“Nossa vida transcorrendo nas duas ordens, natural e sobrenatural, interpenetradas em cada instante, e sendo elas como vimos no artigo anterior, tão contrastadamente constituídas, é de se esperar que freqüentemente surjam situações conflitantes em que a alma religiosa pode esquecer a fulgurante e maravilhosa descoberta da infinita prevalência da ordem da salvação e da graça sobre a ordem natural das atividades humanas.
Meu Deus, como poderemos contestar a superioridade da vida eterna e da eterna felicidade na luz da glória e na terra dos ressuscitados, com os peregrinos e efêmeros sucessos deste sopro que ontem nos tirou do nada e amanhã nos deixará no mesmo pó de onde viemos? Posto o problema nesses termos — e as almas de eleição são marcadas pela heróica opção que assim coloca a problemática da vida — nada mais teríamos a acrescentar. O critério da alma religiosa deve ser o critério dos santos, o critério do Nosso Senhor Jesus Cristo.”
Gustavo Corção, «O Globo, 13.8,77, rep. «Permanência». (org.br)
* * *
OS CONFLITOS ESTRITAMENTE HUMANOS NÃO PODEM INTERFERIR NA ORDEM SOBRENATURAL
Alberto Carlos Rosa Ferreira das Neves Cabral
Escutemos São Paulo, na sua primeira Epístola a Timóteo:
«Caríssimo: A piedade é de facto uma grande fonte de lucro, contanto que nos bastemos a nós mesmos. Com efeito, SE NADA TROUXEMOS A ESTE MUNDO, NÃO É MENOS CERTO QUE NADA PODEMOS DE CÁ LEVAR. TENDO DE COMER E COM QUE COBRIR-NOS, DEVEMOS ESTAR CONTENTES. Na Verdade os que pretendem enriquecer, CAEM NA TENTAÇÃO, NOS LAÇOS DO DEMÓNIO, E NA ONDA DE AVIDEZ INSENSATA E FUNESTA, QUE FAZ MERGULHAR O HOMEM NA MORTE E NA PERDIÇÃO: PORQUE A RAIZ DE TODOS OS MALES É A FEBRE DO DINHEIRO. Alguns, por causa dela, desencaminharam-se da Fé, e enredaram-se em múltiplas e dolorosas complicações. Tu porém, homem de Deus, evita tudo isso, buscando a justiça, a piedade, a Fé, a Caridade, a Constância, a Mansidão.
Combate o bom combate da Fé, e conquista a vida Eterna» ITim 6,6-12
Sempre foi frequentíssimo, ao longo dos séculos, e em todos os lugares, os ditos fiéis católicos apegarem-se sòmente à dimensão puramente humana da religião; de modo que, quando nesta ocorre uma falha, uma ofensa, uma antipatia, os ditos fiéis pura e simplesmente abandonam tudo – O QUE SIGNIFICA QUE NA REALIDADE NÃO PROFESSAVAM A FÉ TEOLOGAL, SOBRENATURAL.
Nosso Senhor Jesus Cristo, ao fundar a Sua Igreja, conferindo-lhe a sua Divina Constituição, quis que o Seu Corpo Místico revestisse uma estrutura humana, hierárquica, jurìdicamente vinculada; quis que a única arca de Salvação para os homens, ao ordenar-se toda para o Céu, possuísse, contudo, os pés bem assentes na Terra. Tal é perfeitamente consentâneo com a orientação filosófica que concebe o homem como um animal racional, e não como um espírito encarnado, e portanto concebe a humana sociabilidade como uma realidade ontológica e intrìnsecamente constitutiva da humana condição.
A Santa Madre Igreja, na sua face humana, teria assim de sofrer todas as vicissitudes inerentes ao peregrinar do Homem sobre a Terra, através das gerações, e sob as Leis da Divina Providência.
O Caminho da Santa Mãe Igreja é o Caminho do próprio Nosso Senhor Jesus Cristo, que na Sua vida mortal sofreu EXTRÌNSECAMENTE todas as misérias da condição humana; pois que a Natureza Humana do Senhor era INTRÌNSECAMENTE PERFEITÍSSIMA, E POR SI MESMO, O SENHOR NÃO PODERIA TER MORRIDO DE MORTE NATURAL, TAL COMO NOSSA SENHORA, TODAVIA, JESUS E MARIA SEMPRE MORRERIAM POR CAUSAS NATURAIS EXTRÍNSECAS, PROVENIENTES DE UM MUNDO, FÍSICA E MORALMENTE, FERIDO PELO PECADO ORIGINAL.
A actual agonia da Santa Igreja segue os passos dolorosos do Salvador, tal como O seguiu em todas as fases da Sua vida; EXISTE UMA ANALOGIA TRANSCENDENTAL, SOBRENATURAL, EXTREMAMENTE PROFUNDA, MISTERIOSAMENTE FECUNDÍSSIMA, ENTRE A VIDA TERRENA DA IGREJA E A VIDA DE CRISTO. E SÒMENTE À LUZ DE TAL ANALOGIA PODEREMOS HAURIR PRINCÍPIOS SUSCEPTÍVEIS DE DISSIPAR AS TREVAS EM QUE VIVEMOS.
Neste quadro conceptual, quão ridículas e pecaminosas são as nossas susceptibilidades humanas, pelas quais, almas supostamente fiéis cessam a sua participação no Santo Sacrifício da Missa, por causa de um problema puramente humano com o sacerdote. Qual o conceito que estas almas fazem da Santíssima Trindade, de Nosso Senhor Jesus Cristo, verdadeiro Deus, e verdadeiro Homem? Que conceito fazem do Santo Sacrifício da Missa, renovação incruenta do Sacrifício da Cruz? Que conceito fazem dos Mandamentos da Lei de Deus e da vida Eterna? Em síntese, que conceito fazem da TRANSCENDENTALIDADE E DA OBJECTIVIDADE DA RELIGIÃO?
Evidentemente que nenhum. Tudo se reduz a meia dúzia de superstições, nutridas por um sentimentalismo completamente cego. E no entanto, este tipo de almas constituiu sempre a maioria dos ditos fiéis.
Neste enquadramento, como poderia a Igreja discente resistir aos usurpadores que se apoderaram da face humana do Corpo Místico?
A sacrossanta Fé Católica supera infinitamente todas as questões humanas, mesmo as mais legítimas. Os Mistérios Sobrenaturais irradiam uma Luz Infinita, perante a qual, os nossos problemazinhos não são mais do que uma hedionda treva.
Aqui, e mais uma vez, a raiz do mal reside no subjectivismo, no orgulho, na pusilanimidade; defeitos graves que diminuem a alma, impedindo-a de ser grande, objectiva, orientada essencialmente para Deus Uno e Trino.
Porque a finalidade da Criação, consiste no anúncio da Glória extrínseca de Deus, e não na glória da criatura.
Disse Nosso Senhor: “A minha Doutrina não me pertence, é d’Aquele que me enviou. Se alguém quiser fazer a vontade d’Ele, saberá se a Minha Doutrina vem de Deus, ou se falo de Mim mesmo. Aquele QUE FALA DE SI MESMO PROCURA A SUA PRÓPRIA GLÓRIA, MAS QUEM PROCURA A GLÓRIA DE QUEM O ENVIOU, ESSE É VERÍDICO E NELE NÃO HÁ IMPOSTURA.” (Jo 7,16-18)
Se as almas assimilassem as inefáveis e Eternas maravilhas da Ordem Sobrenatural, amaldiçoariam os momentos em que trocaram o Criador pela criatura. Pois que um só aumento de Graça Santificante na alma fiel vale infinitamente mais do que todo o Universo natural.
Que importam as afrontas das criaturas, os desprezos das criaturas, se podemos e devemos oferecer, Sobrenaturalmente, todos esses agravos a Deus Nosso Senhor?
Quando Nosso Senhor nos manda dar a outra face ao agressor, quer fundamentalmente que não nos atribuamos uma importância que não temos; quer que compreendamos que a verdadeira ofensa, é a ofensa a Deus, sendo todas as outras ofensas essencialmente medidas por esta.
É certo que podemos e devemos defender-nos junto dos orgãos do Estado, ou com as nossas próprias mãos, se a situação o exigir; mas sempre num sentido DE JUSTIÇA EMINENTEMENTE OBJECTIVA, E NÃO COMO VINGANÇA SUBJECTIVA. E é precisamente neste campo que mais se fazem sentir as consequências do pecado original: A INCAPACIDADE PARA A OBJECTIVIDADE, O NAUFRÁGIO NO PRÓPRIO EGO.
Se lográssemos eliminar esta enorme miséria humana, por definição, obliteraríamos todas as outras; pois assim como existe necessária proporcionalidade no conjunto das virtudes; tal se verifica anàlogamente nos vícios.
Nunca se pense que a falta de calor humano Sobrenatural em determinadas comunidades é constitutiva de uma maior santidade – pois é precisamente o contrário. Nos Evangelhos contemplamos em Nosso Senhor Jesus Cristo, verdadeiro Deus e verdadeiro Homem, como a mais singela Caridade para com o próximo, TEM DE COINCIDIR, com o mais profundo e acrisolado amor Sobrenatural a Deus, sobre todas as coisas. Esse constituiu também o exemplo irrevogável de todos os santos, canonizados ou não. O tipo frio, altivo, seco, pessoalmente duro, é constitutivo, não do homem santo pela Graça de Deus – mas do condenado.
A riqueza absolutamente inefável da Ordem Sobrenatural consubstancia o soberano Mistério, a sublime felicidade, em que permanecendo A DISTÂNCIA METAFÍSICA INFINITA entre o Criador e a criatura, se processa concomitantemente UMA APROXIMAÇÃO ONTOLÓGICA, UM LUME ARDENTE DE INTIMIDADE: NA ENCARNAÇÃO DO VERBO DE DEUS, NA SAGRADA EUCARISTIA, NA INHABITAÇÃO DA GRAÇA SANTIFICANTE, E NOS DONS DO ESPÍRITO SANTO. Pois que tomando uma Natureza Humana, sofrendo e morrendo na Cruz, Nosso Senhor deu-nos a possibilidade de PARTICIPARMOS, ACIDENTAL, MAS REALMENTE, NA NATUREZA DIVINA PELA GRAÇA, BEM COMO DE NOS UNIRMOS ÌNTIMAMENTE A ELE NA SAGRADA EUCARISTIA. Que podemos querer mais, se de Deus Nosso Senhor já recebemos absolutamente tudo? Que representam as nossas brigas pessoais, a luta pelas riquezas perecíveis e por afectos estritamente humanos, se Deus Nosso Senhor tudo nos disponibilizou?
Pois como dizia São Paulo, se Deus nos deu o Seu próprio Filho como não nos há-de dar todas as coisas com Ele?
Nunca duvidemos da nossa Herança Sobrenatural, Eterna e indissolúvel, DA QUAL NINGUÉM, NENHUM PODER DESTE MUNDO, NOS PODERÁ ARREBATAR. AS HUMILHAÇÕES E SOFRIMENTOS DESTE POBRE VIDA CONFIGURAM-NOS COM NOSSO SENHOR, DESPOJAM-NOS EFICAZMENTE DE NÓS MESMOS, OBJECTIVANDO SOBRENATURALMENTE TODO O NOSSO PENSAR, TODO O NOSSO SENTIR, E TODO O NOSSO AGIR.
LOUVADO SEJA NOSSO SENHOR JESUS CRISTO
Lisboa, 4 de Novembro de 2014
Alberto Carlos Rosa Ferreira das Neves Cabral
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