Para entender corretamente as
“Revelações” dos Gnósticos, é necessário libertá-las de toda a miscelânea
mitológica cuja elas estão ornadas ou, de preferência, emaranhadas, libertá-las
também de um vocabulário obscuro que tinha a pretensão de torná-las veneráveis.
Não falaremos nem de Éons, nem de Arcontes, nem de Pleroma, etc..
Dom Lagier, em sua obra sobre
“O Oriente cristão” – L’Orient
chrétien - enumera várias
proposições nas quais pode se resumir todo o ensino de nossos hereges. Veremos
que a partir destas afirmações estranhas, pode-se extrair todos os grandes
erros do mundo moderno.
1º “O Deus cujo nos fala o Antigo Testamento
é provavelmente uma divindade inferior, ele não é o verdadeiro Deus. Muito
acima Dele está o Ser supremo, único princípio de tudo o que existe“.
Os Gnósticos têm praticado um
anti-biblismo sistemático. Eles inverteram todas as afirmações do Gênesis. Sua
cosmologia é uma máquina de guerra construída contra Javé, o Deus criador. O
mundo em sua essência é divino. O Ser supremo é um abismo original donde saíram
todas as potências espirituais. Esta já é uma primeira forma de panteísmo.
Yahavé Sabaoth, o Deus criador do Gênesis, é uma emanação do Ser supremo; ele
se revoltou contra ele prendendo numa matéria degradada e má os seres puros,
espirituais, emanados do grande abismo. Ele foi um demiurgo (= arquiteto)
inábil. Ele é a fonte de todos os males. Eis uma explicação para a origem do
mal e a designação do grande culpado, o Deus que os Cristãos adoram.
2º “A matéria, em si, se opõe a Deus“.
Compreendamos bem que esta
matéria não é uma emanação do Ser supremo, mas uma criação do demiurgo, obra
inábil que vai se opor à perfeição do poder divino, entravar sua expansão.
Houve então neste ato criador um erro, uma desfiguração dos seres espirituais,
uma “queda original”, não a do pecado de Adão, mas a do Pecado de Javé.
3º “Deus se desdobra e se revela gradualmente
por potências celestes, por seres divinos em sua origem“.
Esta é a doutrina da emanação
(emanare = difundir-se para fora de si). O mundo é uma divindade que se
difunde para fora de si mesmo, por uma extensão de seu ser; o mundo é um
Deus-Ser supremo em perpétuo crescimento. Do abismo original, esse Deus
engendra uma multidão de seres que são apenas parcelas de si mesmo. O mundo é um
perpétuo tornar-se. Ele é divino por natureza, visto que
engendrado, e não criado. Infelizmente! Javé formou a matéria, ele desfigurou
esse mundo, ele assim entravou a expansão dele, a evolução rumo a essa
plenitude divina que os Gnósticos chamam de “Pleroma”.
Ademais, Deus se revela no
interior do mundo por seus enviados, seres divinos, engendrados por ele, que,
em intervalos regulares, vão recordar aos homens decaídos e prisioneiros da
matéria que eles também são divinos. É preciso, portanto, uma revelação
contínua: vê-se surgir aí os primeiros lineamentos da lenda dos Grandes
iniciados. A Gnose é uma “revelação” de uma realidade oculta.
4º “A matéria está mesclada com centelhas
divinas; essas centelhas
saem de sua prisão material graças ao Cristo que age nos ritos sagrados da
magia“.
A alma humana é, portanto,
divina (centelha ou brilho de um Deus que se estende a todos os seres). O corpo
é um invólucro de terra, uma prisão cuja é preciso se livrar para fazer surgir
esta divindade que reside em nós. O Cristo é o maior dos Iniciados enviados do
alto. Ele vai ensinar aos homens que eles são divinos. “Olhem no interior de
vós mesmos e vereis aí vossa própria divindade”, tal é a fórmula repetida no
evangelho de Tomás. Por isso, é preciso libertá-los desta prisão material que
esconde deles sua verdadeira natureza. Desperta-te! Entendas, enfim! Conheças
então vosso caráter divino! Não é necessário conquistar à força de vossa ascese
uma semelhança com Deus. Já sois divino, mas não o sabeis. Este conhecimento
vos libertará. Esta é a “Salvação pela Gnose” (= conhecimento).
Reencontramos aqui quase as
fórmulas modernistas da imanação vital: Deus permanece no homem (manere in =
reside em), o homem só precisa voltar seu olhar para o interior de si mesmo
para aí encontrá-lo.
5º “A ação do Cristo foi real, mas sua
humanidade carnal nunca foi senão uma aparência enganadora: a paixão e a
ressurreição são apenas símbolos irreais“.
Evidentemente, um enviado
divino não pode ter sofrido a degradação de um corpo material. Ele precisou
então tomar a forma material para se fazer conhecer e poder agir de forma
eficaz junto dos homens, eles também prisioneiros de seus corpos físicos.
Contudo Cristo não tinha de resgatar por uma paixão os pecados dos homens,
visto que estes não existem. Há somente um único pecado, o “pecado do mundo”, o
pecado deste Javé que desfigurou por sua criação a expansão da divindade.
Cristo não veio libertar os homens de suas faltas: ele não lhes ensinou um
“caminho”, um caminho a ser percorrido para atingir uma perfeição possível
futura. Ele lhes “revelou”, ou seja, “desvendou” o que eles não sabiam, que
eles eram Deus, já, desde sempre.
6º “O divino que está acorrentado na matéria,
ou seja, a alma humana, não é responsável pela carne que o oprime. O espírito continua
puro: ele não é solidário das paixões, nas faltas cometidas“.
Eis enfim onde é preciso
chegar! O gnóstico recusa aos homens a responsabilidade de seus atos. Visto que
a matéria é má, nosso corpo carnal só pode produzir atos maus. Porém esse corpo
é nossa prisão. Nossa alma, “centelha divina”, não pode ter a menor relação com
qualquer mal que seja. Como explicar tudo isso? Decompondo o homem em três
partes: um corpo material, o “soma”, uma animação propriamente fisiológica, “a
psique”, e uma alma espiritual de essência divina, o “pneuma”. Esta
estrutura ternária do homem é uma invenção genial: a sede das paixões, a
“psique”, é uma potência má ligada à matéria, que ela apoia na existência; é
preciso se livrar dela o mais cedo possível. O “pneuma” permanece impassível,
espectador indiferente das vãs agitações do corpo.
Esta divisão ternária do homem
é encontrada no ocultismo moderno, que utiliza outro vocabulário para designar
as mesmas realidades: eles concebem um mundo espiritual, um mundo astral, um
mundo material. O homem é composto por um corpo, por um dúplice e por uma alma!
Velho procedimento para tirar do homem sua verdadeira responsabilidade e lhe
recusar o domínio de seus atos.
Reencontra-se nesta exposição
todo o protestantismo. Lutero não afirmou que o homem era incapaz de um ato
bom, que as obras são inúteis e que só nos salvamos pela fé?
7º “As leis escritas e as leis naturais foram
concebidas por deuses inferiores e não são sempre homologadas pelo verdadeiro
Deus, cuja essência ultrapassa qualquer pensamento e cuja natureza é indicível“.
Os Gnósticos são por definição
antinomistas, ou seja, eles recusam qualquer lei. Um ser de essência divina não
necessita de lei, esta sendo um meio para atingir um fim. Ora, o ser divino é
ele próprio seu fim. Além do mais, uma lei é recebida por uma autoridade que os
submete a ela. Um ser divino é totalmente mestre de si e não precisa de
submissão. Esta lei natural cuja falam os Gnósticos é uma construção arbitrária
de um espírito malevolente que quer submeter os demais seres aos seus
caprichos, é uma sujeição indigna de uma “centelha divina”. Javé quis prender
nossa natureza divina num corpo material e nos impor seus caprichos. Eis um
grande motivo de indignação para nossos sectários. O verdadeiro Deus é a
plenitude da Divindade, o “Pleroma”. Sua essência é conter todos os seres,
englobá-los num imenso “Todo”. Não se pode defini-Lo, porque ele transcende
todos os limites; ele é o “Grande Tudo”, o “Abismo inominado”. A salvação para
a alma divina é se perder nele.
Encontra-se nesta última
proposição a revolta daquele que pronunciou o “non serviam” e que
disse para Adão e Eva: “Eritis sicut Deis“, se comerdes da Árvore do
Conhecimento (= Gnose).
8º O culto da serpente.
Existia entre as seitas
gnósticas a dos Ofitas ou Naasanes (ophis em grego e naas em hebreu significam serpente): estes
são os grandes Gnósticos, aqueles que mais longe penetraram no mistério das
revelações: “Veremos a serpente, dizem eles, porque Deus a criou por causa da
Gnose, para a humanidade: ela ensina ao homem e à mulher o conhecimento
completo dos mistérios do alto”. Eles se reúnem em torno de uma mesa, eles
dispõem os pães, em seguida eles chamam, com encantamentos, a serpente que vem
se enrolar entre as oferendas. Somente então eles compartilham os pães… Eis aí,
pretendem eles, o sacrifício perfeito, a verdadeira eucaristia…
Assim, o círculo é fechado.
Todas estas elucubrações pretendidamente sábias são destinadas, na realidade, a
desviar os Cristãos da adoração do verdadeiro Deus e levá-los rumo à adoração
da Serpente, supremo fim da seita: esta celebração satânica se parece, ao ponto
de se confundir, com a cena rosa-cruciana praticada na sexta-feira santa nos
rituais maçônicos do 18º grau.
COUVERT, Etienne. De
la gnose à l’oecumenisme. Tradução de Robson Carvalho. Montreuil,
Éditions de Chiré, 1983, p.16-22.
LINK DA POSTAGEM: http://catolicosribeiraopreto.com/o-ensino-da-gnose/
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