“Sede sóbrios e vigiai, porque o demônio, vosso adversário,
anda como um leão que ruge, buscando a quem
devorar. Resistí-lhe fortes na fé”.
(Primeira Epístola de São Pedro 5, 8)
Gustavo Antônio Solímeo - Luiz Sérgio Solímeo
Desde a Antiguidade fala-se da possibilidade de homens serem transformados em bichos por artes mágicas. Assim, na Odisséia. Homero (séc. IX a.C.) conta que os companheiros de Ulisses foram transformados em porcos pela
feiticeira Circe. Já em tempos cristãos mencionasse casos de homens que, em consequência de pacto com o demônio ou por efeito de algum feitiço, transformam-se ou são transformados em animais. Em relatos de missionários europeus na África, no século passado e ainda neste século, e também na selva amazônica, aparecem menções a feiticeiros pagãos que se transformavam em animais para aterrorizar os padres e os neo-conversos.
Essa questão é estudada por São Tomás e outros Doutores, os quais negam a possibilidade de o homem ser transformado em animal. E isto por uma razão fundamental, de natureza filosófica: a alma humana não pode unir-se a um corpo como o de um bicho, que não é adequado a ela.
Os testemunhos entretanto são numerosos e dignos de crédito para que se possa duvidar da realidade dos fatos.
Como explicá-los, então, à luz da filosofia e da teologia católica?
O mesmo São Tomás assevera que o demônio pode deformar ao máximo os traços e os membros de um homem, dando-lhe uma aparência fantástica. Não mais do que isso. Contudo, ele pode agir também sobre a fantasia e os sentidos, quer da própria pessoa, quer daqueles que a vêem, de modo a que, por ilusão, tanto ela se sente transformada em bicho, como os demais têm a impressão de estar vendo um animal, ou um ser fantástico, meio homem meio animal: um lobisomem, por exemplo. (Cf. Suma Teológica, I,q.91; 105,a. ad 1; 114,a.4 ad 2.)
Os inquisidores Henrique Kramer e Jacó Sprenger analisam a questão e contam o caso de um homem que julgava transformar-se em lobo: de fato ele caía em sono profundo, e por ação do demônio sobre sua fantasia e sua sensibilidade, julgava que corria com os lobos, atacava e devorava crianças, satisfazia seus instintos com as lobas, etc. Na realidade, o demônio entrava em um lobo que fazia todos esses estragos, de maneira a deixar vestígios daquela alucinações.
Relatam ainda outro caso, de uma jovem que, tendo sido enfeitiçada por uma bruxa, era vista por todos como uma potranca, e ela própria se via assim. Levada à presença de São Macário, este sofria a ilusão dos demais e a via como ela era: uma bela moça. Rezando sobre ela, o Santo fez com que cessasse o encantamento e a jovem voltasse a se sentir e a ser vista normalmente. (H. KRAMER – J. SPRENGER, O Martelo das Feiticeiras, pp. 153-154.)
Às vezes o demônio pode possuir um animal (um lobo por exemplo), e fazê-lo realizar coisas fantásticas. Ele pode, ainda, para obter seus desígnios perversos, formar um boneco de animal ou ser fantástico, do mesmo modo que, como vimos, pode fazer o boneco de um homem. (Está poderia ser uma explicação para certos seres fantásticos como dragões, mulas- sem-cabeça, sacis-pererês, caiporas e outros tantos, assim corno fantasmas e assombrações que, mesmo deixando de lado os exageros e fantasias da imaginação popular exaltada, não há dúvida de que de vez em quando se manifestam realmente.)
Há inúmeros casos históricos de animais misteriosos, que assolam certas regiões dizimando o rebanho e aterrorizando as populações, sem que jamais se conseguisse capturá-los por meio de armadilhas, nem matá-los com armas de corte ou de fogo: as lâminas não penetravam em seus corpos e as balas de grosso calibre não lhes causavam o menor dano.
Um dos casos mais famosos foi o da besta feroz de Gévaudan (região da França) no reinado de Luiz XV (séc. XVIII), que até hoje intriga os historiadores; supõem alguns que se tratasse de um lobo possesso pelo demônio.
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