Doutor da Igreja e um dos mais destacados santos da Idade Média, trabalhou incansavelmente para a implantação da admirável reforma cluniacense numa época conturbada da História da Igreja
Plinio Maria Solimeo
No artigo sobre Santo Odilon, publicado em janeiro, mencionamos de passagem São Pedro Damião como tendo sido seu biógrafo. Defensor impertérrito dos direitos e da pureza da Igreja em seu tempo, esse grande santo é o nosso tema de hoje.
De origem nobre, mas empobrecido
Os primeiros anos de Pedro Damião foram cercados dos maiores sofrimentos. Ao nascer em Ravena, Itália, no ano de 1007, de pais nobres caídos na pobreza, seu irmão mais velho reclamou asperamente com a mãe, dizendo que a família já era muito grande e muito pobre para ter mais uma boca. A senhora ficou tão abalada, que abandonou o recém-nascido à sua própria sorte, recusando-se até mesmo a amamentá-lo. Uma mulher de fora da família, vendo a criança morrer à míngua, teve pena dela e tomou-a sob seus cuidados.
Mais tarde, tendo ficado órfão, um dos irmãos tomou-o consigo, mais como servo do que como irmão, fazendo-o guardador de porcos.
Apesar de circunstâncias tão desfavoráveis, o pequeno Pedro não era um revoltado, nem se sentia um “injustiçado” ou “oprimido”, mas contentava-se com a partilha que recebera das mãos de Deus. Um dia, no campo, encontrou uma moeda de algum valor. Pensou logo em comprar algo que pudesse saciar sua contínua fome. Mas, refletindo depois, viu que isso lhe traria apenas um prazer passageiro. Resolveu então usar o dinheiro para mandar celebrar uma Missa pela alma do falecido pai.
Foi então quando outro irmão, chamado Damião, que era arcipreste (título honorífico conferido a um pároco em alguns países europeus) em Ravena, compadecido da sorte do caçula, levou-o consigo. Vendo as grandes qualidades do menino, pô-lo a estudar e cuidou dele com desvelo paterno. Mais tarde, agradecido, Pedro quis acrescentar ao seu nome o desse irmão e benfeitor.
Professor afamado, sente atração pelo claustro
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São Pedro Damião nasceu em Ravena, em 1007 |
Mas não eram as glórias do mundo que ele procurava. Quanto mais popular se tornava, mais sentia atração pelo claustro. O jovem professor já levava uma vida virtuosa, procurando domar as suas paixões, submetendo-as às leis da razão e da graça. Jejuava frequentemente, usava cilício e, sobretudo, recorria com frequência à oração.Graças a seus extraordinários dotes intelectuais, o jovem logo recuperou o tempo perdido para os estudos. Fez tão grandes progressos, que o irmão o fez estudar depois nas escolas de Ravena, Faença e Parma. Quando Pedro Damião tinha apenas 25 anos, já era afamado professor.
Ele dava todos os dias de comer a vários pobres, servindo-os ele próprio, e socorrendo aos demais necessitados de acordo com as suas possibilidades.
Admitido como eremita camaldulense
Em 1035 Pedro Damião encontrou-se com dois eremitas camaldulenses de Fonte Avelana, cuja regra, muito restrita, fora escrita por São Romualdo. Ficou tão encantado com a sua espiritualidade e desapego do mundo, que logo pensou em tornar-se um deles. Dois meses depois ele se apresentava a esse mosteiro, localizado aos pés dos Apeninos, e pedia admissão.
Conhecedor de sua reputação de varão íntegro e piedoso, o prior ordenou-lhe que vestisse a cógula beneditina sem passar pelo tempo de postulantado prescrito pela regra. Pedro Damião entregou-se com tal fervor à nova vida, que mesmo eremitas já avançados em anos e virtude o tomavam como exemplo.
Segundo a regra, esses eremitas jejuavam ordinariamente a pão e água quatro dias por semana. Nos demais dias, acrescentavam apenas um pouco de legumes cozidos. Eles andavam por penitência sempre descalços, rezavam por tempo prolongado e flagelavam-se em alguns dias da semana.
Pedro Damião entregou-se também ao estudo das Sagradas Escrituras e da doutrina da Igreja, de modo que, pouco depois, o Superior lhe ordenou pregar aos religiosos da comunidade. Como o sucesso foi grande, a notícia espalhou-se por outros mosteiros vizinhos, e todos pediam ao prior que lhes enviasse Frei Pedro Damião para pregar também para eles.
Vendo a prudência, a competência e o bom senso de Pedro Damião, o prior o nomeou ecônomo do mosteiro e seu sucessor. Quando o prior faleceu em 1043, o santo lhe sucedeu.
Modelando santos, enfrentando a crise
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Mosteiro de Fonte Avelana, dirigido com muito zelo pelo santo no ano de 1043 |
Entre as práticas de piedade que São Pedro Damião estabeleceu nos mosteiros sob sua jurisdição estão recitação do Ofício Parvo de Nossa Senhora, a dedicação das segundas-feiras às almas do Purgatório, das sextas-feiras à Paixão de Nosso Senhor e dos sábados a Nossa Senhora. São Pedro Damião escreveu para seus monges o livro Do desprezo do mundo.O governo de São Pedro Damião levou o mosteiro a uma era de prosperidade espiritual e material. A afluência de noviços foi tal, que ele teve de fundar outros mosteiros para recebê-los. Entre os discípulos formados na sua escola destacam-se São Rodolfo, depois bispo de Gúbio, São Domingos Encouraçado e São João de Lodi, que escreveu a sua vida.
Mas era necessário que essa luz brilhasse também em toda a Igreja. Aquela época foi tão conturbada que, durante os 65 anos da vida do santo, nada menos que 16 papas governaram a Igreja. Por outro lado, por abuso de poder, os príncipes distribuíam abadias e bispados entre seus favoritos sem ciência nem virtude, havendo assim inúmeros bispos e sacerdotes indignos, ignorantes e luxuriosos.
Em 1045, o indigno Papa Bento IX resignou ao supremo pontificado nas mãos do arcipreste João Graciano, que se tornou Gregório VI. São Pedro Damião viu essa mudança com alegria, e escreveu ao novo pontífice urgindo-o a tratar dos escândalos na Igreja. Mas o novo Papa, sentindo-se impotente para enfrentar tantos males, abdicou apenas um ano depois. Clemente II e Damaso II, seus sucessores imediatos, tiveram rápida passagem pelo Sólio Pontifício. A missão de procurar remédio eficaz às desordens na Igreja estava reservada a São Leão IX, elevado ao papado no início de 1049. Para isso, ele nomeou para seu conselheiro e sua destra o monge de Cluny, Hildebrando, futuro Gregório VII, que se tornou uma das maiores glórias da Igreja, alma da chamada reforma cluniacense.
Foi então que São Pedro Damião escreveu seu Livro de Gomorra, dedicado ao Papa santo, no qual ele fustigava com vigor os desmandos da época, sobretudo dos eclesiásticos. Eis o que um santo especialmente intransigente em relação à doutrina e costumes, diz daquela época, entretanto muitíssimo menos corrompida que a nossa: “Este mundo funde-se a cada dia na corrupção, de tal modo que todas as classes sociais estão apodrecidas. Não há pudor nem decência, nem religião. O brilhante tropel das santas virtudes fugiu de nós. Todos buscam seu interesse; estão devorados pelo apetite insaciável dos bens da terra. O fim do mundo se aproxima e eles não cessam de pecar. Fervem as ondas furiosas do orgulho, e a luxúria levanta uma tempestade geral. A ordem do matrimônio está confundida, e os cristãos vivem como pagãos. Todos, grandes e pequenos, estão enredados na concupiscência; ninguém tem vergonha do sacrilégio, do perjúrio, da luxúria, e o mundo é um abismo de inveja e hediondez”.1
O livro provocou enorme ruído, e o próprio Pontífice, que o tinha antes elogiado, mostrou depois certa frieza, julgando que faltou ao outro santo certa moderação no expor os vícios do clero. A frieza do Papa provocou uma carta de protesto do fogoso Pedro Damião.2
Bispo de Óstia, colaborador da reforma cluniacense
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Corpo de São Pedro Damião |
Tendo Estêvão IX morrido prematuramente em 1058, alguns membros da nobreza romana, através do suborno e da corrupção, elegeram papa o bispo de Villetri com o nome de Bento X. São Pedro Damião e os demais cardeais protestaram contra essa intrusão, e denunciaram o antipapa como simoníaco, por ter comprado o cargo. Retornando de uma viagem à Alemanha, o monge Hildebrando obteve que se elegesse Nicolau II como legítimo Pontífice.Os dois papas seguintes, Vítor II e Estêvão IX, também entretiveram estreita amizade com Pedro Damião. O segundo, seguindo os conselhos do monge Hildebrando, nomeou o santo, em 1057, cardeal-bispo de Óstia. Confiou-lhe também a administração provisória da diocese de Gúbio.
Foi no tempo desse Papa que São Pedro Damião foi enviado como legado a Milão, cidade conturbada por grandes desordens; “Era coisa inteiramente pública e de uso comum comprar-se benefícios [eclesiásticos] a preço de prata. Não se tinha mais consideração pela capacidade nem pelos bons costumes, que são, entretanto, as únicas qualidades que se deve ter em conta, segundo os santos cânones, na distribuição dos benefícios. Comprava-se mesmo a ordenação sacerdotal. A outra desordem era a de que esses padres, calcando aos pés a santidade de seu estado e as leis eclesiásticas, ousavam contrair matrimônio, e com tanta pompa e brilho quanto os seculares”.3
Tal era a situação nessa cidade, que por pouco São Pedro Damião não foi martirizado. Mas enfim ele conseguiu, com as palavras do próprio Santo Ambrósio, acalmar o tumulto insuflado pelos padres libidinosos, alcançando então seu objetivo. Seu principal cuidado, além de pôr termo à desordem, foi de evitar sua repetição mediante sábias providências. Deixou depois Milão louvado e aclamado pelo povo.
À morte de Nicolau II houve novo cisma. Ao papa Alexandre II, eleito por influência do futuro São Gregório VII, os simoníacos e escandalosos opuseram Cadalo, bispo de Parma, com o nome de Honório II. A este São Pedro Damião mandou duas enérgicas cartas, repreendendo-o por sua ambição e ameaçando-o com os castigos divinos. Depois, às suas instâncias, congregou-se um Concílio em Mântua, em 1064, no qual se confirmou a destituição de Cadalo.
Esse grande santo ainda realizou muitas outras obras em prol da Igreja, mas o reduzido espaço não me permite abordá-las aqui. No ano de 1072, na véspera da festa da Cátedra de São Pedro, 22 de fevereiro, da qual era muito devoto, retornando de uma de suas missões, São Pedro Damião faleceu, próximo de Faença. Leão XII estendeu seu culto à Igreja universal em 1828, declarando-o Doutor da Igreja.
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Notas:
1. In Fr. Justo Pérez de Urbel, O.S.B., Año Cristiano, Ediciones Fax, Madrid, 1945, tomo I, pp. 351-352.
2. Cfr. Leslie A. St. L. Toke, St. Peter Damian, The Catholic Encyclopedia, CD Rom edition.
3. Les Petits Bollandistes, Vies des Saints, Bloud et Barral, Libraires-Éditeurs, Paris, 1882, tomo II, p. 634.
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