“O filho é santo aos olhos de
Nosso Senhor Jesus Cristo: com que amor Ele o olhou, e com que ternura deu Ele
sua bênção”
Foi doloroso e triste o quadro da família sem filhos que
passou aos nossos olhos nas duas últimas instruções, mas o objeto das duas que
virão agora é bem consolador e alegre: vou falar da “família numerosa”.
O quanto é terrível, porque é contra a natureza, o silêncio
do túmulo que reina em casa dos esposos sem filhos, tanto é alegre e cheio de
promessas o riso argentino que enche o lar da família numerosa.
O quanto é abandonada e triste a velha árvore seca que
perdeu sua folhagem, suas flores e todo o seu ornamento, o quanto é triste o
caminhar para o túmulo, dos esposos sem filhos, atingidos pela velhice os que
generosamente e confiantes no auxílio de Deus acolheram o filho. São como
gigantescos carvalhos, cujos vastos ramos trazem ninhos onde sempre cantam
novos pássaros. Estes velhos vêem, com a alma cheia de gratidão para com Deus
aparecer, no lar de seus filhos e mesmo netos novos berços, e nestes berços,
pequeninos seres que exprimem o seu reconhecimento aos pais e avós.
Estes velhos terão alguém para rezar por eles, e implorar a
graça de Deus para o repouso de sua alma.
Sim, sempre foi assim; as famílias cristãs sempre amaram
seus filhos; o seu mais belo móvel sempre esteve a um canto do quarto, o berço
com um pequeno anjo risonho quase a dormir, enquanto num outro canto um bebê de
três anos se mantém ativamente em seu cavalo de balanço, e mostra ao seu irmão
maior de 5 anos toda sua habilidade.
As duas últimas instruções passaram-se numa paisagem árida,
na família sem filhos. Nas duas, porém, que se seguem, subiremos às alturas
consoladoras do lar feliz da família numerosa. Nesta instrução, mostrarei só de
um modo geral que a verdadeira família cristã tem duas características:
I) Respeita o filho.
II) Dá a educação ao
filho.
Na instrução seguinte, darei alguns detalhes sobre a maneira
de educar cristãmente os filhos.
I) A família cristã respeita o filho
O cristianismo sempre rodeou a criança de um respeito
particular. Ele a olha como uma “coisa santa” e uma “bênção divina”, e como
vamos ver, com muita justiça.
a) “A criança é uma coisa santa, Res sacra puer”. Se os
pagãos já assim falavam, quanto mais os cristãos! Como botões na árvore,
quantas esperanças aguardam nela sua realização!
O filho é santo para seus pais. É, não somente o
sustentáculo e o apoio dos pais na velhice, mas também a continuação terrestre
de sua vida que se inclina para o túmulo.
O filho é santo aos olhos da nação. Ela vive por ele. Seu
destino melhora com uma juventude robusta, previdente e casta, ou então
desaparece o seu futuro, com uma juventude leviana e frívola.
O filho é santo aos olhos da Igreja. Dá ele sem cessar novos
membros à Igreja do Cristo e por eles a luz do Evangelho se espalha sobre a
terra.
O filho é santo aos olhos de Nosso Senhor Jesus Cristo: com
que amor Ele o olhou, e com que ternura deu Ele sua bênção… Que concepção
profundamente cristã, do valor da criança! Sim. “Res sacra puer”, a criança é
uma coisa santa.
b) Mas na linguagem popular cristã o filho não é só uma
coisa santa. É também uma bênção divina; “Uma bênção divina” são justamente as
mãos pequeninas e fracas da criança que ligam mais solidamente aos laços da
família.
Primeiramente, a família se torna mais unida pelos
sofrimentos e pelas dores suportadas em comum. Quantas vezes não se renova sob
formas diversas o caso de Santa Perpétua, com o seu filhinho.
Quem é São Perpétua? A jovem esposa de um cartaginês
ilustre, que sob a ordem do imperador Severo havia sido jogada na prisão, e
esperava a morte, por causa de sua fé cristã. Não era a prisão que a fazia
sofrer, mas o fato de estar separada de seu filho recém-nascido.
Pode-se ler, nos atos de seu martírio, as lamentações desta
mulher heróica: “Durante dias e dias, estive à mercê de amargas preocupações.
Finalmente, obtive que meu filho pudesse ficar comigo na prisão. A criança
tornou-se logo mais forte, e eu mesma me restabeleci, cuidando de meu filho. E
a prisão tornou-se para mim um salão de festas, onde eu estou mais satisfeita
que em qualquer outro lugar.” (Ata Sanctorum dos Bolandistas, t. 632).
Que palavras magnificas! Cada mãe de família deveria
meditá-las durante horas: Restabelecei-me, cuidando de meu filho. E a prisão
tornou-se para mim uma sala de festas, porque meu filho estava comigo.
Mas a família está estritamente unida não só pelos
sofrimentos padecidos em comum, como também pelas alegrias recíprocas. E se o
provérbio “Alegria partilhada, alegria dobrada” é verdadeiro, é igualmente
verdade que a alegria partilhada entre os membros da família aumenta à medida
que cresce o número dos membros, com os quais ela pode ser compartilhadas.
São também de um grande calor educativo as pequeninas
amabilidades que quebram a monotonia da vida quotidiana, tais como as felicitações
de boas festas e de aniversário, as festas de família, as tardes de domingo
passadas em uma doce intimidade, noite de natal esperada com emoção, etc.
É aqui preciso mostrar particularmente quanto seria
importante proteger a família contra a dispersão e separação que em nossos
dias, infelizmente, ameaçam-na sempre mais. A vida de família exige que os seus
membros estejam reunidos em maior número possível. Infelizmente, as distrações
modernas, o teatro, o cinema, esportes e reuniões diversas, afastam as pessoas
de seu lar, e fazem perigar a tão necessária intimidade familiar.
Mas se não se passaram os anos da infância no circulo
familiar, tão doce e tão quente, sentir-se-á aquela ausência em toda a vida
sentimental e moral. Tem-se o costume de dizer, num sentido diferente, é
verdade, falando-se de pessoas grosseiras e mal educadas, “sem educação”; como
se poderia bem mais dizê-lo destes homens nervosos, desarvorados, indecisos,
sem plano fixo, e sem finalidade definida porque lhes faltou na infância a felicidade
da família.
E se hoje aumenta cada vez mais o número destes, uma das
principais razões é que o número de santuários familiais tão íntimos e tão
doces diminui sempre mais.
c) E pela mesma razão deplora-se tenham desaparecido da
atual vida de família tantos exercícios religiosos feitos em comum, que
existiam nas nossas antigas famílias e cujo valor educativo é inegável.
Aquele que um dia esteve no meio de uma família católica na
Holanda conserva uma lembrança inesquecível da oração da noite, tal como existe
ainda hoje. Não só os pais se ajoelham com seus oito, dez ou doze filhos, mas
todos os da casa se reúnem para a oração em comum. Há educação mais social,
pode-se apresentar melhor formação de alma para a criança em seu crescimento,
que o espetáculo do Pai celeste para a oração comum? E quando pais e filhos,
juntos, vão se confessar, comungar, há aí uma educação pedagógica mais eficaz
que toda a ordem ou admoestação feita pelos pais.
Naturalmente, é o espírito interior que dá seu verdadeiro
valor às práticas religiosas exteriores: o amor infinito por Deus, a confiança
de filho e a fé cujo poder sobrenaturaliza cada ação da família. O que quer que
se dê na família: acontecimentos alegres ou tristes, o que quer que digam ou
julguem os pais, que projetem ou façam, atrás de tudo isto irradia-se o desejo
de cumprir a santa vontade de Deus. Estamos convictos de que, se os filhos
aprenderem dos pais este modo de pensar, receberão deles uma lembrança mais
preciosa que todas as riquezas.
II – A família cristã preocupa-se da educação do filho
Chegamos à segunda ordem de idéias de nossa instrução de
hoje: não só os pais cristãos respeitam o filho, mas justamente porque
respeitam os grandes valores aí ocultos, dão-lhe a educação com amor e
solicitude.
a) Nunca se repetiria demais que a educação do filho é o
primeiro dever dos pais.
Educação! Que sentido profundo nesta palavra! Fazer do que é
pequeno alguma coisa de grande, do que é fraco algo de forte, fortificar o
corpo e a alma, extirpar a erva má e semear a boa semente. Quantos sacrifícios,
que tarefa desinteressada, que noite de insônia, quantas lágrimas e cuidados
nestas duas palavras “educação familiar!”
A educação familiar é um sacrifício, mas é também uma
alegria.
Como seria preciso insistir muitas vezes, e sob formas
diversas, junto aos pais, sobre esta imensa responsabilidade. Mas não para se
concluir: “então é preferível não ter filhos“, mas para fazer tudo
conscienciosamente tendo em vista a felicidade futura de novos seres pequeninos
lançados à vida.
Sim, a tarefa educadora é cheia de sacrifícios. mas é cheia
também de alegrias.
Que é que dá aos pais esta alegria, esta felicidade e esta
paz, enquanto educam, instruem, alimentam e protegem seus filhos? O pensamento
de que eles cumprem assim o mais santo dever que repousa na lei natural e na
lei divina. Mas, se, após o cumprimento de qualquer dever, provamos um
sentimento de satisfação, este sentimento cresce na medida da obrigação da qual
dependem os interesses primordiais de nosso destino terrestre e eterno, da raça
humana, da nação e da Igreja.
Mas para que os pais sejam capazes destes sacrifícios
contínuos, Deus criou em seus corações um dos mais belos sentimentos humanos: o
amor paterno e materno.
O amor materno e paterno! Que palavra mágica. Quantas
lágrimas e fadigas, quanto perdão e quanta indulgência, quantas vigílias e
privações nestas palavras; amor paterno e materno!…
É um amor inesgotável, porque se nutre de três fontes: Os
pais amam seus filhos porque são a carne de sua carne, e também a carne de
outro ser, que eles mais amam no mundo, além de seus filhos; amam-nos ainda
porque a alma do filho, desde que foi purificada pela água batismal, tornou-se
filha de Deus.
Este amor paterno e materno nada e ninguém o substitui. Um
filho pode ser educado por mil pedagogos, a governanta mais devotada, a melhor
ama, ou educadora de crianças, sem o amor dos pais, nada mais é que “Ersatz”,
mas este “Ersatz” não substitui senão aproximadamente o amor paterno e materno.
b) E quando começa o dever educativo dos pais? A partir de
que idade? Quanto é preciso empreender a educação da criança? Aos cinco, seis
ou dez anos?
Oh! Já seria bem tarde. É preciso começar a educação desde o
primeiro instante da vida terrena do filho, e até antes de sua vida terrena.
Como? Não compreendo bem. Até antes de sua vida eterna? Que
quer dizer isso?
Que a responsabilidade dos pais começa muito antes do novo
ser. Começa desde a sua própria juventude, fazendo com que essa se passe no
caminho da virtude. Atualmente uma ciência inteiramente nova, a ciência das
leis de hereditariedade, ensina com uma força indiscutível o que a Igreja
sempre proclamou, isto é, que a juventude dos pais, passada na pureza moral, é
uma bênção para os futuros filhos, assim como lhes traz conseqüências fatais a
juventude vivida leviana e imoralmente!
Mas por outro lado observamos hoje mais claramente a
importância decisiva das impressões da primeira infância. Nada mais é do que
aquilo que os antigos já suspeitavam quando diziam que alguém bebera tal ou tal
coisa com o leite de sua mãe. Desde o instante em que as águas do batismo tocaram
a fonte do recém-nascido, Cristo depôs na sua alma em germe a vida
sobrenatural; e o dever grandioso dos pais, sua verdadeira vocação sacerdotal,
é levar aquela vida cristã nascente ao supremo desenvolvimento pelo seu afeto
de educadores. E esta tarefa deve ser iniciada em uma idade em que nem a escola
e nem a Igreja influíram sobre a criança.
Milhares de ocasiões se apresentam aos pais sobretudo às
mães, para elevar ao Pai celeste por meio de um amor cada vez mais ardente, a
alma infantil que se está desenvolvendo. O efeito da grave emoção, o tom
fervoroso com os quais a mãe fala de Nosso Senhor, do Menino Jesus, da Santa
Virgem e das verdades fundamentais da religião, ao seu filho de três ou de
quatro anos, estenderam-se por toda a sua vida. Não há educação, por melhor que
seja, não há sacerdote por zeloso que seja, que saiba ensinar essas verdades
com tanta delicadeza e sucesso como os pais.
Feliz o filho que recebeu essa educação de seus pais, e não
somente belos vestidos, bons alimentos e presentes!
Feliz o filho que cresce num meio familiar cuja atmosfera se
impregnou destes espíritos vivificantes de uma profunda piedade!
Feliz o homem que sob os golpes da sorte encontra sólido
apoio na inquebrantável piedade, cujas bases foram lançadas pela sabedoria
previdente dos pais, sobretudo da mãe, no solo enriquecido dos anos da
infância!
c) Recordei já muitas vezes especialmente a tarefa da mãe de
família. Pois se tudo quanto disse até aqui, a respeito do dever educador dos
pais, serve uniformemente para ambos, a experiência mostra, porém, que a mãe é
a mais apta para exercer uma profunda ação educadora, pois para cada filho, a
primeira e a mais preciosa educadora é a mãe de família….
O Antigo Testamento já fornece exemplos inesquecíveis da mãe
de família ideal. Bastará talvez citar apenas um só.
Pelo ano 166 antes de Jesus Cristo, brotaram dos lábios de
uma heróica mãe palavras que nunca poderão ser esquecidas enquanto um homem
viver sobre a terra. Elas não o serão, pois a Sagrada Escritura dá-lhes uma
existência perpétua. É a questão da mãe heróica dos Macabeus, cujos sete filhos
foram mortos por um tirano, por causa de sua fidelidade às leis de sua
religião. Um após outro morreram, entre horrorosos suplícios, sob os olhos de
sua mãe. Poderiam escapar desse sofrimento, se negassem a fé, mas nenhum deles
o fez. E quando o mais jovem foi torturado, sua mãe encorajou o filho banhado
de sangue, dirigindo-lhe essas sublimes palavras:
“Eu te conjuro, meu filho, olha o céu e a terra, e tudo que
eles contêm, vê que Deus o criou do nada, e que a raça dos homens assim chegou
à existência. Não temas este algoz, sê, porém, digno de teus irmãos.” (2 Mac.
7, 28-29)
Assim morreu o mais jovem e depois também sua mãe. Mas não
traíram sua fé.
Se o Antigo Testamento podia já produzir tais mães ideais,
qual não deve ser então a imagem da mãe de família cristã, no Novo Testamento,
ante a qual brilha como ideal o exemplo da Imaculada Mãe de Deus!Por que depois
que a Santa Virgem levou em seus braços o Menino Deus, cada mãe de família traz
uma coroa invisível. Uma coroa mais bela que todos os diamantes. Uma coroa
digna de maior veneração que toda decoração terrena. Coroa de quem a leva. Mas
uma coroa que se assemelha também à coroa de espinhos de Nosso Senhor!
Se todas as mães vivesse conscientes dessa dignidade
sobrenatural! Se todos os homens soubesse que eles podem substituir em todas as
coisas as mulheres, menos em tarefa vital em que ninguém a substitui! Na tarefa
da mãe educando seu filho. Não é, pois compreensível que as mulheres ambicionem
justamente essa carreira, única onde ninguém as substitui?
Infelizmente, a desordem da vida econômica atual obriga
sempre a mulher a abandonar a calma do santuário familiar, e viv fazer
concorrência ao homem na vida pública. Atualmente, não há só empregadas, mas há
mulheres deputadas, advogadas, doutoras, artistas, professoras, motoristas de
táxis, agentes de polícia… e em certas regiões há mulheres pastoras… e entre os
soviéticos, mulheres soldados. Em todos os domínios, o homem pode produzir mais
que a mulher, e em tudo isto a humanidade poderia viver sem a colaboração
feminina.
Há todavia uma profissão que pertence única e exclusivamente
à mulher: há uma carreira que, se as mulheres abandonarem, ninguém poderá
substituí-las e sobre a qual repousa toda a humanidade: é a profissão de mãe de
família.
Não creio que um homem possa provar maior alegria na terra,
do que quando seu filho já crescido lhe diz o que o ilustre Széchenyi escrevia
um dia à sua mãe: “Vós me instruístes, me educastes, plantastes no meu coração
o bem no qual estou e ficarei, e o pouco que fiz para meu Deus, meu Rei e minha
Pátria é vossa obra“.
E agora que vou terminar essa instrução, na qual tratei do
amor paterno e materno tão devotado, tão generoso até o sacrifício, vem-me à
mente uma lembrança de guerra, que se desenrolou há vinte e poucos anos, e que
eu nunca poderia esquecer.
Era primavera de 1915. Nossas tropas após a tomada de
Gorlice avançaram rapidamente na Galícia enfim libertada, e a ambulância de
campanha, à qual eu estava adido, mal podia seguir o exército. Um dia, trouxeram
um jovem que recebera uma bala na cabeça: Teria vinte anos, e era de origem
polonesa ou rutena. A bala atravessara-lhe a cabeça sem matá-lo, mas ele
perdera a consciência. Durante alguns dias ficou entre nós, sem recuperar os
sentidos e seu jovem e robusto organismo lutava contra a morte.
Permaneci ao seu lado a fim de poder confessá-lo, se
recobrasse a consciência. Mas esta não vinha sequer um minuto. Seus lábios se
moviam incessantemente, noite e dia, e durante dias, deste corpo inconsciente,
saíram incansavelmente essas duas palavras: “Tatyinko, maminko… tatyinko,
maminko…” papai, mamãe! Finalmente, o pobre jovem morreu!
Era terrível ouvir durante dias essas duas palavras.
Mas atualmente…
Atualmente, pergunto a mim mesmo: Quais eram o papai e a mamãe
deste infeliz jovem? Que doce imagem deveriam despertar naquele cérebro
atingido por uma bala, e desprovido de conhecimentos! Como deveriam ser bons
para que o filho, no meio do sofrimento dos últimos dias, pudesse encontrar no
seu nome tal doçura repetindo estas duas palavras: “Tatyinko, mamimnko”.
A esses bons pais o meu último pensamento.
Que Deus abençõe o devotamento das boas mães de família.
Amém.
Casamento e Família – Mons. Tihamér Tóth
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