso Senhor se exprimia parabolicamente e não falava diretamente?
Os próprios Apóstolos, certa vez, fizeram essa
pergunta a Jesus, que lhes respondeu, dizendo: “Porque a vós é concedido
conhecer os mistérios do reino dos céus, mas a eles não lhes é concedido.
Porque ao que tem lhe será dado, e terá em abundância; mas ao que não tem, até
o que tem lhe será tirado. Por isso lhes falo em parábolas, porque vendo não
veem, e ouvindo não ouvem, nem entendem” (Mt. XIII, 11 –13).
A parábola contém um ensinamento literal facilmente
acessível aos homens simples, mas, sem qualquer violação do sentido literal
primeiro, pode conter outros ensinamentos doutrinários, morais ou místicos.
IV -7 Sentidos das Sagradas Escrituras
Isso nos conduz à questão dos sentidos das Sagradas
Escrituras.
Normalmente distinguem-se quatro sentidos
fundamentais nas Sagradas Escrituras:
1 – O Sentido Literal;
2 – O Sentido Doutrinário;
3 – O Sentido Moral;
4 – O Sentido Místico.
O sentido literal é o fundamental, e nele, sem
violação ou sem forçar o texto, podem ser encontrados os outros três sentidos
fundamentais.
Daí, os famosos versos: “Littera gessa docet;
quid credas, allegoria;
Moralis, quid agas; quo tendas, anagogia”
(A letra ensina os fatos; o que deves crer, a
alegoria; o que deves fazer, o moral; a que deves tender, a anagogia)
Sentido literal é aquele que é expresso de modo
verdadeiro, real, atual, imediato e desejado pelo autor do texto sagrado. É o
sentido que decorre diretamente do texto, sem que seja feita uma dilatação, ou
extensão, do sentido das palavras além do normal; é o sentido atual, e não uma
dedução silogística; imediato, e não por analogia ou simbolicamente.
O sentido literal, ele mesmo, pode ter vários
sentidos diversos. Por exemplo, na profecia de Caifás. Ao dizer ele: “Convém
que morra um homem pelo povo” (Jo XI, 50). A própria sequência do Evangelho
explica que Caifás, ao dizer isso, profetizou, dizendo de fato outra coisa
(Cfr. Jo. XI, 51).
Além disso, pode-se inferir, legitimamente, um
sentido derivado do literal: é o Sentido Derivativo, ou consequente, que é
aquele que legitimamente decorre do sentido genuíno literal.
É o que faz São Paulo ao citar a frase de Jeremias
“Não se glorie o sábio no seu saber, nem o forte na sua força, nem se glorie o
rico em suas riquezas” (Jer. IX, 23). São Paulo diz: “O que se gloria,
glorie-se no Senhor” (I Cor. I, 31).
Do sentido literal pode-se ainda fazer uma
acomodação, quer extensiva, quer alusiva. Pela acomodação, as palavras da
Sagrada Escritura são aplicadas analogicamente a um outro sujeito ou a coisa
diferente daquela a que se aplicava originalmente um texto escriturístico
anterior, ou ainda fazendo-se alusão a palavras usadas na Escritura em outro
contexto.
Acomodação extensiva é aquela que foi feita usando
o texto do Eclesiástico: “Noé foi encontrado perfeito e justo, e no tempo da
ira tornou-se a reconciliação dos homens” (Jer XLIV, 17″), aplicando-se o que
foi dito de Noé para outros personagens santos.
Acomodação alusiva foi o que fez Nosso Senhor Jesus
Cristo ao usar as palavras do Salmo VI, 9: “Apartai-vos de mim todos os que
praticais a iniquidade, porque o Senhor ouviu a voz de meu pranto”, no Sermão
da Montanha: “Então eu lhes direi bem alto: “Nunca vos conheci; apartai-vos de
Mim, vós que praticais a iniquidade” (Jo. VII, 23).
O sentido literal inclui o sentido próprio e o
sentido figurativo.
Quando a Bíblia fala do braço de Deus, ela não quer
dizer que Deus, de fato, tenha braço. É um modo figurado de dizer que Deus tem
poder. Esse sentido figurativo sempre tem base no sentido literal, mas não deve
ser entendido de modo próprio.
No sentido literal está incluído o sentido típico.
Chama-se típico esse sentido porque usa um “tipo”
(pessoa, animal, coisa ou fato acontecido) como imagem ou figura de outro, que
seria o antítipo.
O Tipo conduz ao sentido espiritual, isso é, ao
Antítipo.
Exemplos de Tipo e de Antítipo são Isaac e Cristo,
o sacrifício de Abraão e o sacrifício do Calvário, o sono de Adão e morte de
Cristo, e tantos outros mais.
O sentido típico difere do sentido acomodatício,
porque é realmente expresso. Difere da consequência, porque é atualmente
expresso, e não deduzido. Difere do literal, porque não é expresso
imediatamente.
O Sentido Típico é chamado Alegórico, ou
doutrinário, quando exprime uma verdade em que se deve crer.
Chama-se Sentido Moral, quando exprime o que se
deve fazer.
Finalmente, chama-se Sentido Místico, quando
exprime aquilo que devemos amar, e a que devemos tender.
Assim, Jerusalém, a cidade santa dos judeus,
alegoricamente, significa a Igreja Católica; moralmente, significa o céu, o bem
esperado, que só se alcança pela prática dos mandamentos; e, misticamente,
representa a alma.
V – Conclusão
Levando em conta tudo isso, compreende-se que é
extremamente difícil interpretar corretamente a Bíblia, e que imensa confusão
produz o livre exame.
Por isso, São Pedro previne em sua segunda
Epístola: “Nenhuma profecia da Escritura é de interpretação particular” (II Pe.
I, 20).
Daí a necessidade de Deus ter dado a alguém “as
chaves” de sua interpretação. Foi Pedro quem recebeu essas chaves, quando o
próprio Cristo lhe disse: “Bem aventurado és tu, Simão Bar Jonas, porque não
foi a carne, ou o sangue que te inspiraram, mas meu Pai que está nos céus. E eu
te digo que tu és Pedro, e sobre essa pedra eu edificarei a minha Igreja, e as
portas do inferno não prevalecerão contra ela. Eu te darei as chaves do Reino
dos céus; e tudo o que ligares sobre a terra será ligado também nos céus; e
tudo o que desligares sobre a terra será desligado também nos céus” (Mt. XVI,
17-20)
Portanto, somente o Papa pode dar a interpretação
certíssima e indubitável das Sagradas Escrituras, devendo os fiéis ouvi-la e
observá-la docilmente.
Compreende-se agora claramente o que disseram os
Provérbios:
“Assim como o
espinheiro está na mão do bêbado, assim está a parábola na boca dos ignorantes”
(Mt. XXI, 42)
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