“Falsa opinião dos que
pensam que todas as religiões são, com pouca diferença, boas e louváveis”
Nos
outros artigos da revista “Iesus Christus” nº 134, nosso leitor poderá
encontrar uma exposição teológica das dificuldades relativas à beatificação de
João Paulo II. Como costumava dizer Dom Lefebvre, bem-aventurados os católicos
que não tiveram de defrontar tal problema! Ter de julgar o próprio Papa!
Mas
em realidade não somos nós que emitimos um juízo, senão 2000 anos de vida e de
ensino da Igreja; é o próprio Evangelho pregado por Nosso Senhor Jesus Cristo;
são os santos, com suas obras e doutrina. Quando a vida de uma pessoa, seus
ensinos e ações coincidirem com a de Nosso Senhor e de santos, sabemos que
podemos seguir com tranquilidade seu exemplo para alcançar a vida eterna. Desse
modo falava São Paulo aos Coríntios (1Cor 11,1): “Sede imitadores meus como
sou de Cristo“. Ao invés, se encontramos uma contradição entre a vida de
tal pessoa e a dos Santos, não podemos imitá-la, pois seu exemplo nos afasta do
caminho do céu.
Que
pensa da vida de João Paulo II? Coincidiu com o Evangelho e o exemplo dos
santos? Podemos seguir seus passados com tranquilidade?
Sem
esquecer a gravidade do assunto e conservando o respeito devido à dignidade
pontifícia, trataremos de responder à pergunta expondo as graves dificuldades
suscitadas pelo pontificado do recente beato e os fatos que as fundamentam. De
modo paralelo recordaremos os ensinos e práticas correlativas dos santos e
papas anteriores. Dessa forma saberemos se verdadeiramente podemos imitar o
novo beato para alcançarmos a vida eterna.
Primeira
dificuldade: Em nome do ecumenismo, João Paulo II renunciou a converter as
almas à fé católica. Afirmou que todas as religiões são caminho de salvação.
Desse modo deixou milhares de almas no caminho da perdição.
– Os fatos: “Desde o começo de meu
pontificado, fiz do ecumenismo a prioridade de minha preocupação e ação
pastoral” (1), dizia João Paulo II. Nessa pastoral o guiaram os ensinamentos do
Concílio Vaticano II: “Embora creiamos que as igrejas e comunidades separadas tenham
seus defeitos, não estão desprovidas de sentido e de valor no mistério da
salvação, porque o Espírito de Cristo não Se recusa a servir-se delas como
meios de salvação”.(2) Por isso disse que “a Igreja deseja estabelecer relações
positivas e construtivas com grupos humanos de credos diferentes, com vistas a
um enriquecimento recíproco”.(3) O Cardeal Kasper, que ele em 2001 nomeou como
Presidente do Conselho Pontifício para a Unidade dos Cristãos, disse que “a
ação pastoral da Igreja católica tanto latim quanto oriental já não tende a
fazer passar os fiéis de uma Igreja para outra”;(4) “o ecumenismo não se faz
renunciando à nossa própria tradição de fé. Nenhuma Igreja pode fazer essa
renúncia”.(5) E acrescentava ainda mais: “Podemos descrever o ‘ethos’ [regra de
conduta] próprio do ecumenismo de vida da seguinte maneira: a renúncia a toda
forma de proselitismo, seja aberto, seja camuflado”.(6) Seguindo esses
princípios, é verdade que João Paulo II nunca chamou à conversão os que
pertenciam a outras religiões.
– Os
santos e papas anteriores: Nosso Senhor Jesus Cristo disse: “Ide por
todo o mundo e pregai o Evangelho a toda criatura. O que crer e for batizado
será salvo; mas o que não crer será condenado” (Marcos 16,15-16). São João
Batista dizia que “o que crê no Filho tem a vida eterna; o que recusa crer no
Filho não verá a vida, mas está sobre ele a cólera de Deus” (João 3,36). O Papa
Pio IX, retomando a Tradição da Igreja, dizia que “bem conhecido é (…) o dogma
católico, a saber, que ninguém pode salvar-se fora da Igreja Católica”.(7)
Pondo em prática essas palavras, os Apóstolos e os Santos missionários como São
Paulo (+ 67, Apóstolo), São Patrício (+464, Bispo), São Bonifácio (754, Bispo),
São Francisco Xavier (+ 1552, Sacerdote), foram pregar a conversão ao Evangelho
ao mundo inteiro. Também os santos apologistas, como São Justino (+168,
filósofo), São Cirilo de Jerusalém (+ 386, Doutor da Igreja), Santo Hilário (+
368, Doutor da Igreja), publicaram abundantes escritos para mostrar a verdade
da Igreja católica e a falsidade das outras religiões.
Segunda dificuldade: Por sua pastoral ecumenista,
João Paulo II confirmou os protestantes em seu erro. Não condenou as heresias
de Lutero, mas buscou conciliar com elas a doutrina católica.
– Os
fatos: No curso de uma de suas viagens à Alemanha,
passando por Frankfurt, disse: “Hoje venho a vós, à herança espiritual de
Martinho Lutero, venho como um peregrino”.(8) Por ocasião do 500º aniversário
do reformador, escreveu ao Cardeal Willebrands que sobre a base das mais
recentes investigações históricas “se revelou de maneira convincente o profundo
espírito religioso de Lutero, animado de uma paixão ardente pela questão da
salvação eterna”.(9) Seguindo os princípios do ecumenismo e levado por seu
apreço por Lutero, em 11 de dezembro de 1983 foi rezar no templo protestante
luterano de Roma, pelo qual se despojou de todo sinal externo que manifestasse
a autoridade pontifícia. Escutou a leitura desde o púlpito de uma oração de
Lutero, que ele mesmo escolhera antes de ir. Em 31 de outubro de 1999 se
publicou a Declaração conjunta sobre a justificação, na qual, com vistas ao
ecumenismo, puseram-se entre parênteses os dogmas católicos negados pelos
protestantes e se retomaram várias afirmações de Lutero.
– Os
santos e papas anteriores: Em primeiro lugar, recordemos que os erros
luteranos foram condenados solenemente pelo Papa Leão X (10) e pelo Concílio de
Trento. Ademais, Lutero traiu seus votos monásticos e suas promessas
sacerdotais. Induziu a monja cisterciense Catarina de Bora a violar seus votos
para unir-se com ele em concubinato sacrílego. Destruiu a fé católica, a
unidade política e a paz de meia Europa. Animava-o um espírito de orgulho tão
grande que escreveu libelos tais como “O Papa asno”, expressando, além do mais,
toda a sua obscena vulgaridade nas Tischreden (Conversas à Mesa). Santo Afonso
(+ 1787, Doutor da Igreja) dizia que a doutrina de Lutero era em realidade a
“doutrina do diabo”.(11) Por isso São Roberto Belarmino (+ 1621, Doutor da
Igreja) e São Francisco de Sales (+1622, Doutor da Igreja) dedicaram anos de
sua vida a refutar a doutrina de Lutero e a converter os protestantes. São
Fidel de Sigmaringa (+1662, Capuchinho) pôs sua vida em perigo com o fim de
pregar a conversão aos protestantes. De fato, seu zelo lhe custou a vida:
morreu martirizado na Suíça pelos protestantes.
Terceira
dificuldade: Por sua pastoral ecumenista,
João Paulo II renunciou a converter os ortodoxos cismáticos. Deixou-os pensar
que podiam salvar-se no cisma.
– Os fatos: Em 16 de junho de 1981,
por causa do atentado de 13 de maio, João Paulo II ainda estava internado. Por
isso convidou o metropolita Damaskinos, ortodoxo não católico, para que falasse
em seu lugar na basílica de São Pedro do Vaticano. Para agradar aos ortodoxos
também rezou várias vezes o Credo sem dizer o “Filioque”,(12) fórmula rechaçada
por eles. Em junho de 1993, publicou-se a Declaração da Comissão mista para o
diálogo entre a Igreja Católica e a igreja ortodoxa, na qual se reconheciam as
comunidades ortodoxas não católicas como autênticas igrejas legítimas,
lamentava-se o zelo das igrejas católicas uniatas pela conversão dos que
permaneciam ainda fora da Igreja católica, e se proibia no futuro o
proselitismo, ou seja, a busca da conversão dos ortodoxos não católicos. Em
2004, para fomentar a união, entregou as relíquias de São Gregório Nazianzeno e
São João Crisóstomo, conservadas no Vaticano, ao Patriarca Bartolomeu I.
– Os
santos e papas anteriores: Os Santos Doutores nunca deixaram que os
hereges ou cismáticos pregassem em suas igrejas, mas os condenaram e preveniram
seus fiéis contra as falsas doutrinas deles. Por isso o Papa São Leão IX
anatematizou Miguel Cerulário,(13) que causou o cisma do Oriente. Por isso o
Papa Gregório XIII prescreveu solenemente aos gregos católicos que se rezasse o
“Filioque” na profissão de fé, porquanto expressa a verdade católica sobre a
processão do Espírito Santo, o Qual procede do Pai e do Filho. Depois da
ruptura, convencidos de que o Senhor edificou Sua Igreja sobre Pedro (Mateus
16,18) e só sobre ele, os Santos buscaram com afã a conversão dos cismáticos.
São Pedro Tomás (+1366, Bispo) trabalhou ardentemente para conseguir a
conversão do Imperador de Constantinopla, João Paleólogo. Na Polônia, São
Josafá (+1623, Bispo) dedicou sua vida a buscar as ovelhas perdidas e morreu
mártir nas mãos dos cismáticos.
Quarta
dificuldade: João Paulo II manifestou
admiração pelo Islã. Não buscou a conversão dos muçulmanos, mas os confortou em
suas crenças e princípios morais errôneos.
– Os
fatos: Em 19 de maio de 1985, afirmou que “cristãos
e muçulmanos nos encontramos na fé no Deus único, nosso criador, nosso guia,
nosso juiz clemente e misericordioso. Todos nos esforçamos para por em prática,
em nossa vida cotidiana, a vontade de Deus, seguindo os ensinamentos de nossos
respectivos livros sagrados”, seja a Bíblia, para os católicos, seja o Corão,
para os muçulmanos. No transcurso do ano de 1994, pediu ao prefeito de Roma que
cedesse gratuitamente um terreno para a construção de uma mesquita.(14) E para
mostrar o apreço e o respeito que tinha pelo Islã, em 14 de maio de 1999 beijou
publicamente o Corão. Foi também o primeiro Papa a entrar numa mesquita, em 6
de maio de 2001.(15)
– Os
santos e papas anteriores: Recordemos que no Corão se leem afirmações
como estas: “Certamente foram infiéis os que disseram: Alá é o Messias,
filho de Maria“; “os infiéis não são senão impureza e imundice; que não
se aproximam da mesquita“; “combatereis contra eles (os
infiéis) ou eles se converterão ao Islã” (16). “No tocante à
moral, dizia Santo Afonso de Ligório, o Corão permite roubar como
cada um quiser; permite ter tantas mulheres quantas se possa alimentar,
divorciar como se queira (…), ordena a guerra e a vingança (…),
manda matar a quem não adere à sua fé. O Corão pede que se tenha comunicação
com os demônios, para adivinhar por meio de feitiços e sortilégios“.(17)
Ademais, o livro fundamental do Islã promete aos muçulmanos um paraíso de amor
carnal, fundado sobre o vício.
Na
história da Cristandade, os Papas exortaram o poder temporal a que combatesse e
rechaçasse os assaltos islâmicos; e para comemorar cada vitória instituíam uma
nova festa litúrgica. Assim o Papa Calisto III (+1458), pelo triunfo que deteve
os islâmicos perto de Belgrado em 1456, estendeu à Igreja inteira a festa da
Transfiguração (6 de agosto). Para recordar a vitória de Lepanto, São Pio V (+
1572) instituiu a festa de Nossa Senhora do Rosário (7 de outubro), e em 1683 o
Beato Inocêncio XI (+ 1689) estendeu a toda a Igreja a festa do Santo Nome de
Maria (12 de setembro), em razão da vitória obtida contra os turcos por João
Sobieski (+ 1696, Rei da Polônia) em Viena.
Santo
Eulógio de Córdoba (+ 859, mártir) dedicou sua vida a proteger seu rebanho da
infidelidade maometana. Muitos de seus fiéis morreram mártires, e ele mesmo foi
decapitado depois de ter tratado de converter o juiz muçulmano que o condenava.
Santo
Aventino (+ 813, mártir), depois de ter arriscado sua vida durante anos para
exercer seu ministério em terras ocupadas pelos muçulmanos, foi finalmente
torturado e degolado por eles.
Santo
Emiliano (+ 725, Bispo), recordando o exemplo dos Macabeus, convidou seus fiéis
a tomar as armas contra o perigo muçulmano. Morreu no combate, alentando seus
filhos: “não temais uma morte que leva à vida”.
São
Francisco de Assis (+ 1226, Fundador dos franciscanos) visitou o sultão
Al-Kamel para pregar-lhe a conversão ao Evangelho. Do mesmo modo, o Padre
Charles de Foucauld (+ 1916, eremita de notória santidade) dedicou sua
existência à conversão dos muçulmanos do Saara.
Quinta
dificuldade: Aproximou-se dos judeus sem
chamá-los à conversão, deixando-os pensar que crer em Cristo é facultativo e
que o Antigo Testamento continue vigente.
– Os fatos: Seguindo o espírito do
Concílio Vaticano II,(18) afirmou que “os filhos de Israel são nossos ‘irmãos
maiores'”,(19) que têm “a fé no único, inefável Deus que nos interpela” e que
“a Antiga Aliança nunca foi rechaçada por Deus”.(20) Em 13 de abril de 1986, em
Roma, foi o primeiro Papa a visitar uma sinagoga, e para não incomodar os seus
hóspedes retirou do peito o crucifixo. Para mostrar que estavam em pé de
igualdade, prepararam-se duas cadeias idênticas para ele e para o grão-rabino,
e tiveram o mesmo tempo para falar. Aí disse ele que “a religião judaica é
intrínseca à nossa religião (…); sois nossos irmãos preferidos e, de certo
modo, poder-se-ia dizer, nossos irmãos mais velhos (…); estamos dispostos a
aprofundar o diálogo em lealdade e amizade, no respeito das convicções íntimas
de uns e de outros”.(21)
Em
26 de março de 2000 foi a Jerusalém e pediu perdão aos judeus pelos males que
sofreram durante 2000 anos por causa dos cristãos. Com esse mesmo fim,
introduziu uma mensagem em um dos interstícios das pedras do Muro das
Lamentações, que é o lugar mais sagrado do judaísmo contemporâneo. Várias vezes
recebeu no Vaticano os representantes da religião mosaica, e sua atitude
favorável ao judaísmo lhe mereceu numerosos reconhecimentos por parte dos
filhos de Israel.
– Os
santos e papas anteriores: Como manifestam as promessas divinas feitas a
Abraão, Isaac e Jacó,(22) o povo hebreu foi eleito por Deus com o fim de
preparar a vinda do Messias. Por essa razão Santo Tomás (+ 1274, Doutor da
Igreja) afirmava que “o fim do Antigo Testamento é o Novo Testamento” (23) e
que “o estado da antiga lei foi instituído para figurar o mistério de
Cristo”.(24)
Nosso
Senhor Jesus Cristo veio dar cumprimento e completar a lei mosaica, de tal modo
que a Antiga Aliança foi revogada e cedeu lugar a uma nova Aliança, mais
perfeita e eterna, que o Filho de Deus selou com Seu Sangue sobre a Cruz: “isto
é o Meu Sangue, o Sangue do Novo Testamento, que será derramado por muitos para
remissão dos pecados” (Mateus 26,28). Portanto, não se pode dizer que o Antigo
Testamento tenha continuado vigente depois da vinda de Cristo. Afirmá-lo seria
negar que Jesus seja o Messias.
Por
outro lado, o Senhor afirmou claramente a absoluta necessidade da fé n’Ele para
alcançar a vida eterna: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida: ninguém vem ao
Pai senão por mim” (João 14,6); “Eu sou a porta; aquele que por mim entra se
salvará e entrará e sairá e achará pastagem” (João 10,9); “Quem crê n’Ele
(Jesus) não é condenado; mas aquele que não crê já está condenado, porque não
crê no nome do Filho Unigênito de Deus” (João 3,18).
Seguindo
as mesmas palavras do Salvador, os Santos sempre ensinaram a necessidade
absoluta da fé no Verbo encarnado para agradar a Deus e salvar-se. São João
Batista dizia: “O Pai ama o Filho e pôs todas as coisas em Sua mão. Aquele que
crê no Filho de Deus tem a vida eterna; mas quem não crê no Filho não verá a
vida, mas, ao contrário, a ira de Deus permanece sempre sobre sua cabeça” (João
3,35-36). São João escrevia que “Cristo é a própria verdade” (1João 5,5); “a
lei foi dada por Moisés; mas a graça e a verdade foram trazidas por Jesus
Cristo” (João 1,17), de tal maneira que todo aquele que rechaça a Jesus está
necessariamente no erro e não pode acender a Deus: “Quem é o mentiroso senão o
que nega que Jesus é o Cristo? Eis o Anticristo, o que nega o Pai e o Filho.
Qualquer um que nega o Filho não tem o Pai; quem confessa o Filho possui também
o Pai” (1João 2,22-23).
Por
isso os Santos sempre convidaram os judeus a reconhecer a Jesus como Messias e
a converter-se. Assim o primeiro Papa, São Pedro, dizia no dia de Pentecostes:
“Convença-se, pois, toda a casa de Israel de que Deus constituiu Senhor e
Cristo a esse mesmo Jesus que vós crucificastes (…). Fazei penitência e seja
batizado cada um de vós no nome de Jesus Cristo para remissão de vossos
pecados; e recebereis o dom do Espírito Santo” (Atos 2,36.38).
Em
outra oportunidade afirmava novamente que “Ele (Jesus) é a pedra rejeitada por
vós, os construtores, que se tornou pedra angular. Em nenhum outro há saudação,
pois nenhum outro nome foi dado sob o céu, entre os homens, pelo qual possamos
ser salvos” (Atos 4,11-12).
Santo
Estêvão (século I, primeiro mártir) foi apedrejado porque pregava a conversão
aos judeus e afirmava que via a “Jesus de pé à direita de Deus” (Atos 7,55).
São Paulo passou sua vida pregando e demonstrando que “Jesus é o Messias” (Atos
9,22), afirmando incansavelmente que “há um só Deus e um só mediador entre Deus
e os homens, o homem Cristo Jesus” (II Timóteo 2,5).
Sexta
dificuldade: João Paulo II presenciou ritos
pagãos e ainda aprovou ritos de bruxaria e feitiços que honram o demônio:
– Os fatos: Em 10 de agosto de 1985,
durante sua visita pastoral ao Togo (África), foi rezar no bosque sagrado
animista. Enquanto chegava a seu posto, o Aveto do bosque sagrado – um ancião
consagrado ao culto dos espíritos dos defuntos – começou a invocar os espíritos
dos antepassados: “Poder da água, eu te invoco; antepassados ‘Be’, eu vos
invoco…” O jornal oficioso do Vaticano comentou que “foi realmente uma
homenagem aos antepassados o primeiro gesto feito por João Paulo II ao chegar a
Togoville. Foi-lhe entregue uma cabaça cheia de água e de farinha de milho. O
Papa a tomou entre as mãos e depois de uma ligeira inclinação espargiu a água
ao redor. Fez o mesmo nesta manhã, antes de celebrar a missa”. Isso significa
que “a água se compartilha com os antepassados derramando-a na mesma terra que
conserva os restos mortais desses e seu espírito”.(25)
Em 2
de fevereiro de 1986, começando sua viagem à Índia, durante a missa maior em
Nova Deli, prestou-se a outra cerimônia animista. Em Madras recebeu a cana de
açúcar trançada em forma de báculo, que significa a oferenda hindu ao deus
carnal, e se lhe impuseram as cinzas sagradas. Três dias antes já tinha
recebido na fronte a marca de pó vermelho dos hinduístas, sinal de
reconhecimento dos adoradores de Shiva.(26)
Em 4
de fevereiro de 1993, durante sua viagem a Benin (África), reuniu-se com os
bruxos vodus e lhes disse: “A Igreja deseja estabelecer relações positivas e
construtivas com grupos humanos de credos diferentes com vistas a um
enriquecimento recíproco. O Concílio Vaticano II (…) reconheceu que há coisas
boas e verdadeiras, sementes do Verbo, nas diferentes tradições religiosas (…).
É legítimo sentir-se agradecidos aos anciões do rito vodu que transmitiram o
sentido do sagrado, a fé num Deus único e bom, o gosto pela celebração, a
estima pela vida moral e a harmonia na sociedade.(27)
Um
diário ultralaicista comentava da seguinte forma a viagem: “Em confirmação de
uma disponibilidade ao diálogo sem exclusões de nenhum tipo, João Paulo Ii se
reunirá com sacerdotes e sacerdotisas do culto vodu, os misteriosos adoradores
do “bezerro de ouro” e a serpente Damballah, por ocasião de sua décima viagem
africana. O programa, publicado ontem, anuncia uma reunião sua em Cotonú, em
Benin, com os adeptos desse antigo culto, que se expressa com sacrifícios de
animais, manifestações de magia branca e negra, e desenfreadas danças
propiciatórias de bruxos e bruxas. Desde o Benin, através do Oceano, o culto
vodu se arraigou sobretudo no Haiti, onde se dança a erótica ‘banca’ (…).
Quando têm de dar presentes, os sacerdotes do vodu oferecem objetos contra os
malefícios, à vezes pesados, que se deve pendurar na porta da casa. Os mercados
de Cotonú estão cheios deles. No dizer de muitos ocidentais, os ‘feitiços’ e os
‘contrafeitiços’ vodu são eficacíssimos”.(28)
Várias
vezes manifestou também seu apreço pela religião budista, em razão de “seus
altos valores espirituais, tais como a pureza, o desprendimento do coração, o
amor à beleza da natureza”.(29)
– Os
santos e papas anteriores: O Antigo Testamento condena em inumeráveis
lugares a prática da idolatria, pela simples razão de que “todos os deuses das
nações [os pagãos] são demônios” (Salmo 95,5). São Paulo dizia: “caríssimos
meus, fugi do culto dos ídolos (…); as coisas sacrificadas pelos gentis são
sacrificadas aos demônios, e não a Deus. E não quero que tenhais qualquer
parte, nem por sombra, com os demônios” (1Cor 10,14-22).
E
São João: “Sabemos que somos de Deus, enquanto o mundo todo está sob o
maligno, e sabemos que o Filho de Deus veio e nos deu inteligência para
conhecermos o que é verdadeiro; e nós estamos no Verdadeiro, em Seu Filho Jesus
Cristo. Ele é o verdadeiro Deus e a vida eterna. Filhinhos, guardai-vos dos
ídolos” (1João 5,19-21).
Por
isso os Pontífices condenaram a mais leve participação nos cultos pagãos; assim
o Papa Bento XIV (+ 1758) na constituição “Ex quo Singulari”de
1742.
Na
época do império romano, milhares de mártires morreram porque não queriam
queimar incenso aos deuses pagãos, como por exemplo os Santos Nereu, Aquileu,
Domitila, Eufrosina e Teodora (+ século I). São Cipriano (+ 258, Bispo de
Cartago) rejeitou associar o culto dos ídolos ao do verdadeiro Deus, e recebeu
sua sentença de morte dizendo: “Bendito seja Deus“.
Sétima
dificuldade: João Paulo II convidou as
falsas religiões a rezar para seus falsos deuses. Presenciou encontros
ecumênicos que levaram as almas a um indiferentismo próprio aos inimigos da
Igreja.
– Os fatos: Em várias oportunidades,
convidou a encontros com representantes de outras religiões, com o fim de rezar
pela paz. Desse modo em 27 de outubro de 1986 teve lugar a primeira reunião de
Assis; seguiu outra reunião na mesma cidade em 9 de janeiro de 1993, e uma
última em 24 de janeiro de 2002.
Afirmou
que a presença comum dos representantes de várias religiões se fundava “em
última análise no mútuo reconhecimento e no respeito recíproco tanto do caminho
seguido por cada qual como da religião a que pertence cada um enquanto caminho
de acesso a Deus“.(30) Alegrou-se de que rezavam todos “com uma
só voz ao Senhor da história pela paz do mundo“.(31)
Essas
iniciativas lhe mereceram as felicitações da Maçonaria. Assim a Civiltá
Cattolica escreveu: “Os mações da Grande Loja Nacional da França desejam
associar-se de todo o coração à oração ecumênica que em 27 de outubro reunirá
em Assis, a favor da paz no mundo, responsáveis de todas as religiões“.(32)
O
Grande Oriente da Itália lhe manifestou sua completa aprovação: “A sabedoria
maçônica estabeleceu que ninguém pode ser iniciado se não crê no Grande
Arquiteto do Universo, mas que ninguém pode ser excluído de nossa família por
causa do Deus em que crê e do modo em que o honra. A esse interconfessionalismo
nosso se deve a excomunhão que Clemente XII fulminou contra nós em 1738. Mas a
Igreja se equivocava, certamente, se é verdade que em 27 de outubro de 1986 o
pontífice atual congregou em Assis homens de todas as confissões religiosas
para rezar juntos pela paz. E que outra coisa iam buscando nossos irmãos senão
o amor entre os homens, a tolerância, a defesa da dignidade humana, quando se
reuniam nos templos, considerando-se iguais, acima das fés políticas, das fés
religiosas e da diferente cor de pele?“(33)
– Os
santos e papas anteriores: As reuniões inter-religiosas foram condenadas
especialmente pelo Papa Pio XI, porque se fundam na “falsa opinião dos que
pensam que todas as religiões são, com pouca diferença, boas e louváveis”.
Por isso, “claramente se vê que nem a Sé Apostólica pode de maneira alguma
participar em ditos Congressos nem de modo algum podem os católicos favorecer
ou cooperar com semelhantes intentos; e, se o fizessem, dariam autoridade a uma
falsa religião cristã, totalmente alheia à única e verdadeira Igreja de Cristo“.(34)
Com
relação à maçonaria, desde o século XVIII os Papas não se cansaram de denunciar
e condenar seus fins anticristãos.
Oitava
dificuldade: João Paulo II colaborou com a
descristianização dos Estados, fomentando sua separação da Igreja e
considerando o laicismo como um ideal. Renunciou a condenar o comunismo.
– Os
fatos: Em 18 de fevereiro de 1984, ele aprovou a
nova Concordata entre o Vaticano e a República Italiana, em que desaparece o
caráter sagrado de Roma e “se considera que já não está em vigor o
princípio (…)segundo o qual a religião católica é a única religião
do Estado italiano“. Pareceu-lhe nesse momento que esse novo acordo era uma
“inspiração ideal” portadora “de bem moral” e de “progresso
civil“.(35) Visitou ou tomou contato com países com Espanha, Itália,
Índia, Polônia, União Soviética, Coreia e China, nos quais reinava o comunismo
ou o socialismo sem condená-lo. Só promoveu a democracia universal e a
liberdade religiosa.(36)
– Os
santos e papas anteriores: A necessidade do Reinado Social de Nosso
Senhor Jesus Cristo foi constantemente afirmada pelos papas ao longo da
história. Foi recordada especialmente por Pio XI.(37) Fomentando tal Reinado,
Santo Ambrósio (+397, Doutor da Igreja) fez declarar ao imperador Valentiniano
II que os imperadores tinham de estar às ordens de Deus, assim como os cidadãos
tinham de estar às ordens do imperador como soldados. São Porfírio (+420,
Bispo) escreveu a São João Crisóstomo (+407, Doutor da Igreja) para pedir-lhe
que convencesse o Imperador a ordenar a destruição dos templos pagãos. São
Bernardo (+1153, Doutor da Igreja) percorreu a Europa para reformar a
Cristandade e para que o Evangelho fosse a lei universal dos Estados. São
Remígio (+533, Bispo) fez todo o possível para que Clóvis deixasse o paganismo
e logo apoiasse o cristianismo em seu reino. São Luís (+1270, Rei da França),
São Ladislau (+1095, Rei da Hungria), Santo Eduardo (+1066, Rei da Inglaterra)
e todos os santos reis promoveram o mais que puderam a religião católica.
Esforçaram-se por fazê-la a religião do Estado quando ainda não fosse.
Também
poderíamos comentar a dessacralização do culto, as cerimônias de arrependimento
pelas obras da Santa Inquisição, o novo Direito Canônico de 1983 que permite
dar a comunhão aos hereges, o apoio incondicional a teólogos modernistas como
Lubac ou Theillard de Chardin… O pontificado do recém-beato apresenta numerosas
dificuldades se o comparamos com os exemplos e ensinamentos dos santos e papas
anteriores.
Conclusão:
O Evangelho de Jesus ou o “evangelho distinto” do ecumenismo
Está
claro que a beatificação de João Paulo II apresenta um grave problema de
consciência para qualquer católico. Estamos diante de um dilema. A quem devemos
imitar? O recém-beatificado, ou aos outros santos? A resposta nos dará São
Paulo (Gl 1,8): “Ainda que nós ou um anjo do céu vos anuncie outro evangelho
distinto do que vos anunciamos, seja anátema”. Ora, chegados ao final desse
artigo, podemos dizer que na época atual esse “evangelho distinto”, de origem
maçônica e liberal, tem nome e sobrenome: chama-se ecumenismo.
Em
nome do ecumenismo João Paulo II silenciou o Evangelho de Jesus Cristo, calou
que “Cristo é a própria Verdade” (1João 5,5) e que “nenhum outro nome nos foi
dado sob o céu, entre os homens, pelo qual possamos ser salvos” (Atos 4,11-12).
Nós
católicos não podemos aceitar essa nova doutrina, segundo a qual a mediação de
Jesus, “Caminho, Verdade e Vida” (João 14,6), não é necessária para a salvação.
Quem nos pregar esse “evangelho distinto”, ainda que seja “um anjo do céu” ou a
maior autoridade na Igreja, não pode receber nosso assentimento. Por esse
motivo não nos alegramos pela beatificação de João Paulo II nem podemos
considerá-lo um modelo de vida cristã. Preferimos seguir o Evangelho de Jesus
Cristo e aos santos que o pregaram, recordando as palavras de São Paulo: “nunca
quis saber de coisa alguma senão de Jesus Cristo, e este crucificado” (1Cor
2,2); “Ele é o verdadeiro Deus e a vida eterna” (1João 5,21).
Padre Jean-Michel Gomis, F.S.S.P.X
NOTAS:
(1) Discurso na cerimônia de boas vindas no aeroporto «Fornebu» de
Oslo, Noruega, de 1º de junho de 1989.
(2) Unitatis Redintegratio, nº3 d), retomado por João Paulo II na
Exortação Catechesi tradendae de 16 de outubro de 1979, nº 32.
(3) “L’Osservatore Romano” de 6 de fevereiro de 1993, citado pela
Revista Sí Sí No No de julho-outubro de 2007, p. 41.
(4) Declaração da Comissão mista para o diálogo entre a Igreja
Católica e a igreja ortodoxa, 23 de junho de 1993, nº 2 e 22.
(5) “L’Osservatore Romano” de 4 de fevereiro de 2000.
(6) Walter Kasper, L’engagement oecuménique de l’Eglise
Catholique, conferência de 23 de março de 2002 à Assembleia Geral da
“Fédération protestante de France”, em Oecuménisme informations nº 325, de maio
de 2002 e nº 326 de junho de 2002.
(7) Encíclica “Quanto confiamur moerore” de 10 de agosto de 1863.
(8) Documentation catholique de 21 de dezembro de 1980.
(9) Documentation catholique de 4 de dezembro de 1983.
(10) Bula “Exsurge Domine” de 15 de junho de 1520.
(11) Santo Afonso, A verdade da fé, cap. 3.
(12) Pelo menos com o Patriarca Dimítrios I em 7 de dezembro de
1987, com o Patriarca Bartolomeu I em junho de 1995, e com o Patriarca
Teoctiste em 13 de outubro de 2002.
(13) Carta de 2 de setembro de 1054.
(14) Zênite (versão francesa) de 28 de abril de 2011.
(15) Precisamente na Mesquita dos Omíadas, em Damasco. É
considerado o quarto lugar mais sagrado do Islã.
(16) Citado por “Pierre, m’aimes-tu?”, Daniel Le Roux, Edições
Fideliter (1988), pág. 120.
(17) Santo Afonso, “A verdade da fé”, Cap. 1º.
(18) Cfr. “Nostra Aetate”.
(19) “Cruzando os umbrais da esperança” (1994).
(20) Discurso em Mogúncia de 17 de novembro de 1980.
(21) “L’Osservatore Romano” de 14-15 de abril de
1986, citado por “Si Si No No”, pág. 34.
(22) Cfr. O livro do Gênesis.
(23) Santo Tomás, “Comentário sobre o Salmo 39”, começo.
(24) “Suma teológica”, 1a 2ae, c.102, a.4.
(25) “L’Osservatore Romano”, 11 de agosto de
1985, citado por “Si Si No No”, págs. 33-34.
(26) Cfr. “Pedro, ¿me amas?”, Editorial Fundação
São Pio X (1989), pág. 74.
(27) “L’Osservatore Romano”, 6 de fevereiro de
1993, citado por “Si Si No No”, pág. 41.
(28) “Corriere della Sera” de 17 de janeiro de
1993, citado por “Si Si No No”, págs. 41-42.
(29) Cfr. “Pedro, ¿me amas?”, Editorial Fundação
São Pio X (1989), pág. 69.
(30) “L’Osservatore Romano” de 17 de setembro de
1986, citado por “Si Si No No”, pág. 35.
(31) “Ut unum sint!”, 25 de maio de 1995, §76.
(32) 6 de outubro de 1986, citado por “Si Si No No”, pág.
36.
(33) “Hiram”, revista do Grande Oriente de
Italia, abril de 1987, citado por “Si Si No No”, págs. 36-37.
(34) Encíclica “Mortalium animos”, de 6 de
janeiro de 1928.
(35) Citado pela Revista “Sí Sí No No” de
julho-outubro de 2007, págs. 32-33.
(36) Cfr. “Pedro, ¿me amas?”, Editorial Fundação
São Pio X (1989), págs. 86-92.
(37) Encíclica “Quas primas” de 11 de dezembro de
1925.
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