“Numa conferência que realizou
em Annecy, em 1987, Dom Lefebvre expusera a horrível situação na qual se
encontravam, depois do Concílio, “as lideranças um pouco fortes da Tradição“, aqueles que tinham
conservado a missa antiga, a batina, etc.. Ele afirma que ocorreu uma
verdadeira perseguição, e que alguns bispos e padres morreram de desgosto, e
nos dá até alguns exemplos disso”. (Trecho do Rocher, nº 45 de fevereiro-março de
2007)
“Como eles (os liberais) ganharam no Concílio (Vaticano II) – é
preciso dizê-lo: eles ganharam -, eles ocuparam imediatamente as posições. Como
num Estado: os socialistas ganham ao governo, imediatamente eles destituem
todos aqueles que não são favoráveis ao socialismo, e colocam socialistas no
lugar, é óbvio. É o que fizeram no Vaticano.
Tão logo os liberais ganharam, imediatamente então todos os
conservadores foram eliminados da cúria de Roma e, em todos os bispados onde
havia lideranças um pouco fortes da tradição, todos esses foram eliminados;
muitos apresentaram sua própria renúncia. Vendo o que acontecia na Igreja, eles
ficaram de tal modo perturbados, de tal modo agoniados, que eles apresentaram
sua renúncia.
UMA VERDADEIRA GUERRA CONTRA
TODOS OS BISPOS QUE ERAM TRADICIONAIS
Pego um exemplo, o do arcebispo de Dublin, que eu conhecia muito
bem, que era um dos meus amigos, visto que ele era ao mesmo tempo membro da
Congregação dos Padres do Espírito Santo, cuja eu fora o superior geral durante
6 anos, Dom McQuaid[1]. Ele apresentou sua renúncia, (e) quinze dias depois ele
morria. Esse arcebispo morreu de desgosto! Eu o conhecia bem: ele morreu de
desgosto. Ele era ligado à Roma, ao Santo Padre, de toda sua alma. Recusar que
ele pudesse ver o Santo Padre, sentir-se de algum modo como que expulso de
Roma, ele não pôde suportar isso, sua saúde não aguentou. E quantos, quantos,
quantos bispos assim!
Posso lhes citar ainda
outro caso, o de Dom Morcillo[2], arcebispo de Madri. Dom Morcillo era um dos
secretários do Concílio (eles não eram numerosas, eram 5 ou 6 secretários do
Concílio). Todos os secretários do Concílio foram feitos cardeais depois do
Concílio, salvo Dom Morcillo, arcebispo de Madri, todavia; ele também teria
podido ser feito cardeal, por que não? Porque ele era conservador, porque ele
era muito firme em suas ideias. Bem, ele também morreu de desgosto, por sentir
que ele tinha se tornado uma persona non
grata, que ele tinha se tornado alguém repugnante, que rejeitavam, que não
podia ser cardeal, enquanto que todos os demais tinham sido feitos cardeais –
não é que ele tivesse a vontade de ter o chapéu de cardeal, ele era um homem
muito humilde -, mas ainda assim isto é inadmissível! Então respondiam sobre
isso (às pessoas que faziam objeções, a espanhóis que não entendiam por que
todos os secretários do Concílio tinham sido feitos cardeais e seu arcebispo de
Madri não o tinha sido, por quê?), respondiam:
“Ah, mas Madri não é uma cidade cardinalícia. O primado da Espanha
é Toledo, não Madri!”
De fato, havia um cardeal em Toledo. Mas fizeram um cardeal em
Lille, em meu país, onde nunca houvera cardeal. Eles podem fazer cardeais, eles não precisam de um título especial. Além do
mais, a melhor prova é que quando ele morreu, o arcebispo[3] que foi nomeado
depois dele foi feito imediatamente cardeal em Madri! Um falso motivo, vejam. E
que cardeal lhe sucedeu! Ele era favorável ao duplo casamento na Espanha,
casamento civil para aqueles que o desejassem, depois casamento religioso para
aqueles que também o desejassem, para os católicos; eles podiam escolher, eis o
que o cardeal de Madri, sucessor de Dom Morcillo, apresentou como projeto à
assembleia dos cardeais e bispos da Espanha!
Isso só mostra que havia uma guerra contra todos aqueles que eram
tradicionais. Então não devemos nos espantar de que eu ainda seja perseguido, e
que eu tenha sido perseguido rapidamente depois do Concílio, isso é óbvio! Se
eu ainda tivesse uma sé (episcopal) naquele momento, é óbvio que eu também
teria sido rapidamente eliminado. Mas como eu era superior geral dos Padres do
Espírito Santo, superior de uma congregação, era mais difícil.(…)
VI PADRES CHORAREM
A situação depois do Concílio era horrível para aqueles que eram
da Tradição, que tinham conservado a Tradição. Havia uma perseguição, e ainda o
há agora. Todos vocês conhecem casos de padres, não é mesmo?, nas dioceses, que
são perseguidos: Por quê? Porque eles conservam a missa antiga, porque eles
conservam a batina, porque eles ainda falam um pouco de latim. Eles são
perseguidos até nas menores cidades. Tão logo um padre quer conservar a
tradição, ele é imediatamente perseguido por seu bispo, perseguido pelo clero
local, é horrível, vocês sabem! Vi padres chorarem, chorarem de dor.
“Mas, enfim, o que temos feito? Só fazemos o que nos pediram desde
que entramos no seminário, continuamos nossa missa como a aprendemos, como
fomos ordenados, rezamos do mesmo modo, ainda realizamos nosso apostolado, não
mudamos nada.
Antes éramos preferivelmente louvados por nossos bispos, éramos
encorajados por nossos bispos, e, de repente, agora, desde esse concílio, nos
tornamos malfeitores, pessoas que é preciso perseguir, pessoas que deveriam ser
eliminadas das dioceses”.
Isso é terrível, terrível.
“O SENHOR NÃO VOLTA AO SENEGAL”
Ultimamente, um dos únicos padres africanos, Padre do Espírito
Santo, que dizia a missa antiga[4], que nunca disse a missa nova, disse:
“Eu não, eu fui ordenado com a missa antiga, e conservo a missa
antiga até minha morte, não há nada a se fazer, não mudo em nada”.
Ele ficou na selva, um missionário que eu conhecia bem, que estava
no Senegal, que eu tinha como missionário, quando era bispo em Dakar: um
excelente missionário, pobre, vivendo de modo humilde, como os africanos da
selva, magnífico missionário, conhecedor da língua, que falava como um nativo.
Ele voltou ultimamente para casar uma de suas sobrinhas, da região
de Melun, ele fez o casamento de sua sobrinha, havia 40 anos que ele estava no
Senegal, então o provincial dos Padres do Espírito Santo lhe disse:
- Não, o senhor não volta mais ao Senegal, acabou.
- Mas por quê? O que fiz?
- Ah, porque o senhor diz a missa de São Pio V.
- Claro, digo a missa de São Pio V! Que mal faço? Meus africanos
estão muito felizes com a missa que digo, sempre disse a mesma missa, não mudei
em nada, continuo como outrora, eles estão muito felizes.
- Não, o senhor não voltará mais ao Senegal.
Este missionário, que estava ligado de alma e de corpo a estes
africanos, a este vilarejo, e que queria morrer lá, não pôde voltar, e tomei
conhecimento de que ele estava em le Gard, na casa de seus amigos, abandonado
pelos Padres do Espírito Santo. Acho sinceramente que ele contraiu câncer
corroído pela dor, corroído pela dor de não poder mais voltar à África. E ele
morreu há três semanas.
MORRO CELEBRANDO A SANTA MISSA
E recebi o comunicado feito por suas duas irmãs e seus dois irmãos
casados: eles tiveram a coragem de escrever nesse comunicado impresso: “Morto por ter
continuado a celebrar a missa de São Pio V“. É a primeira vez que vejo
isso num comunicado impresso: “Morto por ter continuado a celebrar a missa“.
Escrevi à sua irmão, e disse:
“Meu Deus, te agradeço, ao menos colocastes o verdadeiro motivo
pelo qual este pobre missionário morreu”.
Então ela me disse:
“Monsenhor, não sabia que tinha um irmão tão santo, cuidei dele,
nos dois dias anteriores à sua morte, ele estava sobre seu leito de morte, ele
não me olhava mais, ele estava completamente tomado por sua missa, ele celebrou
a santa missa deitado em sua cama, recitou todas as orações, do início ao fim,
como sempre, ele consagrou uma hóstia, comungou sobre seu leito de morte,
porque ninguém veio ajudá-lo a morrer, e na véspera de sua morte, ele ainda
repetiu as palavras da consagração da missa, ele não me olhava mais, ele estava
tomado, sua missa, e ele partiu assim, em sua missa, fora magnífico, não sabia
que tinha um irmão tão santo”.
Estes são exemplos, exemplos vividos, há três semanas, ele não é
antigo. A perseguição! E durante este tempo falam de caridade, eles o
abandonaram, abandonaram, ninguém veio para apoiá-lo, para consolá-lo, para
assisti-lo em sua santa morte, (isto é) uma abominação, uma abominação!
Dom Marcel Lefebvre
__________
Notas:
[1] Dom John Charles McQuaid,
C.S.Sp. (1895-1973).
[2]
Dom Casimiro Morcillo González (1904-1971).
[3]
Cardeal Vicente Enrique y Taracón (1907-1994).
[4]
O padre Pierre Bouvet (1919-1987).
* Nota dos editores: Como se trata da tradução de uma conferência
oral, tentamos preservar ao máximo as nuances do discurso original, fazendo
pequenas correções ou complementações para tornar a leitura mais fácil.
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