Henrique VIII, com a terceira mulher Jane Seymour de quem divorciou logo a seguir, (Hans Holbein). |
Depois de 19 anos de união conjugal com Catarina de Aragão obcecado por uma paixão ilegítima, pediu Henrique VIII a dissolução do matrimônio sob pretexto de nulidade.
Negou-lha a Igreja, que à complacência de frontes coroadas nunca sacrificou um princípio moral.
Henrique rompe com a Sé Apostólica; a Tomás Moore, que, com serena hombridade, lhe repetia o non licet do Batista, manda, novo Herodes,decepar a cabeça; arvora-se em reformador e une-se com Ana Boleyn, que manda decapitar quatro meses depois.
No dia da execução, o rei vestiu-se de branco e na manhã seguinte esposa Joana Seymour. Falecida Seymour a breve trecho, une-se a Ana de Cleves, para despedi-la logo, porque lhe não agradava.
Agrada-lhe, porém, Catarina Howard, mas por pouco; seis meses apenas volvidos, manda cortar-lhe a cabeça por adultério. Finalmente casou com Catarina Paar, que sobreviveu ao tirano, e duas semanas depois da sua morte, já havia contraído novas núpcias.
Fonte: Cfr. Dixon (protestante), History of the church of England from the aboliton of the roman jurisdiction, I, 384; II, 327; III, 9.
E mister retroceder aos anos de decrepitude do paganismo e às monstruosidades impudicas e sanguinárias de Calígula ou de Tibério, para encontrar espetáculo semelhante. E foi neste charco de lodo e sangue que se embalou o berço da Reforma na Inglaterra!
Jan van Leiden, líder da seita extremista 'anabatista' instalou em Münster um regime teocrático comunista e com poligamia. |
Por que não havia de pregar para o homem “os costumes fanerógamos”, que mais tarde reclamará Fourier? Foi quanto fez o protestantismo.
Os anabatistas logo de princípio professaram e praticaram, sem pejo, a mais desavergonhada poligamia. João de Leida, um dos seus chefes, contava nada menos que 14 mulheres.
Direis: extremos de uma facção que se atirou logo à nimiedade dos mais escandalosos excessos de que se não deve responsabilizar toda a Reforma. Não, engano.
O ponto foi estudado, discutido, à luz das Escrituras já se vê, e sancionado pelos grandes mestres da seita.
Num comentário sobre o Gênese, afirma Lutero que “não é proibido ao homem ter mais de uma mulher”. Havendo Carlostadt autorizado uma bigamia, o chefe, consultado, respondia a 13 de janeiro de 1524:
“Confesso chãmente não poder proibir que alguém tenha muitas mulheres. À Escritura não repugna; não quisera, porém, ser o primeiro a introduzir este exemplo entre cristãos”.
Fonte: De Wette, II, 459.
Em 1527:O mesmo repete em 1528, Weimar, XXVI, 523 e em 1539, De Wette, VI, 243. No De Captivitate Babyloniae (Weimar, VI, 558) aconselha dessasombradamente a poligamia e a poliandria.
“Não é proibido que um homem possa ter mais de uma mulher; eu ainda hoje não o poderia impedir, mas não o quero aconselhar”.
Weimar, XXIV, 305.
Um episódio tirou-o logo desta hesitação e ofereceu-lhe a oportunidade de uma aplicação solene de sua edificante teoria.
Felipe, landgrave de Hesse, não estava satisfeito com uma só esposa; queria outra de sobressalente para as freqüentes viagens fora dos seus domínios.
Uma segunda consorte volante, além de muitas outras vantagens, representava a economia de enorme dispêndio no deslocamento da corte.
Mas, evangélico de consciência delicada, queria estar em paz com Deus e a sua igreja. Recorre, para isto, aos representantes autorizados do novo cristianismo.
Felipe, landgrave de Hesse: Lutero lhe autorizou ter várias mulheres. |
Assim, acrescentava ele, “se poderia viver mais alegremente, morrer pela causa do Evangelho, e empreender-lhe a defesa” contra os adversários.
Uma vez obtida a almejada licença, “far-lhes-ia tudo o que razoavelmente lhes pedissem como os bens dos mosteiros ou outras coisas semelhantes”. Em caso de recusa, ameaçava-lhes politicamente de recorrer ao imperador.
O landgrave sabia tocar todas as teclas sensíveis aos reformadores: o receio de um apelo ao imperador (era Carlos V), a perspectiva de novos bens eclesiásticos, a promessa de pôr as armas ao serviço do evangelho contra os papistas.
Quem, por um pontinho insignificante de moral cristã, havia de resistir à bateria de tantas seduções?
Reuniu-se o conselho, folheou-se a Escritura... e tudo se pôde legitimar. “Em consciência tranqüila podia o landgrave esposar segunda mulher, se a isto estivesse decididamente resolvido, contanto que o caso se conservasse secreto”.
O crime, praticado às ocultas, deixava de o ser. De fato, o segundo matrimônio foi celebrado em forma.
O príncipe declarou tomar segunda esposa “não por leviandade ou curiosidade”, senão por “necessidades inevitáveis do corpo e da consciência, que sua alteza havia explicado a muitos doutos, prudentes, cristãos e devotos pregadores, os quais lhe haviam aconselhado de assim tranqüilizar a alma e pôr em paz o espírito”, escrupuloso e delicado.
Com efeito, o precioso documento de autorização havia sido assinado por Lutero, Melanchthon, Bucero e cinco outros evangélicos teólogos de Wittemberga.
Fonte: Quem não dispuser de outros livros à mão poderá consultar os documentos autênticos deste edificantíssimo episódio em Bossuet, Histoire de variations, em anexo ao l. VI, ou melhor ainda em Janssen, Geschichte des deutschen Volkes,III (17-18), pp. 450-454, onde vêm indicadas as fontes.
Fonte: http://lumenrationis.blogspot.com.br/p/pe-lonel-franca-sj.html#15073114
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